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1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Instituição Credenciada pelo MEC – Portaria 4.385/05 Unis - MG Centro Universitário do Sul de Minas Mantida pela Fundação de Ensino e Pesquisa do Sul de Minas – FEPESMIG Varginha/MG Todos os direitos desta edição reservados ao Unis-MG. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou parte do mesmo, sob qualquer meio, sem autorização expressa do Unis-MG. 4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SILVA, Guaracy. Guia de Estudos – Administração Pública – Guaracy Silva. Varginha, 2015. Revisão: 2017. 66p. 5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Reitor Prof. Ms. Stefano Barra Gazzola Superintendente Corporativo Prof. Dr. Guaracy Silva Diagramação e Revisão Profa. Ma. Letícia Veiga Vasques Autor Guaracy Silva É Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, tendo realizado estágio sanduíche na Universidade de Lisboa. Possui graduação em Administração de Empresas pela Sociedade Riopretense de Ensino e Educação (1996) e mestrado em Administração pelo Centro Universitário de Franca - UNIFACEF (2005). Atualmente é Superintendente Corporativo do Grupo Educacional UNIS e professor dos programas de graduação e pós- graduação da mesma instituição. Atuou em empresas como Ullian Esquadrias Metálicas e MGM Produtos Siderúrgicos, sendo responsável pelo RH. Pesquisa temas relacionados a gestão de instituições de ensino superior, tendências na oferta do ensino superior, políticas públicas para o ensino superior em especial o PNE. 6 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ÍCONES REALIZE. Determina a existência de atividade a ser realizada. Este ícone indica que há um exercício, uma tarefa ou uma prática para ser realizada. Fique atento a ele. PESQUISE. Indica a exigência de pesquisa a ser realizada na busca por mais informação. PENSE. Indica que você deve refletir sobre o assunto abordado para responder a um questionamento. CONCLUSÃO. Todas as conclusões, sejam de ideias, partes ou unidades do curso virão precedidas desse ícone. IMPORTANTE. Aponta uma observação significativa. Pode ser encarado como um sinal de alerta que o orienta para prestar atenção à informação indicada. HIPERLINK. Indica um link (ligação), seja ele para outra página do módulo impresso ou endereço de Internet. EXEMPLO.Esse ícone será usado sempre que houver necessidade de exemplificar um caso, uma situação ou conceito que está sendo descrito ou estudado. SUGESTÃO DE LEITURA. Indica textos de referência utilizados no curso e também faz sugestões para leitura complementar. 7 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA APLICAÇÃO PROFISSIONAL. Indica uma aplicação prática de uso profissional ligada ao que está sendo estudado. CHECKLIST ou PROCEDIMENTO.Indica um conjunto de ações para fins de verificação de uma rotina ou um procedimento (passo a passo) para a realização de uma tarefa. SAIBA MAIS.Apresenta informações adicionais sobre o tema abordado de forma a possibilitar a obtenção de novas informações ao que já foi referenciado. REVENDO. Indica a necessidade de rever conceitos estudados anteriormente. 8 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Sumário Objetivos Específicos da Disciplina ........................................................................................... 9 Introdução .................................................................................................................................. 10 1 Histórico da Administração Pública no Brasil .................................................................... 13 1.1. Brasil Colônia ................................................................................................................... 14 1.2. Brasil Império ................................................................................................................... 15 1.3. Brasil República (República Velha) ................................................................................. 17 2 Estratégias e Modernização da Administração Pública ..................................................... 20 2.1. A evolução do Estado brasileiro ....................................................................................... 21 3 Gestão do Estado: Problemas e Perspectivas ....................................................................... 32 3.1. Patrimonialismo e Administração Patrimonial ................................................................. 33 3.2. Administração Pública Burocrática .................................................................................. 34 3.3. Administração Pública Gerencial ..................................................................................... 35 3.4. Patrimonialismo Brasileiro Contemporâneo .................................................................... 38 3.5. Do Estado máximo para o Estado mínimo ....................................................................... 41 4 Relações entre Estado e Sociedade Civil .............................................................................. 44 4.1. Conceitos e modalidades de Estado ................................................................................. 44 4.2. Sociedade civil: cidadania, conselhos, organizações da sociedade civil e orçamento participativo ............................................................................................................................. 46 5 A Ética na Administração Pública ........................................................................................ 52 5.1. Efeitos da corrupção e medidas de combate à corrupção ................................................. 52 5.2. A Administração Pública voltada para o cidadão: novo paradigma de gestão pública .... 54 5.3. Ética na Administração Pública: ética do servidor público, Comissão de Ética Pública, rede ética e ordenamento jurídico ........................................................................................... 55 6 E-governo ................................................................................................................................ 58 6.1. Internet no setor público brasileiro: e-governo e tipos de serviços oferecidos ................ 59 6.2. Compras no setor público ................................................................................................. 61 Considerações Finais ................................................................................................................. 64 Referencias Bibliográficas ........................................................................................................ 65 9 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Objetivos Específicos da Disciplina a) Descrever a evolução da Administração Pública, do início da colonização portuguesa até a presente data, situando-a no contexto econômico e sociocultural do país. b) Citar conceitos básicos de Administração Pública brasileira. c) Compreenderas recentes mudanças introduzidas na Administração Pública do país, nas três esferas de governo, bem como os principais marcos legais e institucionais. 10 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Introdução Considerando os objetivos gerais do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão em Administração Pública, primeira fase do Curso de Gestão e Assessoramento de Estado-Maior (CGAEM), que são: 1) Assessorar o gestor público em assuntos de Administração Pública; 2) Planejar atividades administrativas; 3) Coordenar o processo administrativo; 4) Acompanhar, controlar, avaliar e aperfeiçoar o processo administrativo; 5) Buscar o auto-aperfeiçoamento por meio da leitura de impressos especializados e do intercâmbio com profissionais da área de Administração Pública. E considerando ainda os objetivos particulares da disciplina Administração Pública, que são: 1) Descrever a evolução da Administração Pública no Brasil, do início da colonização portuguesa até a presente data, situando-a no contexto econômico e sociocultural do país; 2) Citar conceitos básicos de Administração Pública brasileira; 3) Compreender as recentes mudanças introduzidas na Administração Pública do país, nas três esferas de governo, bem como os principais marcos legais e institucionais. Apresento na sequência aspectos que serão tratados em cada uma das seis Unidades Didáticas. Na primeira unidade – “Histórico da Administração Pública no Brasil” - visitaremos os principais aspectos da Administração Pública brasileira, desde a sua origem no período colonial, passando pelo período imperial até o início do período republicano (República Velha). Veremos que durante o período colonial o Estado foi na verdade um “todo indiferenciado que abrangia o indivíduo, uma miríade de instâncias e jurisdições”. Já no período imperial constataremos que a “transferência da Corte portuguesa e de todo o seu aparato” contribuíram para a organização do Estado tal qual o consideramos atualmente. Na República Velha observaremos que houve, por parte do Estado, preocupação, ainda que inicial, com a eficiência administrativa e descentralização. 11 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Na segunda unidade – “Estratégias de Modernização da Administração Pública”- compreenderemos a evolução do Estado brasileiro. Inicialmente visitaremos o primeiro governo Vargas, onde a marca principal foi a alternância entre centralização e descentralização do Estado e a criação de inúmeros organismos de governo e empresas estatais. No período imediatamente posterior, foi restaurada a harmonia entre os poderes e a autonomia dos estados, e o Estado ampliou direitos sociais. No segundo governo Vargas foram observadas iniciativas no sentido da reforma administrativa do Estado. Na presidência de Juscelino Kubitscheck foi criada a Comissão de Simplificação Burocrática – COSB. No ano de 1964, outra iniciativa no sentido da racionalização teve início, foi criada a Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa - COMESTRA. Veremos ainda que em 1967 a reforma administrativa desenvolvimentista redesenhou a estrutura organizacional do Estado, ampliou sua descentralização, entre outras iniciativas. Nos governos Sarney e Collor, foram notadas a formulação de políticas de Recursos Humanos e contenção de gastos e uma robusta mutação no ambiente interno, respectivamente. Na terceira unidade – “Gestão do Estado: Problemas e Perspectivas” - revisitaremos o conceito clássico de patrimonialismo, considerando o contexto histórico em que foi criado. Passaremos a tratar da Administração Pública burocrática weberiana, e suas formas de dominação. Na sequência nos debruçaremos sobre a Administração Pública Gerencial, cujo maior teórico brasileiro foi Bresser-Pereira; trataremos de suas concepções sobre Estado, governo e sociedade. Infelizmente constataremos que o lado mais sombrio do patrimonialismo brasileiro resiste à adoção de práticas de uma Administração Pública mais efetiva e justa. Por fim, discutiremos as diferentes opiniões sobre a presença do Estado na esfera pública, contemplando os principais teóricos do Estado máximo e os seus antagonistas, que consideram que o Estado mínimo pode ser o ideal para a atualidade. Na quarta unidade – “Relações entre Estado e Sociedade Civil” -, faremos uma breve leitura sobre os principais conceitos e modalidades de Estado, e entenderemos que o Estado moderno compreende quatro diferentes contextos: social, político, jurídico e econômico. Na mesma unidade, constataremos que a sociedade civil contemporânea identificou formas de participação efetiva nas decisões que lhe afetam; na atualidade são comuns no Brasil diferentes conferências no âmbito municipal, estadual e nacional que deliberam ações nas áreas da educação, saúde e assistência social, para ficarmos em um único exemplo. 12 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A “Ética na Administração Pública” é o tema da quinta unidade deste Guia de Estudos. Nela, trataremos dos efeitos nocivos da corrupção, prática arraigada na Administração Pública e, as medidas adotadas para o seu combate. Em posição antagônica à corrupção, veremos como está concebida uma Administração Pública de fato voltada para o cidadão, em grande medida apoiada nos avanços da tecnologia da informação. Discutiremos aspectos como a instituição da Comissão de Ética Pública e o surgimento e fortalecimento de organizações sociais comprometidas com a manutenção da ética na Administração Pública. Na sexta e última unidade, analisaremos um tema muito próximo ao da quinta unidade: o “E-governo”, que, ao mesmo tempo, assegura maior eficiência ao Estado e se constitui em um obstáculo à adoção de más práticas em ações governamentais como nas compras públicas. Considerando a profusão e extensão dos temas que serão tratados nesta disciplina, bem como o tempo exíguo de sua duração no Ambiente Virtual de Aprendizagem, optei pela análise conjunta (compreendendo os fundamentos, a evolução histórica e o contexto atual) dos diferentes conteúdos, proporcionando uma visão ao mesmo tempo ampla e pragmática dos conteúdos que serão desenvolvidos nas atividades e na avaliação presencial (prova). Espero que o prazer que senti no desenvolvimento deste material seja compartilhado por vocês, neste próximo momento, quando refletiremos de forma conjunta sobre o mesmo! Que tenhamos todos um significativo e rico período de aprendizado e reflexão! Abraços, Prof. Guaracy Silva 13 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1 Objetivo específico Identificar as etapas históricas da Administração Pública no Brasil. A humanidade, ao longo dos últimos séculos, vivenciou diversas mudanças em relação ao papel do Estado. Observa-se que o Estado, após a transição do absolutismo para o Estado de Direito na idade moderna, fica submetido à lei. As revoluções inglesa, francesa e americana foram as responsáveis pela disseminação do “Estado Liberal e Democrático”, no qual o Estado fica também sujeito à sociedade. Finalmente, após um processo lento de incorporação das conquistas éticas à ordem jurídica, o Estado passa a se sujeitar à moral (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 55). O Estado brasileiro nasceu e se consolidou como Estado monárquico, portanto no período do Brasil Colônia a Administração Pública aqui existente tratava-se, de fato, de uma representação da Metrópole que visava prioritariamente atender aos interesses de Portugal. Durante o Brasil Império, e devido às circunstâncias, em especial à vinda da família real portuguesa para o Brasil, foram registradas ações para a estruturação de uma Administração Públicamais efetiva e que contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento de algumas das principais instituições brasileiras, ainda que com características que precisariam ser posteriormente desenvolvidas, conforme analisaremos. No período republicano, que é polissêmico e complexo, com diferentes fases, o Estado brasileiro foi sendo administrado com ênfases e finalidades distintas. Nesta primeira Unidade Didática analisaremos o período republicano até os anos de 1930. 1. Histórico da Administração Pública no Brasil 14 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1.1. Brasil Colônia Tomar o desembarque da Coroa portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, como marco para a construção do Estado nacional não significa dizer que nada existisse em termos de aparato institucional e administrativo. Havia na colônia uma ampla, complexa e ramificada administração (COSTA, 2008, p. 832). A Administração Pública presente no Brasil Colônia, ao longo de três séculos, não pode ser compreendida como única ou composta por modelos ou instrumentos tal como conhecemos atualmente. Portanto, ao analisarmos o período colonial, precisaremos abdicar da compreensão contemporânea de Estado (esfera pública e privada, níveis de governo, poderes distintos) e seus aparatos. Para Caio Prado Junior (1979, p. 299-300) o Estado representado pela administração colonial foi, ao mesmo tempo, um todo indiferenciado que abrangia o indivíduo em todos os aspectos e uma miríade de instâncias e jurisdições que iam do rei até o seu mais modesto servidor. O mesmo autor definiu o Estado de então como um cipoal de ordenamentos gerais, encargos, atribuições, circunscrições, disposições particulares e missões extraordinárias que não obedeciam a princípios uniformes de divisão do trabalho, simetria e hierarquia. Para Prado Junior (1979, p. 299-300) o caos legislativo convivia e permitia em alguns lugares funções que não existiam em outros, assim como permitia que servidores estabelecessem vínculos de subordinação direta que subvertiam a hierarquia e minavam a autoridade. São marcas do Estado presente na Colônia o vazio de autoridade, por um lado, e a extrapolação da mesma, por outro. O imenso território, o furor das populações indígenas e o perfil de muitos colonizadores contribuíram para que a Metrópole agisse, ao mesmo tempo, de forma autoritária, frágil e ineficaz. A centralização de decisões na Metrópole esvaziava a atuação dos governadores e juízes na Colônia. Havia uma miríade de regulamentos prescritos e todas as decisões, ainda que recursais, eram tomadas pela Coroa portuguesa e seu aparato administrativo. A lentidão na troca de mensagens provocava a inoperância ou a insubordinação dos prepostos aqui alocados (COSTA, 2008, p. 834). 15 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Conforme brilhante síntese do ex-ministro Beltrão, estavam no Brasil Colônia alguns dos fundamentos que marcariam a Administração Pública no Brasil por muitos séculos: A verdade é que o Brasil já nasceu rigorosamente centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima para baixo e de trás para adiante. Quando Tomé de Souza desembarcou na Bahia em 1549, nomeado governador-geral pelo regime absolutista e centralizador vigente em Portugal, já trouxe consigo um “Regimento” pronto e acabado, elaborado em Lisboa, que representou na verdade a primeira Constituição do Brasil. Ainda não havia povo nem sociedade, mas já existia, pré-fabricado e imposto, de alto e de longe, o arcabouço administrativo que deveria moldar a ambos (BELTRÃO, 1984, p. 18). Com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil mais um capítulo da história da administração pública começou a ser escrito. 1.2. Brasil Império É verdade que, até 1808, existia no Brasil e, sobretudo, na sede do governo geral (vice-reino) uma administração colonial relativamente aparelhada. Mas a formação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a instalação de sua sede na antiga colônia tornaram irreversível a constituição de um novo Estado nacional. Todo um aparato burocrático, transplantado de Lisboa ou formado aqui, em paralelo à antiga administração metropolitana, teve que ser montado para que a soberania se afirmasse, o Estado se constituísse e se projetasse sobre o território, e o governo pudesse tomar decisões, ditar políticas e agir (COSTA, 2008, p. 831). A transferência da Corte portuguesa acabou por ocasionar a criação de instituições e organismos úteis e necessários ao país tais como: o Banco do Brasil, os Correios, a Academia de Marinha, a de Artilharia e Fortificações, o Arquivo Militar, a Tipografia Régia, a Fábrica de Pólvora entre outros. Por outro lado, considerando os aproximadamente quinze mil portugueses que acompanharam a Corte portuguesa, foram também criados cargos e organismos desnecessários, entre os quais o Desembargo do Paço, o Conselho de Fazenda, cuja finalidade era a acomodação de alguns poucos privilegiados. 16 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O retorno de d. João VI e a permanência do príncipe herdeiro alterariam, de forma significativa, os rumos do Brasil, como bem demonstrou Costa: Com a derrocada de Napoleão I, a reorganização geopolítica da Europa e as agitações dos liberais no Porto, em 1821, d. João VI teve que retornar a Portugal e reassumir o controle político da metrópole. Ficaram no Brasil o príncipe herdeiro, na condição de regente dessa parte do Reino, e todo o aparato administrativo instalado pelo rei. D. Pedro I nomeou seu próprio ministério. (...) Os conflitos em matéria fiscal, as propostas em discussão nas cortes para a retomada da condição colonial do Brasil e a exigência do retorno do príncipe a Lisboa colocaram-no em franca oposição aos interesses da metrópole, ensejando a realização de uma sequência de atos políticos de peso que culminaram com a independência, pouco mais de um ano depois da partida de d. João VI. A sete de setembro de 1822, d. Pedro I declarou a independência e instituiu o governo do Brasil, valendo-se do aparato da regência do Reino Unido que se partia (COSTA, 2008, p. 837). A primeira Constituição do Brasil (1824) manteve a monarquia e constituiu um Estado unitário e centralizador, cujo território foi dividido em províncias, que substituíram as antigas capitanias hereditárias. Após dez anos de exercício de poder no Brasil, d. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho Pedro II, então com apenas cinco anos de idade, em meio a uma crise de grandes proporções. A Regência Trina que assumiu o poder enfrentou, assim como as que lhe sucederam, uma série de crises que terminaram por ensejar, em 1841, a declaração da maioridade do imperador menino, aos 15 anos de idade (COSTA, 2008, p. 838). Costa observou o movimento de descentralização do Estado imperial: Logo no início do período regencial, em 1832, foi feita uma reforma constitucional, que instituiu a Regência Uma, aboliu o Conselho de Estado e criou as assembleias provinciais, em substituição aos conselhos gerais. Tratava-se de um pequeno passo no sentido da descentralização, uma vez que instituía o Poder Legislativo provincial e a divisão de rendas entre o governo central e os governos provinciais (COSTA, 2008, p. 838). Conflitos entre as classes dominantes, instabilidade política, pressões abolicionistas, clamores pela maior descentralização de poder e renda para as províncias e debilidade na saúde do imperador foram as marcas dos últimos dez anos do Império, como bem observou Costa: Neste ambiente político, germinava um incipiente movimento republicano, apoiado num vago programa de reformas que tentava conciliar interesses opostos de monarquistas liberais e de escravocratasdescontentes com a política abolicionista do Império. O movimento republicano se dividia em dois polos – o federalismo e o 17 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA liberalismo. O primeiro era protagonizado pelas lideranças políticas de São Paulo e do Rio Grande do Sul e o segundo representado pelos políticos da cidade do Rio de Janeiro. Os republicanos do Rio de Janeiro defendiam a participação política da população e os gaúchos e paulistas partidários do federalismo pregavam uma maior autonomia regional. As críticas mais comuns recaíam sobre a centralização excessiva do regime monárquico, que restringia a liberdade política e econômica das províncias (COSTA, 2008, p. 839). Para muitos teóricos, foi a transferência da Corte portuguesa e de todo o aparato compreendido, em um primeiro momento, bem como todo o período Imperial que marcaram, de forma severa, a gênese do Estado nacional. As repetidas crises dos gabinetes imperiais geravam um clima de instabilidade política que dava força ao movimento republicano. Pequenos incidentes entre líderes militares e o governo acabaram dando o último estímulo aos oficiais descontentes para que deflagrassem a proclamação da República em 15 de novembro de 1898. 1.3. Brasil República (República Velha) Salienta-se que o Estado, no Brasil, nasceu e se consolidou como Estado monárquico. A República herdou da Monarquia um Estado organizado de modo centralizado e já com alguma tradição burocrática (VIEIRA, et al, 2014, p. 533). No Brasil, entre o ocaso do Império e a afirmação da República, grupos interessados posicionaram-se ativamente diante das instituições promovendo um processo de mudança institucional do tipo gradual e transformativa. Antes, à margem do poder lutando para mudar o sistema político do país e, depois, como coalizão dominante lutando para sustentar a mudança, republicanos civis e militares acabaram por proporcionar a estabilidade da República e a organização da Administração Pública brasileira (VIEIRA, et al, 2014, p. 533). Como bem observado por Costa, a descentralização de poder nos primórdios da República intensificou a importância das oligarquias regionais: A República federalista, com estados politicamente autônomos, consagrou um novo pacto político que acomodava os interesses das elites econômicas do Centro-Sul e do resto do país. O governo federal ocupava-se de assegurar a defesa e a estabilidade e proteger os 18 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA interesses da agricultura exportadora através do câmbio e da política de estoques, com reduzida interferência nos assuntos “internos” dos demais estados. Lá vicejavam os mandões locais, grandes proprietários de terra e senhores do voto de cabresto, e as grandes oligarquias, que controlavam as eleições e os governos estaduais e asseguravam as maiorias que apoiavam o governo federal. (...) Esse sistema era marcado pela instabilidade dos governos estaduais passíveis de serem derrubados e substituídos em função da emergência de novas oligarquias (COSTA, 2008, p. 840). A Administração Pública na Primeira República como problema de pesquisa em estudos organizacionais revela-se paradoxal. Parte integrante da Política dos Estados aplicada por Campos Sales (1898-1902) pautava-se no princípio republicano de não intervenção nos estados levado ao extremo, mas, ao mesmo tempo, havia a concentração dos meios de administração organizados burocraticamente na figura do presidente (VIEIRA, et al, 2014, p. 534). Este autor destaca que: A partir do governo Campos Sales, a República sofreu um processo de rotinização que combinava (ou buscava combinar) o máximo de eficácia administrativa com o máximo de autonomia das elites regionais. Esse processo obteve um status de legitimidade que permitiu a institucionalização da República, ou seja, o estabelecimento de procedimentos e valores legítimos que propiciaram estabilidade e continuidade ao novo regime político (VIEIRA, et al, 2014, p. 534). A República Velha transcorreu em cerca de quarenta anos, ao término deste período já se mostrava insuficiente para as respostas necessárias na ocasião, embora tenha cumprido um relevante papel de transição a partir do Império, conforme apontado por Costa: Aos poucos [a República Velha] foi se tornando disfuncional ao Brasil que se transformava, pela diversificação da economia, pelo primeiro ciclo de industrialização, pela urbanização e pela organização política das camadas urbanas. Novos conflitos de interesse dentro dos setores dominantes, entre as classes sociais e entre as regiões punham em causa o pacto oligárquico, as eleições de bico de pena e a política café-com-leite. Por outro lado, desde a Guerra do Paraguai (1864- 1870), o Exército passou a ser um ator político cada vez mais importante, como arena de revoltas ou sujeito de ações determinantes, perseguindo ideais modernizadores ou salvacionistas (COSTA, 2008, p. 840). Bico de Pena - Assim eram chamadas as eleições que então se realizavam, cujos resultados favoráveis às oligarquias dominantes eram ajustados nos mapas eleitorais, ao bico de pena. 19 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA No período denominado como República Velha foi possível registrar a postura ativa das elites civis republicanas que contribuíram para a mudança de regime político e depois se mantiveram engajadas em busca de sua consolidação (VIEIRA, et al, 2014, p. 544). No próximo item discutiremos sobre as estratégias e a modernização da Administração Pública. 20 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1 Objetivo específico Relacionar as características das principais reformas administrativas a partir dos anos 1930 com as políticas dos respectivos governos. A narrativa precedente dá conta do processo de formação do Estado nacional, a partir de suas raízes coloniais, ao longo do Império (1882-1889) e da chamada República Velha (1889-1930). Embora seja desse período a cristalização das principais características do Estado brasileiro apontadas anteriormente, observa-se que a própria diferenciação do aparelho de Estado e a criação de novas instituições fazem parte da dinâmica de instauração da modernidade. Estado e mercado, autônomos com relação à ordem do sagrado e à dominação patriarcal e cada vez mais separados entre si, constituem as bases da formação social moderna. Seu desenvolvimento, consideradas as características do contexto local, se dá no sentido da racionalização. A burocracia está no horizonte da administração pública que se consolida e atualiza. Se esse movimento se deu de forma lenta e superficial nos primeiros 100 anos de história do Brasil independente, ele vai encontrar seu ponto de inflexão e aceleração na Revolução de 1930 (COSTA, 2008, p. 841). O período imediatamente posterior à República Velha foi marcado pela tomada do poder por novos grupos oligárquicos, com o enfraquecimento das elites agrárias e pela forte influência da burocracia weberiana. Tais movimentos significaram a transição do Brasil agrário para o Brasil industrial. 2. Estratégias e Modernização da Administração Pública 21 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.1. A evolução do Estado brasileiro A reforma e a modernização do Estado devem ser entendidas como uma das principais prioridades na agenda política dos países, particularmente os países em desenvolvimento. Tais esforços visam permitir que os governantes, além de atuar com maior transparência na gestão pública, alcancem maior eficiência, eficácia e efetividade na qualidade dos serviços públicos ofertados à população, criando umambiente favorável para a inclusão social e o fortalecimento da capacidade de formulação e implementação de políticas públicas (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 9). Após a Revolução de 1930 e durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu um meandroso, porém contínuo, processo de modernização das estruturas e processos do aparelho de Estado. Como resposta a transformações econômicas e sociais de largo alcance, esse esforço se desenvolveu ora de forma assistemática, pelo surgimento de agências governamentais, que se pretendia, fossem ilhas de excelência com efeitos multiplicadores sobre o Estado e sua estrutura, ora de forma mais orgânica ou sistematizada, por meio das reformas realizadas no governo federal, em 1938, 1967 e 1995 (COSTA, 2008, p. 841). O ponto de partida desta transformação ocorreu no primeiro período Vargas (1930-1945), onde houve significativa alternância entre o centralismo de poder e recursos e a descentralização. Costa identificou marcos deste período: O primeiro período de Vargas na presidência durou 15 anos, sendo quatro de governo provisório, três de governo constitucional e oito de ditadura. No período inicial houve uma grande concentração de poderes nas mãos do Executivo federal, em consequência da dissolução dos corpos legislativos e da nomeação de interventores para os governos estaduais. (...) A centralização e a suspensão das franquias constitucionais geraram crescente insatisfação em setores liberais, sobretudo em São Paulo, desencadeando uma série de revoltas, entre as quais a Revolução de 1932 que, depois de sufocada, ensejou a convocação de uma Constituinte e, em seguida, a promulgação da Constituição de 1934 (COSTA, 2008, p. 843). Após os anos iniciais, o governo Vargas foi marcado pela Constituição de 1934 que, no que diz respeito à Administração Pública, devolveu autonomia para os estados e introduziu o princípio do mérito para os servidores públicos. No entanto, o respectivo 22 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA diploma legal não consentiu a volta dos mesmos níveis de descentralização que vigoravam na República Velha. No tocante à distribuição de recursos e encargos, a Constituição Federal concentrou competências no nível da União. Foi nesta oportunidade que o federalismo cooperativo foi consagrado pela primeira vez, prevendo a repartição dos tributos pela União, estados e municípios. No entanto, a referida Constituição Federal teve vida breve, em novembro de 1937 foi instituído o Estado Novo. A partir de 1937 a centralização passou a se constituir em um princípio de organização do Estado brasileiro que se aplicava de forma sistemática em todos os setores e níveis de estruturação territorial. Costa compreendeu como o ímpeto desenvolvimentista provocou a assunção, por parte do governo central, do papel de coordenação de decisões econômicas: Mantendo a política de proteção às matérias-primas exportadas, o governo lançou-se de maneira franca e direta no projeto desenvolvimentista, criando as bases necessárias da industrialização – a infraestrutura de transporte, a oferta de energia elétrica e a produção de aço, matéria-prima básica para a indústria de bens duráveis. Mais do que isso, assumiu papel estratégico na coordenação de decisões econômicas. Para tanto, teve que aparelhar-se. As velhas estruturas do Estado oligárquico, corroídas pelos vícios do patrimonialismo, já não se prestavam às novas formas de intervenção e domínio econômico, na vida social e no espaço político remanescente. Urgia reformar o Estado, o governo e a administração pública (COSTA, 2008, p. 844). Consequentemente, e conforme já apresentado, a partir de 1937 foram implantadas alterações no aparelho de Estado, tanto na forma quanto na essência da Administração Pública de então. A reforma da Administração Pública nos anos 1930, inspirada no serviço público britânico e considerada por muitos como a implantação da Administração Pública burocrática no Brasil, previu critérios profissionais para o ingresso no serviço público, desenvolvimento de carreiras e regras de promoção baseadas no mérito, como bem observaram Lima e Costa: Dois aspectos devem ser destacados na reforma de 1930: primeiro, por estar voltada para o processo, ou seja, para o modo de fazer as coisas, teve destaque o agente desse processo: o servidor público. Foi uma reforma com ênfase na política de recursos humanos. O Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP – é o ícone desta reforma. O segundo aspecto refere-se ao peso dos valores arraigados tanto na própria administração pública (valores patrimonialistas) quanto do governo (práticas populistas) que fizeram com que, ainda hoje, se fale 23 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA em reforma da administração pública que elimine esses valores e práticas (LIMA, 2007, p. 19). A mais emblemática [medida] foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público. (...) O DASP foi efetivamente organizado em 1938, com a missão de definir e executar a política para o pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União. O DASP tinha seções nos estados, com o objetivo de adaptar as normas vindas do governo central às unidades federadas sob intervenção (COSTA, 2008, p. 844). Na concepção de Costa, a primeira experiência de reforma de largo alcance [1937] teve como inspiração o modelo weberiano de burocracia. Combatia, portanto, o patrimonialismo e visava tornar a administração pública mais racional e eficaz: A reforma administrativa do Estado Novo foi, portanto, o primeiro esforço sistemático de superação do patrimonialismo. Foi uma ação deliberada e ambiciosa no sentido da burocratização do Estado brasileiro, que buscava introduzir no aparelho administrativo do país a centralização, a impessoalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a separação entre o público e o privado. Visava constituir uma administração pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu papel na condução do processo de desenvolvimento, cujo modelo de crescimento, baseado na industrialização via substituição de importações, supunha um forte intervencionismo estatal e controle sobre as relações entre os grupos sociais ascendentes (MARCELINO, 1987 apud COSTA, 2008, p. 846). Mais uma vez, os avanços registrados foram minimizados pelos grupos de diferentes interesses, conforme observação de Martins: “Entretanto, pressões populistas- clientelistas limitariam o escopo dessa ambiciosa reforma” (MARTINS, 1997, p. 34). Além do que já foi apresentado, cabe o registro de que no período do primeiro governo Vargas foram criados inúmeros organismos especializados e empresas estatais. Até 1930 existiam no Brasil 12 empresas públicas; de 1930 a 1945, foram criadas 13 novas empresas, sendo 10 do setor produtivo, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional, ambas já privatizadas. A Constituição de 1946 restabeleceu o estado de direito e as garantias individuais, restaurou a divisão e harmonia entre os poderes da República, devolveu a autonomia aos estados, ampliou os direitos sociais dos trabalhadores, reorganizou o Judiciário. Como resultado imediato, fortaleceu-se o federalismo cooperativo, por meio de novos mecanismos de coordenação e transferência de rendas entre regiões. A partir de 1946 o presidente Dutra realizou um governo legalista e conservador, onde foi criada a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (COSTA, 2008, p. 847). 24 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Cinco anos depois de deixar o governo, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, pelo voto direto,em 3 de outubro de 1950. Em seu novo governo, foram criadas 13 empresas estatais, entre elas a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), grande pilar da política de fomento nacional. Durante o segundo governo Vargas, também se pretendeu retomar os esforços reformistas pela designação, em 1952, de um grupo de trabalho com a missão de elaborar um projeto de reforma administrativa que resultou num projeto de lei que previa a reorganização administrativa do ministério entre outros temas (COSTA, 2008, p. 847). No governo de Juscelino Kubitscheck, iniciado em 1956, houve uma fase de grande euforia e de afirmação nacionalista consubstanciados no “Plano de Metas” que propugnava 36 objetivos que contemplavam a industrialização acelerada, em especial a de base, apoiada na associação entre capitais nacionais e estrangeiros. Para Lima (2007, p. 20), o primeiro registro oficial de preocupação da Administração Pública com o excesso de burocracia data de 1956 (Decreto Nº 39.510 de 4 de julho de 1956) no qual o presidente Juscelino Kubitscheck criou a Comissão de Simplificação Burocrática – COSB, com a finalidade de “promover a simplificação nas normas e rotinas administrativas, de modo a evitar a duplicidade de atribuições, excesso de pareceres e despachos interlocutores”. Costa (2008) realizou uma síntese irreparável sobre o período 1952-1962, citando as tentativas de reforma, o movimento de descentralização e a constituição deliberada de ilhas de excelência na Administração Pública: Do ponto de vista institucional, a década que vai de 1952 a 1962 foi marcada pela realização de estudos e projetos que jamais seriam implementados. A criação da Cosb (Comissão de Simplificação Burocrática) e da Cepa (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos), em 1956, representam as primeiras tentativas de realizar as chamadas reformas globais. A primeira tinha como objetivo principal promover estudos visando à descentralização dos serviços, por meio da avaliação das atribuições de cada órgão ou instituição e da delegação de competências, com a fixação de sua esfera de responsabilidade e da prestação de contas das autoridades. A Cepa teria a incumbência de assessorar a presidência da República em tudo que se referisse aos projetos de reforma administrativa. Esse período se caracteriza por uma crescente cisão entre a administração direta, entregue ao clientelismo e submetida, cada vez mais, aos ditames de normas rígidas e controles, e a administração descentralizada (autarquias, empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), dotados de maior autonomia gerencial e que podiam recrutar 25 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA seus quadros sem concursos, preferencialmente entre os formados em think thanks especializados, remunerando-os em termos compatíveis com o mercado. Constituíram-se assim ilhas de excelência no setor público voltadas para a administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo central da administração (COSTA, 2008, p. 848). Torres (2004), presente em Costa (2008) ampliou o período de análise, porém apontou convergências entre os governos de Vargas, Kubitscheck, Jânio e João Goulart. Para o pesquisador, no período foram preservadas práticas clientelistas e a transformação, quando tentada, era promovida “de fora para dentro” com a constituição de estruturas paralelas: Embora tenha havido avanços isolados durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart, o que se observa é a manutenção de práticas clientelistas, que negligenciavam a burocracia existente, além da falta de investimento na sua profissionalização. A cada desafio surgido no setor público, decorrente da própria evolução socioeconômica e política do país, a saída utilizada era sempre a criação de novas estruturas alheias à administração direta e o consequente adiamento da difícil tarefa de reformulação e profissionalização da burocracia pública existente (TORRES, 2004 apud COSTA, 2008, p. 849). Em 1964 foi instituída a COMESTRA (Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa), presidida pelo ministro extraordinário para o planejamento de coordenação econômica. Dos trabalhos dessa comissão e das revisões que se seguiram resultou a edição do Decreto-Lei cuja finalidade era a Reforma Administrativa. O Decreto-Lei Nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, que dispôs sobre a organização da Administração Federal, estabelecendo diretrizes para a Reforma Administrativa, previu princípios fundamentais em seu Art. 6º: As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I – Planejamento. II – Coordenação. III – Descentralização. IV – Delegação de Competência. V – Controle. A reforma desenvolvimentista de 1967 teve como foco o Estado como um todo, mas sua maior ênfase, mais uma vez, se concentrou no ingresso de servidores públicos e no redesenho da estrutura organizacional do Estado, resultando em novos modelos de gestão, baseados principalmente na autonomia gerencial. “ Foi uma ambiciosa reforma 26 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA das estruturas do Estado e dos procedimentos burocráticos, embora com resultados nem sempre esperados” (MARTINS, 1997, p. 48). Para Lima (2007, p. 22-23) foram destaques da reforma de 1967: a) o desenho da estrutura organizacional que previu uma administração direta (presidência da república e ministérios) e uma administração indireta integrada por quatro categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria – as autarquias; as empresas públicas, as sociedades de economia mista, e as fundações públicas; b) a ampla descentralização da Administração Pública federal, com ênfase na regulação; c) a delegação de competência, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, das pessoas ou dos problemas a atender; d) a relação de controle, que foi intensificado e apoiado na prestação de contas e no desempenho da responsabilidade legal e regulamentar; e) menções ao rendimento e produtividade, que foi mais aplicado nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista, em influenciar de forma mandatória as fundações, as autarquias e a administração direta. Costa (2008, p. 850) destacou os cinco princípios fundamentais da reforma: - o planejamento (princípio dominante); - a expansão das empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas), bem como de órgãos independentes (fundações públicas) e semi-independentes (autarquias); - a necessidade de fortalecimento e expansão do sistema do mérito, sobre o qual se estabeleciam diversas regras; - diretrizes gerais para um novo plano de classificação de cargos; - o reagrupamento de departamentos, divisões e serviços em 16 ministérios. E, comentou sobre as reformas de base propostas na mesma: Elaborou o Estatuto da Terra, promoveu uma reforma tributária, reorganizou o sistema bancário, reestruturou o ensino universitário e realizou uma ampla reforma administrativa. Em 1965 teve início a reforma tributária que se consolidou com a Constituição de 1967, uniformizando a legislação, simplificando o sistema e reduzindo o número de impostos. Ela trouxe brutal concentração de recursos nas mãos da União, esvaziando financeiramente estados e municípios que ficaram dependentes de transferências voluntárias (COSTA, 2008, p. 851). Para autores como Lima (2007, p. 24) a primeira proposta clara de reorientação da Administração Pública e de deslocamento do locus das reformas para o espaço em que se dá o relacionamento da organização pública com o cidadão data de 1979, com a 27 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA instituiçãodo Programa Nacional de Desburocratização, cujo principal formulador foi Hélio Beltrão. Beltrão, para quem era necessário “restabelecer na consciência dos administradores o conceito, às vezes esquecido, de que serviço público significa servir ao público” (1984, p. 37), afirmou: O Programa de Desburocratização não se destinava apenas a aperfeiçoar o funcionamento da máquina administrativa. Pretendia garantir o respeito à dignidade e à credibilidade das pessoas e protegê- las contra a opressão burocrática (BELTRÃO, 1984, p. 41). Para Lima (2007, p. 26), apesar da orientação clara do programa para o cidadão, o papel que foi reservado ao mesmo no processo de desburocratização foi passivo, de destinatário apenas dos eventuais benefícios do programa. Ficou a cargo da inteligência da Administração Pública o papel de perceber os pontos negativos que pesavam sobre o cidadão e de conceder a solução que fosse melhor. O Programa Nacional de Desburocratização não tratou de empreender a mudança [o máximo de burocracia para o máximo de transparência e controle], e o resultado foi o aumento descontrolado da carga burocrática e, consequentemente, das exigências desnecessárias, conforme bem observado por Lima: Não é possível afirmar que essas reformas foram um fracasso. Mas seguramente o sucesso que alcançaram desfez-se no tempo, provavelmente pela força de práticas arraigadas, de uma certa regularidade de comportamento reciprocamente aceito pelos agentes da administração pública de um lado e pelos cidadãos de outro. O sucesso temporário dessas reformas voltadas para a simplificação, para a desburocratização, para o atendimento ao cidadão, vistas numa perspectiva histórica, mais parecem mutirões que têm efeito grandioso, mas efêmero (LIMA, 2007, p. 27). Para Costa (2008, p. 855) a Reforma do Estado era uma das principais promessas da Nova República, que se consubstanciava em diversas ações, que transcendiam o rearranjo administrativo, uma vez que previam a: Vigência efetiva do império da lei, desobstrução do Legislativo, aparelhamento da Justiça, reforma tributária, descentralização e, subsidiariamente, reforma agrária, saneamento da previdência, implantação do sistema único de saúde, erradicação do analfabetismo, reforma do ensino básico, desenvolvimento regional. O governo Sarney instituiu em agosto de 1985 uma numerosa comissão com o objetivo de redefinição do papel do Estado, apoiado na racionalização das estruturas administrativas, formulação de uma política de recursos humanos e contenção de gastos 28 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA públicos. Na prática, as medidas preconizadas não foram implementadas, conforme apontou Costa: A ampla reforma modernizadora e democrática foi deixada de lado para dar lugar a mais tradicional estratégia de reforma administrativa – a racionalização dos meios. Mas mesmo com a emulação suscitada pelo Plano Cruzado, o governo não foi capaz de reativar as antigas ilhas de eficiência do setor público – planejamento, arrecadação, comunicações, política agrícola – desmanteladas a partir do início da gestão de Delfim Neto na Secretaria de Planejamento, da presidência da República, no governo Figueiredo. Por outro lado, como medidas de racionalização, o governo Sarney extinguiu o Banco Nacional de Habitação (BNH), que enfrentava grave crise na lógica de financiamento da casa própria e, com ele, a política de habitação, cuja responsabilidade, em parte, foi transferida para a Caixa Econômica Federal (CEF). Também pouco avançou na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), duramente conquistado na Constituinte (COSTA, 2008, p. 857). No mesmo período, a reforma da Administração Pública, a ampliação de seu espectro de ação e a ênfase no cidadão e seus direitos, eram temas centrais da Assembleia Nacional Constituinte, que foi instalada em primeiro de fevereiro de 1987 e atuou até o dia 2 de setembro de 1988, quando o texto final da nova constituição foi aprovado. Costa destacou alguns pontos da Carta Magna: Paralelamente às tentativas de reforma empreendidas pelo governo, tinham início os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 e instalada no começo de 1987. A Constituinte pretendia, com a nova Carta, refundar a República, estabelecendo outras bases para a soberania, a ordem social, a cidadania, a organização do Estado, as formas de deliberação coletiva, o financiamento do gasto público, as políticas públicas e a administração pública. A Constituição de 1988 proclamou uma nova enunciação dos direitos de cidadania, ampliou os mecanismos de inclusão política e participação, estabeleceu larga faixa de intervenção do Estado no domínio econômico, redistribuiu os ingressos públicos entre as esferas de governo (...) Nesse sentido, a promulgação da Carta Magna representou uma verdadeira reforma do Estado (COSTA, 2008, p. 858). Na visão do mesmo pesquisador (Costa), a Carta de 1988 retirou a flexibilidade proporcionada pela administração indireta, uma vez que o diploma legal adotou o Regime Jurídico Único: Entretanto, do ponto de vista da gestão pública, a Carta de 1988, no anseio de reduzir as disparidades entre a administração central e a descentralizada, acabou por eliminar a flexibilidade com que contava a administração indireta que, apesar de casos de ineficiência e abusos localizados em termos de remuneração, constituía o setor dinâmico da administração pública. Ela foi equiparada, para efeito de mecanismos de controle e procedimentos, à administração direta. A aplicação de um regime jurídico único (RJU) a todos os servidores públicos abruptamente transformou milhares de empregados celetistas em estatutários, gerando um problema ainda não solucionado para a 29 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA gestão da previdência dos servidores públicos (...) Além disso o RJU institucionalizou vantagens e benefícios que permitiram um crescimento vegetativo e fora de controle das despesas com pessoal, criando sérios obstáculos ao equilíbrio das contas públicas e aos esforços de modernização administrativa em todos os níveis de governo (COSTA, 2008, p. 859). Em 15 de março de 1990 tomou posse o presidente Fernando Collor de Melo. Em menos de vinte e quatro horas, editou vinte e três medidas provisórias, sete decretos e setenta e dois atos de nomeação, aos quais se seguiram inúmeras portarias ministeriais e instruções normativas autárquicas. Costa, observando as transformações induzidas pela miríade de instrumentos legais, ponderou: É claro que não houve um balizamento conceitual, um conteúdo estratégico bem definido e um planejamento da implementação suficientemente estruturado mas, ainda assim, constituiu-se um amplo processo de reforma administrativa do Poder Executivo, embora com uma inversão de fatores, ou seja, existia uma função à procura de um enredo (COSTA, 2008, p. 860). Torres, referindo-se ao mesmo período, do ponto de vista da Administração Pública, acentuou: A rápida passagem de Collor pela presidência provocou, na administração pública, uma desagregação e um estrago cultural e psicológico impressionantes. A administração pública sentiu profundamente os golpes desferidos pelo governo Collor, com os servidores descendo aos degraus mais baixos da autoestima e valorização social, depois de serem alvos preferenciais em uma campanha política altamente destrutiva e desagregadora (TORRES, 2004, p. 170). Já no governo Itamar, conhecido como um período de transição, foram registradas poucas iniciativas relacionadas à Reforma do Estado. O governo Itamar Franco, dado o seu caráter de excepcionalidade, adotou uma postura tímida e conservadora com relação à reforma do Estado e mesmo à reforma administrativa. Para conservar a ampla basede apoio que possibilitou a sua emergência, persistiu na estratégia de ressuscitar ministérios extintos por Collor e restringiu-se a tocar, de forma hesitante, o programa de privatização (COSTA, 2008, p. 861). No período Fernando Henrique, o destaque foi para a atuação do acadêmico e, posteriormente, ministro de Estado Luis Carlos Bresser-Pereira, cuja principal contribuição foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado – PDRAE (1995). Segundo Costa (2008, p. 862-863), o documento estava dividido em nove partes e apresentava, entre outros, os seguintes pontos: 30 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • Uma breve interpretação da crise do Estado; • Uma classificação evolutiva da administração pública; • Um histórico das reformas administrativas no Brasil a partir dos anos 1930; • Um diagnóstico da Administração Pública brasileira; • Um quadro referencial das formas de propriedade, setores do Estado e tipos de gestão; • Uma estratégia de mudança; • Os principais projetos de reforma do chamado aparelho de Estado. Em síntese, o PDRAE tinha como proposta inaugurar a chamada “administração gerencial” (que será melhor apresentada na próxima Unidade Didática); para tanto, o plano indicou como pilares do projeto de reforma do Estado: • Ajustamento fiscal duradouro; • Reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantissem a concorrência interna e criassem condições para o enfrentamento da competição internacional; • A reforma da previdência social; • A inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; • A reforma do aparelho de Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. No governo Lula, os destaques relacionados à pauta da reforma do Estado foram o desenvolvimento do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal – PNAGE, cujo objetivo geral era melhorar a efetividade e a transparência institucional das administrações públicas dos Estados e do Distrito Federal, a fim de alcançar uma maior eficiência do gasto público. A implementação do Portal da Transparência do Governo Federal, 31 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA iniciativa da Controladoria-Geral da União (CGU), lançada em novembro de 2004, para assegurar a boa e correta aplicação dos recursos públicos, foi outro ponto de destaque. Nos cinco anos do governo da presidente Dilma foram registradas apenas ações pontuais no que tange à eficiência da Administração Pública. Com relação ao presidente Michel Temer, mesmo se for considerado o seu período como interino, também não há registros de ações significativas em implantação. Ao longo dos 80 anos de Administração Pública aqui analisados podem-se notar, entre “idas e vindas”, alguns progressos. Entretanto, práticas clientelistas e patrimonialistas passaram de forma incólume ao longo de todo o período, resistindo com maior ou menor força à modernização definitiva da Administração Pública brasileira. 32 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1 Objetivo específico Identificar problemas e perspectivas nas diferentes fases da Administração Pública. A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, para se tornar seu promotor e regulador. O Estado assume um papel menos executor ou prestador direto de serviços mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor destes. Nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das suas funções de regulação e de coordenação, particularmente no nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e infraestrutura. Considerando essa tendência, pretende-se reforçar a governança – a capacidade de governo do Estado – por meio da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania. Para isso, será necessária uma mudança em três planos: no plano institucional-legal, através da reforma da Constituição e das leis do país; no plano cultural, através da internalização de uma nova visão do que seja a administração pública; e no plano da gestão, onde afinal se concretiza a reforma (BRASIL, 1995, p. 14). Nesta unidade didática vamos conhecer as diferentes fases da Administração Pública e constatar, infelizmente, que alguns dos traços mais nefastos do processo de consolidação do Estado brasileiro ainda permanecem nas estruturas do poder e, por consequência, do Estado. 3. Gestão do Estado: Problemas e Perspectivas 33 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1. Patrimonialismo e Administração Patrimonial Na administração patrimonial, os patrimônios público e privado estavam essencialmente fundidos; o Estado era concebido como propriedade do soberano. (...) Nesse quadro, o nepotismo e a corrupção eram a regra, embora isso não impedisse os burocratas patrimoniais de alto nível – que, juntamente com a aristocracia, exerciam grande poder político – de se entregarem à autoglorificação e à arrogância como mestres da racionalidade técnica (BRESSER- PEREIRA, 2009, p. 206-207). O Estado moderno começa, em termos políticos, como absoluto; em termos econômicos, como mercantilista; e em termos administrativos, como patrimonial. A monarquia, que se confundia com o Estado, era um importante patrimônio econômico e político, recebendo receitas de impostos e da participação em empresas monopolistas. Ela usava esses recursos fiscais para manter uma aristocracia patrimonial dependente que vivia na corte, para cuidar da guerra, e uma burocracia patrimonial para cobrar impostos e administrar a justiça. A burocracia patrimonial, como as burocracias antigas ou clássicas anteriores, já era um grupo profissional contratado com base em sua experiência. Era, no entanto, permeada por todo tipo de nepotismo, carecendo da relativa independência do poder político que seria adquirida apenas no século XIX, como resultado das reformas burocráticas ou do serviço público, ocorridas na Europa. No Estado patrimonial não havia distinção nítida entre patrimônio público e patrimônio privado. Mas três das cinco características básicas do Estado moderno já estavam presentes: uma Constituição ou sistema jurídico, um serviço público e um governo presidindo a população de um dado território. O Parlamento independente e os partidos políticos só apareceriam no Estado liberal (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 42). A síntese acima, de Bresser-Pereira, identifica com rigor o patrimonialismo clássico e suas formas de sustentação. No entanto, o mesmo autor condenou as generalizações comuns com relação à administração patrimonial: Seria um erro ver essa administração patrimonial como meramente corrupta e ineficiente. Comprometidos com a reforma do serviço público que modernizou o Estado britânico, os críticos do século XIX exageraram as falhas do sistema anterior (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 42). 34 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Para Faoro (1994, p. 32) o patrimonialismo é resultado de uma integração disfuncional, caracterizado por alianças espúrias entre segmentos políticos eburocráticos em busca de rendas patrimoniais decorrentes de privilégios, proteção ou corrupção. 3.2. Administração Pública Burocrática A administração pública burocrática, nascida no âmbito do capitalismo liberal – e não no da democracia liberal, que só se tornou predominante no século XX – mostrou-se lenta, dispendiosa, autocentrada, autoritária e não preocupada em atender às demandas dos cidadãos (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 208). Para Bresser-Pereira, um reconhecido crítico da administração burocrática, a mesma é baseada nos princípios administrativos do Exército prussiano, e resultou de uma série de reformas do serviço público implantadas na segunda metade do século XIX na Alemanha, na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, no início do século passado em países como Canadá, Nova Zelândia e Austrália, e, no Brasil, em 1930, durante o primeiro governo Vargas (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 206). Para Matias-Pereira, a administração burocrática pressupõe certa racionalidade impessoal que, orientada por regras formais que padronizam e conferem igualdade no tratamento dos casos, estabelece com nitidez as relações de mando e subordinação, mediante a distribuição das atividades a serem executadas, tendo como referência os objetivos que busca atingir (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 57). O mesmo autor constatou que a administração burocrática pode significar o estabelecimento de um padrão prescritivo: Observa-se, por sua vez, que impessoalidade das normas, em geral, acaba transformando um padrão descritivo de critérios e relações em padrão prescritivo, sem espaço para a informalidade e o desenvolvimento de noções mais flexíveis de gerenciamento, em que o elemento humano termina por ser desconsiderado na organização. Essa rigidez burocrática tenderia a produzir desajustes, fontes de conflitos potenciais entre o público e o funcionário, visto que os objetivos formais se tornariam dogmas imutáveis, pois deveriam da norma burocrática, e esta enrijece qualquer tentativa de reformulação (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 57). 35 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Na mesma linha, Bresser-Pereira (2009) considerou que embora em uma mesma estrutura institucional burocrática possa haver práticas gerenciais de maior ou menor qualidade, fica cada vez mais claro que a administração pública burocrática é inerentemente irracional ou ineficiente, e utilizou a relação entre o “racional” e o “legal” para tanto: Weber descreveu-a como um tipo de dominação – a “dominação racional-legal”-, que se caracterizaria pela superioridade ou eficiências técnicas. Seu caráter “racional” aparecia sob a forma de racionalidade instrumental, consistindo na adoção dos meios mais apropriados para alcançar os objetivos pretendidos. Seu caráter “legal” significava que a lei definiria os meios mais apropriados para alcançar os objetivos também estabelecidos por lei. Esse sistema continha uma contradição intrínseca: em um mundo em mudança contínua e cada vez mais acelerada, é impossível ser ao mesmo tempo racional e legal. É impossível ser racional definindo em lei os objetivos específicos a serem alcançados e os meios a serem seguidos: a lei pode definir de modo genérico os objetivos e os meios, mas sua especificação competente depende necessariamente de uma tomada de decisão caso a caso (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 208-209). Ainda que autores mais recentes tenham criticado a administração burocrática weberiana, é inegável que a teoria contribuiu sobremaneira para o progresso da Administração Pública em todo o mundo e que suas premissas ainda influenciam no desenho de processos e na gestão moderna do Estado. O quadro 1, presente no item 3.3, demonstrará as principais diferenças entre a Administração Pública Burocrática e a Administração Pública Gerencial. 3.3. Administração Pública Gerencial A reforma ou a reconstrução do Estado, particularmente pela via da Reforma Gerencial da administração pública, é uma resposta ao processo de globalização em curso, que ameaça reduzir a autonomia dos Estados na formulação e implementação de políticas, e, principalmente, à crise do Estado, que começou a se delinear em quase todo o mundo nos anos 70, mas que só assumiu plena definição nos anos 80. Uma primeira geração de reformas, nesses anos 80, promoveu o ajuste fiscal, de liberalização comercial e de liberalização de preços – e já iniciou a reforma do Estado, estrito senso, por meio dos programas de privatização. (...) Já nos anos 90, quando essa proposta se demonstrou ser irrealista do ponto de vista econômico (não produzia desenvolvimento) e político (não tinha apoio nos eleitores), surge uma segunda geração de reformas, encabeçadas pela reforma da administração pública, que têm como objetivo principal reconstruir o Estado. Na primeira geração de 36 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA reformas, já se falava em reforma administrativa, mas esta era confundida com mero downsizing. Na segunda geração, a reforma administrativa implica aplicar os princípios e práticas da nova gestão pública, implantar a Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 31). Para os críticos, a reforma do Estado se constituía simplesmente em uma reestruturação administrativa cujo objetivo exclusivo era o equilíbrio fiscal do Estado. Para Bresser-Pereira (2009, p. 261) abrangia mais do que geralmente se entendia por “nova gestão pública”; a reforma ia além das novas práticas e instituições gerenciais, preconizava os mecanismos de controle social e redefinia a lógica da organização do Estado e das funções do Estado1: A ideia básica é que as atividades que utilizam o poder do Estado devem ser desenvolvidas dentro da organização do Estado; as atividades sociais, culturais e científicas que envolvam externalidades e lidem com os direitos humanos básicos devem ser predominantemente financiadas pelo Estado, apesar de executadas por organizações públicas não estatais de serviço. Além disso, a reforma da gestão pública está preocupada com o caráter democrático das decisões dos funcionários governamentais. Assim, enquanto defende uma maior autonomia para os funcionários governamentais em suas decisões, dada a complexidade dos problemas que o governo enfrenta atualmente e a velocidade necessária a algumas decisões, requer, em compensação, maior transparência e responsabilização no processo decisório. Finalmente, o objetivo da reforma da gestão pública não é apenas tornar mais eficiente a organização do Estado, mas aumentar a capacidade do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 261). Matias-Pereira (2012) também frisou as diferenças contidas na reforma do Estado, agregando ao fenômeno a consolidação do processo democrático e a justiça social: A reforma do Estado não se restringe à reestruturação administrativa e ao alcance do equilíbrio fiscal. Tem como principal objetivo a consolidação do processo democrático, a estabilidade econômica e o desenvolvimento sustentável com justiça social. Assim, a priorização da reforma do Estado é uma medida necessária para permitir que o governo possa atender de forma adequada às demandas da sociedade. O atendimento dessas demandas exige que o Estado atue de forma inteligente, ou seja, se torne cada vez mais eficiente, eficaz e efetivo na prestação de serviços públicos, com qualidade e menores custos para a sociedade. Assim a busca de uma cultura empreendedora na administração pública é essencial para a elevação do desempenho da 1 As quatro formas distintas e relevantes de propriedade no capitalismo atual são: estatal, pública não-estatal, corporativa e privada. Os três tipos básicos de atividade em que o Estado costuma ser envolvido são: atividades exclusivas do Estado, atividades sociais e científicas, e produçãode bens e serviços para o mercado (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 261). 37 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA gestão pública no Brasil, em termos de resultados e qualidade dos serviços públicos ofertados (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 117). Ainda diferenciando a reforma da gestão pública, Bresser-Pereira (2009) asseverou que as reformas não podem ser confundidas com a adoção de novas práticas gerenciais: As reformas da gestão pública também não devem ser confundidas com a adoção de novas práticas ou estratégias gerenciais, sem as correspondentes mudanças nas instituições. (...) A busca de qualidade e eficiência na gestão é um processo diário e permanente. Um dos mais importantes princípios gerenciais é que não há trajetória equilibrada de crescimento ou mecanismo de “pilotagem automática” para as organizações. É um falso otimismo de gestores inexperientes – e de funcionários burocráticos – acreditar na existência de uma fórmula que se sustente por si só, seja válida em todas as situações e a qualquer tempo (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 263). O quadro 1, adaptado de Matias-Pereira apresenta as principais diferenças entre a administração pública gerencial (alvo de nossa atenção neste item) e a administração pública burocrática (objeto de análise do item anterior – 3.2): Quadro 1: Principais diferenças entre a administração pública burocrática e a gerencial Administração Pública Burocrática Administração Pública Gerencial 1. Apoia-se na noção geral do interesse público; 2. Garante cumprimento de responsabilidade; 3. Obedece às regras e aos procedimentos; 4. Opera sistemas administrativos; 5. Concentra-se no processo; 6. É autorreferente; 7. Define procedimentos para contratação de pessoal, compra de bens e serviços; 8. Satisfaz às demandas dos cidadãos; 9. Controla procedimentos; 10. Define cargos rígida e fragmentadamente; Tem alta especialização. 1. Procura obter resultados valorizados pelos cidadãos; 2. Gera accountability; 3. Compreende e aplica normas; Identifica e resolve problemas; Melhora continuamente os processos; 4. Separa serviços e controle; Cria apoio para normas; Amplia a escolha do usuário; Encoraja ação coletiva; Cria incentivos; Define, mede e analisa resultados; 5. Orienta-se para resultados; 6. Foca o cidadão; 7. Luta contra o nepotismo e a corrupção; 8. Evita adotar procedimentos rígidos; 9. Define indicadores de desempenho – utiliza contratos de gestão; 10. É multifuncional; Flexibiliza as relações de trabalho Fonte: Matias-Pereira (2012, p. 62). 38 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Por fim, e através de uma síntese irretocável, Bresser-Pereira afirmou que é decorrente da transformação do Estado o aumento de sua capacidade, e, por consequência, o seu melhor funcionamento. Ao tornar a organização do Estado mais eficaz e eficiente, a reforma da gestão pública passa a ser um elemento essencial da governança, juntamente com a sociedade civil e outras instituições. (...) A reforma da gestão pública está gradualmente mudando a organização do Estado, estabelecendo limites racionais para as suas ações, criando novos papéis para ela, aumentando sua capacidade de proteger a res publica e tornando os administradores públicos mais eficientes e responsáveis. Em outras palavras, está aumentando a capacidade do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 265). Por mais que diferentes países, inclusive o Brasil, tenham adotado práticas gerenciais na administração do Estado e, com isso, melhorado sobremaneira a atuação dos governos, infelizmente em muitas ocasiões o patrimonialismo ainda impera, mesmo nos tempos atuais. Será esse o tema da próxima Unidade Didática deste Guia de Estudos. 3.4. Patrimonialismo Brasileiro Contemporâneo O patrimonialismo, presente hoje sob a forma de clientelismo ou de fisiologismo, continua a existir no país, embora sempre condenado. Para completar a erradicação desse tipo de cultura pré-capitalista não basta condená-la, será preciso também puni-la (BRESSER- PEREIRA, 2011, p. 25). Por mais que se propague a função principal do Estado-nação nos tempos atuais: A função principal do Estado-nação no mundo contemporâneo – realizada por meio do governo e da administração pública – é a de ampliar de forma sistemática as oportunidades individuais, institucionais e regionais. Deve preocupar-se, também, em gerar estímulos para facilitar a incorporação de novas tecnologias e inovações no setor público que proporcionem as condições exigidas para atender às demandas da sociedade contemporânea (MATIAS- PEREIRA, 2012, p. 7). E que se reconheça o papel das instituições, das leis e dos valores morais: As instituições são essenciais, e as leis são necessárias no processo de ordenamento dos mercados, mas não são suficientes. Assim, além das instituições, encontram-se os valores morais aceitos por todos, que garantem o perfeito e o permanente relacionamento entre indivíduos e instituições (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 22). 39 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O patrimonialismo (estudado no item 3.1) ganha novas formas e se mantém presente na estrutura do Estado. Em alguns casos, o que se convencionou chamar de neopatrimonialismo é até aceito, ainda que tacitamente pela sociedade, como nos casos em que governantes e funcionários exploram o Estado, mas, em contrapartida, asseguram alguns poucos benefícios à sociedade. Segundo Ribeiro (2010, p. 8414) essa forma de “novo patrimonialismo” teria caráter altamente modernizador, legitimando-se pelo futuro, não pela reiteração do passado (RIBEIRO, 2010, p. 8414). A autora busca caracterizar o neopatrimonialismo, que se transveste dos interesses dos cidadãos e o relaciona com traços culturais do brasileiro: O “neopatrimonialismo” possui três elementos essenciais: conecta-se à atuação de agentes pertencentes à própria sociedade; se apoia sobre novos motes, como o desenvolvimento econômico e social; utiliza-se de uma lógica dual, composta por uma “lógica racional-legal”, explícita, que se supõe baseada “na vontade do cidadão e nos quais impera a separação entre o público e o privado”; mas também por uma “lógica patrimonial, que segue operando oculta, possuindo dificuldades “para se legitimar no plano macro, conquanto no plano micro (aquele das pequenas propinas e apropriações que grande parte da população pratica) não haja maior questionamento de sua ilegitimidade formal” (RIBEIRO, 2010, p. 8415). A seguir, discutiremos um pouco mais sobre o neopratrimonialismo através de dois textos publicados no jornal Folha de São Paulo: “A derrocada dos campeões nacionais” e “Pressão patrimonialista”. Confiram em nossas atividades no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. 40 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA RELFEXÃO 1: A derrocada dos campeões nacionais O ano de 2013 foi catastrófico para os "campeões nacionais" eleitos pelo governo para se tornarem multinacionais verde-amarelas. O BNDES despejou quase R$ 30 bilhões nessas empresas e não está sobrando pedra sobre pedra. O lance mais recente é a fusão entre a Oi e a Portugal Telecom. Como é típico dessas operações complexas, não é possível saber ainda quem ficou com a empresa, mas ao que tudo indica a gestão será dos portugueses. O governo mudou as leis para permitir a fusão que criou a Oi e concedeu empréstimos vultuosos para a empresa, mas não adiantou. A "super" tele brasileira se viu atolada em dívidas e precisando desesperadamente
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