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Descaminhos do Mercosul - a suspensão da participação do paraguai ea incorporação da Venezuela: uma avaliação crítica da posição brasileira Celso Lafer In the international political environment, the rules of International Law fulfil! two important roles:they inform about the probable conduct of state actorsand indicate what are the standardsof acceptablebehavior.This explainswhy the language of Law permeatesthe reasoning of diplomatic actionsand why, when the rulesof International Law are not complied, the behavior of stateslose legitimacyand ingredients of the 50ft power. The artic1eexaminesthe twin decisionsthat led to the suspensionof Paraguayand the admissionof Venezuela in Mercosul in 2012and disc10sesin detail why they do not comply with fundamental constitutive rules of Mercosul.The negativepolitical consequencesof the illegality of thesetwo decisionsareexplored in termsof the future of Mercosul as a credible regional economic agreementand also for Brazilian foreign policy in the region and elsewhere. In the author's opinion they constitute the mostsubstantiveforeign policy flaw of the first two yearsof the presentadministration. -I- Num EstadoDemocráticode Direito, comoéocasodoBrasil,regidopelaCons- tituiçãode 1988,cabesubmeterà análise daaçãopolítica,nelaincluídaadiplomá- tica,nãoapenasaavaliaçãodesuaeficiên- ciaeoportunidade,mastambémaojuízo dasuaconformidadeemrelaçãoàsnormas jurídicasvigentes.A relevânciado juízo sobre.a conformidadeemrelaçãoàsnor- masjurídicasvigentesestáligadaàaferi- çãodemocráticadeum governo,no qual opoderéexercidodeacordocomasleise nãoemfunçãodo instávelagirdiscricio- náriodegoverhantes. No mundocontemporâneo,osestudio- sostêmapontadoqueo respeitoaoDireito Internacionalé dirhensãócaracterizadora, do Estado Democráticode Direito. No casodoBrasilestaobservaçãoépertinente, poisaConstituiçãode1988mostrou-senão apenasabertaà recepçãode normasde DireitoInternacionalnoordenamentojurí- diconacional,comdestaqueparaosdireitos humanos,mastambémconstitucionalizou, no seuartigo4, princípiosqueregemas relaçõesinternacionaisdonossopaís.Estes estãoem consonânciacomas normasdo DireitoInternacional,emespeciala Carta daONU. Estapositivaçãoconstitucionalde normasdo DireitoInternacionalconsagra umavisãodemundovoltadaparao reco- nhecimentojurídicodosoutrosEstadose CelsoLaferé professoreméritodo Institutode Rélações InternacionaisdaUSPeeX-IDinistrodasRelaçõesExteriores do Brasilem 1992e em 2001-2002.. 19 VOL 21 N°3 JAN /FEV /MAR 2013 ARTIGOS almejacontera subjetividadedosunilate- ralismosdiscricionáriosdassoberaniasno planointernacional. Na vida políticainternacionalasnor- mas de Direito Internacionalcumprem duas funçõesimportantespara a manu- tençãodasegurançadasexpectativas,que éumadasvirtudesdoprincípiodalegali- dadenadinâmicadaconvivênciacoletiva. De um lado informamsobrea provável condutadosatoresestataisnavida inter- nacional e, de outro, indicam qual é o padrãoaceitáveldecomportamento.É por essarazãoquea linguagemjurídicaper- meiaa argumentaçãodasrazõesda ação diplomáticae é por essemotivo que o descumprimentodas normasdo Direito Internacionalésempreum fatordeslegiti- madorda condutaestatal,quetemcomo efeitotantocomprometerosoftpowerdeum país,quantoasuacredibilidadeinternacio- nal.Estatem,comoumdeseuselementos deordemgeral,acoerênciadasposturase, no planojurídico,a fidelidadeao quefoi pactuado,queé a basedo princípiopacta sunt servanda.Esteconsagradoprincípio estáreiteradonaConvençãodeVienasobre oDireitodosTratados,de1969,naParteIII, quedispõesobreobservância,aplicaçãoe interpretaçãodetratados. As normasjurídicasdo Mercosulnão sãocomoas normasclássicasdo Direito Internacional,ouseja,nalinhadalógicade Vestfália,normas de mútua-abstenção, voltadasparaconterasfricçõesderivadas da coexistência,no espaçomundial,dos Estadosqueintegramosistemainternacio- nal. Sãonormasaprofundadasde mútua colaboraçãoelaboradasepactuadaspelas suaspartescontratantes- Argentina,Brasil, ParaguaieUruguai- quedeliberaramagir em conjuntona "ideia a realizar"de um projetodeintegração.Estelevouemconta opotencialdaconectividadeeconômicada vizinhança,tendocomoobjetivo,navigên~ cia de regimesdemocráticos,aceleraro desenvolvimentocomjustiçasocialelograr competitividadeparaumaadequadainser- çãointernacionalde seusmembros,num mundoquesimultaneamenteseglobaliza e se regionaliza.Normasdestanatureza especificamdireitose obrigações,e ainda maisdoqueasnormasdemútuaabstenção, requeremaconfiançadeque,nadinâmica do processode integração,prevaleçame sejamcumpridasas"regrasdojogo".Estas, normativamenteestipuladas,têm como funçãolimitaranaturalpropensãodecada país- emespecialosdemaiorpoderpolí- ticoeeconômicorelativo- apraticarcom- portamentosdiscricionários,contráriosao quefoipactuadoemboaedevidaforma.É poressarazãoquetêmespecialgravidade, noâmbitodoMercosul,quaisqueraçõesem flagrantedesconformidadecomsuasnor- masjurídicasconstitutivas. É nessamoldura conceitualque vou examinarasdecisõesquelevaramà sus- pensãodo Paraguaie à adesãoda Vene- zuela,adicionando,também,à análisedo que entendo ser uma inequívoca não conformidadecom as normasjurídicas, consideraçõescríticassobreaeficiênciae oportunidade destasduas decisões,na perspectivadapolíticaexternabrasileira edosmelhoresinteressesnacionais. - 11- oMercosul,desdeassuasorigensteve, emfunçãoda penosaexperiênciadosre- gimesautoritáriosna região,comohori- zontepolíticoaimportânciadaconsolida- çãodemocráticae da tutelados direitos humanosentreosseusEstados-membros. Na sua concepçãofoi muito relevanteo significadodaredemocratizaçãodaArgen- tina, do Brasil e do Uruguai, e foi nesta linhaqueaDeclaraçãoPresidencialdeLas Lefiasde27dejunho de1992,explicitou que a plena vigência das instituições 20 POLfTICA EXTERNA DESCAMINHOS DO MERCOSUL democráticasé condiçãoindispensável paraaexistênciaeo desenvolvimentodo Mercosul. O Protocolo'deUshuaiasobreo com- promissoDemocráticonoMercosul,Bolí- viaeChile,equeéde1998,deuconteúdo jurídicoà declaraçãopresidencialde Las Lenasde1992,queéexplicitamentemen- cionadanosconsiderandosdoseuPreâm- bulo.No Brasil,oProtocolodeUshuaiafoi aprovadopeloDecretoLegislativon°452 de14denovembrode2001epromulgado peloDecretonO4210de24deabrilde2002. Na reuniãode Cúpula do Mercosul, realizadaemMendoza,Argentina,em28e 29dejunhode2012,ostrêspresidentesdo bloco- Argentina,BrasileUruguaieo re- presentanteda Venezuela,seuchanceler, emitiram,em29dejunho,um "comunica- doconjunto"emnomedospresidentesdos Estados-Partes.Deliberaram,combaseno ProtocolodeUshuaia,terhavidoumarup- turadaordemdemocráticano Paraguaie, combasenestaavaliação,decidiramsus- penderaparticipaçãodoParaguainosór- gãosdo Mercosulatéqueseverificasseo plenorestabelecimentodaordemdemocrá- ticanaquelepaís.É oquediz,semmaiores considerações,o parágrafo5 do acima mencionadoComunicadoConjunto, na seçãoreferenteàsituaçãodoMercosul. DesteComunicadoemanoudocumen- todamesmadata,no qual,no itemI, os presidentesda Argentina,do Brasile do Uruguaidecidiramsuspenderodireitoda participaçãodo Paraguainos órgãosdo Mercosul e nas suas deliberações,com baseno art.5°do Protocolode Ushuaia, quefoi invocadode formagenéricanos considerandosdadecisão. As autoridades do Paraguai foram impedidasdeparticipardareuniãopresi- dencialde·Mendozae tambémdo Conse- lhodo MercadoComumintegradopelos ministrosdeRelaçõesExterioresedaEco- nomia.EsteéoórgãosuperiordoMercosul e o único habilitado a adotar decisões obrigatóriaspara os Estados-Partes,nos termosdoTratadodeAssunçãode1991,que criouoMercosul(art.10)edoProtocolode Ouro Preto,de 1994,queaeledeusuaes- truturainstitucionaldefinitiva(artigos3°, 4°,5°,6°,7°,8°,9°).Observo,nestesentido, que a Reunião de presidentesnão tem papel institucionaldefinidona estrutura do Mercosuleque,do pontodevistados procedimentosjurídicosapropriados,o que caberiaaos presidentesé ter dado instruçãoaosseusministrosparaqueto- massemasdeliberaçõesporelesdecididas no âmbitodo Conselhodo MercadoCo- mum. Não vou aprofundara discussão destamatéria,masregistroquesetratade umafalhano devidoprocessolegal.Não vou aprofundá-Iabrevitatiscausaporque consideroque,nasuspensãodoParaguai, ocorreramfalhasmuito mais gravesdo devido processolegal na aplicaçãodo ProtocolodeUshuaia,comopassoaexpor. A aplicaçãoda cláusulademocrática combasenoProtocolodeUshuaiarequer umaverificaçãodequeteriaefetivamente ocorridoumarupturadeordemdemocrá- ticanoParaguai.Estarupturanãofoi ób- via,comoteriasidoocasodeumgolpede Estado,queconfigurariacarênciadetítulo democráticoparagovernardosqueassu- miramasresponsabilidadesdo poderno país.Daí,nocaso,aimportânciadequese revestemos procedimentosde aplicação doProtocolodeUshuaia,emespecialoseu art.4°,queestipula:"No casoderuptura daordemdemocráticadeumEstado-Parte doPresenteProtocolo,osdemaisEstados- Partespromoverãoasconsultaspertinen- tesentresi ecomo Estadoafetado". As consultascomoParaguainãoforam realizadasenãotemprocedênciaalegarque aMissãodosMinistrosdaUnasulaoPara- guaiem21e22dejulhodelassãoumváli- do sucedâneo.Não o são,emprimeirolu- gar,porquerationepersonaeerationemateriae 21 VOL21 W3 JAN/FEV/MAR 2013 I ARTIGOS aUnasulnãoseconfundecomoMercosul, quetempersonalidadejurídicaprópria.Em segundolugar,porquenãoabrangeramos fatoseascircunstânciasnasuatotalidade, pois sãoanterioresà conclusãodo julga- mentodo presidenteLugo,queinstigoua decisãoda suspensão.A ausênciadestas consultasnoâmbitodoMercosuléumfato gravee configuraumaquebrado devido processolegalnosprópriostermosdoPro- tocolodeUshuaia.Comefeito,no casoes- pecífico,oargumentodarupturademocrá- ticanoParaguaitemcomobaseacelerida- dedoprocessodeimpeachmentdopresiden- teLugoquenãoteriatidotemposuficiente paraprepararasuadefesanesteprocesso conduzido pelo Legislativo paraguaio. Esteprocesso,no entanto,foi considerado válido pelo Judiciário do Paraguaie em consonânciacomasnormasconstitucionais doParaguaiesualegislaçãoinfraconstitu- cionalrelacionadaaumjuízopolíticosobre a destituiçãodo cargode presidente,por maudesempenhodesuafunção. Nestecontextoimpunham-sesubstan- tivamenteas consultascom o Paraguai comopassoprévio para a aplicação,ou não,deumasuspensãodesuaparticipação noMercosul.Explico-me.A consultaéum mecanismoclássicodoDireitoInternacio- naletemcomoobjetivoatrocadeopiniões, no caso,exvi do art.4 do Protocolode Ushuaia,entreo Paraguaie aArgentina, oBrasileoUruguaisobreumacontrovér- sia emtornoda existênciade rupturada ordemdemocrática.A funçãodaconsulta emgeralenestecasoespecíficotemcomo objetivoembasaruma avaliaçãojurídica sobreaexistênciaounãodeumaruptura da ordemdemocráticaatravésda intelli- gencegathering,sejapormeiodaorganiza- çãoe seleçãode informaçãopertinente, sejapelapossibilidadedeaprenderorele- vantepara compreendera situaçãoque levouao impeachmentno âmbitodo orde- namentojurídico paraguaio.Nestecaso, estafunçãodaconsultaeraumaexigência indispensável,poisaavaliaçãodaruptura da ordemdemocráticano Paraguaides- considerouaavaliaçãofeitapeloLegisla- tivo e peloJudiciário do país,quenão a consideraramcomotal.Poressarazão,não foi inequívocaa rupturadaordemdemo- cráticae,por issomesmo,aafirmaçãoda sua ocorrênciaprecisariater sido bem fundamentada,o quenãoseverificou. Daí,numjuízojurídicosobreaaçãopo- líticadaArgentina,BrasileUruguai,acon- clusãodequeasuspensãodo Paraguaido Mercosulnãoobedeceuaoitemdo devido procedimentolegalprevistopeloProtocolo deUshuaia,decisãosubstantivamentecom- prometidapelofatodenãotersidofunda- mentada.Com efeito,a decisão,paranão caracterizar-secomoarbitrária,precisariaser fundamentada,levandoemconta,combase nasconsultasquenãoserealizaram,asca- racterísticasde funcionamentoda divisão dospoderesedasnormasconstitucionaisdo Paraguai,tal comoalegadopelopaís.Em síntese,adecisãodasuspensão,talcomofoi tomada,representaa sumáriaexecução deumasanção- adoart.5°doProtocolo deUshuaia,semumapropriadoprocessode conhecimento,previstonoart.4°domesmo Protocolo.Porisso,nasuanãofundamenta- da celeridade,fereo devidoprocessolegal inerenteaosDireitosHumanosno plano internacional,agravadoporumdesrespeito específicoaoprincípiodenãointervenção. O princípiode não intervençãoé um princípioconsagradodoDireitoInternacio- nalPúblicoefoi constitucionalizadocomo um dosprincípiosqueregemasrelações internacionaisdo Brasil (CF,art.4 - IV). No casodoProtocolodeUshuaia,odesres- peitoa esteprincípiocriaum precedente grave.Comefeito,aavaliaçãodacondição democráticadeumpaísécomplexa. Das suas diversas vertentes trata, por exemplo,a CartaDemocráticaIntera- mericana,aprovadanaAssembleiaGeral --- 22 POLÍTICA EXTERN A DESCAMINHOS DO MERCOSUL daOEA em11de setembrode 2001.En- volvetantoa degeneraçãodo poder de- mocráticopor falta de título para seu exercício,queé o queocorre,comomen- cionei,comum golpedeEstado,masen- volvetambémadegeneraçãoproveniente doabusodo seuexercício.É o queseve- rificaquandoseconfiguram,porexemplo, inequívocodesrespeitoaosdireitoshuma- nos,à independênciae à separaçãodos poderes,à liberdadede expressãoe da imprensa,àvigênciadoestadodedireito. A decisãoda suspensãodo Paraguaiexi- giriaumafundamentaçãoapropriadade queo impeachmentdo presidenteLugo estariainseridonahipótesedadegenera- çãodopoderdemocráticoedeque,além domais,tinhaalgumlastro,impugnaras credenciaisdemocráticasdoLegislativoe doJudiciáriodoParaguai,queconvalida- ramjuridicamenteo impeachment.Talcomo foitomadaadecisão,desqualificaemblo- cotodasasinstituiçõesdo Paraguai.Por isso,configura-secomoum desrespeito específicoaoprincípiodenãointervenção. Caracterizaarbítriona aplicaçãode san- ção,arbítrioagravadopelofatodequeas credenciaisdemocráticasatuais,no exer- cíciodo podernaArgentinaeaindamais naVenezuela,queparticiparamdo enca- minhamentoda decisãono comunicado conjunto,comportamdiscussão. Registroqueasnovasautoridadesdo Paraguai,chefiadopelo vice-presidente FedericoFrancoGomez,que assumiua presidênciacomo impeachmentdo presi- denteLugo, questionarama legalidade dadecisãodasuasuspensão,assimcomo aincorporaçãodaVenezuelacomomem- broplenodoMercosul,peranteoTribunal Permanentede Revisão do Mercosul. Este,emlaudode21dejulho,encontrou umcaminhoprocessual- o de nãoesta- rempresentesosrequisitosparaaadmis- sibilidadedopleito- paranãomanifestar-se sobreo méritodaquestão,o quelevouo Paraguai,emcomunicadooficial, a afir- mar,em22de junho,quetinhaseconfi- gurado uma situaçãode denegaçãode justiça. Registro,igualmente,queosecretário-- -geral da OEA, acompanhadopor uma delegaçãoderepresentantespermanentes daOEA~integradapor diferentesgrupos geográficosdaorganizaçãofez,combase em propostado presidentedo Conselho Permanente,umavisitade caráterinfor- mativoaoParaguai.Estavisita,realizada nosdiasI, 2e3dejulho,consubstanciou-- -seemrelatórioapresentadoaoConselho Permanenteem10dejulhode2012(OEA/ Seco6,CP /doe.4786/12revI, 10dejulho de 2012).Não vou discutiro circunstan- ciado relatório do secretário-geralJosé Miguel Insulza,muitomaiscompletodo queasmanifestações,nocalordahora,da Missãoda Unasul,masobservoquenão recomendouasuspensãodo Paraguaido direitodeparticipaçãonaOEA por conta de uma ruptura de ordem democrática, com basenos artigos20 e 21 da acima mencionadaCartaDemocráticaInterame- ricana.Estarecomendaçãofoi levadaem contapelosEstados-membrosdaOEA, que nãosuspenderamodireitodoParaguaide participardasatividadesdaOEA. Em síntese,anãofundamentadadeci- sãodesuspendero Paraguaidasativida- desdoMercosulcaracterizaumaarbitrária aplicaçãodeumasançãoquenãoestáem conformidadecomasnormasqueregem a matériano âmbitodo Mercosul.Este arbítrioé incompatívelcomas"regrasdo jogo"previstasnasnormasdoMercosule, por issomesmo,comprometeaconfiançaque devepermearas normasde mútua colaboraçãodeumprocessodeintegração. A ilegalidadedestadecisãoteráconse- quênciassubstantivasparaapolíticaexter- nabrasileiranaperspectivadeumjuízode avaliaçãosobreasuaoportunidadee efi- ciência.Em primeirolugar,comprometeo 23 VOL 21 N" 3 JAN!FEV!MAR 2013 ARTIGOS 80ftpowereacredibilidadeinternacionaldo nossopaís,quesempreseempenhouem pautarasuacondutaexternapelorespeito aoDireitoInternacionaletradicionalmente vemcriticando,no debatediplomático,os paísesque,agindosoboimpulsodasubje- tividadediscricionáriadassoberanias,não levamemcontaa importânciadasnormas internacionaisparaa convivênciadosEs- tados na vida mundial. A esteassunto voltareimaisadiante,na próximaseção desteartigo,noexamedadecisãodaincor- poraçãodaVenezuelacomomembropleno doMercosul. Do pontodevistadarelaçãodo Brasil comoParaguaiestadecisãodasuspensão teráconsequênciasgraves.Comefeito,são particularmentedensas,desdeo século XIX, asrelaçõesdoBrasilcomoParaguai. Na atualidadesãomuitomaissignificati- vasdoqueaquelasquecaracterizamasda Argentinaedo Uruguai,semfalardaVe- nezuela,como Paraguai.Bastalembraro significado,para o Brasil, da Binacional Itaipu,eotemadosmilharesdebrasileiros quevivemno Paraguai- osbrasiguaios. E porcontadestadensidadequequalquer atuaçãodiplomáticaemrelaçãoà ordem democráticanoParaguaideveriatersido, comofoino passado,desdeavigênciado Mercosul,uma iniciativabrasileira.Não foioqueocorreunestecasoemqueoBrasil sedeixoulevarpelaArgentinaepelaVene- zuela,cujorelacionamentocomoParaguai é muitomaiscircunscritoe que,por isso mesmo,tinhamdo assuntooutravisãoe outrosinteresses. O Brasil,desdeo governodopresiden- te Juscelino Kubitschek, vem se empe- nhando,numa convergenteaproximação comoParaguai.A motivaçãodesteempe- nhotemasuarazãodesernãosónarele- vânciapolíticaenosignificadoeconômico davizinhançano Prata.Respondeauma preocupaçãoem lidar construtivamente comamemóriada guerra,no séculoXIX, comoParaguai,queteveum pesadocus- to humanoeeconômicoparao paísvizi- nho e, por issomesmo,gerouum caldo históricoderessentimentos.Nãovoudis- cutirestaguerraemqueoBrasilnãofoi o agressoreesteveassociadocomaArgen- tina e o Uruguai na chamadaTríplice Aliança.Delatratoudemaneiraadmirável ecomaltaqualidadehistoriográficaFran- cisco Doratioto no seu grande livro de 2002,Maldita Guerra.Registroapenasque existeuma exacerbadasensibilidadeda sociedadeparaguaiaemrelaçãoaosefeitos destaguerra- só comparável,na suaes- calae intensidadenocontinenteamerica- no,à GuerraCivil dosEstadosUnidos. Estasensibilidadedo Paraguaicomo seucaldoderessentimentosafloroudepois da suspensãoda suapresençano Merco- sul.Elafoi articulada,comressonânciana sociedadeparaguaia,pelopresidenteFe- derico Franconaparteinicialdo seudis- curso,nesteano,em27 de setembro,na AssembleiaGeral da ONU, na críticaà decisãotomadaemMendoza.Nãoendos- so,evidentemente,todasasafirmaçõesdo presidenteFranco,quetêmanaturezade umcompreensíveldesabafodiantedeuma decisãomanifestamenteilegal,masnãohá comoignorar,naperspectivado Brasil,a suaasserçãoaotratardaunidadedanos- sa região:"Elliderazgo seconstruyecon el respetoaIDerechoInternacional".Ava- lio que,emfunçãodessadecisão,arecom- posiçãodasrelaçõesdoBrasilcomoPara- guaiexigiráumesforçomuitoespecial.Em síntese,a decisãotomadaem Mendoza corroeu,inutilmente,décadasdeumváli- dotrabalhodiplomáticodoBrasil.Porisso foi, na perspectivada política externa brasileirae dos interessesnacionais,não só uma decisãocaracterizadapor uma inequívocailegalidade,degrandeimperí- ciajurídica,mastambémumaaçãodiplo- máticaimprudente,que não passapelo testedaoportunidadeedaeficiência. 24 POLlTICA EXTERNA DESCAMINHOS DO MERCOSUL - lU - Em 2005,a Venezuelado presidente HugoChávezsolicitoua adesãode seu paísao Mercosul e a atada adesãofoi firmadanaReuniãodeCúpuladoMerco- sulemAssunção,emjulho daqueleano. Após celebraçãodo acordo- marcoda adesão,ospresidentesNestorKirchner,da Argentina,eLula, doBrasil,conferiramà Venezuelaojuridicamentediscutívelstatus de"membroplenoemprocessodeadesão" queé,aliás,ajustificativaparaapresença eparticipaçãodaVenezuelano já ampla- mentereferidoComunicadoConjuntodos presidentesemMendoza,em29dejunho. Nãovouexaminarcomo,desdeaconces- sãodestestatusatéo presente,anegocia- çãotécnicadaVenezuelacomosEstados- membrosdo Mercosul,doscompromissos dapolíticacomerciale da adequaçãoao conjuntodenormasinerenteànaturezade umprojetodeintegraçãocomoMercosul caminhoudemaneiramuitoinsatisfatória. Nistoincluoastrêsnegociaçõesrealizadas nestesegundosemestrede2012,emagos- to, setembroe novembro.Registro,no entanto,que o Protocolo de Adesão da VenezuelaaoMercosul,de2006,foi apro- vadopelaArgentinaemfevereirode2007 e,peloUruguai,emagostodomesmoano. .EmnossopaísaincorporaçãodaVene- zuelaao Mercosulsuscitousignificativa controvérsiaquelevoua um ciclode de- batespromovidopelaComissãodeRela- çõesExterioresdoSenadoqueseestendeu entreosmesesdeabrilaoutubrode2009. Esteciclo, que tevea naturezade uma audiênciapública,foi publicadopeloSe- nadoFederalem 2010.A Comissão de RelaçõesExterioresaprovoua adesãoda VenezuelaaoMercosul.O votodorelator, senadorTassoJereissati,contrárioà ade- são,foiderrotadoporumvoto,sagrando-se vitoriosoo voto em separadoproposto pelosenadorRomeroJucá.O Plenáriodo Senadoaprovouaadesãoemdezembrode 2009eostrâmiteslegaisdaadesãoforam concluídosemmarçode2010. No Brasil,o alargamentodoMercosul, por meioda incorporaçãoda Venezuela, foi sustentadoporargumentosdeinteres- seeconômicoedeseusignificadogeográ- fico,quecontribuiriamparaarevitalização do Mercosule atenderiamaosinteresses nacionais.Foipostoemquestãoporvários estudiososediplomatasquechamarama atençãopara o caráterinsatisfatóriodas negociaçõestécnicas,ou seja,da efetiva adesãodaVenezuelaàsnormasdoMerco- sul;pelapreocupaçãocomaordemdemo- crática do país regido pelo presidente Hugo Chávezepela percepçãode quea visão de um processode integração,tal comovinhasendoformuladopelopresi- denteChávez,entrariaemchoquecoma concepção"daintegraçãoque norteoua criaçãodoMercosul. Até areuniãodeMendozanãotinhase verificadoa aprovaçãoda adesãodo Pa- raguai,cujoSenadorelutavaemaeladar o seuconstitucionalmentenecessárioas- sentimento.No ComunicadoConjuntode Mendoza,em29dejunho- jámencionado naseção11desteartigo- nasequênciada decisão da suspensãodo Paraguai, os presidentesdaArgentina,CristinaKirch- ner,do Brasil,Dilma Rousseffe do Uru- guai,JoséMojica,juntocomoministrodas RelaçõesExterioresdaVenezuela,Nicolás Maduro,emrepresentaçãodo presidente HugoChávez,deliberaramesecongratu- laram,no parágrafo6, com a adesãoda VenezuelaaoMercosul.DeleemanouDe- claraçãodamesmadata,naqualArgenti- na,BrasileUruguaidecidiramo ingresso daVenezuelanoMercosul. O Tratadode Assunção,que criou o Mercosul,prevêadesões,ou seja,o seu alargamento,masestabelece,no seuart. 20,que uma aprovaçãode alargamento será objeto de decisão unânime dos 25 VOL 21 N" 3 JAN/FEV /MAR 2013 ARTIGOS Estados-Partes.O ProtocolodeOuroPreto, noseuart.37,queregeosistemadetoma- dadedecisões,estabeleceUAs decisõesdos órgãosdo Mercosul serãotomadaspor consensoe com a presençade todos os Estados-Partes". A decisãoda suspensãodo Paraguai, de29dejunhode2012,emanadadospre- sidentes da Argentina, do Brasil e do Uruguai,no seupreâmbuloeno seuitem 1declaraquea suspensãodispôssobrea limitaçãodaparticipaçãodoParaguainos órgãosdo Mercosul,assimcomoaperda deseusdireitosdevotoedeveto. O TratadodeAssunçãoe o Protocolo de Ouro Preto,quedãoaoMercosulsua estruturainstitucional,sãotratados-qua- drodenaturezainstitucional.Suasnormas são superioresàs de outrasnormativas quedeladerivamenãopodemserderro- gadaspor decisõescomoa da suspensão do Paraguai,de inequívocailegalidade comoarguidonaseçãoII desteartigo.Em outraspalavras,aindaqueestadecisãoda suspensãodoParaguaise revestissede atributosde legalidade,elasó seriaapli- cáveladeliberaçõesdematériaordinária enuncaaumadecisãoextraordináriade alargamentoque vai alterar a vida e a naturezadoMercosul,por obrada incor- poraçãodaVenezuela.Daí alógicadoart. 20doTratadodeAssunçãoacimamencio- nado, que é constitutivado Mercosul e deleinseparável. A ConvençãodeVienasobreo Direito dosTratados,de1969,mencionadanaseção I desteartigo,estáemvigornoBrasil.Deve serexecutadaecumpridatãointeiramente comonelasecontém,comoestatuioDecre- ton°7030,de14/12/09(art.1°).AConven- çãoestabelece,noart.26,que"Todotratado emvigorobrigaaspartesedeveserexecu- tadoporelasdeboa-fé".Estipula,noartigo 31,comoregrageralde interpretação,que "Umtratadodeveserinterpretadodeboa- -fé,segundoo sentidocomumatribuível aostermosdetratadoemseucontextoeà luz doseuobjetoe finalidade". A exigênciadaaprovaçãodoParaguai àincorporaçãodaVenezuelaaoMercosul mepareceindiscutívelà luz dos termos doTratadodeAssunçãoedeseuobjetoe finalidade. A decisãode incorporara Venezuela, comofeita,nãoatendeaobrigaçõesrelacio- nadasàobservânciadeTratadosprevistos naConvençãodeViena.Carecedeboa-fé, sejanaacepçãosubjetivadeumadisposição doespíritodelealdadeehonestidade,seja na acepçãoobjetivade condutanorteada paraestadisposição.Pondero,nestesenti- do, que cabeperguntarse a decisãoda suspensãodo Paraguai,queensejouuma impositiva decisãode incorporaçãoda Venezuela,nãofoi ummeiodecontornar, semboa-fé,apréviaejuridicamenteválida resistênciaparaguaiaaestadecisão. Em síntese,a decisãode incorporara VenezuelaaoMercosul,nostermosemque foi tomadaé, de per se,uma ilegalidade agravadapelailegalidadeantecedenteda suspensãodo Paraguaido Mercosul,que impediasua participaçãonumadecisão quevai alterara estruturado Mercosule suadinâmica. A açãodiplomáticadoBrasilemMen- dozaeseusdesdobramentoséumaação quenãopassapelotestedaconformidade emnormasjurídicasvigentes.Caracteri- za-sepor uma dupla ilegalidadee, por issomesmo,nãoécompatívelcomores- peito ao Direito Internacionalque é di- mensãocaracterizadorade um Estado DemocráticodeDireito. É, também,uma açãoque não só no casoda suspensãodo Paraguai,comono da incorporaçãoda VenezuelaaoMerco- sul,podeserqualificadacomoaltamente questionávéldopontodevistadaavalia- ção de sua eficiência e oportunidade. Compromete,comojá apontei,o50ftpower e a credibilidadeinternacionaldo nosso 26 POLfTICA EXTERNA DESCAMINHOS DO MERCOSUL paíscomorespeitadordoDireitoInterna- cional.Parao Brasil,cujapolíticaexterna ambicionao /oeusstandi de uma maior presençano funcionamentodo sistema internacionalequetem,entreosseusati- vos,nãosó a suaescalacontinentalmas tambémoscréditosdesuaatuaçãonocam- podosvalores,queodiferenciampositiva- mentedeoutroscentrosdepodernaatual multipolaridade,oprecedentedeum des- respeitoaoDireitoInternacionalé grave. Comprometeo papelqueo paísdesejater comoumterceiroimparcialemproldapaz emoutrasregiõesdoMundo,comooOrien- teMédio.Seopaísagiudemaneiraparcial ediscricionárianoseucontextoregionalde vizinhançaenoâmbitodeumaorganização econômicadeintegraçãocomooMercosul, comoimaginarque,comisto,nãocompro- meteo softpowereacredibilidadedo país noplanointernacionale regionale a coe- rênciadesuacríticaaosubjetivismodiscri- cionáriodassoberaniasdeoutrosatoresda vidainternacional? Do pontodevistadoMercosul,asde- cisõesdeMendoza,taiscomoforamtoma- das,colocamemquestãoograndeprojeto diplomáticodo país pós-redemocratiza- ção.Tendemnãosó a transformaro Mer- cosulnuma plataforma para objetivos políticoscomoa condenarà irrelevância umprojetoemquesucessivosgovernosse empenharam,comvistasaopotencialde umaintegraçãoeconômicaentrepaíses vizinhos,voltadoparaadministraresolu- cionar,numpatamarsuperiordecolabo- ração,tensõese rivalidades regionais. Minaacredibilidadedo Mercosulemre- laçãoa terceirospaísescomoumaválida expressãoderegionalismoeconômicono âmbitodo multilateralismocomercial. Rio Branco,o patronoda diplomacia brasileirae o consolidadordas fronteiras do país,vaticinava,no seutempo,queo Brasildo futurohaveriade"confiaracima detudonaforçadoDireitoenobomsen- so".As decisõesdeMendozadesconside- ramobomsensoeaforçadoDireito,com consequênciasparaapolíticaexternabra- sileira.Foramilegais,diplomaticamente imperitaseimprudentes. Façoestaavaliaçãonãosónacondição de estudiosodas relaçõesinternacionais e de professorde Direito, mas também lastreadona experiênciade quem, em duasoportunidades,chefiouo Itamaraty. No exercício destasresponsabilidades lidei intensamentecomosproblemaseos desafiosdo Mercosule trateidemaneira abrangentedo relacionamentodo nosso país com o Paraguaie a Venezuela.No quetangeàVenezuela,mencionoa valo- rização do relacionamentoeconômico com o país vizinho, desdobramentoda prioridadeatribuídapelopresidenteFer- nando Henrique Cardoso ao papel da Américado Sul napolíticaexternabrasi- leira e à açãodiplomáticavoltadapara conter,em2002,um golpedeEstadoque ameaçouo mandatodo presidenteHugo Chávez,tambémemlinhacomopreconi- zadopelopresidenteFernandoHenrique sobre a relevânciada preservaçãodas instituiçõesdemocráticasnanossaregião. É por tudo issoque,no meuentender,tal como expostonesteartigo, as decisões tomadasemMendozaconstituemo mais substantivoequívocoda políticaexterna brasileiranestesdois primeirosanosda presidênciaDilma Rousseff. Novembrode2012 27 VOL 21 N" 3 jAN!FEV!MAR 2013
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