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As Falsas Belezas - 0liviero Toscani

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As Falsas Belezas *
		Oliviero Toscani acusa os publicitários de "imbecilidade" 
 
Oliviero Toscani, 52, fotógrafo, diretor de arte da Benetton há 12 anos, chegou em Gaza, no dia 17 de outubro de 1994, vindo da Coréia, onde honrara um convite da Universidade de Seul. Em Gaza, passou três dias de trabalho, com uma equipe reduzida, para fotografar as imagens destinadas ao próximo catálogo de Benetton.
Ele não levou consigo nenhum modelo profissional, só quis fotografar homens e mulheres comuns encontrados na rua ou adolescentes em suas escolas. Quase todos aceitaram posar rapidamente para ele, vestindo uma roupa, às vezes apenas um detalhe de Benetton. Como todos diziam, tomados em uma tragédia da história, estavam satisfeitos de mostrar ao mundo que são "gente" como todos os outros, como todos nós. Toscani saiu de Gaza para o Japão, respondendo a outro convite universitário.
Sua vontade política e cultural de transformar a comunicação moderna é explícita. Toscani ensina na Faculdade de Sociologia da Universidade Sapientia, de Roma. Também promove o projeto da Fabbrica, uma antiga vila do Palladio, perto de Treviso, transformada em escola para pensar o futuro e sua comunicação. A Fabbrica é financiada pelo orçamento publicitário de Benetton, que também edita "Colors", revista publicada em seis línguas (680 mil cópias) e destinada aos adolescentes de todas as idades, "para ver e entender o que é diferente".
Recentemente, em 1992, Toscani voltou à reportagem. Foi para a Somália, poucos meses antes da chegada da força da ONU, ficou em um campo de refugiados onde a morte matava 800 pessoas por dia, fotografou para a revista "Epoca" e para a Agência de Imprensa Neri e destinou o dinheiro provindo de suas fotos, amplamente publicadas no mundo inteiro, aos "Médecins Sans Frontières" (Médicos sem Fronteiras).
Estes dados deveriam ser lembrados antes de qualquer discussão sobre a própria produção publicitária de Toscani. Sabe-se que seus anúncios para Benetton suscitaram e seguem suscitando vivas polêmicas. Em alguns casos, em vários países, houve jornais para recusar sua publicação: ficaram famosas as polêmicas, por exemplo, em torno da imagem do jovem morrendo de Aids, dos corpos carimbados HIV positivo, ou ainda da (autêntica) camiseta empapada de sangue de um jovem bósnio morto em Sarajevo.
As imagens, convenhamos, não são mais escabrosas do que as que propõem a atualidade e mesmo, às vezes, a produção cultural. É o deslocamento das imagens e mensagens para a comunicação publicitária que parece produzir escândalo. Mas por que isto provoca tanto? É o uso cínico de tragédias humanas para promover produtos Benetton, como pretendem às vezes os críticos de Toscani? Ou então a crise que as escolhas de Toscani produzem na espécie de falso espelho encantado da bruxa de Branca de Neve, mundo falso que a publicidade nos propõe como modelo?
Como Toscani salienta, no mundo desenvolvido o orçamento publicitário está perto do dobro daquele da instrução pública. Ou seja, a publicidade tornou-se, em nossa época, um modo dominante de comunicação e, portanto, um elemento decisivo da cultura que nos molda. De repente, a proposta de Toscani assume sua plena dimensão. Sem utopismo, ele imagina um mundo que não renunciaria ao inevitável poder do mercado. Mas também sem cinismo, luta para que tal poder não nos destine a sermos os rascunhos de falsas belezas.
Folha - Há fundamentalmente dois estilos publicitários: apresentar os produtos ou então sugerir uma identificação com a imagem de quem –modelo ou celebridade que seja– aparece fazendo uso do produto. Você manifesta geralmente pouca simpatia para com a publicidade e os publicitários, embora ocupe há 12 anos a função de diretor de arte da Benetton. De fato, sua publicidade, pois apesar de tudo também é publicidade, não parece se inspirar em nenhum destes dois estilos.
Oliviero Toscani - Certo, meu trabalho também é publicidade, mas não se inspira nestes dois estilos que são o exemplo mesmo da falta de criatividade. A publicidade geralmente nos diz como devemos consumir a vida. Deveria nos dizer como criá-la; a criação é muito diferente do consumo. É possível criar a vida, fazer escolhas. Não está escrito em lugar nenhum que a publicidade tenha que ser a merda que é. É só um lugar-comum, um caminho fácil para gastar o dinheiro dos clientes. É normal: quem faz linguiça não sabe fazer comunicação. Por isso a contribuição da publicidade para arte equivale à contribuição da musak (música para elevadores) para a música. Como é que eles conseguem se fazer chamar diretores criativos quando sua criatividade é menos que zero? Não sei.
Folha - Provavelmente "eles" estão convencidos do que as pessoas querem e procuram só modelos identificatórios, imagens com as quais possam se parecer. E podem constatar que não só a publicidade, mas a produção cultural em geral vende bem sobretudo este tipo de imagens.
Toscani - É uma mentalidade paternalista: "isso é o que querem e isso eu lhes dou". As mensagens habituais da publicidade são dignas de um novo processo de Nuremberg. Continuam nos dizendo que todas as mães são loiras, que todas as famílias são felizes, que nosso carro representa nosso poder e nossa potência até física e sexual, que você é o que você consome, e será respeitado pelo que você consome, que o creme de merda que você coloca na cara espalha perfeitamente a beleza que você poderia vir a ser se copiasse Isabella Rossellini. Me pergunto quando vamos acordar. Eu estou escandalizado.
Folha - Desde o começo de seu trabalho com Benetton, há 12 anos atrás, havia uma mensagem...
Toscani - Qualquer imagem publicitária, mesmo a mais idiota, tem uma significação sociopolítica. Não há imagens que não tenham uma mensagem, uma significação. As imagens que projetam imagens de supermodelos, de supermentiras são de qualquer forma imagens sociopolíticas. Minhas imagens não são diferentes deste ponto de vista. Só que elas andam com a realidade do mundo e as outras andam com as mentiras.
Folha - A sua mensagem era "United Colors of Benetton".
Toscani - Sim, a problemática das diferentes raças. Desde sempre, eu procuro as diferenças, a aceitação do diverso.
Folha - E a sua integração também?
Toscani - Não propriamente, me interessa sua aceitação, porque os outros são diferentes, e cada um é diferente para os outros. Esta era a idéia. United Colors era um "copy"; em 1990, eu inseri o "copy" no próprio logotipo da empresa. Ninguém, aliás, se deu conta, mas é um fato significativo.
Folha - Esta mensagem que se tornou o logotipo da Benetton é a constante de seu trabalho. Até as imagens escabrosas dos últimos anos (por exemplo, o jovem aidético morrendo, os corpos marcados por "HIV positivo") parecem maneiras de mostrar ou lembrar que situações excluídas, afastadas da humanidade –a morte, a doença contagiosa– de fato fazem parte dela.
Toscani - São realidades humanas.
Folha - Encontrei um industrial italiano que me disse que, no começo, gostava muito da idéia de United Colors, mas que, depois, estas coisas todas, a Aids, os preservativos etc, o deixaram indignado. É uma crítica frequente ao seu trabalho, ou seja, à idéia de que não se deve tocar em certos temas, como se fossem sagrados. Particularmente, usar destas imagens na publicidade seria, como ele disse, aproveitar da desgraça dos outros para promover um produto.
Toscani - Há os fundamentalistas islâmicos da publicidade. Eles não querem que esta religião seja tratada de uma forma diferente daquela que eles consideram certa. Francamente, não acredito que eu esteja utilizando a morte para vender mais pulôvers. Até porque não há como utilizar a morte para vender, só posso me dar conta que ela existe. A comunicação é como a música popular. Também há como fazer músicas que falam da vida e da morte e que vendem milhões de discos. E ninguém acusa os músicos de especular sobre a vida e a morte para vender discos. Outro exemplo: "A Lista de Schindler" é uma especulação sobre os campos de extermínioou é um filme interessante? Então, não venham me acusar de tocar em tais ou tais problemas para vender produtos. Para comunicar algo interessante, é preciso tocar em problemas.
Folha - A verdadeira crítica do industrial, que preferia o comercial das massas Barilla, talvez seja que você pertuba a sua tranquila ilusão de participar de um mundo encantado, de passear no centro de Milão sem ver os drogados.
Toscani - Se matei seu sonho, ele deveria me agradecer. De fato, me parece muito mais grave utilizar as falsas felicidades da Barilla para vender um sistema falso. Um sistema falso que gasta 18% em publicidade e cobra então um prato de massa 18% mais caro para produzir as cagadas que a gente vê na televisão. Estes fundamentalistas da televisão não querem que outros façam tentativas opostas a este sistema de gastos inúteis com uma publicidade feita de falsas felicidades. A eles, eu digo: "Senhores, sou um garoto ou uma garota de 14 anos que não tem uma família feliz, que na escola está sendo excluído porque não tive a sorte de encontrar um professor inteligente, o único lugar de onde quem fala comigo parece me falar de maneira democrática é a televisão. Olho para televisão e vejo as propagandas, vejo que as mães são todas felizes, que os carros viajam em paisagens fantásticas, tudo é limpo, ordenado, e digo 'caralho mas eu sou mesmo um fodido' ". Garanto que a grande maioria dos jovens olha estas coisas como eu. Por isso, estes produtores de publicidade são assassinos sociais e o mínimo que eu, garoto de 14 anos, posso fazer é destruir automóveis, arrancar telefones públicos e jogar pedras para os carros de cima de um viaduto.
Folha - De fato é uma reação normal. As imagens de felicidade só podem se tornar persecutórias, desde que ninguém consiga mesmo se parecer com elas.
Toscani - Se não sou parecida com Isabella Rossellini sou uma fodida, se não tenho 16 válvulas no meu carro sou um impotente, se não me pareço com Claudia Schiffer melhor parar de vez de ser mulher, ou então me tornar anoréxica. Posso também entrar em crise existencial como tantas garotas de hoje que se sentem feias porque não são bonitas como as imagens que propagam estes imbecis da publicidade.
Folha - Ontem, você falava de Valentino, que está preparando seu novo catálogo refazendo imagens de "A Doce Vida" (filme de Fellini), com a modelo Claudia Schiffer...
Toscani - Um desastre. A moda foi isso durante muitos anos, a moda foi um teatro para bichas histéricas.
Folha - O catálogo que você está preparando aqui é outra coisa. Na verdade nem é bem um catálogo.
Toscani - Sim, há um catálogo comercial da Benetton (que não é feito por mim), para apresentar os produtos aos comerciantes. Mas o catálogo que eu faço, e que vai ser distribuído nas lojas do mundo inteiro a partir de janeiro, é um instrumento de comunicação, para mostrar até onde a produção de Benetton pode chegar. É mais uma curiosidade cultural.
Folha - Certamente não é feito para que os clientes comprem roupas na esperança de se parecer com os modelos. Agora, poderia pensar que também a mensagem de "United Colors" talvez acabe produzindo uma imagem, assim como as outras, as mentirosas. Talvez isso hoje seja inevitável. Seria a imagem de uma pessoa jovem, pelo menos de espírito, tolerante, aberta para as diferenças no mundo, atenta aos problemas e aos dramas atuais da convivência humana. Embora a campanha "United Colors" não seja em absoluto uma proposta de se identificar com modelos absurdamente belos, me parece que também se constitui uma espécie de imagem do homem e da mulher Benetton.
Toscani - Na verdade, não sei se as pessoas devem comprar Benetton ou não. Penso que uma empresa, e além disso sua comunicação devem ser algo mais; não devem se limitar a dizer para as pessoas que elas devem comprar. A comunicação deve comunicar, ela é um produto em si, não está lá só para servir o consumo. Um dia, aliás, acredito que a comunicação será vendida, não deverá pagar para ser publicada. Ora, cada firma tem seus produtos e deve ter também sua comunicação. Ao lado dos carros da Fiat, deve haver a comunicação da Fiat, que aliás não existe, embora Fiat gaste em comunicação em um dia o que a Benetton gasta em um ano. E onde está a comunicação da Fiat? Eu me sinto ofendido que uma empresa, que de uma certa forma pertence ao Estado italiano, não tenha de fato nunca comunicado nada senão seu interesse em nosso consumo de seus produtos. Nunca me ensinou nada. Falo com o zelador, com o primeiro que passa na rua e me dirá algo mais interessante do que a Fiat. Me apavora que estas grandes empresas não tenham uma consciência civil.
Folha - Então uma empresa teria uma responsabilidade propriamente cultural.
Toscani - Primeiro ela tem uma responsabilidade para com os carros que ela vende e que não deveriam cair aos pedaços. Começam a se preocupar com a segurança, agora que talvez o próprio carro comece a ser um produto ultrapassado. E segundo, ela tem também uma responsabilidade social, com a comunicação. Vou ao cinema, ao teatro, pago a entrada e, de qualquer forma sempre aprendo alguma coisa, algo que me é comunicado. As pessoas se escandalizam com minha comunicação, mas eu me escandalizo com o fato que ninguém fala para mim, ninguém comunica comigo.
Folha - Suponho que o publicitário tradicional te diria que a publicidade não é uma obra beneficente, não é uma fundação cultural.
Toscani - Mas eu penso que um objeto é uma entidade política, cultural. Quem sabe comunicar de maneira inteligente, também vai fazer um produto inteligente, e confiarei nele. Os produtos mudam, são redesenhados; a comunicação é que capitaliza o nome, a marca. Se a comunicação for inteligente, a firma terá capitalizado; se não for, ela não terá capitalizado nada. Me diz o que é a imagem da Fiat se não a manivela do vidro que fica na mão? Bem, o assassinato da criatividade pelo interesse econômico é muito grave, grave para a própria economia, para a produção. O criativo deve ter mais poder do que a administração caso contrário, é o triunfo da mediocridade.
Folha - Então, a comunicação de uma empresa se tornaria algo independente da administração e também da produção.
Toscani - Os produtos, mais ou menos, são todos parecidos. Quando são um pouco diferentes, se tornam iguais ao se copiarem, portanto, o que pode fazer a diferença é a comunicação. Mas existe também a comunicação que copia o vizinho. Por exemplo, Coca e Pepsi gastam bilhões e se copiam. No fim a comunicação é idêntica para as duas. Credicard, Amex e Visa fazem uma comunicação que é a mesma. Eles recorrem a pesquisas de mercado e assim acabam fazendo a mesma coisa. Você lembra uma propaganda e pode ser qualquer uma das três. Os maiores conformistas do mundo são os publicitários, eles que tem nas mãos os maiores orçamentos, que poderiam produzir cultura de maneira extraordinária, não fazem nada. Em cada nação dita desenvolvida, o gasto publicitário é mais ou menos o dobro do gasto da educação pública. Com quais resultados? Isso é espantoso. Eu acuso os publicitários de imbecilidade.
Folha - Ou de ser controlados pelos administradores.
Toscani - Mas isso é muito grave, eles são colaboracionistas, e ainda por cima se fazem chamar diretores criativos. Nem o Pai eterno se fazia chamar assim. Ele era só criador, não dirigia ninguém, criava sozinho.
Folha - A escolha de Gaza se enquadra na perspectiva de "United Colors". É o lugar de uma diferença que deveria ser aceita. Não é só um lugar pobre...
Toscani - Pobre, mas não miserável, minha impressão é que as pessoas aqui queiram se resgatar, não vejo pessoas que desistiram. Me parece que haverá um futuro.
Folha - Mas é também o símbolo de um dos conflitos mais violentos dos últimos anos. Por um lado o conflito entre o Ocidente e o Islã e, por outro lado, no próprio mundo islâmico, o conflito entre a perspectiva fundamentalista e uma posição de abertura. Para alguns, e talvez para muitos, os palestinos não inspiram simpatia. Até a parte hoje engajada no processo de paz,a parte não fundamentalista, tem um passado terrorista com o qual imagino que nem você simpatize.
Toscani - Não tenho simpatia pelo passado de nenhum povo. Se você olha para o passado, nenhum povo –gregos, romanos, americanos– é simpático. Não precisa olhar para o passado; conhecemos o passado, precisa olhar para o futuro.
Folha - A causa palestina foi em uma época abraçada por muitos progressistas de nossa geração. Aos poucos, me parece que perdeu estas simpatias, por ter alimentado um terror particular, não dirigido contra um inimigo específico. O terrorismo palestino foi uma espécie de inverso da idéia de "United Colors": uma "trade mark" do ódio para com o Ocidente, como se este fosse diferente ao ponto de seus habitantes poderem ser todos vítimas indiscriminadas de qualquer violência.
Toscani - Não acredito nisso. Todas as guerras são guerras civis. O mundo esteve contra a Palestina, por isso a guerra deles era contra o mundo inteiro.
Folha - Com efeito, a resistência palestina acreditou que o adversário da Palestina fosse o mundo ocidental em seu conjunto.
Toscani - Foi uma maneira de fazer as pessoas pensarem no problema da Palestina.
Folha - É um tipo de "art directing" que não encontra minha simpatia.
Toscani - Quem decidiu o que foi decidido em 1948? Todos estiveram de acordo que eles se tornassem prófugos.
Folha - Aliás, nos anos seguintes, nem os países árabes se revelaram muito interessados no destino deles.
Toscani - A autodeterminação dos povos é um dever. Eles fizeram seu dever.
Folha - Nosso conceito de autodeterminação talvez não seja o mesmo que eles têm. Por exemplo, parece que, para eles, contrariamente ao que acontece conosco, e contrariamente à própria idéia de "United Colors", os outros são tão pouco humanos que podem ser assassinados aleatoriamente.
Toscani - A diferença deve ser entendida.
Folha - Mas nem sempre pode ser ultrapassada sem dificuldade. O eixo mundial de conflito não é mais Leste-Oeste. O seu último catálogo da Benetton, aliás, foi feito na Hungria. Este eixo de conflito quase sumiu e eis que para o próximo catálogo você está em um país árabe. É o novo eixo de conflito, Norte-Sul. Um eixo não só econômico, mas também cultural.
Toscani - Efetivamente muito mais complexo. É possível aliás que esta história toda acabe mal. Sempre haverá conflitos inconciliáveis. E surgirão novos problemas, novas situações. Para o tempo que durará a inteligência humana, haverá problemas, destruição e degradação. Os animais não humanos não produzem isto. Eles são de acordo com a natureza. Só a publicidade consegue imaginar a inteligência humana em perfeito acordo com a natureza. Que imbecilidade.
Folha - Alguns pensam que, mais fácil do que mandar um míssil para Bagdá, seja em Bagdá abrir um McDonald's. O efeito, embora criticável pela destruição de diferenças que implica, talvez possa ser de pacificar as relações.
Toscani - É uma violência social. Nós impomos o McDonald's. Como para os espanhóis foi fácil cativar os índios com espelhinhos.
Folha - Mas não foi só isso, não foram só os espelhinhos. O próprio da cultura ocidental, talvez seu núcleo decisivo é, aliás, a mensagem mesma de sua comunicação, ou seja, a idéia de que a humanidade tem a mesma extensão que a espécie humana. Somos diferentes, mas todos humanos. Por formal que seja, este reconhecimento permanece. Outras culturas não têm esta posição, são muito mais excludentes do que a nossa. É isso que faz a força expansionista de nossa cultura: ela se expande porque reconhece sempre, em princípio, como humanos, aqueles que quer integrar. Por isso, até agora ganhou em expansão.
Toscani - Os indianos da Índia não praticam uma violência excludente.
Folha - Como não: é uma sociedade de castas.
Toscani - A nossa também é.
Folha - Pode haver castas de fato, mas na verdade cada um tem direito de ascender a uma "casta" diferente daquela onde nasceu. Um indiano não pode.
Toscani - Na nossa não é assim?
Folha - Pode acontecer de fato, mas não é assim de direito.
Toscani - Um indiano pode pegar um passaporte e ir embora.
Folha - Certo, pode ir embora para Nova York, justamente para uma cultura diferente, nossa cultura. Uma das razões pelas quais o Ocidente triunfa em sua difusão é porque fundamentalmente, para nós, qualquer sujeito, independentemente de sua origem, cor ou crença, em princípio tem direito a fazer parte da humanidade. O que não é o caso para as outras culturas. A mensagem "United Colors" vale para nós. Comunicá-la, promovê-la, é também promover nossa cultura. Do mesmo jeito que um dia se abrirá aqui em Gaza um McDonald's e uma loja da Benetton.
Toscani - Benetton também é monocultura. Eu sou contra a monocultura. A monocultura mata as línguas. Havia 50 mil línguas no começo do século, agora há 5.000 e de fato se fala uma só. Perdemos muita humanidade. A monocultura também cria desemprego. No caldeirão de humanidade gosto de ir olhar nos cantos, onde a polenta cola. Olhar não significa necessariamente compartilhar ou estar de acordo, mas pelo menos reconhecer que estamos no mesmo caldeirão junto com as encrustações onde a polenta cola. Não há sociedades isoladas, a humanidade é só uma, há quem compra e quem morre de Aids, quem é canalha e quem não é, e muito frequentemente estão no mesmo elevador. E não entendo como poderia haver expressões, sobretudo artísticas, produzidas pelo homem, que sejam destacadas disso.
Folha - Ontem, em um campo de refugiados perto da praia, e de novo hoje na cidade, as crianças nos receberam dizendo "Eu Hamas", uma espécie de provocação. Para se fazer valer, para dizer que eles são da linha dura.
Toscani - A criança não é Hamas, eles dizem isto porque o único valor deste país é Hamas. Se não o que eles seriam? Miseráveis quaisquer. Você tem a Coca Cola e eu sou Hamas. Estou escrevendo um livro, que estará pronto em março: "Cruz, Suástica e Coca Cola", três grandes símbolos da comunicação, três grandes polos da publicidade. O Hamas pertence à suástica.
Folha - Quem vai ganhar, a Coca Cola?
Toscani - Talvez não. Não há verdadeiramente batalha entre os três símbolos. Cada um dos três precisa dos dois outros. São um trio. Um ou o outro pode prevalecer a tal ou tal momento, mas na realidade, juntos, eles resumem a comunicação do ser humano. A publicidade em particular pertence aos três. O livro que estou escrevendo é sob a forma de uma carta para meu filho Rocco, de 14 anos, para lhe explicar o que é a publicidade. É um livro muito simples, para as escolas, os colégios, onde eu penso que seria preciso ensinar a ler a publicidade e em geral a nova comunicação. Hoje a leitura não são só os livros. Hoje, as imagens são a realidade. Mais do 90% do que conhecemos, conhecemos por imagens. Temos opiniões sobre coisas que só conhecemos por imagens. Fico na frente da televisão e digo: vi Ruanda, a floresta amazônica, em Sarajevo a situação é grave. Clinton fez um discurso de bobo etc. Na verdade o que eu vi? Eu só vi a televisão. Aliás, exatamente a mesma coisa que todos viram e ainda por cima me isolando dos outros. É cômico.
Folha - É o fim da dimensão de experiência como fonte do conhecimento. Na publicidade você não salva nada ou ninguém?
Toscani - A publicidade em geral está morta, é um cadáver que fede e sobre o qual continuam jogando grandes garrafas de perfume francês. É uma imunda podridão. Imagina um arqueólogo num dia futuro em que a terra tenha sido coberta, como Pompéia. Ele encontra uma revista semanal de hoje: na capa Sarajevo, abre e encontra o Club Mediterranée, vira a página e há um serviço contra o alcoolismo, depois uma propaganda de Chivas Regal com umas garotas incríveis, depois Sarajevo, vira de novo e encontra a publicidade da Rolls Royce. "Mas o que está acontecendo?", ele vai dizer, "talvez seja por isso que tudo acabou sendo destruído". Depois ele vira mais uma página e encontra minha publicidade, a camiseta empapada de sangue. Ele se perguntará: "Por que este cara não funcionava com o resto? É minha propaganda que colocaráem crise a dos outros". A comunicação comercial existirá sempre. Até a pintura da Renascença era comercial; não havia indústria, não se vivia de comércio como nós entendemos isto hoje, mas a comunicação aplicada sempre existiu e vai existir. As pessoas, naquela época, entravam na igreja e recebiam uma comunicação incrível. Imagina que respeito para com o público: chamavam Michelangelo para mostrar as imagens da fé a uma bancada de analfabetos. E nós agora? Nós, hoje, dizemos: "As pessoas não entendem nada, damos para eles uma merda". É maluco. A arte era também comunicação. A pintura e a escultura serviam para mostrar o poder. Assim como as indústrias podem querer mostrar seu poder hoje. Mas o que elas nos contam? Que Dash lava mais branco? E isso gastando milhões de dólares? Imaginam que devem falar de seus produtos. Mas o produto só nos dá complexos. Temos nos armários roupa para três vidas, vamos então pensar em vivê-las melhor, estas vidas.
 * Publicado no caderno Mais. Folha de S. Paulo. 6/11/1994

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