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O QUE OS MENINOS PENSAM DELAS? Inspirado em Arlequim, Pierrot, Colombina e Marshall McLuhan Texto de Adélia Nicolete 2 PERSONAGENS CAROL - adolescente, a dona do apartamento ANA PAULA - sua melhor amiga PACO - irmão de Ana Paula ALEXANDRE - o rapaz A ação de passa na sala de estar de um apartamento de classe média, num dos últimos andares. Um pôster de algum astro de música pop decora uma das paredes. As meninas fazem reverência a ele de vez em quando. 3 Sábado à tarde. Televisão, revistas espalhadas por todo o ambiente. Refrigerantes, salgadinhos, etc. A cena começa com Carol e Ana Paula acompanhando um clipe internacional de rock na TV, lendo a letra da música em uma revista. As duas cantam, dançam. De repente, Ana Paula emburra e desliga a TV. CAROL Êh, animal! Dá aqui esse controle remoto! O que foi agora, Ana Paula? ANA PAULA Não se faça de desentendida! CAROL Eu tava desafinando tanto assim?... ANA PAULA Não! É que eu tô aqui toda amiguinha sua e me lembrei que eu devia estar uma fera com você! CAROL (liga novamente a TV, mais baixo) Fera comigo?! Tá louca? O que que eu fiz, Ana Paula? ANA PAULA Eu vou embora! (começa a juntar algumas revistas) CAROL Como vai embora? Sua mãe viajou! Vai ter que me agüentar o fim de semana in-tei-ri-nho! E eu vou conversar até de madrugada, você não vai conseguir dormir!!! (gargalhada macabra) Porque eu tenho insônia!!!! ANA PAULA E a noite tá só começando... CAROL (Terrorista) Eu tenho insônia! ANA PAULA 4 Pára! Que terrorismo! (procura algo nas revistas) Insônia, insônia... Eu tenho a solução. Cadê? T’aqui: “um copo de leite morno antes de dormir pode ajudar”. Pronto. Você mama e dorme. CAROL Não adianta copo de leite morno. É mal de família. Só dormimos depois das três. ANA PAULA Se ao menos usasse esse tempo pra estudar, garanto que tirava notas melhores. CAROL Começou a humilhação. A vingança da CDF! Se eu não fosse sua amiga, Ana Paula, juro que ia ser sua pior inimiga! ANA PAULA Amiga! Que amiga?... Contar pro Toninho que eu tava a fim dele!? CAROL Ah! É por isso que você tá tão fula da vida? ANA PAULA Contou ou não contou? CAROL Contei, e daí? Você não tão tava mesmo a fim do cara? ANA PAULA Tava! Mas era segredo, entre mim e você! Cadê? (procura nas revistas) Ah! Essas revistas são a minha salvação! Achei! (beija a revista) Tem aqui uma coisa básica sobre paquera, escuta só: “Quando o menino sabe que a menina tá a fim, a tendência é a relação esfriar”. E foi o que aconteceu! O Toninho começou a me evitar!!! CAROL Ai, Ana Paula! Só quis ajudar, pôxa... O cara também não se decidia! Uma hora dava bola, outra hora, não... Cara indeciso... (vai pegar a pipoca) 5 ANA PAULA Eu detesto isso, detesto! Deixa que eu resolvo as minhas coisas do meu jeito! CAROL (Carol dá de ombros, come pipoca) Só quis ajudar... ANA PAULA Dispenso a sua ajuda! Sempre que eu dou ouvidos pros seus planos eu me ferro. Sempre! Eu não me abro mais com você, Carol! Nunca mais! CAROL (se desculpando) Puxa vida, Aninha, também não é pra tanto... ANA PAULA Cadê? (procura nas revistas) Onde tá? “Quando uma amiga rompe um segredo, isso, muitas vezes, significa que poderá romper muitos outros. Cuidado!” CAROL Ah, é? Então vem cá. (procura também) Tá naquela que tem o Léo di Caprio... (encontra, lê) Escuta essa: “Amigas também erram. Se houve sinceridade por tanto tempo, por que não perdoar um errinho de nada? Relaxe!” (mostra pra Ana) Tá vendo? (oferece pipoca e abraço) Ana Paula aceita o abraço. Fazem gestos de reconciliação com as mãos. ANA PAULA Eu não devia! Não vai demorar muito pra você aprontar outra das suas! É do seu caráter... CAROL Enquanto isso... AS DUAS Anestesia! As duas correm se prostram em frente à TV por um tempo, comem pipoca. 6 ANA PAULA Ai, amiga, tô me sentindo tão pra baixo... CAROL Por causa do Toninho? (Ana Paula confirma) Não acredito! ANA PAULA Por que não? CAROL Não pego bem com ele... ANA PAULA Lá vem ela... CAROL Sei lá... Parece meio devagar, daqueles caras que demoram uma semana pra pegar na mão, um mês pra pôr a mão no ombro, um ano pra dar um beijinho! ANA PAULA Exagerada!!! CAROL Exagerada é a cara de sonso que ele tem! ANA PAULA Às vezes o cara pode ter jeito de sonso mas ser bem espertinho. CAROL Prefiro os que são espertinhos logo de cara. (Conforme fala vai se empolgando, esquentando) Aquela linha barba mal feita, camisa desabotoada, meio caída assim no ombro, linha “num tô nem aí”, sabe? (Ana Paula mexe a cabeça negativamente enquanto come pipoca) É claro que tem hora que ele tem de ser vaidoso e tal, mas eu 7 adoro um relaxo. Dou a vida por uma calça meio larga, sem cinto! Camisa básica! Ai, ai, tá me dando um troço. Emergência! Emergência! ANA PAULA Um antídoto! Algum canhão! (procura à volta, nas revistas, não encontra) Mas nessas revistas só tem homem bonito?! CAROL Depressa, um Godzila. Rápido! Ana Paula lembra e pega depressa uma foto em sua bolsa. Mostra pra Carol que se assusta. CAROL Ai! Que horrível! ANA PAULA É o meu irmão. CAROL Eu sei que é o seu irmão. Mas por que você anda com a foto daquele alienado na bolsa? ANA PAULA Pra ocasiões como essa... CAROL É. Deu certo. Agora esconde isso. Até por foto ele consegue ser desagradável... Ana Paula olha para a foto, se assusta, guarda novamente. Carol folheia uma revista. CAROL (lê) “O que os meninos pensam delas?” ANA PAULA (distraída) Ahn? 8 CAROL Aqui na revista. Uma matéria: “o que os meninos pensam delas?” ANA PAULA Delas quem? CAROL (Impaciente) Das meninas! De nós, Ana Paula! ANA PAULA (Imitando) Entendi, Cíntia Carolina! CAROL Já falei pra não me chamar assim. Parece “sim, tia Carolina”, “não, tia Carolina”. (pausa. Lê sozinha, fazendo desfeita) ANA PAULA (arrancando a revista dela) Ai, dá aqui essa revista, é minha, eu leio! CAROL Êh Primeiro desliga a TV, agora arranca a revista...! Depois a grossa sou eu! (levantando)Vou pegar guaraná, quer? ANA PAULA (encontrando numa revista) Não. Olha só: refrigerante tá aqui na lista da celulite. Só quero se for light. CAROL (imita) ”Só quero se for light”. Se entupiu de hamburguer e pipoca e agora quer guaraná light! Se liga, Ana Paula! (traz o guaraná e serve) Se quer toma, se não quer não toma, que isso aqui não é restaurante, tá legal? ANA PAULA Ai, vamo elevar o nível do papo, vamo? (pegando a revista, lê) Vamos ver o que os meninos pensam da gente. É sempre bom saber. Aqui. Carlito, 13 anos, estudante: “Acho as meninas muito indecisas. Uma hora falam uma coisa, outra hora, outra”. 9 CAROL Imaturo. Treze anos 13 anos e já vem querendo falar sobre as mulheres!? ANA PAULA Li numa revista que homem demora mais pra amadurecer. CAROL Demora, mas quando amadurece! Ai, que eu morro! Eu adoro homem maduro, Aninha! (Pega a revista e continua a leitura, comendo pipoca) Júnior, 17 anos, modelo. Já reparou que quase todos dizem que são modelos? ANA PAULA Lê aí! CAROL “Minhas melhores amigas são meninas, acho mais fácil me abrir com elas: são mais compreensivas que os homens, não ficam querendo competir com você.” ANA PAULA Isso que ele falou é real... Com eles eu me sinto mesmo compreensiva, meio mãezona, sei lá. CAROL Ih, entranessa, não! Homem não quer mãe pra namorar! Cadê? (procura revista, encontra, lê) Aqui: “cuidado com esse seu jeitinho maternal. Pode ser gostoso até certo ponto. Passou disso, ele começa a te encarar como a própria mãe, e aí o romance... bau bau.” ANA PAULA (Toma, distraidamente, o guaraná) Você acha isso? CAROL Acho! Não quero ser maternal, quero ser primal. ANA PAULA 10 Hein? CAROL Primal! Um jeito de prima! Pode ver: todo mundo já teve ou vai ter alguma coisa com um primo ou uma prima. Tô errada? Ai, eu adoro primo! Primo e professor! ANA PAULA (vai enumerando nos dedos enquanto fala) Aliás, você adora primo, professor, dentista, mecânico, bombeiro, motorista, jogador de basquete, que mais? CAROL Adoro mesmo! O que vier eu traço! Não fico escondida atrás dos óculos que nem você! ANA PAULA Carol! CAROL É isso mesmo! Fica aí toda cheia de ti-ti-ti. A vida passa, garota! ANA PAULA Carol!! CAROL Jamais seria como você! Eu sou assim, rebelde, revolucionária e louca! ANA PAULA Carol!!! CAROL Nem sequer transou ainda!!! ANA PAULA Você também não!!!! As duas se entreolham. Silêncio. Abrem um berreiro farsesco. 11 AS DUAS Invictas! ANA PAULA Imaculadas. CAROL As intocáveis! (desesperada)Ah, intocável, não! Eu não quero ser intocável, Ana Paula!!! ANA PAULA (encontra e lê) Calma! “Tudo tem sua hora e seu lugar. Não adianta ficar ansiosa, você vai saber o momento certo”. CAROL (constatando, trágica) Eu estou ficando velha... As duas riem do exagero. Comem pipoca. Ana Paula bebe guaraná. CAROL (grita) Te peguei, sua ridícula! Aí! Tá bebendo guaraná! Agora não vai beber, dá aqui! ANA PAULA Não dou! Fui eu que trouxe, tá legal? (As duas csossegam. Ana propõe, animada)Vamos ver a novela mexicana? CAROL (Mede a febre de Ana) Tá delirando? Vamos saber o que os meninos pensam da gente. Quem é esse aí? ANA PAULA É aquele da propaganda de cueca. Tem tatuagem, não falei, ó. Sérgio, 18 anos, ator. Vamos ver: “Detesto quando elas vêm querendo saber o meu signo, analisando se combina com o delas, essas coisas. Acho a maior falta de imaginação”. CAROL 12 Esse deve ser de escorpião. Escorpião se acha superior, o melhor de todos. Problemático!!! ANA PAULA O Paco é de escorpião. CAROL Num falei? O seu irmão é ou não é bicho-ruim? ANA PAULA Todo irmão é bicho-ruim, Carol, não tem nada a ver com signo. CAROL Mas o Paco é um monstro. ANA PAULA Ué, você não disse que gosta de cara todo desarrumadão, folgadão? CAROL Mas o Paco abusa do direito de ser folgado! O seu irmão é aquele cara perfeito pra se detestar. Ah, chega, vamo parar de falar nele! Continua a ler o bagulho aí, vai. ANA PAULA Oi, onde eu parei... deixa ver... Aqui: Luís Alberto, 21 anos, promoter: “As mulheres são heroínas. Elas não precisam provar sua força, que vem da própria natureza, do simples fato de serem mulheres.” CAROL Taí, gostei! Que que ele faz mesmo? ANA PAULA É promoter. CAROL 13 Eta profissãozinha boa! Promover festas. Deve ser o máximo! Organizar uma festa como a de sábado, hein, Aninha? Uma daquelas por mês e eu juro que ficava conhecendo todos os meninos do cursinho. ANA PAULA Eu ainda estou nas nuvens... CAROL E eu? Nunca fiquei numa festa até o fim, sempre achava um saco, foi a primeira vez. Tava perfeito: a música, a comida, o lugar... ANA PAULA Aquele jardim... Tinha até fonte! CAROL Que fonte? O máximo que eu conheci foram umas árvores atrás da piscina... ANA PAULA Tinha uma fonte meio escondida, do lado das quadras. CAROL Como você descobriu? ANA PAULA Eu fui lá, ué! Com um carinha que eu conheci... Por que essa cara de espanto? Achou que eu ia ficar a noite toda sentada pagando mico? CAROL Não tô falando nada! ANA PAULA Fui na fonte, bebi água, conversei... CAROL Deram pelo menos um beijo? 14 ANA PAULA Não, Carol. Era um cara super legal, que não ficou forçando a barra. Detesto esses meninos que já vêm logo se encostando, fungando no pescoço. Nós só conversamos, e foi o máximo. CAROL Pra quem gosta... Pois eu, fui depressinha pra trás das árvores e crau, não pensei duas vezes. ANA PAULA É bem seu isso. CAROL Claro! O menino tava ali, lindo maravilhoso, dando a maior bola, vou ficar conversando? ANA PAULA É por isso que eles não respeitam mais a gente, porque tem menina que nem você que já vai se esfregando de primeira! (lendo matéria) “A mulher tem que se fazer respeitar!” CAROL (lendo também) “A vida é curta, então, curta a vida”. Foi ótimo! Me deu o telefone e tudo. Depois foi cada um pro seu canto, numa boa. ANA PAULA Não ficaram a noite inteira? CAROL Não. Eu tava de olho nele desde o começo, mas ele dava umas sumidas. Ficamos juntos depois das duas. E você com o seu pensador? ANA PAULA Tava na sala e a Patrícia veio pro meu lado querendo conversar. Saí de mansinho porque a Patrícia não tem controle, ela fala até não poder mais. Daí eu fui andar sozinha pelo jardim e chegou esse cara e a gente começou a conversar, fomos até a fonte... eram umas onze e pouco... 15 CAROL Bonito, pelo menos? Porque você arranja cada bagulho... ANA PAULA Lindo. Inteligente, charmoso, cheiroso. Ai, Carol, não consigo tirar ele da minha cabeça. CAROL Pegou o telefone? A gente podia fazer um encontro aqui... a quatro... ANA PAULA Não peguei o telefone. Só sei o primeiro nome e que é bicho de Ciências Sociais. CAROL Cabeção. Deve ser um chato. O meu eu não sei o que faz, não perguntei. ANA PAULA Entre um amasso e outro pegou o nome, pelo menos? CAROL Nome de imperador, de homem forte! ANA PAULA Herodes? Nero? CAROL Babaca. ANA PAULA Napoleão? CAROL Não, ridícula, Alexandre. ANA PAULA 16 Não! É o mesmo nome do meu! CAROL Não brinca? Dois Alexandres, os maravilhos, na mesma festa? ANA PAULA E tão diferentes um do outro! Você tá gostando dele, Carol? CAROL Acho que sim. Ele é do jeitinho que eu gosto: (sonhando) alto, moreno, magro, faz musculação. E tava de preto! ANA PAULA (sonhando) Cabelo curtíssimo, máquina 2 ou 3. CAROL Ombros largos... ANA PAULA Tinha uma pulseira de couro no pulso esquerdo. Não usava relógio. As duas se olham AS DUAS Usava perfume da Calvin Klein... (pausa) Meu Deus! É o mesmo cara! ANA PAULA Tava de botas? (Carol confirma) Quando ria fazia covinha na bochecha? (Carol confirma) CAROL Ai... Dizia coisas enquanto beijava, quando abraçava passava as mãos pelas minhas costas, e apertava a minha cintura... do jeito que eu gosto... ANA PAULA (cai sentada no sofá) 17 É o fim... (pausa. Procura uma revista desesperadamente) Eu preciso achar. Eu preciso achar. CAROL O que? ANA PAULA “Quando duas amigas se apaixonam pelo mesmo cara”. CAROL Elas se estapeiam até morrer. ANA PAULA (encontrando) Aqui. “Se uma das amigas não está muito interessada no menino” (se entreolham) CAROL Eu não desisto! ANA PAULA “... o melhor a fazer é observar as atitudes dele e perceber qual das duas ele prefere”. (convicta) Prefere a mim. Disse que há muito tempo não conversava tão gostoso! CAROL E me disse que nunca beijou tão gostoso! ANA PAULA O único que pode decidir é ele. CAROL Então eu tenho a solução! (Pega o telefone e mostra) ANA PAULA Você não vai fazer o que eu tô pensando! 18 CAROL Já tô fazendo. (Disca) Vamos resolver isso rapidinho. Chamando. Um toque, doistoques... Alô, por favor, o Alexandre? Obrigada. (imita) “Um momento que eu vou chamar”. ANA PAULA Desliga isso, Carol! CAROL Alô, Alê? É Carol, tudo bem? Carol, da festa da Mônica, de sábado. Ana Paula tenta desligar o telefone, Carol a impede. Ana emburra. CAROL É, você me deu o telefone, lembra? Tudo bem... Sabe o que é? Eu tava pensando, você não pode vir aqui em casa hoje? É. Não. Eu soube que você é bicho de Ciências Sociais, eu tenho que fazer um trabalho sobre... (tenta imaginar algo) as minorias, é isso, se você pudesse me ajudar... Certo... Tudo bem. Claro! (para Ana) Me ajuda! Ele quer saber que tipo de minorias. ANA PAULA Se vira. CAROL Hum... Minorias à beira de um ataque de nervos... é... minorias necessitadas... minorias carentes! É isso. Eu preciso da sua ajuda. Então tá. É aquele prédio em cima da locadora. É. Apartamento 83. Falou. Um beijo. (desliga) ANA PAULA Maluca, irresponsável! CAROL Ele vem. Só não pode ficar muito, tem compromisso à noite. ANA PAULA E eu vou embora. Que vergonha! 19 CAROL (empurrando-a até a porta) Vai, sim. Fica mais fácil ele decidir. Por mim! ANA PAULA Não! Eu não vou dar esse mole, não, sua bruxa! CAROL (senta no sofá) Agora é esperar. As duas sentadas. Olham o relógio, ansiosas. CAROL Acho melhor você ir lá pra dentro, quando ele chegar, você aparece de surpresa. ANA PAULA Isso não vai dar certo. (lendo na revista) “Virginiana, aja com a ponderação característica do seu signo. Não tome decisões precipitadas, não se meta em confusões.” Tá vendo? CAROL (pegando a revista) Essa revista é da semana passada! (joga a revista no chão) ANA PAULA Precisamos arrumar essa bagunça! CAROL Não! Faz parte da pesquisa. Qual é mesmo o tema? ANA PAULA Minorias. CAROL Ah, é. Minorias necessitadas (agarrando Ana Paula, que se esquiva) de abraços, beijinhos... ANA PAULA 20 Sai pra lá! CAROL Ana Paula, olha pra mim. (encontra e lê) “Um amor pode ser passageiro, mas a verdadeira amizade, essa pode durar uma vida.” Promete que não fica triste se ele me escolher? ANA PAULA Não prometo nada. E não vou lá pra dentro coisa nenhuma. Liga pra ele e desmarca, ainda dá tempo. Coitado. Não quero nem ver a cara dele... CAROL É por isso que deve ir lá pra dentro, vai. ANA PAULA Não. Vou ficar bem aqui! Tocam a campainha. CAROL É ele! O deus grego chegou. Vai lá pro quarto, quando eu der o sinal você vem. ANA PAULA Não! CAROL Entra! (campainha) Vai, Ana Paula, pode favor, confia em mim. Ana Paula entra, inconformada. Carol vai atender a porta. Entra um rapaz completamente maloqueiro, com algumas Playboys debaixo do braço, Carol o observa, catatônica. PACO E aí, galera? Tudo belê? (pára no meio da cena, observa o ambiente. Carol não responde. Ele aperta as bochechas dela, tentando ver sua língua) Cadê a sua língua? Algum gato comeu? (ri, malicioso. Ela continua perplexa) Tudo bem, não quer falar não fala, mas me arruma alguma coisa pra comer que eu vim a pé e tô com uma fome lascada. 21 (Faz um gesto obsceno para o pôster.) Teu pai deixa colocar foto de boiola na sala? (Vai se acomodando no sofá, coloca as revistas na mesinha, toma posse do controle remoto) Vamos, comida! (Ana Paula coloca a cabeça pra fora do esconderijo, vê primeiro Carol atônita, olha para o sofá, reconhece o sujeito, pára em posição simétrica à amiga e fica paralisada também. Paco percebe o silêncio, olha para trás e esbraveja) E aí, Ana Paula, não vem dar um abraço no irmãozinho querido? ANA PAULA (entre ódio e surpresa) Paulo Francisco!!! AS DUAS (arranhando o próprio rosto) O que você tá fazendo aqui, Paco???! (atacam o rapaz, ele se defende como pode) PACO Nossa, que mêda! Pára, ai. Pára! ANA PAULA Vai, diz que é um pesadelo, por favor! O que esse trambolho do meu irmão tá fazendo aqui? PACO Mami viajando e você nem pra deixar um rango pra mim, né, sua vagal? Daí eu pensei: vou até a Carol, que tem um depósito de comida em casa, me abasteço, e tal. (Acende um cigarro) CAROL (Arrancando o cigarro dele) Pode parar com essa folga aí! Minha mãe tem faro de perdigueiro, vai pensar que fui eu que fumei! (Paco vai comendo o que tem na mesinha) PACO Comida! Comida! ANA PAULA (procura algo nas revistas) Paco, você não ia andar de skate com o Tubarão hoje? PACO 22 O que você tá procurando nessa revistinha babaca? ANA PAULA “Como se livrar de um irmão numa corrida contra o tempo”. (desiste de procurar) PACO Desista. Comida! Touro sentado quer comida! CAROL (enchendo a mão dele de coisas para comer e o empurrando para fora) Toma, toma tudo isso. Provisão pra uma semana. Mas vai comer na sua casa! PACO Índio não entende... CAROL Ai, que stress! (a Ana Paula) Fala aí com o seu irmão, que baixou o touro sentado nele... Eu tô saindo fora! ANA PAULA Índio pega alimento e vai pra oca. (empurrando-o para a porta) Vai pra oca. Xô, xô. PACO Tá brincando? (observa-as, volta a sentar) Agora é que eu não saio. Vocês tão aflitas demais pra eu ir embora. Aqui tem coisa... (começa a comer. Ana Paula começa a chorar de nervoso) ANA PAULA Eu sei que são os hormônios, Paco, que você não consegue controlar, mas eu não agüento! (desesperada) Me dá uma folga, pelo amor de Deus! Que carma! Que carma! PACO Nossa, Ana P. Que exagero! Vim comer, só isso. E dar uma olhada nessas revistas que eu emprestei, e depois dormir um pouco, que é que tem? CAROL 23 Então vai dormir, depois fica vendo as revistas lá no quarto e, por último, vem comer, que tal? Lá pelas três da manhã. PACO Primeiro eu como, depois eu relaxo, depois é que eu durmo. Eu tenho um método, Carol. (mostra a bagunça da sala) Diferente de vocês, que gostam de desordem. Agora traz mais comida, vai. (Meninas levam comida) O guaraná é light? Porque eu só tomo se for light. CAROL Mais um da família light. ANA PAULA Meleca. (chama Carol, prepara outra bandeja. Cochicham) Tive uma idéia! Capricha aí. Leite, põe leite. Isso. Agora essa aveia, deixa ficar bem pastoso. CAROL (nojo) Ai... O que você vai fazer? Não vai colocar nada na comida, né? Por favor! Assassinato na minha casa, não! ANA PAULA Não é nada disso. Eu conheço o meu irmão. O próprio organismo dele vai interceder em nosso favor. Você vai ver. (leva bandeja até Paco) Pronto, Paquito. Tem pão de mel e doce de leite, ervilha, patê de sardinha e cebola. PACO Ô, valeu! Assim que eu gosto. Doeu, por acaso? Querem um teco? Elas recusam, ficam paradas observando. Ele devora a comida enquanto assiste TV. Ana Paula cronometra reações do irmão, como em contagem regressiva. Carol acompanha mas também está preocupada com a porta. A certa altura, Ana conta com os dedos 4, 3, 2, 1, e faz sinal com a mão. Mas Paco não esboça nenhuma reação. As duas se olham, Ana Paula não entende, até que Paco começa a sentir fortes dores na barriga e se contorce, dramático, fazendo cena. PACO 24 Ai... Ai! CAROL (assustada) O que foi, Paco? O que tá acontecendo? (o examina) PACO As dores. CAROL Que dores? Onde? Ai, meu Deus! PACO Estão cada vez mais intensas. (olha o relógio) Em tempos regulares... CAROL O que você fez, Ana Paula? (Ana Paula nem reage, apenas pede para Carol esperar) Onde dói, Paquito? PACO Ai! Aqui! Põe a mão. As contrações. Vai nascer! Respiração cachorrinho... Onde é a sala de parto? (Ana Paula aponta o interior do apartamento) Ai, rezem por mim... (vai entrando) Ana Paula vai ser titia! (já fora) Vou ser mãe!Vou ser mãe! CAROL Que nojento! Todo esse barulho só pra ir... ANA PAULA Necessidade fisiológica. Meu irmão vive em função de quatro necessidades principais: dormir, comer, ir ao banheiro e ler Playboy. Sempre nessa ordem, e em grande quantidade. CAROL Bem, ele tá no banheiro... parindo. E agora? ANA PAULA Temos um bom tempo até os bebês nascerem. 25 CAROL Os planos continuam os mesmos, hein? Você entra, se esconde e espera o meu sinal. (campainha) Ai, agora é ele! Entra, entra! ANA PAULA Não! Carol a arrasta pra dentro. Campainha. Carol abre a porta e se deslumbra. ALEXANDRE (usa um estilo esportivo) Ôpa! E aí? (pausa atônita de Carol, Alexandre estranha) Tudo bem? Bati em porta errada? CAROL (“acordando”) Não! É aqui mesmo, entra! Não repara na bagunça... (inspira seu perfume quando ele passa. Ana Paula observa, Carol faz sinal pra ela se esconder) ... é a pesquisa... ALEXANDRE Desculpa a demora, é que eu tava terminando de lavar o carro. Sabe como é, final de semana... (vai até a janela. Ana Paula observa, Carol faz sinal pra ela se esconder) Olha, eu moro perto daquelas árvores lá, ó. Legal a vista daqui... CAROL Do meu quarto é ainda melhor... (Ana Paula pigarreia alto) ALEXANDRE O que foi isso? Você não tá sozinha? CAROL Ahã. Deve ser a empregada... (Ana Paula fica furiosa) Meus pais foram pra Manaus. Eu fiquei... a pesquisa. ALEXANDRE Ah, desculpa. Você me pediu ajuda e eu fico enrolando. Desculpa. (sentando no sofá, manuseando algumas revistas) Vamos ver. Sobre o que é mesmo a pesquisa? 26 CAROL Minorias. ALEXANDRE Minorias... E você tá pesquisando nessas revistas? (Ana Paula faz sinal que não. Carol confirma, orgulhosa) Não sei, não, mas acho que você não vai encontrar nada aqui, Claudinha... CAROL Carol. ALEXANDRE O que? CAROL Eu sou a Carol. ALEXANDRE Carol. O que eu falei? Carol. Então, Carol, você tem que procurar em jornais, em livros. (Ana Paula faz gestos, querendo ser chamada. Carol finge não ver) CAROL (sempre se insinuando) Jura? E agora? Não tenho livro, não. Quer dizer, emprestei pra todas as minhas amigas. ALEXANDRE Sabe, naquela festa, eu nem podia imaginar que você curtisse tanto estudar. CAROL (sensual) Ih, eu? Você nem imagina quanto! ANA PAULA (entrando. Enquanto ela fala, Alexandre se espanta, levanta e a encara) É, Alexandre. Você nem imagina o quanto ela odeia ler, o quanto ela escreve mal. CAROL 27 Ana Paula! ALEXANDRE Acho que caí numa armadilha. ANA PAULA Não. Você ia cair numa armadilha se acreditasse que essa aí já leu um livro inteiro na vida. CAROL Ana Paula! ANA PAULA (se insinuando, mas menos que Carol) Oi, Alexandre, lembra de mim? (estende a mão. Ele a cumprimenta., meio atordoado) A festa, a fonte, a conversa inesquecível. ALEXANDRE Gente! Aquela festa rendeu mais do que eu podia imaginar! (cai sentado no sofá, as duas ao lado. Grande pausa) Então, vocês duas são amigas? AS DUAS Quase irmãs. PACO (entra eufórico) Nasceram, nasceram! São gêmeas. Vão se chamar Ana Paula e Cíntia Carolina! (todos se olham, perplexos. Meninas envergonhadas. Paco e Alexandre se encaram) Xandão!!!! ALEXANDRE Grande Paco! (se cumprimentam com gestos codificados, se abraça) Grande Paco!!! PACO Xandão! CAROL Era só o que me faltava: Xandão e Grande Paco na minha sala, sábado à noite. Não. Isso não é verdade. 28 ANA PAULA Eu quero morrer... (as duas vão para o fundo da cena) ALEXANDRE Grande Paco, sempre o mesmo! O que você tá fazendo aqui, meu? PACO Sou irmão daquele abajur de óculos ali. E você, o que você tá fazendo aqui a essa hora? ALEXANDRE A Carol me convidou, pra ajudar numa pesquisa. PACO (levantando) A Carol? Pesquisa num sábado à noite? (gargalhada) Conta outra. Por que você tá aqui a essa hora, com os pais dela viajando e com a minha irmã presente, cara? ALEXANDRE Tô falando sério! Elas tão fazendo uma pesquisa! PACO Pois agora você tá livre. Senta aqui, amigão. Vamo colocar a conversa em dia. ANA PAULA Quer largar de ser chato, Paco! Não percebe que tá sobrando? (se toca) Desculpa, viu, Alexandre, mas é que esse cara me tira do eixo! PACO Você tem irmã, Xandão? (ele nega) Não??? Então acaba de ganhar uma! Zerinho e com todos os opcionais de fábrica! (agarra Ana Paula e Carol e as empurra para Alexandre) E leva outra de brinde! ANA PAULA (elas se livram de Paco) Imbecil! ALEXANDRE 29 Pega leve, Paco. PACO (imitando) Pega leve! Pega leve! (dando um tapa nas costas do amigo) Esse é o Xandão que eu conheço, quietinho, quietinho, fatura alto com as meninas! CAROL (para Ana Paula) Esse papo interessantíssimo vai longe, amiga. ANA PAULA (exausta) Meu irmão me rouba todas as energias. CAROL E agora tá roubando o paquera também. ANA PAULA Olha lá, eles tão folheando as Playboys do Paco! Ai, que descaramento! Bem na nossa frente! CAROL Vamos ouvir! (atentam os ouvidos) PACO (comentando sobre uma imagem da revista) Deixa eu te mostrar isso aqui, Xandão! Você não vai acreditar! Olha que máquina! ALEXANDRE Ôpa! Isso é coisa do outro mundo! PACO Não é? ALEXANDRE Dois faroizões de milha, Paco! Acesões! PACO 30 E olha que traseira! ALEXANDRE Eu dava tudo por uma traseira dessas! PACO A que o Tubarão tá agora é a cara dessa! Precisa ver o molejo... (continuam babando) ANA PAULA (a Carol) Olha o jeito que eles falam da gente! Falam de mulheres como se falassem de máquinas! CAROL Eu tenho nojo deles! ANA PAULA Nessas horas eu me transformo, o Paco me conhece... (vai se exasperando) ALEXANDRE Deve ser macia que é um negócio... PACO Vira, deixa eu ver, assim. ALEXANDRE Mas eu ia querer uma zerinho, pra ela pegar o meu jeito! Nada de ter passado pela mão dos outros! PACO Trocar o óleo todo dia... ALEXANDRE Se eu tivesse com uma dessa eu ia montar e nunca mais ia querer sair de cima. ANA PAULA (histérica) Chega! Chega! Isso é demais! 31 CAROL (excitada) Basta! ALEXANDRE O que foi, gente? CAROL Seus machistas! ANA PAULA (palanque) Em pleno século 21, o homem conquista o universo, as mulheres se destacam cada dia mais em todas as áreas do conhecimento e, em pleno sofá da sala, na minha frente, sou obrigada a ouvir esse discurso retrógrado e preconceituoso! Somos seres humanos! Gente! A Idade Média acabou há cinco séculos!!! (silêncio, ninguém entende o que está acontecendo. Pausa) PACO Liga não, Alexandre. TPM. ALEXANDRE (para Paco) Do que elas estão falando? ANA PAULA Do jeito que vocês falam de nós. “Traseiro, faróis, motor amaciado, montar e não sair mais de cima!” CAROL Não deixa de ser... excitante... mas é absolutamente... (pede ajuda para Ana Paula) ANA PAULA Aviltante. CAROL (não entende) 32 O que? ANA PAULA Deixa pra lá. PACO Mas a gente tava falando dessa moto, suas antas! AS DUAS Uma moto? CAROL A gente pensou que era... PACO Mulher pelada, né? (levanta e vai até uma porção de porta-retratos) Um escândalo, né? Escândalo é essa foto aqui! CAROL Larga isso, Paco. PACO Olha, Xandão! Isso é pornográfico! A Carol completamente pelada, numa pose dessas! (Ana Paula ri, Carol fica furiosa) CAROL Eu tinha 8 meses, seu pervertido! ALEXANDRE Que lindinha! PACO O estatuto da criança e do adolescente devia proibir essas fotos! São... aviltantes! Carol arranca a foto de Paco 33 CAROLDá aqui essa foto! PACO Ai, como as mulheres são emocionalmente desequilibradas. ANA PAULA Só porque elas nem percebem que você existe, Paco? Paco se levanta pra acertar a irmã. Alexandre o detém. ALEXANDRE Ôpa! Não exagera! PACO As meninas olham pra mim, sim! É tudo intriga dessa pamonha aí... (tenta acertar um sopapo nela, Alexandre o controla) ANA PAULA (Tem uma idéia) Carol, vem aqui um minutinho... (só para a amiga) Acabo de ter uma idéia genial! (cochicha algo para Carol. Para todos: )Bom, gente, vocês querem alguma coisa da padaria? Tô indo lá. PACO Padaria? O que é isso agora? ANA PAULA Vou comprar uma bomba. Pra explodir na sua barriga, Paco. Ai, que carma! Ana Paula sai. Carol se insinua para Alexandre e ele não deixa de ficar interessado CAROL Quer comer alguma coisa, Alê? ALEXANDRE 34 Não precisa se incomodar. PACO Eu quero! CAROL Vai pegar. PACO Vocês se conhecem de onde, hein? ALEXANDRE (fala ao mesmo tempo que Carol) De uma festa. CAROL (fala ao mesmo tempo que Alexandre) Da escola. (corrige) De uma festa na escola. ALEXANDRE É. Festa beneficente. CAROL É mesmo. Aquela festa fez um bem enorme... PACO Você conheceu minha irmã lá também? (Alexandre confirma) Olha lá, hein, jacaré? Essa daí é solta no mundo, mas a minha irmã tem quem tome conta dela, viu? Tô de olho em você! Toca o telefone. CAROL (se faz de sonsa) Oh, o telefone! Quem será? Alô. Quem? Fala mais alto, meu! (aos meninos) Abaixa o som, que tá ruim de ouvir aqui! (ao telefone) Fala. Tá aqui, sim. Quem quer falar? Quem? Só um minuto. (para Paco) Paco, é pra você. Parece que o nome dela é Jéssica. PACO (exultante) 35 Tá brincando? Jéssica? (descontrolado) O que será que ela quer? Como me descobriu aqui? CAROL Maravilhosa! Manda um beijo pra ela! PACO (pega o telefone, nervoso) Alô. E aí? Só. Sei. Não sei... Quando? Onde? Você mora aí? Sei... Pode ser... É. Falô. Como eu faço pra chegar? Falô. Até. (desliga, arrogante) Tô chegando. Sinto muito mas vocês vão ter de suportar a minha ausência. CAROL (se fazendo de sonsa) Por que? PACO A Jéssica, uma menina que eu paquero há séculos me descobriu aqui. Uma festa na casa dela. E eu não posso perder essa chance! CAROL Espera a Ana Paula, vocês vão juntos. PACO Tá brincando? Levar mala comigo? Agüenta ela você. Bom, a mina mora em Capão Redondo (se arrepia) Êta nome tenebroso. Vamo nessa, Xandão? Boca livre. ALEXANDRE Não posso. Daqui a pouco tenho um compromisso. PACO Bom, então a gente se cruza por aí. Se despedem. Paco de saída, cruza com a irmã ANA PAULA Aonde vai? O banheiro é lá. 36 PACO Não vou ao banheiro nem vou pra casa. Vou atrás de melhores companhias. (pega o que a irmã trouxe e sai) ANA PAULA Já vai tarde! (pra Carol) Ele mordeu a isca? CAROL Caiu direitinho. ANA PAULA (pisca pra Carol) E Capão Redondo é bem longe, não é? ALEXANDRE Ei, o que vocês estão aprontando? ANA PAULA Nada, não, Alexandre. (senta ao lado de Alê, provoca Carol) E aí, o que os dois danadinhos fizeram na minha ausência? CAROL Pode apostar que não ficamos batendo papo... ANA PAULA Por que? Você grudou no pescoço dele e não deixou ele falar? ALEXANDRE Meninas! ANA PAULA Desculpa. Tudo em paz. Você quer tomar alguma coisa? ALEXANDRE Bem, o que vocês têm aí? 37 Imediatamente, as duas se levantam e vão pegar alguma coisa, bebida, comida, etc. No decorrer da cena, com diálogos improvisados e superpostos pelo som da TV, os três conversam, riem. Às vezes elas consultam alguma revista, disfarçadamente. Ele é igualmente simpático com as duas que ficam “babando” por ele e competindo entre si. Lapso de tempo. CAROL (como que continuando um papo) Não! Eu tenho uma ótima! Palavras preferidas. Eu começo! (pensa. Insinuante, diz:) Metalinguagem - eu adoro essa palavra. Acho tão... insinuante... (se insinua para Alê, que ri) Você gosta de metalinguagem? Hein? De que palavra você gosta? ALEXANDRE Não sei, nunca pensei... (olha em volta) Acho que gosto de alfajor. CAROL Eu também... De chocolate branco. ALEXANDRE Não! Da palavra alfajor. CAROL Ah! (Posando de linguista) Deve ser latim: alfa – jor... ANA PAULA (Mais relaxada) Alfa é grego, Carol. Parece árabe: Salim All Fajor... ALEXANDRE Parece patente militar: tenente, major, alfajor. (Riem) Acho gostoso também. CAROL Tem aí, quer? ALEXANDRE Não, não... 38 ANA PAULA Eu quero! CAROL Vai pegar no armário. ALEXANDRE E você, Aninha? De que palavra você gosta? ANA PAULA Não sei. Tem uma que não eu acho esquisita: é litigante. Quando meus pais se separaram, eu era bem pequena, eu só lembro de ouvir o juiz falando essa palavra: litigante. ALEXANDRE Meus pais também são separados. ANA PAULA Verdade?! CAROL (Depressa, para não ficar de fora) Os meus, não. Mas do jeito que eles brigam não demora muito... ALEXANDRE (Depois de uma pausa sem assunto) Bom, meninas, tá na hora. Preciso ir. AS DUAS (Depois de se olharem, cúmplices, decidem) A pesquisa! ANA PAULA Não pode sair! CAROL Espera só um pouquinho! 39 Pedem licença, vão conversar. Ele vê TV, folheia algumas revistas, faz „não‟ com a cabeça. Elas consultam revistas e voltam decididas, minutos depois. CAROL Alê, queremos saber o que você pensa da gente. ANA PAULA Você acha a gente legal? ALEXANDRE (Pego de surpresa, se recompõe) Claro! ANA PAULA E qual das duas você acha mais legal? ALEXANDRE Não sei. Eu conheço vocês há tão pouco tempo! As duas são legais. ANA PAULA Assim não vai ter jeito, então. ALEXANDRE O que? CAROL A gente precisa que você escolha. ALEXANDRE Péraí. Vocês querem que eu escolha qual a mais legal? Pra que? Se eu escolher uma, a outra vai ficar chateada e vocês são amigas muito antes de me conhecerem. ANA PAULA Nós consultamos as revistas e... você não pode escolher as duas. ALEXANDRE 40 Por que não? ANA PAULA Porque não, ora! ALEXANDRE Não tô entendendo. Acho melhor ir embora... CAROL Espera! Você pode escolher uma das duas que a outra não vai ficar chateada. ALEXANDRE Gente! Por que tem de ser assim? ANA PAULA Consultamos as revistas. ALEXANDRE O pessoal que escreve pra essas revistas nem sabe que a gente existe! Não sabem da Ana Paula romântica, inteligente, que gosta de música, que é filha de pais separados. Não sabem da Carol esperta, decidida. Não sabem. Não podem ditar regras pra gente seguir! CAROL Queremos saber com qual das duas você quer ficar. ANA PAULA Com qual das duas quer namorar. Agora que conhece a gente um pouco melhor. Uma é namoro, a outra é amizade. Olha, nós vamos fazer um pacto de amizade aqui na sua frente, seja qual for a sua escolha. Vamos, Carol, é agora ou nunca! Começam a simular um ritual de sangue, quase vão até o final. Alexandre é que interrompe. ALEXANDRE Opa! Péraí! E se eu não quiser nenhuma? (As duas param o ritual e emudecem) É! Vocês eme chamaram aqui pra ajudar num trabalho de escola que nem rolou. Só isso! 41 ANA PAULA A idéia foi da Carol. Ela é que inventou essa história de pesquisa. Eu não queria! CAROL Por você não ia ter nem telefonema, né, sua bundona? ANA PAULA Eu fui contra desde o começo! CAROL Ia dar tudo certo se não fosse o pentelho seu irmão aparecer! ANA PAULA Não põe o Paco nessa história! Eu acabei de mandar ele pra Capão Redondo, coitado! E a Jéssicamora a três quarteirões daqui, e nunca nem olhou pra cara dele... (Começa a chorar) ALEXANDRE O que é isso... ANA PAULA E ele tem astigmatismo! Não enxerga direito à noite! Ai, o meu irmãozinho tá metido numa fria... ALEXANDRE Meninas! Pra que tudo isso? Que bobagem... CAROL Não é bobagem. Planejamos tudo isso pra ter uma decisão sua. ANA PAULA Quer um tempo pra pensar? ALEXANDRE 42 Não! Vocês são legais, mas eu não quero namorar com nenhuma... CAROL Por que? Tem que haver um motivo! ALEXANDRE Simplesmente não quero... vocês vão achar carinhas super legais, vão se apaixonar, daqui um tempo nem vão se lembrar de mim. ANA PAULA Mas por que? ALEXANDRE Ai, gente! Eu já tô namorando! É isso que queriam ouvir? Pronto. ANA PAULA Namorando? CAROL Quem? ALEXANDRE É uma menina linda como vocês. Conheci na festa também. ANA PAULA Ah, não! Com quantas mais você ficou nessa festa? ALEXANDRE Só com as três. ANA PAULA E por que escolheu a outra? O que ela tem que nós não temos? CAROL O que vocês fizeram na festa? 43 ALEXANDRE Eu a conheci depois de vocês duas. Não foi amor à primeira vista. Um amigo nos apresentou, nós dançamos um pouco. E então... ANA PAULA E então... ALEXANDRE Fomos andando até a fonte, conversamos... CAROL E depois? ALEXANDRE Fomos pra perto da piscina, nos beijamos. Acho que foi isso. Não tem muito mistério. Trocamos o telefone, nos ligamos, e acho que estamos numa boa. ANA PAULA Então por que aceitou vir até aqui? ALEXANDRE Porque era pra ajudar numa pesquisa. Não podia? CAROL Aposto que não vai contar pra ela. ALEXANDRE Não tem nada demais se eu contar: visitei duas colegas muito legais, revi um grande amigo. Pronto. Ela é gente fina, vocês vão gostar de conhecer. CAROL Não, obrigada. ALEXANDRE 44 Que pena. Porque ela ia gostar muito de vocês. Mesmo com todas essas revistas pra adolescentes, que ela detesta... As duas se entreolham, ele dá de ombros, impotente. ALEXANDRE Sinto muito. Amigos? (Elas ficam emburradas) Que pena. Então, tchau. (Beija as duas e vai saindo) Ah! Dá um abraço no Paco. Grande Paco! E tranquem a porta, hein? CAROL Alexandre! ALEXANDRE (Retornando) Oi! CAROL (Desiste de falar) Nada não. Tchau. Alexandre sai. Carol tranca a porta. Silêncio, apenas a TV com volume baixo. As meninas se olham, olham o ambiente. Grande pausa. Procuram coisas nas revistas, desistem. Ana Paula pega coisas de comer e beber, leva pra mesinha, meio autômata. Ajusta a imagem da TV, senta. ANA PAULA (Tentando se convencer) Nada disso aconteceu. Que vergonha... E ele não escolheu nenhuma... Pausa. As duas folheiam as revistas sem vontade, tristes. CAROL (imitando Alexandre, com pouco caso) “Ela detesta essas revistas pra adolescentes”. (Joga a revista no chão) O que será que ele quis dizer com isso? ANA PAULA No mínimo que a namorada dele é mais madura que nós... CAROL É.. acho a gente deu uma exagerada, né?... 45 ANA PAULA O que será que ele tá pensando da gente? Que somos duas crianças. Ai, que vergonha! CAROL O pior é que me tirou até a vontade de consultar alguma revista pra saber o que fazer. ANA PAULA Quero distância delas! Tô traumatizada! CAROL Você fica conversando comigo até eu dormir, amiga? ANA PAULA (Confirma. O clima vai se amenizando) É claro que eu fico, Carol. Relaxa. Pelo menos nós tentamos. Como é que se fala? Saímos com mais experiência. CAROL Só espero que o Paco não resolva voltar pra se vingar da gente... ANA PAULA Deixa que eu me entendo com ele. Faço um lanche especial pro meu irmãozinho com um pedido de desculpa e fica tudo bem. Agora fica quietinha pro sono vir. Relaxa, respira fundo. Fica tranqüila. Tá tudo bem agora. CAROL (deitando no colo da amiga) Quer saber de uma coisa, Ana Paula? Acho que foi melhor assim... A gente tava precisando de uma chacoalhada dessas, é ou não é? Olham em torno, observam as revistas. Olham-se. ANA PAULA Tá pensando o mesmo que eu? CAROL Acho que sim... Amanhã bem cedo. 46 ANA PAULA Tem uma campanha de papel reciclado no meu prédio. Acho que eles iam ficar felizes com a nossa doação... CAROL Mas podemos ficar com alguma, não podemos? Umazinha só... ANA PAULA Acho que sim, se a gente quiser. CAROL (com sono, bocejando) Combinado... Você espera até eu pegar no sono? ANA PAULA É claro! Amigas são pra essas coisas... E isso eu não li em nenhuma revista, não. Luzes vão diminuindo até o final.
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