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CP-TGE-2013 - Resumo 14 (Regimes de Governo)

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FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA – FADI 
Ciência Política e Teoria Geral do Estado – 2013 
Professor Jorge Marum 
Resumo 14 – Regimes de Governo: Democracia e Autocracia 
Chinês enfrenta tanques na Praça da Paz Celestial, 1989
Introdução. Como visto no capítulo anterior, o Estado funciona e exerce o poder através do governo. O governo pode ser mais ou menos autoritário, dar mais ou menos liberdade aos cidadãos, admitir mais ou menos participação popular etc. O modo de exercício do poder, principalmente no que se refere à liberdade e à participação do povo, caracteriza o que chamamos de regimes de governo. Conforme a denominação que utilizamos neste curso, os regimes de governo são democracia e autocracia. 
14.1. Democracia
“Quando se discute a democracia, talvez nada proporcione confusão maior do que o simples fato de ‘democracia’ referir-se ao mesmo tempo a um ideal e a uma realidade” (Robert Dahl)
 
Introdução. A democracia (do grego demos: povo; kratos: poder) teve origem na Grécia antiga. Foi brilhantemente definida por Abraham Lincoln no histórico discurso de Gettysburg como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Ou seja, a Democracia é o regime em que o poder pertence ao povo, é exercido pelo povo e em benefício do povo. A grande questão é como realizar, na prática, um regime assim.
Abraham Lincoln discursando em Gettysburg
“Nós aqui presentes solenemente afirmamos que esses homens não morreram em vão, que esta nação, com a graça de Deus, verá o nascimento de uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra” (Lincoln)�. 
Panorama histórico: a democracia antiga. Democracia era o nome dado ao regime de governo das cidades-Estado gregas, especialmente Atenas, por volta dos séculos V e IV a. C. A democracia grega clássica possuía as seguintes características básicas:
exercício direto do poder pelo povo (decisões políticas tomadas em assembléias na praça pública) 
alto grau de participação dos cidadãos
conceito restrito de cidadania (exclusão de jovens, mulheres, escravos e às vezes dos pobres)
liberdade política com limitação da liberdade individual 
isagoria (direito à palavra nas assembléias), isonomia (igualdade perante a lei) e isotimia (igualdade no acesso aos cargos públicos) 
cargos públicos preenchidos preferencialmente por sorteio e exercidos por tempo limitado 
 Péricles discursando na Ágora
“Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a cidade outorga honraria o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. 
O governo favorece a maioria em vez de poucos – por isso é chamado de democracia. Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças; quanto à condição social, o avanço na vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição. 
Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento sem afetação. Empregamos a riqueza mais para o uso do que para a exibição e situamos a desgraça real da pobreza não no reconhecimento do fato, mas na recusa de combatê-la. 
Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil. 
Em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia. Em resumo, afirmo que, como cidade, somos a escola de toda a Grécia...” � 
Democracia Moderna. Desaparecida na Grécia antiga, a democracia só ressurgiu no Estado Moderno, a partir das revoluções burguesas e do constitucionalismo, como parte da luta contra o absolutismo e pela afirmação dos direitos naturais. A democracia moderna, porém, se diferencia da antiga pela extensão da cidadania (busca do sufrágio universal) e pela limitação da participação direta (democracia representativa). 
Rousseau. A maior contribuição teórica para a democracia moderna foi dada por Rousseau, que na obra O contrato social (1762) afirmou que a soberania pertence ao povo e a lei deve ser expressão da vontade geral. Para Rousseau, todos os seres humanos são livres e iguais por natureza, e, para que continuem assim quando passam a viver em sociedade, é necessário formular um contrato social pelo qual ninguém esteja submetido a outrem, mas sim todos subordinados a todos. Com isso, todos seriam ao mesmo tempo sujeitos (soberanos) e objetos (súditos) do mesmo poder, permanecendo, assim, tão livres e iguais como no estado natural. Na democracia que idealizou, Rousseau não aceitava que a vontade dos cidadãos fosse representada, nem que houvesse “corpos intermediários” (associações) ou “sociedades parciais” (partidos políticos) entre o governo e o povo. 
 
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com a toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. É esse o problema fundamental ao qual o Contrato Social dá a solução” (Rousseau) 
 
“A Democracia na América”. Este é o título de um livro clássico do juiz e filósofo francês Alexis de Tocqueville (1805-1859), que, em vista aos EUA no ano de 1831, ficou impressionado com o funcionamento da democracia norte-americana, caracterizada pela intensa participação dos cidadãos, pela igualdade de oportunidades e pela prevalência da soberania popular mediante eleições livres. Para ele, a democracia política, social e econômica ali vigente era o futuro da humanidade. Ficou famosa sua observação de que os males da democracia devem ser resolvidos com mais democracia e nunca com restrições às instituições democráticas. 
Tocqueville
"Creio que, em qualquer época, eu teria amado a liberdade; mas, na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la" (Tocqueville) 
Século XIX. No século XIX prevaleceu a democracia liberal, caracterizada pela garantia das liberdades públicas e da igualdade formal (isonomia: igualdade perante a lei). A participação popular era limitada à eleição de representantes e o sufrágio (direito de votar e ser votado) era restrito em função da renda (voto censitário), da escolaridade (a maioria da população era analfabeta), do sexo (proibição do sufrágio feminino) e às vezes da cor da pele (negros nos EUA). Somente aos poucos e apenas em alguns países como Inglaterra, EUA e França, é que essa democracia foi se transformando em democracia de massas, com a extensão do sufrágio a uma parcela cada vez maior da população. 
Mulheres reivindicando direito ao sufrágio
Século XX. O início do século XX foi marcado pelo desprestígio da democracia liberal, que sofria ataques tanto da esquerda como da direita. À esquerda, os socialistas criticavam a democracia formal, que não garantia a participação popular e a igualdade real. Na extrema-direita, os fascistas criticavam a fraqueza dos governos democráticos para tomar decisões essenciais ao Estado e dar força à nação. Ambos pregavam as virtudes da ditadura, seja a ditadura do proletariado, seja a ditadura do líder carismático (duce ou führer). 
Pós-guerra. A democracia só recuperou seu prestígio após o fim da II Guerra Mundial, mas agora com exigência de ampla participação popular e garantia dos direitos civis, políticos e sociais. Atualmente, nenhum Estado, mesmo os totalitários como Coréia do Norte e Cuba, admite ser antidemocrático. O problema, portanto, é como identificar uma democracia, ou, antes, saber se a democracia pode de fato existir ou se é apenas uma utopia. 
A democracia existe?Para Rousseau, não existe e talvez nunca existirá uma democracia perfeita, a não ser, nas suas palavras, para um “povo de deuses”. De fato, parece impossível, exceto num Estado ideal, que todas as leis sejam expressões da vontade geral e que o governo aja sempre de acordo com essa vontade. O que existe são Estados onde isso ocorre com mais ou com menos intensidade. Ou seja, existem Estados mais e menos democráticos – além, é claro, de Estados nada democráticos, que são as autocracias. O que se deve buscar, portanto, como escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é a democracia possível.
Poliarquia. Atento ao fato de que não existe uma democracia perfeita, o cientista político norte-americano Robert A. Dahl, em obra publicada em 1972, propôs que, em lugar de democracia, fosse utilizado o termo poliarquia para qualificar os regimes onde houvesse alto grau de participação popular combinado com competição pelo poder (oposição). Para que haja uma poliarquia, portanto, não basta a ocorrência isolada de um dos fatores, sendo necessário que ambos ocorram ao mesmo tempo. Assim, não é suficiente haver alto grau de participação popular sem possibilidade de oposição, como ocorre, por exemplo, em Cuba e no Irã. Da mesma forma, não basta haver competição pelo poder (oposição) se o povo não pode participar da vida política, como acontecia, por exemplo, na República Velha no Brasil. 
Embora a obra de Dahl seja muito influente nos meios acadêmicos, o termo poliarquia não substituiu a tradicional denominação de democracia, sendo usado apenas por estudiosos da Ciência Política. 
 Esquema da Poliarquia, segundo Dahl 
Bobbio: a democracia como técnica e como valor. Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004), a democracia é ao mesmo tempo técnica e valor. Como técnica, ou seja, sob o ponto de vista formal, ela é definida como “regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Bobbio ensina que “apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar”. Sob esse ponto de vista, a vontade da maioria deve prevalecer, porém com respeito às regras do jogo democrático, ou seja, não se pode usar a democracia para destruir a democracia. 
Ainda segundo Bobbio, a democracia é também um valor, isto é, um conjunto de fins (e não apenas de meios), dentre os quais sobressaem a liberdade e a igualdade jurídica, social e econômica. 
Norberto Bobbio
“Aprendi a respeitar as ideias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir, a discutir antes de condenar. E já que estou em via de confidências, faço uma ainda, talvez supérflua: detesto os fanáticos com toda a alma” (Norberto Bobbio).
Democracia como ethos. Na mesma linha de ver a democracia como um valor e não apenas como uma técnica de escolha de governantes, o cientista político brasileiro Renato Janine Ribeiro escreve que, para sermos de fato democráticos, a democracia deve orientar todas as nossas condutas morais, afetivas, sociais e comportamentais, transformando-se numa verdadeira ética de vida. 
“Democracia não é só a escolha por votos, mas é o casal ter um diálogo bom e respeitoso, o patrão ouvir os empregados e aceitar suas sugestões, o professor ou o pai escutar o aluno ou o filho e não ter vergonha de pedir desculpas. Democracia, aqui, significa um concentrado de atitudes, em que se incluem a conversa limpa, honesta e sincera, a renúncia a ser o dono da verdade e, finalmente, as boas maneiras. Ser educado pode ser um traço essencial da democracia, porque é um modo de dizer que o outro vale tanto quanto nós” (Renato Janine Ribeiro).
A democracia segundo Dallari. Dallari resume assim os requisitos para que um regime de governo seja considerado democrático: 
supremacia da vontade popular: eleições livres e periódicas; sufrágio universal; outras formas de participação popular, como plebiscito, referendo, iniciativa popular e orçamento participativo; prestação de contas, transparência etc.
preservação da liberdade: limitação do poder; liberdade de imprensa, de expressão, de associação e outras liberdades públicas; oposição; economia de mercado; respeito às minorias etc.
igualdade de direitos: garantia de acesso livre e igualitário aos direitos políticos, civis e sociais. 
Portanto, se queremos saber se um Estado é democrático ou não, devemos fazer perguntas como: as eleições são livres?, as eleições são periódicas?, o sufrágio é universal?, etc. Podemos até pensar num “índice de democracia”, atribuindo uma nota máxima a um governo que cumpra todos esses requisitos e ir descontando pontos dos que os cumprem apenas parcialmente. 
Para pensar sobre a democracia. Finalmente, para pensar sobre a democracia, algumas frases famosas:
"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos" (Churchill) 
Sir Winston Churchill
“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a ferida que corrói a carne por fora e o tumor invisível que corrói por dentro. As feridas democráticas curam-se pelo sol da publicidade, com o cautério da opinião pública livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves” (Clemenceau)
“Nenhuma guerra explodiu até agora entre Estados dirigidos por regimes democráticos. O que não quer dizer que os Estados democráticos não tenham feito guerras, mas apenas que jamais fizeram entre si” (Norberto Bobbio)
14.2. Autocracia
“Quando me perguntam se uma nação está madura para ser livre, respondo: existe um homem maduro para ser déspota?” (Lord John Russel).
Introdução. Autocracia significa governar por si próprio (auto + kratos), servindo para designar todos os regimes de tipo autoritário (tirania, despotismo, ditadura etc.). É a denominação mais atual para o regime político oposto à democracia. 
Segundo o autor alemão Karl Loewenstein, caracteriza-se pela existência de uma pessoa ou um pequeno grupo como “único detentor do poder, cuja competência abarca a função de tomar a decisão política fundamental, assim como sua execução, e que ademais está livre de qualquer controle eficaz”�. 
Loewenstein observa que durante a maior parte da história os povos viveram sob autocracias. De fato, eram autocracias os antigos impérios teocráticos, o império romano e as monarquias absolutistas do Estado Moderno. Ainda no século XX, pelo menos até o fim da Guerra Fria, predominaram as autocracias, tanto de esquerda como de direita. 
Sinônimos imperfeitos. Também se fala em ditadura, tirania, despotismo, absolutismo e totalitarismo, porém, como se verá abaixo, cada um desses conceitos tem características próprias e são todos abrangidos pelo termo mais genérico autocracia. 
Tirania. É o termo tradicional, utilizado, por exemplo, por Platão e Aristóteles para qualificar o governo exercido por um líder ilegítimo e opressor (tirano). 
Despotismo. Qualifica um governo em que a relação entre governante e governados é igual à de senhor (despotes, em grego) e escravo. Tradicionalmente é utilizado em referência aos antigos impérios orientais, tendo sido usado nesse sentido por Montesquieu. Geralmente se considerava que os déspotas poderiam governar a título legítimo, pois esse tipo de dominação era aceito pelos povos dominados. Foi também utilizado pejorativamente em relação aos monarcas absolutistas do Estado Moderno, alguns deles sendo chamados de “déspotas esclarecidos” quando, mantendo o autoritarismo político, aceitavam influência cultural do Iluminismo. 
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Ivan, o Terrível, déspota da Rússia 
Ditadura. A ditadura era um mecanismoconstitucional da República romana, utilizado em episódios de conturbação social ou perigo externo, quando os direitos dos cidadãos eram suspensos e um líder (dictator) era escolhido para tomar as decisões necessárias para debelar a crise. Seu mandato era temporário e ele deveria responder pelos abusos que praticasse. Essa foi a origem de mecanismos constitucionais atuais para o enfrentamento de crises, como os estados de sítio, de emergência e de calamidade pública, que são legítimos e atualmente não se confundem com ditadura. 
Em 48 a.C., Julio César, aproveitando-se da guerra civil e de seu poder militar, se fez ditador de Roma. Porém tal ditadura não tinha prazo determinado, como era a tradição romana. César foi, então, assassinado em 44 a.C por senadores que defendiam a República e queriam impedi-lo de restaurar a Monarquia. 
A partir daí, ditadura passou a designar um governo forte, com poder concentrado e apto a tomar medidas excepcionais, como foi o Comitê de Salvação Pública instalado pelos jacobinos durante fase do terror da Revolução Francesa (1793). No século XX, tornaram-se comuns as ditaduras militares, sob o pretexto de evitar revoluções socialistas. Estas, por sua vez, também eram comandadas por ditadores, que se diziam representantes do proletariado ou do campesinato. 
Absolutismo. Chamavam-se de absolutistas as monarquias que se impuseram na formação dos Estados Modernos, decorrendo essa qualificação do fato de os reis concentrarem em suas mãos todos os poderes do Estado. 
Autoritarismo. Segundo Loewenstein o autoritarismo moderno se caracteriza pelo monopólio do poder por uma pessoa ou grupo de pessoas, excluindo a participação dos destinatários do poder na formação da vontade estatal. Há um predomínio do Poder Executivo sobre os demais Poderes, que funcionam sob uma aparência de normalidade. Diferentemente do totalitarismo, esse tipo de regime normalmente não procura impor sua ideologia ao povo, contentando-se com o controle político. Não é incompatível com o Estado de Direito, possuindo, em regra, uma Constituição, porém os direitos fundamentais não são adequadamente garantidos. Não é, portanto, um Estado Democrático de Direito. Exemplos desse tipo de regime são as ditaduras militares latino-americanas das décadas do pós-guerra. 
Ditador chileno Augusto Pinochet
Hiperpresidencialismo. Exemplo mais atual de autoritarismo é o chamado “hiperpresidencialismo”, ou, segundo Loewenstein, “neopresidencialismo”. Esse tipo de regime é caracterizado por presidentes autoritários e que concentram muito poder, como ocorre hoje na Rússia e na América Latina, especialmente na Venezuela, no Equador e na Bolívia, com ecos na Argentina e simpatizantes no Brasil. Normalmente eleitos democraticamente, uma vez no poder esses líderes utilizam instrumentos aparentemente democráticos para acuar a oposição e a imprensa livre e se perpetuarem no poder, transitando da democracia para a autocracia. Alguns não chegam a ser autocracias, sendo denominados pelos estudiosos de “regimes híbridos”, visto que mantêm alguns traços de democracia.
“Hiperpresidentes” Chávez e Putin
Totalitarismo. Entre os regimes de tipo autoritário, há os totalitários, que, além do autoritarismo, possuem outras características específicas. O termo foi criado por Mussolini, também autor da frase “tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. 
Segundo Loewenstein, além do controle político, o totalitarismo pretende abranger toda a ordem socioeconômica e moral do Estado, modelando a vida privada, a consciência e os costumes do povo segundo uma ideologia oficial imposta a todos. São instrumentos desse tipo de regime autocrático a polícia política, o partido único, o monopólio dos meios de comunicação de massa, a propaganda, o culto à personalidade de um líder carismático e o terror contra os adversários. Foi muito bem retratado no romance 1984, de George Orwell e no filme alemão A Onda, de Dennis Gansel. 
Formas de Totalitarismo. Numa época em que o socialismo ainda tinha muito prestígio entre os intelectuais, Hannah Arendt, em sua obra Origens do Totalitarismo (1950), abrangeu no conceito de totalitarismo tanto o nazi-fascismo como o socialismo praticado na URSS, sendo muito criticada por isso. Atualmente, é praticamente consensual que esses regimes de fato eram totalitários. Um tipo novo de totalitarismo identificado por alguns autores é o praticado em teocracias islâmicas, como o Irã. 
Enforcamentos no Irã por motivos morais, políticos e religiosos 
Fascismo. O nome fascismo vem do italiano fascio (feixe), lembrando o termo latino fasces, feixe de varas com um machado no meio, que simbolizava a autoridade dos magistrados e a unidade do povo na Roma antiga. O movimento foi criado na Itália por Mussolini no início do século XX e se espalhou por diversos países, inclusive o Brasil (Integralismo). É xenófobo e procura integrar a nação num todo orgânico, anulando as individualidades. 
Segundo Norberto Bobbio�, trata-se de um sistema autoritário de dominação com as seguintes características: 
monopólio do poder por um partido único de massa, hierarquicamente organizado; 
ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição ao socialismo; 
objetivos de expansão imperialista;
mobilização das massas e seu enquadramento em corporações (sindicatos etc.) associadas ao regime (corporativismo); 
aniquilamento das oposições mediante o uso da violência e do terror;
aparelho de propaganda baseado no controle dos meios de comunicação de massa; 
crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado; 
tentativa de integrar nas estruturas de controle do Estado a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais. 
 
Fascio, símbolo do Fascismo italiano
Nazismo. Abreviação de “nacional-socialismo”, ideologia do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), liderado por Adolf Hitler a partir de 1921 e que chegou ao poder na Alemanha em 1933. Incorporou e exacerbou as características do fascismo italiano. Era socialista no sentido de que pretendia massificar as políticas sociais do Estado, porém em benefício apenas da própria nação, abominando o internacionalismo marxista. Também desprezava o igualitarismo socialista, pregando o chamado “darwinismo social”. O componente nacionalista foi exacerbado pelo ideal de supremacia ariana e pelo ódio racial, dirigido especialmente contra os judeus, assassinados aos milhões.
Mussolini e Hitler 
"Aprendi muito com o marxismo. Não com essas doutrinações sociais, essas asneiras absurdas – mas, sim, com seus métodos" (Adolf Hitler)� 
Socialismo. O socialismo implantado em diversos países a partir da Revolução Russa de 1917 baseava-se nas teorias de Marx e Lênin. Segundo Marx, as contradições do sistema capitalista causariam fatalmente a sua destruição, porém, para acelerar o processo, era necessário que a classe trabalhadora (proletariado) tomasse o poder pela revolução. A partir daí, o Estado, comandado pela “ditadura do proletariado”, tomaria o controle da propriedade privada e dos meios de produção e acabaria com a divisão da sociedade em classes. Vendo suas teorias sociais e políticas como “verdades científicas”, os seguidores de Marx não toleravam opiniões contrárias. Para Lênin, a ditadura deveria ser comandada pelo partido (“vanguarda do proletariado”) e os opositores deveriam ser simplesmente exterminados. Esse primeiro momento seria o socialismo. Num segundo momento, a propriedade privada seria extinta e o próprio Estado, tornando-se desnecessário, desaparecia, implantando-se o comunismo. O estágio do comunismo nunca chegou a ser atingido, implantando-se, na realidade, Estados de tipo totalitário, comandados por uma minoria de privilegiados que não queria abdicar do poder. Assim,tanto na URSS como em seus satélites da chamada “Cortina de Ferro” (Alemanha Oriental, Albânia etc.) e ainda hoje na China, na Coreia do Norte e em Cuba, houve a implantação de regimes autoritários de partido único, com culto à personalidade do líder, perseguição de opositores pela polícia política e outros componentes tipicamente totalitários. Calcula-se que esses regimes assassinaram mais de 70 milhões de pessoas, superando os regimes nazi-fascistas.
 Culto à personalidade de Stálin na URSS 
Vítimas do Khmer Vermelho no Camboja
Autocracia. Em suma, o conceito de autocracia abrange todos os regimes de tipo autoritário acima estudados, com a possível exceção dos chamados “regimes híbridos”, que estão a um passe de serem autocráticos, porém ainda preservam alguns traços de democracia. 
Para pensar
“O despotismo se apresenta freqüentemente como o reparador de todos os males sofridos; é o apoio da razão, o sustentáculo dos oprimidos e o instaurador da ordem. Os povos adormecem no seio da prosperidade momentânea que ele propicia; e, quando despertam, estão na miséria. A liberdade, ao contrário, comumente nasce no meio das tempestades, estabelece-se penosamente entre as discórdias civis e não é senão quando já está velha que se pode conhecer seus benefícios” (A. Tocqueville). 
“Dentre os homens que derrubaram as liberdades das repúblicas, a maior parte começou sua carreira bajulando o povo; começaram demagogos e acabaram tiranos” (Publius, aliás, Alexander Hamilton). 
 
“Comunistas defendem classe, nazistas defendem raça, fascistas defendem a nação. Todas essas ideologias – podemos chamá-las de totalitárias – atraem os mesmos tipos de pessoas” (Jonah Goldberg, Fascismo de Esquerda, p. 88.)
Bibliografia
Leitura essencial: 
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 75 a 78. 
LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, 1ª parte, cap. 3.
Leituras complementares: 
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo. 
________. Dicionário de política.
DAHL, Robert A. Poliarquia.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível.
FINLEY, M. Y. Democracia antiga e moderna. 
GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda.
ORWELL, George. 1984.
RIBEIRO. Renato Janine. A democracia (Coleção Folha Explica). 
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulo sobre Tocqueville.
Filme: A Onda (Die Welle). Alemanha, 2008. Direção e roteiro: Dennis Gansel (fichamento até 13 de setembro e vai cair na prova).
� Discurso em homenagem aos mortos na batalha de Gettysburg, 1863.
� Discurso em homenagem aos atenienses mortos na guerra do Peloponeso, 430 a. C.
� Teoría de la Constitución, p. 73.
� Dicionário de Política, verbete “fascismo”.
� in Joachim Fest, "Hitler", vol. I, ed. Nova Fronteira.

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