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FEDERAÇÃO E REGIME DE COMPETÊNCIAS MUNICIPAIS. Olá alunos, hoje falaremos de um tema recorrente nas provas da Residência da PGM e PGE Rio: federação e repartição de competências. Este é um tema muito sensível à administração municipal, pois é com ele que se legitima a competência legislativa municipal. Então, vamos começar primeiramente fazendo um apanhado histórico do conceito de federação. 1 – Do conceito de Estado. Dalmo Dallari traz um conceito de Estado como sendo a “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. A partir desse conceito podemos identificar os elementos integrantes do Estado, são eles: 1) soberania, 2) finalidade, 3) povo e 4) território. Uma distinção importante que precisa ser feita é entre soberania e autonomia. A soberania é um atributo do Estado federal como um todo: no caso brasileiro não é o município do Rio de Janeiro que é soberano, quem detém soberania é a Republica Federativa do Brasil. O conceito de autonomia traz uma ideia de descentralização do poder, uma ideia de autogoverno, autoadministração e auto- organização. Pela auto-organização o ente federado tem a capacidade de elaborar suas próprias constituições ou, no caso dos municípios, suas leis orgânicas. Importante o aluno compreender que essa capacidade de auto-organização dos municípios é controversa na doutrina. De um lado, Dirley da Cunha Junior entende que o poder de auto-organização só é dado à União, ao Distrito Federal e aos Estados-membros. Para ele o poder constituinte derivado decorrente deve buscar sua legitimidade diretamente na Constituição Federal, ao passo que as leis orgânicas buscam sua legitimidade tanto na Constituição Federal quanto na Constituição do Estado-membro do qual faz parte. Dito isso as leis orgânicas seriam uma manifestação do poder constituinte derivado de terceiro grau, o que não encontraria agasalho na doutrina. Por outro lado, minoritários, temos autores como Sérgio Resende de Barros e José Luiz Quadro de Magalhaes que entendem que o município, à luz da CF de 1988, detém o poder de auto-organização. Eles entendem que o federalismo brasileiro seria trino, de modo que os municípios, por serem partes da federação, detém competência para elaborarem suas leis orgânicas e estas seriam uma “constituição municipal”. Importante o aluno conhecer essa discussão e se atentar que numa prova de residência da PGM-Rio deve ser dada preferencia para a posição que reconhece ao município tal poder de auto-organização, mas sempre lembrando ao seu examinador que você conhece a discussão. O autogoverno significa a prerrogativa de eleger, sem interferência dos outros entes federativos, seus próprios titulares dos poderes legislativo e executivo. Já o poder de autoadministração significa que as entidades federativas são autônomas para se auto estruturarem, criando seus próprios órgãos e entidades administrativas. Ainda nessas noções preliminares do conceito de Estado é importante destacarmos a organização e estruturação do Estado. Elas podem ser analisadas sobre três perspectivas: 1) Quanto à FORMA DE GOVERNO podemos ter a Monarquia ou a República. De acordo com o artigo 1º da Constituição de 1988 a forma de governo do nosso país é a república. 2)Quanto ao SISTEMA DE GOVERNO podemos ter o presidencialismo ou o parlamentarismo, sendo aquele o adotado em nosso país. 3) Quanto à FORMA DE ESTADO podemos ter um estado unitário ou uma federação. Pelo mesmo artigo 1º da CF de 1988, o nosso país é uma federação. 2 – Da Federação. Passaremos agora a analisar as características de uma federação, mas primeiro temos que fazer um contexto histórico. O federalismo surgiu nos Estados Unidos da América como uma resposta à necessidade do governo de melhor administrar o vasto território então recém independente. Com a proclamação da independência americana em 1776, as treze colônias britânicas passaram a se intitular, cada uma, como um novo Estado, com soberania, liberdade e independência. Então, em um primeiro momento, as 13 colônias elaboraram um tratado internacional que recebeu a alcunha de Artigos da Confederação. Tal tratado teve o objetivo de promover uma cooperação entre as antigas colônias frente ao poder da antiga metrópole. Esse documento, que ainda não era um pacto federativo, permitia o direito de secessão, ou seja, o Estado soberano poderia se retirar do pacto confederativo. Essa confederação não logrou o êxito esperado, de modo que os Estados soberanos se reuniram na Convenção de Filadélfia de 1787, na qual foram estabelecidas as bases para a criação da federação americana. Cada Estado soberano cedeu parcela de sua soberania para um órgão central, responsável pela centralização e unificação, formando então os Estados Unidos da América. Nesse momento os entes federados passaram a ser autônomos entre si, dentro do pacto federativo então elaborado. Uma pergunta que pode surgir nos nossos alunos é o porquê de se criar uma federação. Em outras palavras, por que os Estados soberanos aceitam perder sua soberania para a criação de uma federação? Paulo Gustavo Gonet Branco escreve que os Estados tendem a assumir uma forma federal por razões geográficas e de formação cultural. O federalismo tende a conseguir agrupar e permitir a convivência com grupos étnicos heterogêneos. Ele cita como exemplo o Canadá, um país de várias línguas, como o francês e inglês, em que se busca a unidade nacional através de uma federação. Após essa breve apresentação histórica do federalismo, entraremos no federalismo brasileiro. A federação no Brasil surge com o Decreto n. 1 de 15 de novembro de 1889. Ao contrário do modelo dos Estados Unidos, em que os Estados soberanos cederam sua soberania para o entre central, fazendo um movimento CENTRÍPETO (de aglutinação ao poder central), no caso brasileiro houve o inverso: o ente central, que então detinha todos os poderes, cede parcela de seus poderes aos entes federados, em um movimento CENTRÍFUGO. 3- Tipologias do federalismo. Um ponto importante nessa parte teórica do estudo do federalismo é conseguir sistematizar as diferentes tipologias de federalismo existentes. Uma primeira tipologia que a doutrina nos mostra é o FEDERALISMO POR AGREGAÇÃO ou POR DESAGREGAÇÃO. No federalismo por agregação os entes soberanos abrem mão dessa soberania para se juntar e formar um novo Estado, um Estado federativo. Como exemplo podemos citar o caso dos Estados Unidos. O federalismo por desagregação é justamente o contrário. Nele a federação surge a partir do momento em que o ente central abre mão de parcela de seu poder, em um movimento de descentralização. Como exemplo desse tipo temos o caso brasileiro. Uma segunda tipologia divide o federalismo em DUAL ou COOPERATIVO. No dual a separação de atribuições dos entes federativos é rígida, não se falando em interpenetração entre eles. Já no federalismo cooperativo, que teve seu surgimento no Estado de Bem-Estar Social, existem atribuições comuns ou concorrentes entre os entes federativos, de modo que eles se aproximam, devendo atuar em conjunto. O Brasil adota esse tipo de federalismo por cooperação, já que nossa Constituição elenca atribuições comuns e concorrentes aos entes federados. Um terceiro tipo de tipologia divide o federalismo em SIMÉTRICO ou ASSIMÉTRICO. No simétrico é possível enxergar uma homogeneidade de cultura e desenvolvimento. No assimétrico há uma diversidade de língua e cultura, como no caso do Canadá. A doutrina entende que no caso brasileiro teríamos um “erro de simetria”, pois o nosso constituinte tratou de maneira igual todos os entes federativos, sem se adentrar nas diferenças inerentes a cada um deles, como seus graus de desenvolvimento, por exemplo. Por fim, paraa nossa prova da residência da PGM-Rio, é importante que o aluno saiba do conceito de federalismo de segundo grau. Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos ensina que a estrutura do Estado brasileiro seria tríplice, de modo que teríamos, ao contrário de outras federações, a existência de três ordens, quais sejam, a União, os Estados-membros e os municípios. 4- Características da Federação. Falaremos aqui das principais características que uma federação deve ter. Importante lembrar que cada Estado federativo pode ter suas características próprias e peculiares. Desse modo, o aluno tem que ter em mente que não existe um único modelo de federação, não obstante traremos alguns traços gerais. A primeira característica da federação é a existência de uma nacionalidade única, sendo essa uma das grandes diferenças entre federação e confederação. A segunda característica é a existência de autonomia das unidades territoriais que compõem a federação. Autonomia aqui é entendida no sentido técnico-jurídico, de auto-organização (capacidade de estruturar os poderes mediante sua própria Constituição local), autogoverno (capacidade de escolha do Chefe do Executivo e dos membros do Legislativo, sem nenhuma relação com os outros entes federativos) e autoadministração (existência de um elenco de competências próprias para cada entidade, que são legislativas, administrativas e tributárias). A terceira característica é a existência de uma repartição constitucional de competências, tema que falaremos com maior profundidade mais adiante. Existem vários modelos possíveis de repartição de competências. Uma federação se caracteriza pela incorporação ao texto constitucional central de um sistema pelo qual ela entrega a cada uma das entidades federativas um certo rol de competências. Isso é muito importante para diferenciar a federação de um Estado unitário. Neste, até existe uma descentralização administrativa, mas essa descentralização se funda na absoluta supremacia do poder central. O instrumento pelo qual a descentralização administrativa acontece é a delegação. Na delegação, o poder central pode tomar a competência de volta. Já na federação, todas as unidades autônomas estão em pé de igualdade e retiram suas atribuições diretamente da mesma fonte, que é a Constituição Federal. A quarta característica da federação é a existência de uma renda própria, titularizada por cada entidade federativa, renda própria esta prevista pela Constituição central, de modo que a vida financeira das entidades federativas menores não fica entregue ao bel prazer das entidades maiores. Assim, é preciso que os Estados e Municípios tenham uma renda que a eles pertença de direito. O princípio da subsidiariedade, além de conferir aos entes maiores uma atuação subsidiária, confere aos entes menores o dever de atuação primária. A quinta característica essencial da federação é a existência de previsão constitucional da possibilidade de intervenção federal nos Estados. A intervenção federal é uma hipótese extrema, que vai ser colocada em funcionamento para preservar a existência da federação. A intervenção está para a federação assim como o estado de sítio e o estado de defesa estão para a democracia. A intervenção federal é usada em casos excepcionalíssimos, tanto que até hoje ainda não foi utilizada desde 1988. A previsão da intervenção federal está na Constituição, e foi prevista pelo Poder Constituinte Originário. O Poder Constituinte Originário traz no ato inaugural do Estado o seu paradoxo: o Estado federal é a pluralidade dentro de uma unidade lógico-sistemática. A federação deve ter essa unidade, sob pena de fragmentação do próprio Estado como um todo. O grau de unidade será definido pelo constituinte originário. A sexta característica da federação é a existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário para a preservação da Constituição Federal, no caso brasileiro o STF. Flávio Bauer Novelli, ex-procurador do Estado do RJ, diz que “o controle de constitucionalidade é filho da federação”. É preciso que haja uma palavra final decisiva sobre o que é a Constituição, entendimento este que vai valer para todo o Estado federal. A Constituição deve ser a mesma em todo o país e sua interpretação final deve ser unificada por um único órgão supremo do Poder Judiciário, no caso brasileiro o Supremo Tribunal Federal. Outro atributo é a soberania. Relembramos que soberano é o Estado federal; no caso brasileiro é a República Federativa do Brasil. A autonomia, por sua vez, é atributo dos estados-membros. Por fim, outra característica é a existência de uma Constituição rígida, em que o principio federalista seja uma cláusula pétrea. O fato de os entes da federação estarem unidos por uma Constituição e não por um tratado é o que diferencia a federação da confederação. Uma consequência do atributo acima citado é a inexistência do direito de secessão. Desse modo, não se permite o direito de retirada por parte dos entes federados. 5- Da Repartição de Competências Então, como vimos acima, uma das características da federação é a existência de uma repartição de competências entre os entes federados. O modelo de federalismo trazido por nossa Constituição de 1988 busca um federalismo de equilíbrio. Diante disto, o aluno tem que ter em mente que não existe hierarquia entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. A ideia de hierarquia traz consigo a noção de que uma norma superior é base de validade para uma norma inferior. O que existe entre os entes federados é uma repartição constitucional de competências. Desse modo, os entes menores, como os municípios por exemplo, não retiram a validade de suas leis do ordenamento jurídico dos entes maiores. Na verdade, o Município retira esse fundamento de validade diretamente da Constituição Federal. Assim, uma lei municipal que pretenda regular uma matéria que seja de competência da União será fadada à inconstitucionalidade, pois a Constituição atribuiu à União a competência para legislar sobre a matéria. Do mesmo modo, se a União quiser legislar sobre alguma matéria que a Constituição diga se tratar de competência dos municípios, tal lei também estará destinada a ser inconstitucional. A partir desses exemplos é possível dizer que o que há entre os entes é uma divisão de atribuições: cada um fará o que a Constituição determinou para si. Entender que a União teria uma primazia por ser um ente maior é violar o principio federalista presente em nossa Carta Magna. 5.1- Da Competência dos Municípios. Passaremos agora mais enfaticamente a enfrentar o tema da competência dos municípios. Lembramos que iremos focar mais nesse ente federativo em virtude do fato de nossa prova ser para uma procuradoria municipal. A primeira competência trazida pela nossa Constituição é uma competência não legislativa, ou seja, administrativa. Trata-se de uma competência comum aos quatro entes federados, quais sejam, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Tal competência vem prevista no artigo 23 da Constituição. Vejamos o artigo em sua literalidade: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia,à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) O candidato deve ter maior atenção com o paragrafo único deste artigo, que admite normas para a cooperação entre os entes federados nas matérias de competências administrativas comum, por meio de lei complementar. Um exemplo é a recente Lei Complementar nº 140/2011, que trata das competências em matéria ambiental. Outras competências administrativas do Município, mas não-comuns, vêm estabelecidas no incisos III a IX do artigo 30 da Constituição, vejamos: Art. 30. Compete aos Municípios: (...) IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. O aluno pode notar que essas competências administrativas nada mais são do que consequências dos poderes de auto-organização, autoadministração e autogoverno aplicadas no âmbito municipal. 5.1.2- Da competência concorrente do Município. O artigo 24 de nossa Constituição traz a competência concorrente entre a União, os Estados Membros e o Distrito Federal para determinadas matérias elencadas nos seus incisos. A competência concorrente determina que cabe à União estabelecer normas gerais, de modo que aos Estados ou ao DF cabe suplementar tais normas gerais. Inexistindo norma geral editada pela União a competência dos Estados e do DF será plena para atender a suas peculiaridades. No caso de superveniência de lei federal sobre normas gerais, será suspensa a eficácia da lei estadual no que for contrária a lei federal (CUIDADO: não há revogação da norma, mas apenas suspensão de sua eficácia!). Parte da doutrina sempre defendeu que tal competência concorrente não se aplicaria aos municípios em virtude de uma interpretação literal do artigo 24 da nossa Constituição. Entretanto, no ano passado tivemos a edição da Emenda Constitucional n. 85/2015 que incluiu o artigo 219-B em nossa Constituição, vejamos o artigo: Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) § 1º Lei federal disporá sobre as normas gerais do SNCTI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) § 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios legislarão concorrentemente sobre suas peculiaridades. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) De acordo com o § 2º, cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios legislar concorrentemente sobre suas peculiaridades em relação ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A mesma Emenda 85/2015 também alterou o artigo 24, que trata da competência concorrente sem citar os municípios, e incluiu tal tema no inciso IX do citado artigo, vejamos: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) Então a pergunta que fica é: a Emenda 85/2015 incluiu o município como legislador concorrente ou a redação do caput do artigo 24 ainda seria um empecilho a essa competência concorrente? Uma parte da doutrina vai dizer que o Município continua não tendo competência para legislar concorrentemente, pois devemos olhar a repartição de competências à luz do artigo 24 da CF. Diante disto, a competência da União será limitada a estabelecer normas gerais sobre o Sistema Nacional de Ciência, tecnologia e Inovação. Aos Estados e ao Distrito Federal seria possível essa competência concorrente para legislar sobre o tema. Já aos Municípios caberia apenas a suplementação da legislação federal ou estadual já existente, à luz do artigo 30, I e II, que ainda estudaremos. Entretanto, temos que lembrar que estamos fazendo uma prova para uma Procuradoria Municipal. Desse modo, acho importante o candidato se mostrar mais aberto a uma posição que entenda que cabe sim, ao Município legislar concorrentemente aos outros entes federativos quanto ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, nos moldes do artigo 219-B da Constituição. 5.1.3- Da Competência Legislativa do Município. A primeira competência legislativa municipal que falaremos é a competência expressa prevista no artigo 29, caput da Constituição, que determina, a partir da ideia de auto-organização, que o Município reger-se-á por Lei Orgânica. Logo a Câmara Municipal votará, em dois turnos, com quórum de aprovação de 2/3, a Lei Orgânica municipal. A competência legislativa mais comentada em concursos recai sobre o artigo 30, I e II da Constituição que trata das competências legislativas atribuídas aos Municípios brasileiros. Vejamos o artigo: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Desse modo, aos Municípios cabe legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislação federal e estadual no que lhe couber. O interesse local, de acordo com a doutrina, diz respeito às peculiaridades inerentes à localidade do Município. Quanto ao inciso II, a expressão “no que couber” determina que a atuação legislativa municipal deve ser balizada dentro de seu interesse local. Apesar dessa explanação doutrinária quanto ao que seria interesse local, é de reconhecimento geral que se trata de um conceito jurídico indeterminado, de modo que é difícil a sua caracterização em abstrato. Diante disso, traremos alguns posicionamentos já adotados pelo Supremo Tribunal Federal sobre o que seria esse interesse local a ensejar a competência legislativa municipal. O Supremo entendeu que o Município é competente para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. Trata-se do enunciado de Súmula Vinculante n. 38, editado pelo STF no ano passado:“É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.” (Súmula Vinculante 38.) Outra decisão do STF foi no sentido de que o Município é competente para legislar sobre matéria de segurança em estabelecimentos financeiros, vejamos: “Competência do município para legislar em matéria de segurança em estabelecimentos financeiros. Terminais de autoatendimento.” (ARE 784.981-AgR, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 17-3-2015, Primeira Turma, DJE de 7-4- 2015.) A Ministra Rosa Weber negou seguimento ao Recurso Extraordinário que pretendia combater a decisão do Tribunal a quo que foi nos seguinte termos “"EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA do MUNICÍPIO para legislar em matéria de SEGURANÇA EM ESTABELECIMENTOS FINANCEIROS. TERMINAIS DE AUTOATENDIMENTO. VERBA HONORÁRIA. - O município tem competência para editar normas suplementares relativas à segurança dos estabelecimentos bancários, como a instalação de sistema de monitoração e gravação eletrônica de imagens, nos termos dos artigos 30, I e II e 182 da Constituição Federal. - A exigência legal de instalação de porta eletrônica de segurança, com detector de metais, não se estende aos meros terminais de auto-atendimento, também conhecidos como 'caixa 24 horas'. Cancelamento da multa objeto da CDA e extinta a execução fiscal. - Majoração da condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC."” No mesmo sentido do julgado acima temos: "O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar- lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar- lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes." (AI 347.717-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 31-5-2005, Segunda Turma, DJ de 5-8-2005.) No mesmo sentido: RE 266.536-AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 17-4-2012, Primeira Turma, DJE de 11-5-2012. Um caso emblemático analisado pelo Supremo tratou da Lei do Município de Paulínia (SP) que proibiu, sem qualquer exceção, a queima da palha da cana de açúcar. A questão era emblemática, pois o Município tem competência administrativa para proteger o meio ambiente, de acordo com o artigo 23, VI da CF. Do mesmo modo o artigo 24, VI trata da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. No caso, o Relator Ministro Luiz Fux entendeu que “o Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB).” (RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 5-3-2015, Plenário, DJE de 8-5-2015, com repercussão geral.)” Desse modo, como já existia uma legislação federal prevendo a proibição da queima da palha da cana por etapas, e não de modo imediato como ditado pela lei municipal, não poderia esta ter determinado que a queima fosse proibida imediatamente sem seguir as etapas da lei federal. Apesar do caso concreto, foi importante essa definição do Supremo dando guarida à competência do Município para legislar sobre meio ambiente no limite de seu interesse local e desde que em harmonia com as demais disciplinas dos entes federados. Outro caso importante julgado pelo STF foi o da Lei do Município de São Paulo que editou normas quanto à proibição de outdoors na cidade. A ação foi proposta contra o Município sob a alegação de usurpação de competência, já que, segundo o artigo 22, XXIX, competiria privativamente a União legislar sobre propaganda comercial. Apesar dessa argumentação o Supremo entendeu que se tratava de competência municipal para legislar sobre assuntos de seu interesse local, vejamos: “Interpretação da Lei municipal paulista 14.223/2006. Competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. (...) O acórdão recorrido assentou que a Lei municipal 14.223/2006 – denominada Lei Cidade Limpa – trata de assuntos de interesse local, entre os quais, a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana, com vistas a evitar a poluição visual e bem cuidar do meio ambiente e do patrimônio da cidade.” (AI 799.690-AgR, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 10-12-2013, Primeira Turma, DJE de 3-2-2014.) Um julgado de Relatoria do Ministro Celso de Mello entendeu que é de competência do Município legislar sobre a politica de extensão da gratuidade do transporte público urbano as pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 e 65 anos de acordo com o artigo 39, § 3º, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso): "Não vislumbro, no texto da Carta Política, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a extensão da gratuidade do transporte público coletivo urbano às pessoas compreendidas na faixa etária entre sessenta e sessenta e cinco anos. Na realidade, o Município, ao assim legislar, apoia-se em competência material -- que lhe reservou a própria CR -- cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local. Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria CR, somente por esta pode ser validamente limitada." (RE 702.848, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 29-4-2013, DJE de 14-5-2013.) Um último julgado do STF diz respeito à competência do Município para legislar sobre questões atinentes ao respeito às edificações ou construções realizadas em seu território: "Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeitem a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público." (AI 491.420-AgR, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 21-2-2006, Primeira Turma, DJ de 24-3-2006.) No mesmo sentido: RE 795.804- AgR, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 29-4-2014, Segunda Turma, DJE de 16-5-2014. Um último ponto importante que deve ser citado é o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que ao Município não é permitido impedir a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. Muitos entes municipais proibiam que fossem abertas farmácias muito perto uma das outras e editavam leis que determinavam que não poderia ser aberta farmácias com menos de 500 metros de distância as separando, por exemplo. O STF entendeu que tais leis violavam o principio constitucional da livre concorrência. Foram tantos casos que nosso Tribunal Constitucional editou o enunciado de Súmula 49, in verbis: Súmula Vinculante 49 Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. Um dos julgados que deu origem a esse verbete ficou assim ementado: “DECISÃO COMÉRCIO– LICENÇA – DISTÂNCIA MÍNIMA – ATO MUNICIPAL – INVIABILIDADE – PRECEDENTE DO PLENÁRIO – RECURSO EXTRAODINÁRIO – PROVIMENTO. 1. O que decidido pela Corte de origem conflita com precedentes do Plenário, muito embora relativos a farmácias. Prevaleceu a conclusão sobre o caráter simplesmente indicativo para o setor privado, tal como previsto no artigo 174 da Constituição Federal: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Confiram com o Recurso Extraordinário nºs 199.517-3. Assim, não cabe ao Município, sob pena de olvidar o princípio constitucional da liberdade de iniciativa econômica, proibir a abertura de novo estabelecimento comercial similar ao existente dentro de uma distância de quinhentos metros. O procedimento acaba por criar uma verdadeira reserva de mercado, em desrespeito aos princípios contidos na Carta da República, especialmente o da livre concorrência. Nesse sentido o Verbete nº 646 da súmula deste Tribunal. 2. Ante os precedentes, conheço do extraordinário e o provejo para denegar a segurança. Custas pela impetrante. 3. Publiquem.” (RE 438485/AL-ALAGOAS.RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 25/04/2011) Chegamos ao final dessa aula amigos. Trabalhamos os temas pretendidos de forma mais direcionada, de modo que pudemos ver as correntes doutrinárias aplicadas a cada caso. Mais uma vez reforço que estaremos fazendo uma prova municipal, logo entendo que devemos dar primazia às competências desse ente federado. Até a próxima.
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