Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: LÓGICA E RACIOCÍNIO LÓGICO Magna Campos Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 2 Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico Ms. Magna Campos Ao longo dos anos, muitos bacharéis de direito se formam com extensa bagagem teórica e pouco conhecimento da realidade jurídica. É cada vez mais comum, a produção de peças processuais redigidas de forma ambígua e sem argumentações consistentes e plausíveis, bem como, discursos argumentativos fracos e desconexos para a audiência. Diante de tal situação, é importante que os profissionais do direito compreendam a necessidade da retórica1 na construção do discurso jurídico. Pois, ainda que haja conhecimento técnico, é preciso dominar a arte da persuasão e do convencimento, fundamentais para a adesão do juiz e demais participantes do processo às ideias e proposições defendidas. Tendo em vista essa realidade, procuro com estas aulas, argumentar em prol da importância de os cursos de Direito dedicarem atenção especial ao ensino da argumentação, como temática essencial a ser trabalhada na formação dos estudantes desde a graduação. Desta forma, descrevo algumas questões básicas relacionadas à lógica na argumentação jurídica em sua relação com a lógica clássica, fonte de parte de sua base argumentativa. A temática, além da importância sabida, vem recebendo ainda mais atenção após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (NCPC), tendo em vista que o documento traz em seu artigo 489, no parágrafo 1º, o dever de o juiz fundamentar de forma substantiva as decisões judiciais, nas quais se deve primar pelo ônus da dialeticidade2 e pelo ônus argumentativo3. De acordo com o disposto no artigo mencionado: § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (BRASIL, Lei 13.105, 2015) 4 A decisão judicial quer seja interlocutória, sentença ou acórdão que violar as obrigações acima dispostas, será impugnável. Desta forma, o NCPC enfatiza a garantia constitucional de a parte obter uma decisão fundamentada substancialmente. O que, de certa forma, leva a entender que, se o juiz precisa realizar a fundamentação analítica, as partes assim também o devem proceder, portanto, o advogado do autor não pode limitar a pretensão em juízo a apenas fazer a indicação, a reprodução ou a paráfrase da lei, da jurisprudência ou da 1 Retórica aqui usada na acepção de argumentação. 2 De cotejar as principais argumentações das partes e não apenas a que tem mais a ver com sua decisão. 3 Não apenas dizer a decisão, mas fundamentá-la e defendê-la, mostrar a relação entre causa e decisão. 4 BRASIL. Lei 13.105 de 16 de março de 2015: dispõe sobre o Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm .Acesso em: 03 jun. 2017. Magna Campos doutrina, sem explicar e/ou argumentar sua relação de causa com o caso concreto. Estabelecendo-se, desta forma o ônus argumentativo, entretanto, alguns autores, como é o caso Sivolella (2016) explicam que esse ônus refere-se aos argumentos relevantes à lide, mas não a todo e qualquer argumento apresentado. Assim, A ‘tridimensionalidade’ do contraditório busca elevar o papel do Juiz que concede a oportunidade de manifestação, ao Juiz que efetivamente considera as razões expendidas pelas partes na sua convicção, como meio de construção participativa da fundamentação das decisões judiciais, que remete, volto a dizer, à fundamentação ampla dos argumentos relevantes à resolução da lide, e não de ‘todo e qualquer’ argumento apresentado. Essa é a compreensão ‘segundo a Constituição’ que deve permear a fundamentação substantiva da sentença. (SIVOLELLA, 2016, 161) 5 Se aprender sobre argumentação e a argumentar adequadamente já era desejável aos estudantes e necessário aos profissionais do direito, pós NCPC, isso se torna pré-requisito indispensável. O conhecimento jurídico propriamente dito representa, então, uma série de informações que se encontram à disposição do argumentante, mas elas por si mesmas não garantem a capacidade de persuasão. Informações puras não se combinam, não fazem ninguém chegar a conclusão alguma, a não ser que sejam intencionalmente dirigidas, articuladas para convencer alguém a respeito de algo. (RODRÍGUEZ, 2005, p. 6) 6 Neste sentido, o estudo da argumentação via lógica clássica, além de outros elementos pertencentes à teoria e prática argumentativa7, tem muito a contribuir para a formação do profissional da área. Raciocínio lógico demonstrativo X Raciocínio lógico dialético Ao contrário das ciências exatas, o Direito, por pertencer às ciências sociais, não é uma ciência demonstrativa, como muitos tentam reduzi-lo. O sistema jurídico não é demonstrativo, mas dialético e, por isso mesmo, retórico. Por isso, a afirmativa positivista que já se tornou lugar comum de que: CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS, é uma tentativa de apagar o papel argumentativo e dialético presente no direito. Pois CONTRA FATOS, HÁ SIM A POSSIBILIDADE DE ARGUMENTAR, afinal os argumentos existem para confrontar e refutar coisas, inclusive fatos. Os que assumem essa falácia entendem que o fato “fala por si mesmo”, reduzindo o papel do profissional do direito apenas ao de descrevê-lo tal como ele é, sem tirar, nem pôr. Todavia, o Direito não se reduz à descrição, mas é essencialmente, uma área da argumentação e da dialeticidade. Por exemplo: uma folha de antecedentes criminais do réu juntada aos autos de um processo constituiu uma informação, assim como um livro de doutrina jurídica representa também um conteúdo informativo denso em 5 SIVOLELLA, Roberta Ferme. A sentença e a fundamentação substantiva no novo CPC. Revista Fórum Trabalhista, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 153-163, jan./mar. 2016. 6 RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 7 Convencer, persuadir, manipular, argumentação falaciosa, argumentação não falaciosa, sistema retórico dentre outros, por exemplo. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 4 relação a um caso concreto que se pretenda defender. Eles não têm função autônoma para alterar o resultado de um processo judicial qualquer, a não ser que sejam invocados como razão, intencionalmente, por um trabalho de raciocínio: a folha de antecedentes, revelando primariedade do acusado, pode convencer o juiz a aplicar-lhe uma pena no mínimo legal, assim como uma citação de um trecho do livro da doutrina jurídica pode convencer a respeito de determinada tese, explicada e defendida por uma reconhecida autoridade no campo do Direito. Em ambos os casos, à informação foi aplicada um raciocínioargumentativo, e somente a partir disso ela passou a surtir um efeito prático. (RODRÍGUEZ, 2005, p. 7) Entretanto, a parte contrária do processo pode trabalhar essas mesmas informações para refutá-las, combatê-las ou enquadrá-las em outro discurso argumentativo, diminuindo-lhe ou mesmo anulando-lhe a importância. Por isso, o prof. Fábio Ulhôa (2004)8 afirma que em lugar do raciocínio demonstrativo, o que predomina no sistema jurídico é o raciocínio dialético e o raciocínio argumentativo, ou seja, lados diferentes apresentam visões diferentes e com base nelas formulam argumentações distintas, sobre as quais alguém tem que decidir qual a mais razoável, qual a mais plausível, portanto, qual a mais verossímil. Diferentemente, do raciocínio lógico demonstrativo que é analítico e fundado numa verdade absoluta, sem espaço para o contexto e para a dialética. Assim, a argumentação em lugar da demonstração. Argumento e verdade Perelman e Tyteca na obra Tratado da argumentação: a nova retórica, demonstram uma teoria da argumentação ou da retórica contra o racionalismo (Descartes), nela os autores desenvolvem a sua teoria (contra o racionalismo) esforçando-se por valorizar o verossímil relativamente ao necessário e por destacar a importância das opiniões por comparação com os fatos. Assim, as premissas no raciocínio jurídico não são propriamente dadas, mas escolhidas. O orador que as elege (advogado, promotor, juiz) deve, de início, buscar compartilhá-las com seu auditório (juiz, júri, tribunal, opinião pública etc.). Desta forma, por exemplo, o promotor, no júri, descreve detalhadamente a cena do crime, com o intuito de despertar nos jurados a certeza da culpa do acusado. Se conseguir, essa terá sido a versão dos fatos que a prevalecer, mesmo que a realidade tenha sido eventualmente outra. A argumentação não visa à adesão a uma tese exclusivamente pelo fato de ser verdadeira. Pode-se preferir uma tese à outra por parecer mais equitativa, mais oportuna, mais útil, mais razoável, mais bem adaptada à situação. (PERELMAN, 1998, p. 156) 9 A argumentação preocupa-se, portanto, com o verossímil, ou seja, com o passível de verdade. Verossímil, segundo Citelli (1988, p. 14), "é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica”, ou seja, aquilo que é razoável, plausível e coerente. Mesmo o argumento demonstrativo, porém, no que concerne à discussão sobre verdade/verossimilhança, permite esta última porque a verdade material/real dos fatos é difícil de ser alcançada, mesmo com a utilização de argumentos ou raciocínios demonstrativos. E a argumentação pode relativizar essa verdade. Veja-se o caso adiante citado por Victor Gabriel Rodriguez: 8 ULHÔA, Fábio. Roteiro de lógica jurídica. São Paulo: Saraiva, 2004. 9 PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Magna Campos Conta-se que, em plenário do Júri, o Promotor de Justiça exibia aos jurados as provas processuais. Procurava convencer os jurados a respeito de sua tese. Mostrava a eles, com muita propriedade – argumentando -, que o laudo elaborado pela Polícia Técnica concluía que havia 99% de chance de que o projétil encontrado no corpo da vítima fatal houvesse sido disparado pelo revólver de propriedade do réu. Queria dizer que o réu não poderia, diante daquela prova concreta, negar a autoria do crime. Diante de tal fortíssimo argumento, a probabilidade matemática, o defensor, em tréplica, formulou aos jurados a seguinte retórica: “Suponhamos que eu tivesse um pequeno pote contendo cem balinhas de hortelã. E que eu, então, pegasse uma delas, tirasse do papel celofane que a envolve e, dentro dela, injetasse uma dose letal de veneno. Em seguida, que eu embrulhasse novamente o caramelo letal, colocasse dentro do pote com as outras 99 balinhas idênticas e misturasse todas. Teria algum dos jurados coragem para tirar do pote um caramelo qualquer, desembrulha-lo e saboreá-lo? Certamente não. Pois, se ninguém se arrisca à morte ainda que seja 99% de chance de apenas saborear um caramelo de hortelã, ninguém pode condenar o acusado, ainda que haja 99% de chance de haver disparado sua arma contra a vítima!”10 Lógica e Raciocínio lógico A Lógica dedica-se ao estudo rigoroso, sistemático, do raciocínio e, ao fazer isso, estabelece um instrumental útil a esta análise. No Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, André Lalande, menciona os seguintes significados para o termo lógica, do grego logiké: A. uma das partes da Filosofia: ciência que tem por objeto determinar, por entre todas as operações intelectuais que tendem para o conhecimento verdadeiro, as que são válidas e as que o não são. B. Maneira de raciocinar, tal como esta se exerce de fato. Diz-se algumas vezes, nesse sentido, lógica natural. C. Análise das formas e das leis do pensamento quer do ponto de vista racionalista e crítico, quer do ponto de vista experiencial e descritivo [...]. D. (oposto a ilogismo). Encadeamento regular e necessário quer das coisas, quer dos pensamentos [...]. Portanto, entende-se aqui que a lógica é uma área de estudo da forma de se estruturar operações intelectuais válidas. Em nosso dia a dia, e em nossos processos de análise e conclusões das situações vividas ou estudadas, empregamos, muitas vezes, sem sabermos nomear, formas de raciocínio lógico estruturadas conforme a relação de premissas e de conclusões. Todavia, é salutar distinguir o que será aqui denominado de Lógica Informal Clássica de Lógica Formal : 10 RODRÍGUEZ, 2005, p. 21-22. 1. Lógica informal: sistematizada a partir de Aristóteles (384-322 a.C)1, na Grécia Antiga, na obra intitulada Organon, e refere-se ao estudo das formas de estruturar a argumentação por meio do raciocínio lógico essencial para a distinção entre os raciocínios válidos (que seguem um padrão correto de pensamento) e inválidos (que não seguem um padrão correto de pensamento). Neste sentido, a Lógica foi concebida como um instrumento, como um meio para a análise e a compreensão dos raciocínios. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 6 A lógica informal considera uma série de elementos que abrangem o entendimento do que é raciocínio. A lógica investiga, por exemplo, o que é proposição, o que é premissa, o que é conclusão, o que é uma relação de consequência e, mesmo, o que é raciocínio. o propósito da Lógica é estudar um padrão básico de como se deve pensar, de como devem ser apresentados os raciocínios. Logo, o estudo desta unidade pode auxiliar você a melhor identificar o raciocínio; a construir raciocínios encadeados e coerentes; assim como lhe possibilite identificar e evitar os raciocínios dúbios e enganosos.11 2. Lógica formal: mais relacionada à matemática, é desenvolvida a partir do séc. XIX e contém a lógica formal como caso particular, está preocupada com símbolos e tabelas de verdade. Nela, são usados elementos tais como:12 Símbolos: Tabela de verdade: 11 SELL, Sérgio; MACHADO, Renato; PACHECO, Leandro. Lógica I. Palhoça: UnisulVirtual, 2011. 12 Não será aqui estudada. Para saber mais, consulte: Gyorgy Laszlo Gyuricza: Lógica da Argumentação. Magna Campos Raciocínio lógico Leia o trecho do conto O signo dos Quatro, com o famoso personagem Sherlock Holmes, para pensar no raciocínio lógico desenvolvido: Mas você falava há pouco de observação e lógica. Até certo ponto uma implica a outra, não é verdade? — Não, senhor. Só raramente — respondeu ele, recostando-se voluptuosamente na sua cadeira, e tirando do cachimbo finos anéis de fumaça azulada. — Por exemplo, a observaçãome mostra que você esteve esta manhã na agência postal da Wigmore Street, mas a lógica me faz saber que, ao chegar lá, expediu um telegrama. — Correto — exclamei. — Correto em ambos os pontos! Mas confesso não perceber como possa ter chegado a isso. Foi uma coisa que de repente me deu na telha, e não a mencionei a ninguém. — Pois é a própria simplicidade — afirmou ele, rindo da minha surpresa. Tão absurdamente simples que torna supérflua qualquer explicação. Contudo, pode servir para definir os limites da observação e da lógica. A observação me diz que você tem um pequeno torrão avermelhado preso à sola do sapato. Exatamente em frente à agência postal da Wigmore Street, abriram a calçada, deixando um pouco de terra no caminho, de forma que é difícil não pisá-la ao entrar. A terra é de um vermelho típico, que, até onde sei, não se encontra em qualquer outro lugar das redondezas. Tudo isso é observação. O resto é lógica. — Como deduziu, então, que mandei um telegrama? — Ora, evidentemente, eu sabia que não tinha escrito uma carta, uma vez que passei toda a manhã sentado à sua frente. Vejo, além disso, que há uma folha de selos na sua escrivaninha e um grosso maço de postais. Para que iria, então, à agência postal, senão para mandar um telegrama? Elimine todos os outros fatores, e o que restar deve ser a verdade. Questão: Como Sherlock chega às conclusões apontadas? Entendendo o raciocínio lógico No raciocínio lógico, o argumento é constituído de uma ou mais premissas e de uma conclusão delas extraída e de proposição. Para entender o que é premissa, é necessário antes relembrar o que é sentença/enunciado. Sentenças declarativas O advogado do caso é o Bruno Landel. O dia está quente. Marcos tem 05 anos. A aluna Rita mora em Mariana. Sentenças interrogativas Que horas são? Você tem estudado? Sentenças imperativas Faça o que quiser. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 8 Pare, por favor. Ajude-me. Sentenças exclamativas Que dia lindo! Ai, que sono! Observe as sentenças anteriores e perceba que as sentenças declarativas expressam um fato, um evento, uma situação ou episódio acerca do mundo e que nós podemos julgar como verdadeiro ou falso. São essas sentenças que formam as premissas: PREMISSA As premissas são formadas por sentenças declarativas, pois a premissa é uma sentença declarativa que compõe o raciocínio lógico e que podemos julgar como verdadeira (V) ou como falsa (F). Cada item que compõe o raciocínio lógico/ cada declaração ou razão apresentada no argumento para sustentar a conclusão. Podem ser: PM (premissa maior) e Pm (premissa menor). O outro elemento que compõe o raciocínio lógico é a conclusão. CONCLUSÃO é uma inferência lógica gerada a partir das premissas. Pode ser válida ou não. Geralmente, introduzida por termos como: então, logo, portanto... E ao conjunto formado pela(s) premissa(s) e conclusão, chama-se de proposição. PROPOSIÇÕES todo o conjunto de palavras (de caráter declarativo) que exprimem um pensamento de “sentido completo” lógico ou ideia, mais a conclusão lógica dele extraída. As premissas podem ser classificadas como: Premissa maior (PM): caráter universal, geral, amplo. Premissa menor (Pm): caráter particular, restrito, singular. Exemplo 01 de raciocínio lógico: Premissa Premissa Conclusão Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. PM Pm C Atenção: A validade e a não validade são propriedades dos argumentos. A verdade e a falsidade são propriedades premissas. Magna Campos Tipos de raciocínio lógico No raciocínio lógico, um argumento é constituído por uma proposição, ou seja, uma conclusão e as premissas que devem apoiá-la. Definição, portanto: um conjunto de declarações, uma das quais é a conclusão e as outras são premissas, no qual as premissas devem apoiar a conclusão. O argumentador poderá valer-se de raciocínios lógicos dedutivo, indutivo, silogístico e sofismático (este último é uma falha do raciocínio lógico e deverá, portanto, ser evitado) por meio dos quais poderá desenvolver seu raciocínio e, assim, persuadir ou convencer seu interlocutor. Raciocínio lógico dedutivo O raciocínio lógico dedutivo: é uma inferência que parte da premissa maior para a(s) premissa(s) menor(es), produzindo dessa relação uma inferência lógica. Considera-se que um raciocínio é dedutivo quando, a partir de determinadas afirmações (premissas) aceitas como verdadeiras, o argumentador chega a uma conclusão lógica sobre uma dada questão discutida no processo. A aceitação da conclusão depende das premissas: se elas forem consideradas verdadeiras, a conclusão será verdadeira. Podem assumir duas estruturas: PM Pm C PM Pm1 Pm2 ... C Exemplo 1: PM. Todos os mamíferos têm coração. Pm. Todos os cachorros são mamíferos. C. Logo, todos os cachorros têm coração. Exemplo 2: PM. A lei brasileira pressupõe que toda pessoa que matar alguém, salvo em legítima defesa, deve ser punida. Pm. Ora, José Carlos matou alguém e não foi em legítima defesa. C. Logo, José deve ser punido, conforme previsão legal. Exemplo 3: PM. A Empresa Samarco S.A colocou todos os funcionários em sistema de layouff Pm1.José trabalha na Samarco. Pm2. Cláudio trabalha na Samarco. C. Portanto, José e Cláudio estão no sistema de layouff. Resumindo: um argumento dedutivamente válido é aquele em que é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 10 ANÁLISE DE CASO JURÍDICO 01: José Carlos dos Santos foi flagrado em blitz da polícia rodoviária federal, no último dia 28/05/2015, na BR 040, quando dirigia seu caminhão com fita adesiva encobrindo as letras da placa, a fim de se furtar da responsabilidade por multas e para dificultar a fiscalização em pedágios. O caminhoneiro confessou que fazia isso há 02 anos, ensinado por outros colegas de profissão que, cansados de perderem pontos na carteira e de pagarem multas e pedágio, adotaram a tática ilegal. O mais incrível é que, não bastasse o flagrante mencionado, 15 minutos após pararem José Carlos dos Santos, seu filho, Washington Assunção dos Santos, que viajava pouco atrás do pai pela mesma rota (vindo de Manhuaçu com destino a Petrópolis-RJ), foi parado na mesma blitz e seu caminhão também apresentava a placa adulterada. A polícia federal afirma que vários motoristas, especialmente, caminhoneiros encobrem os dados da placa para manterem na impunidade as condutas ilegais praticadas, tais como: excesso de velocidade, ultrapassagem em local proibido, “furo” de pedágios sem pagamento, dentre outras. O agente federal ensina que as placas de um automóvel são sinais identificadores externos do veículo, obrigatórios, conforme dispõe o Código de Trânsito Brasileiro. Ainda, conforme art. 115 do referido código, a adulteração de placas não pode ser considerada mera infração administrativa e deverá ser julgada pelo Código Penal como crime, pois, em sendo a finalidade precípua da norma a autenticidade dos sinais identificadores dos veículos automotores, a potencialidade lesiva mostra-se evidente na coisa mesma, podendo acarretar a pena de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Atividade) Coloque-se no lugar do promotor de justiça, ou seja, daquele que acusa. a) Com base no caso apresentado abaixo, elabore dois Raciocínios Lógicos válidos do tipo Dedutivo, que apresentem a seguinte estrutura: PM, Pm, C. b) Com base no caso apresentado abaixo, elabore um Raciocínio Lógico válido do tipo Dedutivo, que apresente a seguinte estrutura: PM, Pm1, Pm2, C. NoRaciocínio Lógico elaborado, deverá apresentar antes de cada uma das proposições, ou seja, de cada item, a sigla correspondente (se é PM, Pm1, Pm2 ou C.). Magna Campos Raciocínio lógico indutivo Antes de se tratar teoricamente do raciocínio indutivo, leia o conto O Cão e o Cavalo, de Voltaire, no anexo I deste fascículo. O raciocínio lógico indutivo: quando se parte do particular (Pm) para o geral (PM), ou apenas do conjunto de particulares se extrai uma conclusão lógica. Caracteriza- se essencialmente por apresentar conclusões provavelmente verdadeiras e não necessariamente verdadeiras. Muitas vezes, parte de indícios, evidências para gerar uma conclusão. Pode assumir as seguintes estruturas: Pm PM C Pm1 Pm2 Pm3 ... C Pm1 Pm2 ... PM C Exemplo 1: Pm. Aqui temos um cão. PM. A maioria dos cães são amigáveis. C. Então, este cão é provavelmente amigável Exemplo 2: Pm. Há uma Lei Municipal que impede a criação de centros de Umbanda em Itabira. PM. A Constituição Federal afirma que toda lei que limite a liberdade religiosa deve ser considerada inconstitucional. C. Sendo assim, a Lei Municipal de Itabira que impede a criação de centros de Umbanda deve ser considerada inconstitucional. Exemplo 3: Pm1.Vi um cisne branco no lago Pm2.Vi dois cisnes brancos no lago Pm 3. Vi três cisnes brancos no lago. C. Logo, todos os cisnes no lago devem são brancos. (conclusão) Exemplo 4: Pm1. Célio está se bacharelando em Direito. Pm2. Carmen está se bacharelando em Direito. PM. Estudos da FGV mostram que bacharéis em Direito têm mais oportunidade de emprego que a média dos bacharéis no Brasil. C. Sendo assim, Célio e Carmem, provavelmente, terão mais oportunidade de emprego que a média dos bacharéis. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 12 ESTUDO DE CASO JURÍDICO 02: Luís Fernando de Oliveira foi flagrado pela polícia rodoviária, no dia 21/07/2016, às 10h da manhã, dirigindo seu veículo sem os faróis acesos. A Lei 13290/2016, decretada pelo Congresso Nacional em 13 de maio de 2016, dispõe que, a partir de 08 de julho de 2016, “todos os carros devem andar com os faróis baixos acesos, mesmo durante o dia, em rodovias brasileiras”, justificando-se que o uso do farol baixo, diminuiria a quantidade de acidentes no trânsito. O valor desta infração e de R$ 85, 12 reais e acrescenta 04 pontos na carteira, considerando-se uma infração média. Entretanto, a Justiça Federal em Brasília, em decisão liminar, proibiu em 02/09/2016 os órgãos de fiscalização de aplicarem multas a motoristas que dirigirem em rodovias com faróis desligados durante o dia, até que ocorra a correta sinalização das rodovias brasileiras. A alegação é de que os estados brasileiros não apresentam placas devidamente colocadas, delimitando o que é rodovia, estrada e apenas uma rua simples. Cabe, assim, ao motorista que se sentir penalizado e recebeu multa desde que a lei supramencionada entrou em vigor, recorrer ao DETRAN para legalizar sua situação. Atividade) Com base no caso jurídico real acima, elabore: a) Um Raciocínio Lógico válido do tipo Indutivo, que apresente a seguinte estrutura: Pm, PM, C. b) Um Raciocínio Lógico válido do tipo Indutivo, que apresente a seguinte estrutura: Pm1, Pm2, PM, C. No Raciocínio Lógico elaborado, deverá apresentar antes de cada uma das proposições, ou seja, de cada item, a sigla correspondente (se é PM, Pm1, Pm2 ou C.). Magna Campos O silogismo: é um tipo de argumento composto de três proposições: duas premissas (maior e menor) e uma conclusão, nesta ordem. É um tipo específico de raciocínio lógico dedutivo. PM Pm C De acordo com Paiva (2011, p. 88)13, “o raciocínio jurídico, em regra, desenvolve-se por meio de um silogismo: a sentença é a conclusão que decorre da lei (premissa maior) aplicada ao fato concreto (premissa menor)”. (PM (lei geral), Pm (caso particular), C (decisão)) Exemplo 01: PM: Pelo direito brasileiro, todos são considerados inocentes até prova em contrário. Pm: Ora, não conseguiram provar nada contra o ex-funcionário acusado. C: Logo, ele será considerado inocente. Exemplo 02: PM. O Código Penal estabelece punição para o motorista que for flagrado dirigindo sob a influência do álcool. Pm. João foi flagrado em uma blitz dirigindo sob a influência de álcool. C. Portanto, pelo estabelecido na lei, João deverá ser punido legalmente. Exemplo 03: PM. Quem age em legítima defesa não comete crime. Pm. Joaquim agiu em legítima defesa. C. Logo, Joaquim não cometeu crime. 13 PAIVA, Marcelo. Português jurídico. [S.L]: AVM Instituto, 2011. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 14 ESTUDO DE CASO JURÍDICO 03: Proibição de tatuagem a candidato de concurso público – julgado em 17/08/2016 (com base no Recurso Extraordinário 898.450, julgado pelo STF) Henrique Lopes Carvalho da Silveira interpôs Recurso Extraordinário em face da decisão do Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de Pessoal da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em 2014, por tê-lo excluído de concurso público para o preenchimento de vagas de Soldado PM de 2ª Classe do referido ente da federação. Alega que sua desclassificação se deu pelo fato de que, na etapa do exame médico, foi constatado que possui uma tatuagem tribal de grande dimensão em sua perna esquerda, que, segundo o centro de seleção mencionado, estaria em desacordo com as normas do edital do concurso. A entidade asseverou, na oportunidade da eliminação, que o edital estabeleceu, de forma objetiva, os parâmetros para que fossem admitidos candidatos que ostentassem tatuagens, aos quais o apelado não se enquadraria. Em julgamento, ocorrido no Supremo Tribunal Federal, em 17/08/2016, o relator do processo, Ministro Luiz Fux, decidiu que “editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. Por isso, a eliminação do candidato deve ser considerada inconstitucional”. A decisão foi tomada em respeito ao artigo 37, I da Constituição da República, que, expressamente, impõe que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei” revela-se inconstitucional toda e qualquer restrição ou requisito estabelecidos em editais, regulamentos, portarias, se não houver lei dispondo sobre a matéria, ferindo assim, os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Atividade) Com base no caso jurídico apresentado, elabore um silogismo jurídico: PM, Pm, C. ESTUDO DE CASO JURÍDICO 04: Cassio processou o seu pai Modesto alegando que ele sempre foi um pai omisso, o que lhe trouxe abalos psicológicos consideráveis. Em razão disso, requereu indenização por danos morais em razão do abandono afetivo. Em sua resposta, o pai alegou que o amor não pode ser uma obrigação jurídica e que, da sua parte, sempre procurou dar ao filho o suporte material e psicológico necessário. Alegou igualmente que o filho nunca o amou e nunca o tratou com carinho. Por fim, sustentou que o filho não comprovou nenhum tipo de abalo psicológico e que, ainda que estivesse falando a verdade, o direito não pode obrigar ninguém a amar e muito menos substituir o amor por uma indenização em dinheiro. Em sua réplica, Cassio argumentou que o pai realmente lhe dava amparo material, mas insistiu na tese da ausência de suporte afetivo e psicológico, afirmando que os transtornos psicológicos decorrentes desse tipo de situação são óbvios e não precisam de prova específica. Alegou também que a indenização,nesses casos, têm um caráter punitivo e pedagógico, a fim de dar uma resposta a um comportamento não admitido pelo direito. Atividade) Com base no caso jurídico apresentado, elabore um silogismo jurídico: PM, Pm, C. Magna Campos Sofismas14: São argumentos válidos apenas na aparência, formulados com ou sem o propósito de induzir a erro. O sofisma pressupõe um processo de argumentação formalmente correto com o qual se consegue chegar a uma tese evidentemente falsa ou inválida. Erro lógico. ATENÇÃO: NÃO CONFUNDIR SOFISTAS COM SOFISMAS!!! Exemplo 1: Saddam: Em 1990 invadiu outro país sem autorização da ONU por causa do petróleo. Em 2004, está preso e sendo julgado por crimes de guerra e contra a humanidade. Bush: Em 2002 invadiu outro país sem autorização da ONU por causa do petróleo. Em 2004, foi reeleito presidente dos Estados Unidos da América. Conclusão: O mundo trata melhor quem fala inglês. (Propaganda do CNA- Escola de Idiomas) Exemplo 2: Deus é amor. O amor é cego. Stevie Wonder é cego. Logo, Stevie Wonder é Deus! Exemplo 3: Disseram-me que eu sou ninguém. Ninguém é perfeito. Logo, eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito. Portanto, eu sou Deus. Se Steve Wonder é Deus, eu sou Steve Wonder!! Meu Deus, então eu estou cego!!! Exemplo 4: Quando bebemos álcool em excesso ficamos bêbados. Quando estamos bêbados, dormimos. Enquanto dormimos, não cometemos pecados. Se não cometemos pecados, vamos para o céu. Conclusão: para ir para o céu devemos viver bêbados. Exemplo 5: Hoje em dia, os trabalhadores não têm tempo para nada. No entanto, sabemos que os vadios têm todo o tempo do mundo. Tempo é dinheiro. Portanto, os vadios têm mais dinheiro que os trabalhadores. Conclusão: para ser rico não precisa trabalhar. Exemplo 6: 14 Exemplos retirados e adaptados de: http://www.paralerepensar.com.br/silogismos.htm. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 16 Você é o que veste. Você é o que tem. Você é o lugar que mora. Você é o que come. Você é o que você compra. Conclusão: Não importa quem você é, mas o que é! Magna Campos ESTUDO DE CASO JURÍDICO 05: Associação Brasileira de Proteção aos Animais x Laboratório LIFE A Associação Brasileira de Proteção aos Animais, fundada há mais de 20 anos, ingressou com ação civil pública contra o Laboratório LIFE, requerendo a imediata extinção de todos os testes com animais e a consequente liberação de todos os bichos mantidos presos para esse fim. Argumenta que os animais são sujeitos de direitos e, nessa condição, têm direito a uma vida digna, especialmente no que se refere aos mamíferos. Citou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. O Laboratório LIFE, em sua defesa, argumentou que os animais, no direito brasileiro, não são sujeitos de direito, mas sim objetos, motivo pelo qual podem ser sacrificados em nome do bem estar humano. Argumenta que a extinção geral dos testes com animais é desarrazoada, especialmente no seu caso, que produz medicamentos - e não cosméticos ou outros produtos não essenciais para a saúde humana - e toma o cuidado de se utilizar apenas de testes indolores, nos quais os animais são anestesiados desde o início do procedimento. Atividade: com base no caso, coloque-se: 1) no papel de acusação, e elabore: a) Um raciocínio lógico dedutivo e gere uma conclusão válida dele. b) Um raciocínio lógico indutivo e gere uma conclusão válida dele. 2) no papel da defesa, e elabore: a) Um raciocínio lógico dedutivo e gere uma conclusão válida dele. b) Um raciocínio lógico indutivo e gere uma conclusão válida dele. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 18 Lógica jurídica A argumentação opera no sentido de convencer e/ou persuadir uma ou mais pessoas sobre determinado tema ou ideia e pode ser utilizada em qualquer área do saber. Contudo, diferentemente das ciências exatas, a argumentação jurídica não trabalha com verdades irrefutáveis, mas versões de um fato ou axioma que se encaixem nos interesses do orador. O Direito, ao contrário das disciplinas lógicas e matemáticas, não oferece premissas imutáveis, uma vez que é impossível catalogar todas as interações humanas passíveis de sua tutela. Assim, as ciências jurídicas se apoiarão em normas orientadoras, jurisprudências, balizadores de conduta e presunções jurídicas (comportamentos/ideias aceitos pela comunidade) para orientar e balizar os argumentos a serem produzidos. E neste contexto, Rodríguez (2005) reforça que o fator de persuasão mais válido é o raciocínio jurídico usado tanto na interpretação normativa quanto na análise das provas. E esse raciocínio jurídico depende dos argumentos para ser exteriorizado. Neste sentido, os profissionais do direito podem recorrer ao silogismo jurídico para uma estruturação lógica do raciocínio, buscando apresentar coerência de qualidade entre os fatos, as premissas legais ou valores de conduta e a necessidade de amparo jurídico. Partindo destas premissas norteadoras, o orador, como ensina Voese (2006), pode se valer da lógica jurídica que está prevista em três etapas. No primeiro momento, conhecido como premissa maior, o orador deverá demonstrar a coerência entre a lei, jurisprudência ou presunções jurídicas e a versão de um fato que se deseja acusar ou defender. É essencial, que o argumentador discurse de forma abrangente, para que as próximas fases sejam alocadas no contexto que se propõe argumentar. Quando tal premissa não toma a lei como referência, mas um valor instituído na sociedade, o orador terá que convencer a plateia de que o entendimento apresentado é aceito pelo coletivo e que existe verossimilhança no que foi exposto. Esse recurso dialoga com o do enquadramento do discurso argumentativo proposto de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). Vale lembrar que a utilização de mecanismos legais (lei, jurisprudência ou presunções jurídicas) facilita a sustentação da tese, porquanto, já é um instituto consolidado. Porém, não garante o sucesso da argumentação, que será construído nas próximas etapas. A segunda fase, conhecida como coesão, é o momento da argumentação jurídica em que o objetivo é apresentar elementos que contextualizem o ato e sustentem a tese. Para isso, o argumentador poderá recorrer a provas e indícios que julgar importantes na construção da verossimilhança e referência legal. É importante salientar que todos os meios de provas estão submetidos à heterogeneidade social e referencial, ou seja, podem ser avaliados de acordo com as ideias pré-concebidas do orador e do juiz. Além disso, devem obedecer as normas e presunções, pois serão classificados por sua qualidade e efeitos legais. Por fim, a terceira etapa, corresponde ao fechamento do raciocínio lógico. Nesse ponto, o orador justificará a necessidade de uma decisão legal sobre o conflito que se apresenta. Ressaltemos que a argumentação preocupa-se com o verossímil, ou seja, com a versão mais coerente e plausível e não propriamente com a verdade. Afinal, não podemos esquecer que para compreender a argumentação deve-se abandonar o conceito binário de certo/errado. No Direito concorrem teses diferentes, e não necessariamente existe uma verdadeira e outra falsa. O que existe é, no momento da decisão, uma tese mais convincente que as demais. (RODRÍGUEZ, 2005, p. 13) Magna Campos As versões das partes não se preocupam tanto com a verdade, mas, sim, em garantir que uma determinada tese, na qual sempre se encontram embutidos interesses e valores, prepondere sobre a outra. Desta forma, o argumento “antes de ser um modo de comprovação da verdade, é apenas um elemento linguístico destinado à persuasão”.(RODRÍGUEZ, 2005, p. 23) Por isso, a argumentação jurídica serve como critério de razoabilidade, tal qual ensina Asensi (2010), uma vez que no contexto argumentativo não se parte da existência de verdades, assim, em condições normais, sem uso de má fé de uma das partes, o argumento que prepondera é o argumento mais razoável, é aquele que consegue maior adesão dos interlocutores. Esse critério substitui o critério de verdade e valoriza a dialeticidade. A partir desse ponto, o magistrado, atendo-se às normas e interpretando as versões dos fatos apresentados, produzirá justiça no sentido pleno, ou pelo menos, impedirá ou minimizará uma possível injustiça. 2.2. Principais características Dentre as principais características da argumentação jurídica estão: incorporação de outros campos do saber; o conhecimento do outro e das circunstâncias; evitar prejulgamento e realizar justificativas razoáveis e organização racional de ideias, como explicita Asensi (2010). A incorporação de outros campos de saber refere-se ao fato de, na argumentação jurídica, não bastar o apoio exclusivo nas questões sobre o Direito. A incorporação de conhecimento de outros campos do saber leva ao exercício da interdisciplinaridade, o qual é essencial para o sucesso da argumentação, tendo em vista que uma boa argumentação consegue articular de forma convincente e persuasiva aspectos culturais, sociológicos, políticos, jurídicos, linguísticos etc. Por isso, “a argumentação jurídica convincente clama incessantemente pela interdisciplinaridade”. (ASENSI, 2010, p. 27). Também é importante, sempre que possível, que o orador conheça seus interlocutores e as circunstâncias/contexto em que o argumento é utilizado. Pois só assim, é possível adequar os argumentos para incorporação dos interlocutores e compreensão dos contextos, garantindo mais eficácia da comunicação e da argumentação. Em matéria de argumentação, é preciso ter ciência que todo argumento é contingente, pois são passíveis de contestação, de problematização, de contraposição com a realidade. assim, evitar prejulgamentos é essencial para o conhecimento do outro e para identificar problemas, insuficiências e fraquezas dos argumentos que lhe são apresentados e, sobretudo, de seus próprios argumentos. É preciso um distanciamento para poder analisar argumentos e criticá-los de forma mais eficiente, rigorosa e racional, de modo a ampliar a adesão dos interlocutores à ideia. Ao se realizar o prejulgamento acerca do interlocutor, sufoca-se a possibilidade de conhecê-lo efetivamente e, assim, de adequar a argumentação às suas especificidades e circunstâncias. (ASENSI, 2010, p. 30) Proceder com justificativas razoáveis e bem fundamentadas é outra característica a ser perseguida pela boa argumentação. Argumentação Jurídica: Lógica e Raciocínio Lógico 20 ANEXO I: CONTO – O CÃO E O CAVALO - VOLTAIRE Zadig reconheceu que o primeiro mês do casamento é mesmo, como está escrito no Zenda, a lua-de-mel, e que o segundo é a lua-de-fel. Viu-se dentro em pouco obrigado a repudiar Azora, que se tornara dificílima de trato, e buscou refúgio no estudo da natureza. "Ninguém pode ser mais feliz", dizia ele, "do que um filósofo que lê nesse grande livro colocado por Deus ante nossos olhos. É dono das verdades que descobre; alimenta e eleva a alma; vive tranquilo; nada teme dos homens, e a sua extremosa mulher não lhe vem cortar o nariz". Penetrado dessas ideias, retirou-se para uma casa de campo à margem do Eufrates. Ali, não se preocupava ele em calcular quantas polegadas de água corriam por segundo sob os arcos de uma ponte, ou se caía mais uma linha cúbica de chuva no mês do rato do que no mês do carneiro. Não planejava fabricar seda com teias de aranha, nem porcelana com cacos de garrafa; mas dedicou-se principalmente ao estudo dos animais e das plantas, adquirindo em breve uma agudeza que lhe desvendava mil diferenças onde os outros não viam mais que uniformidade. Ora, estando um dia a passear pelas proximidades de um bosque, acorreu-lhe ao encontro um eunuco da rainha, seguido de vários oficiais que demonstravam a maior inquietação e vagavam de um lado para outro, como pessoas desorientadas que houvessem perdido a maior preciosidade deste mundo. - Jovem - disse-lhe o primeiro eunuco -, não viste o cão da rainha? - É uma cadela, e não um cão - respondeu Zadig discretamente. - Tens razão - tornou o primeiro eunuco. - É caçadeira, e por sinal que muito pequena - acrescentou Zadig. - Deu cria há pouco; manqueja da pata dianteira esquerda e tem orelhas muito compridas. - Viste-a então? - perguntou o primeiro eunuco, esbaforido. - Não - respondeu Zadig -, nunca a vi na minha vida, nem nunca soube se a rainha tinha ou não uma cadela. Ao mesmo tempo, por um comum capricho da sorte, sucedeu escapar-se das mãos de um cavalariço o mais belo exemplar das cavalariças do rei, extraviando-se nos campos de Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros oficiais corriam à sua procura com mais inquietação do que o primeiro eunuco em busca da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se acaso não vira o cavalo do rei. - É - respondeu Zadig - o cavalo de melhor galope; tem cinco pés de altura e os cascos pequenos; a cauda mede três pés e meio de comprimento; o freio é de ouro de vinte e três quilates; e as ferraduras de prata de onze denários. - Que direção tomou ele? Onde está? - perguntou o monteiro-mor. - Não o vi - respondeu Zadig -, nem nunca ouvi falar nele. O monteiro-mor e o primeiro eunuco não tiveram mais dúvidas de que Zadig houvesse roubado o cavalo do rei e a cadela da rainha; levaram-no perante a assembleia do grande desterham, que o condenou ao knut e a passar o resto da vida na Sibéria. Mal se encerrara o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela. Viram-se os juízes na dolorosa obrigação de reformar sua sentença; mas condenaram Zadig a desembolsar quatrocentas onças de ouro, por haver dito que não vira o que tinha visto. Primeiro foi preciso pagar a multa; depois lhe concederam licença para se defender perante o conselho do grande desterham. Zadig falou nos seguintes termos: Magna Campos - Estrelas de justiça, abismos de ciência, espelhos da verdade, Ó vós que tendes o peso do chumbo, a dureza do ferro, o fulgor do diamante e tanta afinidade com o ouro! Já que me é dado falar perante esta augusta assembleia, juro-vos por Orosmade que jamais vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos reis. Eis o que me aconteceu. Passeava eu pelas cercanias do bosque onde vim a encontrar o venerável eunuco e o ilustríssimo monteiro-mor, quando vi na areia as pegadas de um animal. Descobri facilmente que eram as de um cão pequeno. Sulcos leves e longos, impressos nos montículos de areia, por entre os traços das patas, revelaram-me que se tratava de uma cadela cujas tetas estavam pendentes, e que portanto não fazia muito que dera cria. Outras marcas em sentido diferente, que sempre se mostravam no solo ao lado das patas dianteiras, denotavam que o animal tinha orelhas muito compridas; e, como notei que o chão era sempre menos amolgado por uma das patas do que pelas três outras, compreendi que a cadela de nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim me ouso exprimir. Quanto ao cavalo do rei dos reis, seja-vos cientificado que, passeando eu pelos caminhos do referido bosque, divisei marcas de ferraduras que se achavam todas a igual distância. "Eis aqui", considerei, "um cavalo que tem um galope perfeito." A poeira dos troncos, num estreito caminho de sete pés de largura, fora levemente removida à esquerda e à direita, a três pés e meio do centro da estrada. "Esse cavalo", disse eu comigo, "tem uma cauda de três pés e meio, a qual, movendo-se para um lado e outro, varreu assima poeira dos troncos." Vi debaixo das árvores, que formavam um dossel de cinco pés de altura, algumas folhas recém-tombadas, e concluí que o cavalo lhes tocara com a cabeça, e que tinha, portanto, cinco pés de altura. Quanto ao freio, deve ser de ouro de vinte e três quilates: pois ele lhe esfregou a parte externa contra certa pedra que eu identifiquei como uma pedra de toque. E, enfim, pelas marcas que as ferraduras deixaram em pedras de outra espécie, descobri eu que era prata de onze denários. Todos os juízes pasmaram do profundo e sutil discernimento de Zadig, o que logo chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se falava em Zadig nas antecâmaras, na câmara e no gabinete; e, embora vários magos opinassem que o deviam queimar como feiticeiro, ordenou o rei que lhe restituíssem as quatrocentas onças de ouro em que fora multado. O escrivão, os meirinhos, os procuradores compareceram em grande pompa à presença de Zadig, para lhe entregar as suas quatrocentas onças; apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do processo, e os seus ajudantes reclamaram gratificação. Zadig compreendeu como era, às vezes, perigoso ser demasiado sábio, e jurou consigo que, na próxima ocasião, nada diria do que acaso houvesse testemunhado. Essa oportunidade não se fez esperar. Um prisioneiro de Estado, que fugira, passou pelas janelas de sua casa. Zadig, interrogado, nada respondeu; mas provaram-lhe que ele olhara pela janela. Foi multado, por esse crime, em quinhentas onças de ouro, e ele agradeceu a indulgência dos juízes, segundo o costume de Babilônia. "Como é lamentável, meu Deus," dizia ele consigo, "ir a gente passear num bosque por onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Que perigoso chegar à janela! E que difícil ser feliz nesta vida!" Tradução de Mário Quintana
Compartilhar