Buscar

TEORIA DO PODER CONSTITUINTE

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

4.TEORIA DO PODER CONSTITUINTE
4.1. Conceito
Entende-se por poder constituinte o poder de elaborar uma Constituição. Se o direito que corporifica a sociedade estatal tem existência em documento a que denominamos Constituição, poder constituinte é justamente a manifestação soberana da vontade política de um povo, social e juridicamente organizado, da qual promanam as normas constitucionais. [1: 	Celso Ribeiro Bastos, cit. opus, pág. 24.]
A questão da legitimidade, que se cobra das Constituições, "vem a ser a maior ou menor correspondência entre os valores e as aspirações de um povo e o constante da existente Constituição", não lhe bastando a legalidade formal.[2: 	Id., pág. 21.]
Lição de Burdeau, a que se reporta Celso Bastos, alude a três características essenciais do poder constituinte:[3: 	Georges Burdeau, Traité de science politique, 2ª ed., Paris, LGDJ, 1969, t.4, p. 184-5.]
É inicial. Poder algum existe antes ou acima dele; inaugura uma nova ordem jurídica.
É autônomo. Somente ao titular cabe decidir qual a ideia de direito prevalente no momento histórico e que estará consagrada na Constituição, moldando estrutura jurídica do Estado;
É incondicionado. Não se subordina a qualquer regra de forma ou fundo; não o rege o direito positivo do Estado. Não se submete a nenhum processo predeterminado para sua elaboração.
É ilimitado. Não se reporta à ordem jurídica anterior.
 4.2. Titularidade e Exercício do Poder Constituinte
O titular desse poder é o povo, coerente com a ideia da soberania do povo, podendo também ser o indivíduo ou o grupo (elite dirigente).
Exercente - que não pode ser confundido com a ideia de titular – é aquele que edita a Constituição, em nome do povo. O exercício do Poder Constituinte pode dar-se:
através de representantes populares eleitos, a comporem a Assembleia Constituinte, ou,
por meio da revolução (poder constituinte revolucionário), através de um grupo, sem manifestação direta do povo. Se exercido fora dos parâmetros da Constituição em vigor, juridicamente o grupo que assume o poder é usurpador. A revolução – caracterizada pela prevalência de um fundamento de validade diverso do do sistema jurídico positivo de um determinado Estado – pode decorrer de: b.1.) golpe de Estado, na hipótese de o poder constituinte ser usurpado por um governante; ou, b.2.) insurreição (‘revolução em sentido estrito’), se é realizada por um grupo ou movimento externo aos poderes constituídos). 
Classificação: Poder Constituinte Originário e Derivado
Originário (de elaborar nova Constituição)
 
Poder Constituinte 
 2.1.Reformador (promover alterações)
Derivado
 2.2.1. Inicial (C. Estad.)
 2.2. Decorrente
 2.2.2. Revisor 
Poder Constituinte Originário (ou inicial, inaugural)
Visa criar o Estado que, antes dessa manifestação, não existia. Surge um novo Estado a cada nova Constituição, diverso juridicamente, ainda que o mesmo do ponto de vista histórico ou geográfico. Dá-se o rompimento com a ordem jurídica anterior, de forma a invalidar a normatividade vigente. Assim, o Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, de 1937.
Poder Constituinte Derivado (ou constituído, ou reformador, instituído, secundário, ou de segundo grau)
O poder constituinte derivado é criado pelo poder constituinte originário. Pode o poder constituinte derivado desdobrar-se em: reformador e decorrente e, este último, em inicial e revisor, também chamado de reformador.
 4.3.2.1. Poder Constituinte Derivado Reformador 
O Poder Constituinte Originário, ao criar a Constituição, estabelece também a possibilidade de vir ela a ser reformada. A doutrina perquire qual a melhor rotulação - se poder constituinte ou competência reformadora. Através da reforma, criam-se novas normas de status constitucional. Não emanará diretamente da soberania popular, mas indiretamente. Essa competência, que se corporifica por meio de instrumento denominado emenda à Constituição (art. 60), é exercida pelo Congresso Nacional.
Características do Poder Constituinte Derivado
O Poder Constituinte Derivado, que segundo Alexandre de Moraes, consiste na possibilidade de alterar a Constituição, respeitada a regulamentação especial prevista nela própria, possui as seguintes características:[4: Opus Cit., pág. 53 e 54.]
Limitação. A própria Constituição vigente impõe limites à sua alteração, contemplando matérias imutáveis: as cláusulas pétreas, constantes do art. 60, § 4º);
Condicionalidade. A reforma constitucional fica condicionada a processo predeterminado. Ex: iniciativa (art. 60, I, II e III); quórum (art. 60, § 2º), dois turnos de votação (art. 60, § 2º), impossibilidade de reapresentação de projeto de emenda na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5º).
	 
 Limites Explícitos e Implícitos ao Poder de Reforma (vedações)
 Há outros limites, também chamados de vedações, ao Poder Constituinte Derivado. Podemos desdobrá-los em “explícitos” e “implícitos”. 
 
Limites explícitos ao Poder de reforma (vedações):
Limites materiais. As matérias petrificadas pelo art. 60, § 4º.
Limites circunstanciais. Não se pode aprovar emendas constitucionais em circunstâncias de intranqüilidade social ou política, o que se verifica, por exemplo, durante vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio (art. 60, § 1º).
Limites formais (processuais ou procedimentais). Há que se observar a competência para a propositura de projetos de emendas à Constituição, bem como os procedimentos a serem adotados, segundo expressa determinação do Texto Maior. Ex: Se o projeto de emenda vier a ser rejeitado, não poderá ser reapresentado na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5º). 
Pode-se dividir essas limitações em limitações formais em: 
c.1. Subjetivas, relacionando-as à competência para a propositura de emendas constitucinais (CF., art. 60, inc. I a III);
 c.2. Objetivas, referentes às fases do processo (discussão, votação, aprovação e promulgação). A discussão se dá em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, com necessidade de três quintos dos membros de cada Casa para a aprovação (CF, art. 60, § 2º).
Limites implícitos ao Poder de reforma (vedações). 
Representam limitação, decorrente do sistema, apesar de não virem explicitados:
proibição de modificação do processo de reforma estabelecida no art. 60, pelo Poder Constituinte Originário. Inadmissível que se flexibilizasse, facilitando, por exemplo, a iniciativa, ou o quorum, ou tornando apresentável o projeto rejeitado na mesma legislatura;
proibição da alteração do elenco de matérias contidas no art. 60, § 4º (cláusulas pétreas), intocáveis pela via da emenda.
4.3.2.2. Poder Constituinte Derivado Decorrente 
a) Inicial
Como espécie do poder constituinte derivado, emerge, ainda, o Poder Constituinte Decorrente (também chamado de ‘poder constituinte decorrente inicial’, ou ainda instituidor ou institucionalizador). Refere-se à possibilidade de os Estados-membros, em razão de sua autonomia político-administrativa, auto-organizarem-se através de suas Constituições Estaduais, observados os ditames da Carta Federal.[5: Segundo Marcelo Novelino, ‘in’ Direito Constitucional, 4ª edição, Editora Método, São Paulo: 2010, p. 76.]
Ensina-nos Luiz Alberto David Araújo que “o Poder Constituinte Decorrente nasce com o pacto federativo, que apresenta como uma de suas características a capacidade de auto-organização – por meio de Constituições próprias – das unidades federados”.
 Sendo espécie, como já dito, do poder constituinte derivado, o poder constituinte decorrente é igualmente marcado pela limitação e condicionamento. Em outras palavras,
a Constituição Estadual deverá restringir-se aos princípios contidos na Constituição Federal, devendo ainda obedecer o âmbito da competência constitucional reservada aos Estados-membros. Outro elemento condicionador é o constante do art. 11 do ADCT, que atribui esse poder às Assembléias Legislativas. 
 Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano nos lembram do princípio da simetria, “segundo consolidada formulação jurisprudencial, determina que os princípios magnos e os padrões estruturantes do Estado, segundo a disciplina da Constituição Federal, sejam, tanto quanto possível, objeto de reprodução simétrica nos textos das Constituições estaduais; em outras palavras, os paradigmas traçados pela Constituição Federal devem ser seguido pela Carta Estadual”. 
 O poder constituinte decorrente é um poder de direito, secundário, limitado e condicionado (CF, art. 25). Celso Ribeiro Bastos defende que esse poder não pode ser considerado como constituinte, em vista das diferenças com o poder constituinte propriamente dito. Anna Cândida da Cunha Ferraz defende posicionamento contrário.[6: Anna Cândida da Cunha Ferraz, ‘in’ Poder Constituinte do Estado-membro, p. 58-65. S. Paulo, RT, 1979. ]
 E ao município, erigido a componente do Estado Federal, toca-lhe o poder constituinte derivado decorrente em seu âmbito? A resposta, contida no art. 29 da Constituição Federal, é negativa. Cabe ao município elaboração de mera Lei Orgânica, e não de constituição municipal, a cargo de seu órgão legislativo, a Câmara dos Vereadores, à qual não foi conferido poder constituinte.
b) Revisor
Como espécie do poder constituinte derivado decorrente, além do “inicial”, há também o “revisor”, ou “de revisão estadual” (de 2º grau), que tem a função de promover as reformas na Constituição Estadual. 
PODER CONSTITUINTE DECORRENTE E PRINCÍPIOS LIMITATIVOS. CLASSIFICAÇÃO
Referente ao tema do Poder Constituinte Derivado Decorrente, determina o art. 25, “caput”, da CF, que “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Através desse comando, resta claro o caráter de derivação e vinculação do poder decorrente em relação ao originário. Em outras palavras, a despeito de os Estados serem dotados de capacidade de auto-organizarem-se, devem observaras regras para tanto estabelecidas pelo poder constituinte originário.
O mencionado dispositivo constitucional condiciona essa auto-organização dos Estados também “aos princípios desta Constituição”. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, são limites à manifestação do poder constituinte derivado decorrente: 
os princípios constitucionais sensíveis, 
os princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios) e 
os princípios constitucionais extensíveis”. 
Eis, transcrita, a lição de Bulos:
Princípios Constitucionais Sensíveis
Os princípios constitucionais sensíveis representam a essência da organização constitucional do Estado brasileiro, e estabelecem limites à autonomia organizatória dos Estados-membros.
Caros que são à ordem constitucional, a violação dos princípios sensíveis, autoriza a propositura de representação interventiva, perante o Supremo Tribunal Federal, cujo provimento autoriza a decretação de intervenção federal no Estado, pelo Presidente da República (CF, art. 36, III). Tais princípios constam estampados no art. 34, VII, do Texto Constitucional: 
Forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
Direitos da pessoa humana;
Prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
Aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
 Eis, na visão de Bulos, os outros dois princípios:[7: Bulos, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, Saraiva, S. Paulo, 2000, p. 506-509, passim.]
Princípios Constitucionais Estabelecidos (Organizatórios) 
“São aqueles que limitam, vedam, ou proíbem a ação indiscriminada do Poder Constituinte Decorrente. Por isso mesmo, funcionam como balizas reguladores da capacidade de auto-organização dos Estados (...) podem ser extraídos da interpretação do conjunto de normas centrais, dispersas no Texto Supremo de 1988, que tratam, por exemplo, da repartição de competência, do sistema tributário nacional, da organização dos Poderes, dos direitos políticos, da nacionalidade dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, da ordem econômica, da educação, da saúde, do desporto, da família, da cultura etc”.
Princípios Constituticonais Extensíveis 
São aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-se, por exemplo, com a forma de investidura em cargos eletivos (art. 77), o processo legislativo (arts. 59 e s.), os orçamentos (art. 165 e s.), os preceitos ligados à Administração Pública (arts. 37 e s.) etc”.
6. RECEPÇÃO, REPRISTINAÇÃO E DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO
6.1. Recepção
Uma nova Constituição é o marco inicial de um novo ordenamento jurídico. Indaga-se: há necessidade de nova produção legislativa infraconstitucional? Não, se com ela não conflitarem, em face do fenômeno da recepção: "a Constituição nova recebe a ordem normativa que surgiu sob o império de constituições anteriores se com ela forem compatíveis". A nova ordem constitucional, porém, ao assim fazê-lo, dá-lhes novo fundamento de validade. Possível a recepção de parte de determinada lei (de um ou alguns artigos, ou de parágrafo, por exemplo).[8: 	Temer, Michel. Elementos de Direito Constitucional, RT, 8ª ed., 1990, pág. 39.]
 Ao contrário, sendo a nova a ordem constitucional, incompatível com a ordem constitucional anterior, resta esta revogada por aquela; 
 CF 1946
CF 1967
 Em outras palavras, sem o suporte anterior, o ordenamento legislativo infraconstitucional ganha, por novo suporte, a Constituição nova. Destina-se a dar continuidade às relações sociais sem necessidade de novo produção legislativa ordinária.
“Nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, por falta de recepção”, conforme ensina Pedro Lenza. Isso, em razão do princípio da contemporaneidade, aceito pelo STF: “uma lei só é constitucional perante o paradigma de confronto em relação ao qual ela foi produzida”. [9: Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14ª ed., Editora Saraiva, S. Paulo, 2010, p. 165.][10: Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14ª ed., Editora Saraiva, S. Paulo, 2010, p. 166.]
Apesar de não se admitir a realização de controle de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade genérica, à mingua de contemplação no art. 102, I, a, da Constituição vigente, cabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos moldes do art. 102, § 1º, da Constituição, regulamentada pela Lei nº 9.882, de 03.12.1999.
6.2. Repristinação
Através da repristinação, nova Constituição revalida a legislação infraconstitucional revogada pela Constituição que a antecedeu. Admite-se a repristinação somente se houver expressa disposição nesse sentido. Não ocorre automaticamente.
 CF 1946
CF 1967
CF 1988
Ex: Determinada norma produzida durante a vigência da CF de 1967, e com ela compatível, não é recepcionada pela CF de 1969, vez que com ela incompatível. Entrando em vigência a CF de 1988, sendo com ela inteiramente compatível, voltaria essa norma a ter vigência novamente, pela aplicação da repristinação. Como já informado, no Brasil dá-se a impossibilidade da aplicação automática da repristinação. No entanto, nada impede que a nova ordem o determine, desde que o faça expressamente.
 6.3. Desconstitucionalização
Por esse instituto, a nova Constituição recebe a anterior emprestando-lhe o status de legislação infraconstitucional. 
 A desconstitucionalização não se aplica ao direito constitucional pátrio, nos termos de posição defendida por Michel Temer e Celso Ribeiro Bastos.
 CF 1967
CF 1988

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando