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CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 1 TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL 1. INTRODUÇÃO Existem duas espécies de título executivo: judicial e extrajudicial. O título executivo judicial é formado pelo juiz, por meio de atuação jurisdicional, enquanto o título executivo extrajudicial é formado por ato de vontade das partes envolvidas na relação jurídica de direito material (ou somente de uma delas, como excepcionalmente ocorre na certidão da dívida ativa – art. 784, IX, do Novo CPC e na certidão expedida por serventia notarial ou de registro, relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei – art. 784, XI, do Novo CPC), sem nenhuma intervenção jurisdicional. Essa regra tem uma exceção, porque a lei considera a sentença arbitral (art. 515, VII, do Novo CPC) título executivo judicial, não obstante não ser produzido perante o Poder Judiciário. A distinção dessas duas espécies de título é atualmente essencial, em razão das diferentes formas de executá-los: cumprimento de sentença do título executivo judicial e processo autônomo de execução de título executivo extrajudicial, ainda que exista parcial identidade procedimental nessas duas formas de execução em razão da previsão do art. 513 do Novo CPC. Só existe título criado pela lei, sendo inadmissível que as partes, por vontade própria, criem título executivo à margem da previsão legal (nullus titulus sine lege), regra justificada pela gravidade das medidas executivas que podem ser praticadas na execução, em especial os atos de invasão patrimonial e de restrição de direitos. Há intenso debate a respeito da natureza jurídica do título executivo. Três principais correntes doutrinárias se formaram em torno do tema: a do título como documento, como ato jurídico e a teoria mista. Segundo Carnelutti, o título executivo seria um documento representativo da existência do crédito exequendo, ou seja, seria uma prova legal da existência do crédito, já que previsto em lei. O título seria uma prova documental, prova legal; documento com a forma e conteúdo predeterminados pela lei. Liebman critica tal pensamento por estar muito ligado ao direito material, afirmando que, se só há execução com título executivo, e este representa a existência do crédito, só haveria ação de execução quando efetivamente existente o crédito, o que não se mostra correto, considerando-se que mesmo sendo constatada a inexistência do direito exequendo no julgamento dos embargos à execução/impugnação, terá existido a execução. O doutrinador CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 2 italiano formulou a tese do título como ato jurídico, em que o título representa tão somente a via adequada para o início do processo de execução, por meio da imposição da sanção processual consistente na responsabilidade patrimonial. O documento seria apenas a materialização do ato jurídico (forma representativa). A teoria mista procura demonstrar que o título ao mesmo tempo pode ser visto como ato e documento, sendo a lei a responsável pela determinação de qual característica será a predominante no caso concreto. Para essa corrente doutrinária, ora a lei dá predominância ao próprio documento (nota promissória, letra de câmbio, documento particular), ora ao negócio jurídico ou à própria obrigação (foro, aluguel, despesas condominiais). O título seria um fato complexo, porque há de considerar os requisitos formais e os requisitos substanciais, ou seja, o título há de satisfazer uma certa forma e um certo conteúdo. Não obstante o Novo Código de Processo Civil tenha preferido separar o tratamento das diferentes espécies de título executivo, com previsão dos títulos judiciais no capítulo do cumprimento de sentença, e dos títulos extrajudiciais no capítulo do processo de execução, a matéria é de teoria geral da execução, e assim será tratada. 2. REQUISITOS FORMAIS DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA O art. 786 do Novo CPC determina que a obrigação contida no título executivo deva ser certa, líquida e exigível, afastando-se do entendimento de que esses requisitos seriam do título, e não da obrigação que se busca satisfazer por meio da execução. A doutrina não tem entendimento uníssono no que tange à definição dos três requisitos da obrigação contida no título executivo previstos pelo art. 786 do Novo CPC, embora alguns pontos de contato possam ser identificados. A divergência maior encontra-se na definição do requisito da certeza. A certeza prevista pelo artigo legal em nenhuma hipótese pode ser considerada como a indiscutibilidade da existência da obrigação, visto que em qualquer espécie de título executivo é permitido o ingresso de embargos à execução ou impugnação, que pode vir a demonstrar que até mesmo o mais idôneo dos títulos não representa qualquer obrigação. Mesmo a sentença condenatória transitada em julgado, apesar de ser título executivo, pode não expressar qualquer obrigação a ser cumprida quando do ingresso da execução, bastando para tanto a satisfação voluntária da obrigação por parte do derrotado após a prolação da decisão e antes do início do cumprimento de sentença. Nesse caso, apesar de existir título (sentença civil condenatória), não há obrigação (já satisfeito anteriormente à execução). CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 3 Para Cândido Rangel Dinamarco, a certeza deve ser entendida como a necessária definição dos elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (natureza e individualização do objeto) do direito exequendo representado no título executivo. A certeza, portanto, teria por finalidade identificar os legitimados ativos e passivos na execução, precisar a espécie de execução – quantia certa, fazer, não fazer, entrega de coisa – e determinar sobre qual bem se farão incidir os atos executivos. Na visão de Araken de Assis, a certeza vem da adequação do título aos requisitos extrínsecos previstos em lei. Para Leonardo Greco, a certeza diz respeito tão somente à existência do crédito no momento de sua formação, ou seja, o título atesta que o crédito foi constituído. No entendimento de Humberto Theodoro Jr., a certeza encontra-se presente quando não há controvérsia quanto à sua existência. Para o jurista mineiro, tal certeza refere-se ao órgão jurisdicional e não às partes, decorrendo da perfeição formal do título e da ausência de reservas à sua plena eficácia. A liquidez não é a determinação, mas a mera determinabilidade de fixação do quantum debeatur, ou seja, o “quanto se deve” ou “o que se deve”. Não é necessário que o título indique com precisão o quantum debeatur, mas que contenha elementos que possibilitem tal fixação. A necessidade de elaboração de meros cálculos aritméticos não tira a liquidez do título, na expressa previsão do art. 786, parágrafo único, do Novo CPC, sendo nesse sentido elogiável o novo diploma processual ao retirar do rol de espécies de liquidação a pseudoliquidação por mero cálculo aritmético. Por exigibilidade entende-se a inexistência de impedimento à eficácia atual da obrigação, que resulta do seu inadimplemento e da ausência de termo, condição ou contraprestação. A prova de exigibilidade dá-se geralmente pelo simples transcurso da data de vencimento ou da inexistência de termo ou condição. Se necessária a prova do advento do termo, do implemento da condiçãoou do cumprimento da contraprestação, ela deve ser pré- constituída – invariavelmente documental –, não podendo ser produzida durante a execução. Interessante notar que a exigibilidade não é um elemento intrínseco do título executivo como são a liquidez e a certeza, dependendo para existir de atos que não compõem o objeto do título; no plano do interesse de agir, a exigibilidade refere-se à necessidade, enquanto a liquidez e a certeza referem-se à adequação. 3. TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS 3.1. SENTENÇA PROFERIDA NO PROCESSO CIVIL QUE RECONHEÇA A EXIGIBILIDADE DE UMA OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA, DE FAZER, DE NÃO FAZER OU DE ENTREGAR COISA CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 4 O art. 584, I, do CPC/1973, revogado pela Lei 12.232/2005, determinava ser título executivo judicial a sentença civil condenatória, confirmando expressamente e de maneira indiscutível o entendimento majoritário na doutrina de que, diante da clássica concepção de classificação das sentenças (teoria ternária), apenas a condenatória seria título executivo, dado que tanto a meramente declaratória quanto a constitutiva são satisfeitas sem a necessidade de execução. No primeiro caso, a certeza jurídica buscada pelo autor é obtida com a própria decisão de procedência, enquanto no segundo o máximo que se pode fazer, se necessário e ainda assim em alguns casos específicos, é a expedição de algum ofício para órgão competente (como o caso de expedição de ofício para averbar o divórcio), como forma de tornar a decisão pública perante terceiros. Em razão da Lei 12.232/2005 o tema passou a ser tratado no CPC/1973 pelo art. 475- N, I, que não mais utilizava a expressão “sentença civil condenatória”, passando a prever a “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de uma obrigação”, o que fez ressurgir o debate a respeito de qual espécie de sentença deve ser considerada título executivo judicial. Uma primeira corrente apontava para a modificação meramente redacional do dispositivo, afirmando que as sentenças declaratórias e constitutivas não seriam títulos executivos judiciais. A exclusão do termo “sentenças condenatórias” deu-se simplesmente em razão da adoção pelo legislador da corrente quinária das sentenças, que diferencia as sentenças condenatórias das executivas lato sensu e das mandamentais. Como todas elas são títulos executivos judiciais, permitindo a prática de atos materiais de execução, ainda que de diferentes formas, uma redação mais genérica como a do art. 475-N, I, do CPC/1973 evitaria debates inúteis a respeito de ser somente a sentença condenatória – com exclusão das executivas lato sensu e mandamentais – título executivo judicial. Para essa corrente doutrinária, as sentenças declaratórias e constitutivas não eram título executivo antes da Lei 11.232/2005, e continuam a não ser depois dela. O entendimento seria corroborado pela própria Lei 11.232/2005, em razão da expressa menção à existência de condenação (e não mera declaração ou constituição) para o início do cumprimento de sentença, conforme expressamente previsto no art. 475-J, caput, do CPC/1973 (“Caso o devedor, condenado...”). Uma segunda corrente doutrinária defendia, mesmo antes da modificação legal, o entendimento de que a sentença declaratória constituiria um título executivo judicial sempre que determinasse a existência de uma obrigação certa, líquida e exigível (declaração da CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 5 exigibilidade da prestação devida). Além de obter a certeza jurídica a respeito da existência da obrigação, para essa corrente doutrinária o autor também poderia executar a sentença, exigindo pelos meios executivos o cumprimento da prestação já declarada como existente e devida. Essa corrente doutrinária tinha basicamente dois fundamentos para alicerçar seu entendimento: (a) o princípio da economia processual não se compatibilizaria com a exigência da propositura de uma segunda demanda, de natureza condenatória, na qual, em razão dos efeitos positivos da coisa julgada da sentença meramente declaratória, o juiz estará obrigado a considerar existente a obrigação do réu, o que evidentemente o obrigará a condená-lo ao seu cumprimento. Essa segunda demanda seria um desperdício de tempo, energia e dinheiro, pois terá um resultado já conhecido, tendo o juiz uma mera atuação de agente carimbador de eficácia executiva, o que não se justifica; (b) sendo a função do título demonstrar a existência de uma grande probabilidade do direito existir, ficaria claro que a sentença meramente declaratória cumpria plenamente tal função, sendo até mesmo mais provável a existência de direito declarado em sentença do que o representado pelos títulos executivos extrajudiciais. O importante a ser notado nessa segunda corrente doutrinária é que a conclusão de ser a sentença declaratória um título executivo judicial nada tinha a ver com a modificação legal, sendo fundada em razões de economia processual e de segurança jurídica. Para essa corrente, a sentença declaratória já era título executivo judicial antes da Lei 11.232/2005 e continuava a ser depois dela. Uma terceira corrente doutrinária entendia que a modificação legal teve papel essencial na mudança do status executivo da sentença declaratória. Para os doutrinadores que defendiam esse pensamento, a expressa menção à sentença civil condenatória contida no revogado art. 584, I, do CPC/1973 não permitia a execução de nenhuma outra espécie de sentença que não a condenatória, com nítida exclusão da sentença meramente declaratória. A redação do art. 475-N, I, do CPC/1973, entretanto, ao prever que a sentença deveria apenas reconhecer a existência de uma obrigação para ser considerada título executivo judicial, o que ocorre na sentença declaratória, afastava qualquer impedimento à conclusão de se tratar de um título executivo. Aparentemente, para essa corrente doutrinária, a sentença meramente declaratória só passou a ser título executivo judicial em razão da modificação operada pela Lei 11.232/2005. CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 6 Sempre rejeitei de plano essa terceira corrente em razão de um dado objetivo referente ao trâmite legislativo do projeto de lei que veio a se tornar a Lei 11.232/2005, percebido por atenta doutrina. Quando aprovado na Câmara, o art. 475-N, I, do CPC/1973 tinha redação idêntica ao do revogado art. 584, I, (“sentença civil condenatória”), tendo sido no Senado Federal realizada a modificação para a redação atual. Após a aprovação no Senado, o projeto de lei seguiu para a sanção presidencial, o que efetivamente ocorreu. O que se conclui é: (a) a mudança teria sido meramente redacional e, portanto, o trâmite legislativo foi correto e a norma era constitucional, ou (b) a mudança foi de conteúdo, de maneira que o projeto de lei, após a aprovação no Senado, deveria ter retornado à Câmara, sendo a norma formalmente inconstitucional. Em razão do verificado no procedimento legislativo, a afirmação de que a sentença meramente declaratória se tornou um título executivo judicial em razão da Lei 11.232/2005 era amparada numa inconstitucionalidade formal. Tal objeção de caráter formal desapareceu com o art. 515, I, do Novo CPC. Apesar de concordar com a primeira corrente doutrinária, que afasta a natureza de títuloexecutivo judicial da sentença meramente declaratória, não se pode deixar de reconhecer os méritos dos fundamentos da segunda corrente doutrinária, em especial sua preocupação com a economia processual. Entendo que, excepcionalmente, a sentença meramente declaratória poderá servir como título à execução, como na hipótese amplamente consagrada no Superior Tribunal de Justiça de sentença meramente declaratória proferida em demanda movida pelo contribuinte contra o Fisco. Nesse caso, a sentença meramente declaratória é preferível à sentença condenatória, que levará o credor à fila dos precatórios, com imprevisível demora na satisfação de seu direito. Com a sentença meramente declaratória, torna-se possível a compensação no âmbito administrativo, permitindo-se que o contribuinte deixe de recolher tributos até o valor da obrigação declarada em juízo. Ocorre, entretanto, que por vezes essa compensação torna-se impossível, hipótese na qual, levando-se em conta a hipossuficiência do contribuinte, permite-se a execução da sentença meramente declaratória. No Superior Tribunal de Justiça, a primeira sinalização de que a sentença meramente declaratória poderia ser considerada um título executivo veio com a Súmula 461, que expressamente permite a execução de sentença meramente declaratória de repetição de indébito tributário. Há, inclusive, posicionamento no sentido de se entender como título CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 7 executivo judicial a decisão meramente declaratória de obrigação ilíquida, hipótese em que o valor devido será fixado em liquidação de sentença. Na realidade, o entendimento sumulado equacionava a única hipótese justificável de pedido meramente declaratório quando possível o pedido condenatório. Não que seja vetada pelo sistema tal opção, mas a praxe forense demonstra claramente que, salvo a hipótese sumulada, podendo o autor pedir a condenação do devedor, não se limita a pedido meramente declaratório. Por outro lado, há uma outra hipótese bem mais frequente na praxe forense na qual o tema ora analisado tem indiscutível relevância. É processo bastante comum o movido por consumidor com pedido de declaração de inexistência de dívida. Sendo o pedido julgado improcedente, haverá uma declaração de existência da dívida discutida. Pergunta-se: poderá o réu executar essa sentença para cobrar a dívida declarada? De antemão, deve-se lembrar que as ações declaratórias são dúplices, de forma que mesmo sem pedido contraposto ou reconvenção a sentença pode entregar o bem da vida em disputa ao réu vencedor. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema admitindo que o réu nesse caso execute a sentença na parte em que declara a existência de dívida cuja inexistência era pedida pelo autor. Com tal decisão, parece que o tribunal sacramentou que a sentença meramente declaratória de dívida é título executivo judicial em qualquer hipótese. O inciso I do art. 515 do Novo CPC aparentemente toma partido nessa considerável polêmica doutrinária. Ao substituir o termo “existência” por “exigibilidade”, o legislador parece ter consagrado o entendimento de que a sentença meramente declaratória é título executivo judicial desde que reconheça a exigibilidade de uma obrigação. Confesso que tenho certa resistência em admitir que a sentença de improcedência proferida numa ação meramente declaratória de inexistência de débito, ao declarar a existência de uma obrigação inadimplida em razão da natureza dúplice dessa espécie de ação, seja um título executivo judicial em favor do réu. Minha resistência diz respeito à limitação das matérias alegáveis num eventual cumprimento de sentença, porque o autor não tem o dever de cumular em sua petição inicial todas as causas de pedir, não sendo a ele aplicável o princípio da eventualidade existente para o réu e consagrado nos arts. 336 e 342 do Novo CPC. A demonstração mais cabal de que em nosso sistema não se aplica o princípio da eventualidade ao autor, exigindo-se dele a alegação de todas as causas de pedir que CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 8 fundamentam seu pedido na petição inicial vem do art. 1.072, VI, do Novo CPC, que revogou a única norma nesse sentido, existente no art. 98, § 4º, da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência). Não me parece viável impedir que o executado nessas circunstâncias alegue matéria em sede de defesa que poderia ter sido causa de pedir na fase de conhecimento, mas não foi alegada. E nem se fale em eficácia preclusiva da coisa julgada, considerando-se que a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge tão somente as alegações referentes à causa de pedir que fez parte da primeira demanda, porquanto alegado outro fato jurídico ou outra fundamentação jurídica, não presentes na primeira demanda, afasta-se do caso concreto a tríplice identidade, considerando-se tratar de nova causa de pedir. Tomo um exemplo para concretizar meus receios. O consumidor ingressa com ação alegando não ser devedor de determinado valor por ter encerrado sua contacorrente. A ação é julgada improcedente, o que, pelo aspecto apenas do pedido, significa que o consumidor é devedor do valor cobrado. Ocorre, entretanto, que o consumidor não alegou a abusividade dos juros cobrados, a ilegalidade das taxas e outras matérias que poderiam tutelá- lo. Uma vez que a instituição financeira inicie o cumprimento de sentença, essas matérias não poderão ser alegadas em sua defesa, considerando a limitação cognitiva dessa defesa imposta pelo art. 525, § 1.º, do Novo CPC. Naturalmente, tratar-se-á de inadmissível cerceamento de defesa, mas, pelo sistema sugerido, é a conclusão possível. Tornar a sentença de improcedência título executivo judicial é pensar somente no pedido, esquecendo-se da causa de pedir. Ao menos poderia haver uma regra legal que admitisse ao executado alegar como matéria de defesa na execução causa de pedir não alegada por ele na fase de conhecimento. Não se perderia a força executiva da sentença e, por outro lado, não seria cerceado o direito do executado. A natureza condenatória de uma sentença não se restringe àquelas proferidas em ações de conhecimento condenatórias, importando para a fixação do título a parte dispositiva da sentença que obrigue qualquer das partes ao cumprimento de uma obrigação. Numa ação meramente declaratória a parte derrotada será condenada a pagar honorários advocatícios, servindo esse capítulo da decisão como título executivo para a parte vencedora, embora não seja título executivo o capítulo principal dessa sentença. O mesmo ocorre em ações em que se somam pedidos de diferentes naturezas, por exemplo, no caso de rescisão contratual (constitutiva negativa, não cabendo execução) e condenação em perdas e danos (condenatória, permitindo o ingresso do cumprimento de sentença). CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 9 Por fim, é interessante notar que o legislador não fez menção ao trânsito em julgado nesse inciso, o que abre a possibilidade do cumprimento provisório da sentença, sempre que da sentença condenatória estiver pendente julgamento de recurso que não tenha sido recebido no efeito suspensivo. O mesmo não ocorre em relação à sentença penal condenatória, em razão da aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência do réu,inexistente no âmbito civil. 3.2. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE AUTOCOMPOSIÇÃO JUDICIAL Autocomposição é forma consensual de solução de conflitos, de forma que nesse caso as partes resolvem o conflito pelo exercício de suas vontades, cabendo ao juiz a tarefa de homologá-la, formando-se assim um título executivo judicial. O art. 515, II, do Novo CPC prevê que qualquer decisão – e não somente a sentença – ao homologar autocomposição torna-se título executivo judicial, não havendo dúvida, portanto, da executabilidade da sentença, de decisão interlocutória e de decisão monocrática do relator (art. 932, I do Novo CPC). A utilização do termo “judicial” para qualificar a autocomposição promete gerar polêmica. Significa autocomposição realizada em juízo ou autocomposição realizada quando já estiver em trâmite processo judicial? Como a decisão homologatória de acordo extrajudicial também é título executivo, previsto no inciso III do art. 515 do Novo CPC, a polêmica felizmente não acarretará consequências práticas. Se autocomposição judicial for aquela realizada em juízo ter-se-á em regra como título executivo a decisão interlocutória (que resolve parcialmente o mérito) e a sentença, proferidas em audiência. Mas mesmo nos tribunais, pode haver excepcionalmente a possibilidade de autocomposição na presença do juízo, como ocorre nas sessões de conciliação realizadas em alguns tribunais, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesse caso, o título executivo será a decisão monocrática do relator. Prefiro o entendimento de que a autocomposição judicial seja aquela realizada quando já existir processo judicial em trâmite, de forma que mesmo que realizada extrajudicialmente sua homologação pelo juízo para extinção do processo em trâmite a torna judicial. Também nesse caso o termo decisão utilizado pelo art. 515, II, do Novo CPC representará decisão interlocutória que resolve parcialmente o mérito, sentença e decisão monocrática do relator. Defendo que a autocomposição depende de algum sacrifício de vontade de uma ou de ambas as partes envolvidas no conflito. As soluções que decorrem de exercício unilateral de vontade e que geram sacrifício total do interesse da parte que exerce tal vontade são conhecidas por serem “formas altruístas” de conflito, já que o sacrifício do interesse decorre CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 10 da vontade da parte. Em juízo o autor pode renunciar ao seu direito e o réu pode reconhecer juridicamente o pedido do autor, sendo a sentença homologatória de tais atos de vontade título executivo judicial, nos termos do art. 515, II, do Novo CPC. O exercício bilateral de vontade, que gera sacrifícios recíprocos dos interesses das partes envolvidas no conflito, resulta na transação. Ainda que não entenda ser a mediação espécie de autocomposição, pois diferente daquela forma consensual de solução dos conflitos nessa não existe sacrifício de interesses, não tenho qualquer dúvida do alcance do art. 515, II do Novo CPC à decisão que a homologa. Não teria realmente qualquer sentido atribuir eficácia executiva à decisão que homologa uma transação e não fazer o mesmo com a que homologa uma mediação. Nos termos do § 2º do art. 515 do Novo CPC, a autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo. Significa dizer que o objeto da autocomposição pode ser mais amplo que o objeto do processo e que é viável incluir um terceiro que não seja autor nem réu, desde que, naturalmente, haja a concordância de todos. O propósito de aumentar a potencialidade de solução de lides é excelente, aproximando-se da solução integral da lide imaginada por Carnelutti. 3.3. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE AUTOCOMPOSIÇÃO EXTRAJUDICIAL DE QUALQUER NATUREZA Esse título executivo judicial só pode ser formado havendo acordo de vontades entre as partes, distinto daquele que permitiu a produção do documento que se leva ao Poder Judiciário. Uma coisa é concordar em celebrar um acordo extrajudicial, outra bem diferente é concordar em tornar esse acordo um título executivo judicial. Como essa espécie de título só pode ser obtida pela atuação jurisdicional, caso as partes concordem com a formação do título executivo judicial, serão obrigadas a levar a juízo o acordo celebrado extrajudicialmente. Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, nos termos do art. 725, VIII, do Novo CPC, porque nesse caso as partes pretendem obter um mesmo bem da vida (título executivo judicial), que só pode ser entregue pelo Poder Judiciário. A natureza de jurisdição voluntária afasta qualquer dúvida a respeito da existência de interesse de agir das partes quando o acordo já for um título executivo extrajudicial. O interesse de agir nesse caso é a obtenção de bem da vida que só pode ser conseguido com a atuação jurisdicional, pouco importando nesse caso se já existe um título executivo CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 11 extrajudicial. E mesmo para aqueles que não concordarem com a natureza voluntária da jurisdição, o interesse de agir estará presente em razão do previsto no art. 785 do Novo CPC. Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça, ainda na vigência do art. 475-N, V, do CPC/1973, vinha criando obstáculos à formação desse título executivo ao exigir para sua homologação a pendência judicial do conflito sob o argumento de que homologar acordo extrajudicial sem tal exigência seria transformar o Poder Judiciário em mero cartório, já que sua cognição a respeito do conflito seria sumaríssima e parcial. Nada indica que no Novo Código de Processo Civil o entendimento será modificado. 3.4. FORMAL E CERTIDÃO DE PARTILHA O pronunciamento judicial que encerra o processo de arrolamento ou inventário, contendo a adjudicação do quinhão sucessório aos herdeiros, é considerado título executivo pelo diploma processual, apesar de não ser, naturalmente, sentença condenatória. A certidão substituirá o formal nos pequenos inventários ou arrolamentos, quando o quinhão resultante da sucessão hereditária não ultrapassar cinco salários-mínimos (art. 655, parágrafo único, do Novo CPC). A particularidade desse título é que ele tem eficácia executiva exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título universal ou singular. Significa dizer que, se qualquer desses sujeitos pretender a obtenção de quantia certa ou a entrega de bem em face de pessoas não arroladas pelo artigo legal supramencionado, será obrigatória a demanda de cognição, não podendo o interessado fazer uso do formal ou certidão de partilha para executar terceiros, considerando que contra estes tal ato estatal não tem eficácia executiva. Segundo a melhor doutrina, o título que ora se analisa somente poderá ensejar execução por quantia certa (quando o bem pretendido for dinheiro) ou para entrega de coisa. Não se admite a execução de obrigação de fazer ou não fazer baseada no título ora comentado. 3.5. CRÉDITO DE AUXILIAR DA JUSTIÇA QUANDO AS CUSTAS, EMOLUMENTOS OU HONORÁRIOS FOREM APROVADOS POR DECISÃO JUDICIAL O inciso V do art. 515 do Novo CPC, ao prever como título executivo judicial a decisão judicial que aprova o crédito de auxiliar da justiça referente a custas, emolumentos e honorários, transforma a natureza de um título executivo que no CPC/1973 estava previsto entre os títulos executivos extrajudiciais, atendendo a entendimento de parcela dadoutrina. CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 12 Trata-se de dispositivo de pouca aplicação prática em razão das características da praxe forense. Custas judiciais e emolumentos geralmente não são objeto de decisão judicial, já vindo previstas em leis de organização judiciária. Sem a decisão judicial a respeito de tal crédito, não existirá o título executivo. Por outro lado, os honorários dos auxiliares eventuais do Juízo geralmente são depositados a priori, não se realizando o trabalho (perícia, tradução etc.) sem o devido depósito prévio do valor acertado pelo juiz. Apesar de raro, quando existir, não se deve confundir tal decisão judicial com a sentença, visto que a relação processual da qual surgiu a condenação não é do serventuário, e sim do autor e réu. Essa distinção é importante para fins de competência do cumprimento de sentença. 3.6. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO Um dos efeitos secundários da sentença penal condenatória transitada em julgado é a criação de um título executivo na esfera civil, ainda que nenhuma referência tenha sido feita a esse respeito pelo juízo penal. Existe tradicional entendimento doutrinário de que a sentença penal não é propriamente um título executivo, sendo na realidade um título hábil ao ingresso da liquidação de sentença, visto que o quantum debeatur jamais será debatido ou fixado no âmbito do processo criminal. Nessa opinião doutrinária, o título torna certa a obrigação de reparar a vítima, mas o valor de tal reparação obrigatoriamente deverá ser fixado em liquidação de sentença, sendo que somente depois de tal fixação a vítima terá condições de iniciar a execução. O entendimento de que a sentença penal condenatória não é genuinamente um título executivo porque nunca tem liquidez deve ser repensado em razão das alterações no processo penal resultantes da Lei 11.719/2008. Interessam à presente exposição as novas disposições dos arts. 63, parágrafo único, e 387, IV, do CPP. Segundo previsão do art. 387, IV, do CPP, o juiz penal ao proferir a sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Apesar da utilização do termo “fixará”, que passa uma ideia de imperatividade, acredito não ser um dever do juízo penal a fixação de valor mínimo dos danos sofridos pelo ofendido em sentença condenatória, não sendo cabível o recurso de embargos de declaração diante de sua omissão e tampouco a anulação da sentença por ser citra petita. O juízo penal está preocupado com questões diversas daquelas referentes à responsabilidade civil, não sendo legítimo nem benéfico que passe, a partir de agora, a se CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 13 preocupar com tais questões. Significa dizer que para a fixação do valor mínimo dos prejuízos do ofendido o juiz penal não deve se desviar da condução tradicional do processo penal, voltada à análise dos elementos necessários para a condenação ou absolvição do acusado. Se porventura nessa análise tiver condições de fixar o valor mínimo, assim o fará, mas não reunindo tais condições, parece ser aconselhável o entendimento de que não haverá qualquer vício procedimental em sua omissão. Uma vez fixado o valor mínimo, entendo que as partes terão interesse recursal para discuti-lo, não servindo a alegação de que por não ser definitivo o valor não haverá interesse recursal. Como prevê o art. 63, parágrafo único, do CPP, transitada em julgado a sentença, o ofendido poderá ingressar com execução do valor mínimo, o que evidentemente trará benefícios ao ofendido e prejuízos ao ofensor, que poderão por meio recursal aumentar ou diminuir o âmbito dessa execução pela discussão do valor mínimo fixado em sentença. Aduz o art. 63, parágrafo único, do CPP que, transitada em julgado a sentença condenatória, o ofendido poderá ingressar imediatamente com execução pelo valor mínimo fixado em sentença e concomitantemente com liquidação de sentença, que provavelmente será realizada por artigos, sendo possível, ainda que improvável, a conclusão de que o valor efetivo do dano seja inferior ao valor mínimo fixado pelo juízo penal. Nesse caso, não há que se falar em coisa julgada material penal, porque a sentença penal nesse capítulo que fixa o valor mínimo, apesar de ser sentença de mérito, foi proferida mediante cognição sumária, não sendo apta a gerar coisa julgada material. Uma vez transitada em julgado a decisão proferida em sede de liquidação que determinou como efetivamente devido um valor inferior ao fixado como mínimo pela sentença penal, haverá redução imediata da execução em trâmite e, já tendo a execução chegado ao final com a satisfação do credor, caberá ação de repetição de indébito. Justamente para evitar essa contradição, apesar de não ser vedado pelo texto legal, é recomendável que o juízo penal se abstenha de incluir em sua sentença um valor mínimo de suposto dano moral suportado pela vítima. A fixação do valor do dano moral é extremamente subjetiva, sem os parâmetros objetivos existentes para a fixação do valor do dano material, o que aumenta a chance de o juízo cível entender que o valor real do dano moral é inferior aquele indicado como valor mínimo pelo juízo penal. A par de todas as questões que podem ser levantadas a respeito da interpretação e aplicação desses dispositivos legais, fato é que, havendo a fixação de um valor mínimo dos danos suportados pelo ofendido, ao menos com relação a esse capítulo da sentença, haverá CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 14 indiscutivelmente um título executivo, independentemente de qualquer liquidação. Essa constatação já é suficiente para a revisão do entendimento de que a sentença penal condenatória não é título executivo porque depende sempre de liquidação. Por outro lado, não há necessidade de liquidação de sentença penal nas hipóteses de cobrança de multa penal quando essa for a sanção aplicada ao réu (art. 51 do CP), ou quando imposta por sentença penal a devolução à vítima do produto do crime (art. 91, II, b, do CP), porque nesses casos haverá liquidez. Nessas excepcionais situações de execução civil da sentença penal é correto entender que a sentença penal condenatória transitada em julgado é efetivamente um título executivo. De qualquer forma, aparentemente continua a ser, em regra, necessária a liquidação da sentença penal condenatória. A liquidação nesse caso é mais completa que as tradicionais, visto que o juiz cível deverá investigar, antes da fixação do quantum debeatur, se de fato houve alguma espécie de dano, sendo possível imaginar um ilícito penal sem o dano, situação em que será impossível falar-se em responsabilidade civil. A eficácia civil da sentença penal só atinge a pessoa do condenado na esfera criminal, não podendo a liquidação de sentença e posteriormente a execução serem propostas em face de corresponsáveis à reparação do dano na esfera civil. Assim, não serão partes legítimas passivas os preponentes, patrões, pais etc. Caso a vítima deseje lhes acionar na esfera cível, será obrigada a ingressar com processo de conhecimento contra eles buscando a formação do título (sentença civil condenatória). O título é formado exclusivamente contra o condenado, e ninguém mais. Problema interessante surge no caso derevisão criminal que declare a absolvição daquele que fora anteriormente condenado por sentença passada em julgado. Nesse caso, parece necessário o enfrentamento de diferentes alternativas tomando-se por base o momento em que se dá a desconstituição da sentença penal condenatória transitada em julgado: se a execução ainda não se iniciou ou está em curso, com a perda do título executivo, no primeiro caso o processo não poderá mais ser proposto (não há mais título executivo) e no segundo deverá ser extinto (perda superveniente do título executivo). No caso de execução já extinta com a satisfação do credor, deve-se atentar para as razões da absolvição em sede de revisão criminal: CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 15 (i) se fundada em causa que não exclui a responsabilidade civil (por exemplo, estado de necessidade, prescrição penal, fato não ser considerado crime), não será possível a repetição de indébito; (ii) se fundada em causa de exclusão da responsabilidade civil (por exemplo, legítima defesa ou descoberta de que o condenado não foi o autor do fato delituoso), haverá a possibilidade da cobrança do valor executado por meio de ação de repetição de indébito. Outro debate se coloca diante da possibilidade de julgamentos contraditórios no juízo penal e civil, em especial quando a ação civil for julgada improcedente e transitada em julgado, e na ação penal o acusado for condenado, também com sentença transitada em julgado. Seria possível ao executado alegar ofensa à coisa julgada numa execução fundada na sentença penal condenatória? Parcela da doutrina entende corretamente que a resposta deve ser dada negativamente, considerando-se que a sentença penal é um título executivo idôneo independentemente do resultado do processo cível. Mas existem doutrinadores com entendimento contrário, no sentido de que deve valer na esfera cível a sentença de improcedência transitada em julgada, o que impediria a execução da sentença penal. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que, salvo nas hipóteses previstas no art. 65 do CPP, que expressamente prevê a coisa julgada cível da sentença penal, a sentença cível tem eficácia executiva autônoma, não sendo desconstituída por sentença penal absolutória transitada em julgado. 3.7. SENTENÇA ARBITRAL A Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) conferiu eficácia executiva, sem a necessidade de homologação pelo Poder Judiciário, à sentença arbitral, entendida como o provimento final do árbitro que resolve um conflito de interesses (sobre direitos patrimoniais disponíveis) entre particulares que optaram pela resolução extrajudicial do conflito em que se viram envolvidos. O art. 31 de referida lei equipara a sentença arbitral à sentença judicial, constituindo-se em título executivo judicial sempre que tiver natureza condenatória. Como corretamente lembrado pelo Superior Tribunal de Justiça, no ordenamento jurídico pátrio, o árbitro não foi contemplado com o poder de império, de coerção, capaz de determinar a execução de suas sentenças, motivo pelo qual, não adimplida voluntariamente a obrigação, deve o credor recorrer ao Poder Judiciário, requerendo o cumprimento da sentença arbitral. Apesar da proximidade entre a sentença condenatória e a sentença arbitral, na execução da segunda será possível, além das alegações de defesa previstas no art. 525, § 1º, do Novo CPC, as nulidades previstas no art. 32 da Lei 9.307/1996, referentes à validade formal CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 16 da sentença, matérias que não podem ser alegadas na impugnação ao cumprimento de sentença condenatória. É possível também imaginar situação em que a sentença arbitral, embora condenatória, não tenha fixado o quantum debeatur. Nesse caso, o interessado deverá promover o devido processo sincrético, com o início pela liquidação de sentença antes de ingressar com o processo executivo. 3.8. SENTENÇA ESTRANGEIRA HOMOLOGADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Para que produza efeitos em território nacional, a sentença estrangeira – judicial ou arbitral – deve obrigatoriamente passar por um processo de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 961 do Novo CPC c/c o art. 105, I, “i”, da CF). O procedimento da ação de homologação de sentença estrangeira é regulado pelos arts. 960 a 965 do Novo CPC. Além da sentença judicial estrangeira, será homologável pela ação indicada no art. 960, caput, do Novo CPC a decisão não judicial definitiva que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional (art. 961, § 1.º, do Novo CPC). O dispositivo copia a previsão contida no art. 216-A, § 1.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. A melhor interpretação do dispositivo é a possibilidade de homologação de atos que substituam a sentença no país de origem, como já ocorre com a homologação de atos administrativos que substituem a sentença em caso de divórcio em determinados países. Quanto à homologação de sentença arbitral estrangeira, o art. 960, § 3.º, do Novo CPC prevê que sua homologação obedecerá ao disposto em tratado e na lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Capítulo referente à homologação de sentença estrangeira. Registre-se que, nos termos do art. 35 da Lei 9.307/1996, a sentença arbitral estrangeira depende de homologação pelo órgão competente, ou seja, pelo Superior Tribunal de Justiça, para ser reconhecida e executada no Brasil. A decisão homologatória, com nítido caráter constitutivo, torna a decisão proferida em estado estrangeiro executável em território nacional, ocorrendo na linguagem de autorizada doutrina uma “nacionalização da sentença”. Ainda que todas as sentenças estrangeiras só passem a gerar efeitos em território nacional após a sua homologação, somente aquelas que tenham natureza condenatória serão executadas, de forma que nem toda decisão de homologação de sentença estrangeira (de natureza meramente declaratória ou constitutiva) é um título executivo judicial. No Superior Tribunal de Justiça é tranquilo o entendimento de que não cabe ao tribunal nacional a análise do mérito da sentença estrangeira, ressalvado o exame dos CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 17 aspectos atinentes à ordem pública, soberania nacional, contraditório, ampla defesa e devido processo legal. O tribunal já teve a oportunidade de negar homologação de sentença estrangeira em que havia ordem de desistência de ação em trâmite no Brasil, sob pena de responsabilização civil e criminal, por ofender o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV da CF). Como também é pacificado o entendimento pela rejeição do pedido sem que haja prova de regular citação do réu, seja no território prolator da decisão ou no Brasil, mediante carta rogatória. Há certa divergência na doutrina quanto ao que de fato é o título executivo nesse caso. Para parcela da doutrina o título executivo é a carta de sentença extraída dos autos da homologação de sentença estrangeira e para outra é o ato estatal brasileiro de reconhecimento da sentença estrangeira. A divergência não gera consequências práticas relevantes. No caso de execução fundada nesse título executivo, a alegação em sede de impugnação de nulidade da citação (art. 525, § 1º, I, do Novo CPC) refere-se ao processo de homologação da sentença e nãoao processo de conhecimento que teve trâmite perante o juízo estrangeiro. Eventual alegação de vício na citação do processo estrangeiro deve ser feita no processo de homologação, operando-se com relação a essa matéria a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508 do Novo CPC). Diferentemente quanto às causas extintivas do direito do exequente supervenientes à sentença que se referem à sentença estrangeira, dado que tais matérias não são enfrentadas na homologação. Somente a sentença estrangeira demanda a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo, nos termos do § 2º do art. 784 do Novo CPC, possível a execução de título extrajudicial estrangeiro diretamente em território nacional sem nenhuma necessidade de homologação. Segundo o art. § 3.º de referido dispositivo, para que o título tenha eficácia executiva basta que satisfaça os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e que haja indicação do Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação. 3.9. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ESTRANGEIRA, APÓS A CONCESSÃO DO EXEQUATUR À CARTA ROGATÓRIA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Nos termos do § 1º do art. 960 do Novo CPC, a decisão interlocutória estrangeira pode ser executada no Brasil por meio de carta rogatória. O dispositivo tem essencial relevância nas decisões interlocutórias concessivas de tutela de urgência. CENTRO UNIVERSITÁRIO – IESB Direito Processual Civil III Execuções Professor: Denis Lopes Franco e-mail: denis.franco@iesb.br 18 Da mesma forma que a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça é título executivo judicial, não teria qualquer sentido não o ser a decisão homologatória de decisão interlocutória estrangeira. O inciso IX do art. 515 do Novo CPC consagra expressamente essa homogeneidade. Tenho dúvida se era realmente necessária a criação de um novo inciso, porque seria mais técnico incluir a decisão interlocutória estrangeira no inciso que já trata da sentença estrangeira (VIII).