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Transmissão de impulsos nervosos e modo de ação de inseticidas neurotóxicos Os impulsos nervosos caracterizam-se como uma alteração na diferença de potencial elétrico através da membrana do neurônio, alteração esta que se propaga ao longo do mesmo. Em condições de repouso, existe uma diferença de potencial elétrico entre o interior e o exterior do neurônio (DDP @ –70 mV, com o sinal negativo indicando que o interior é mais eletronegativo). Essa diferença decorre de gradientes nas concentrações de íons dentro e fora da célula. Como exemplo tem-se que a concentração de Na+ fora da célula é muito maior do que dentro, sendo que o inverso ocorre com K+. Tais gradientes ocorrem devido ao transporte ativo de íons através da membrana (“bombas” de Na+ e de K+) e ao fato de, na condição de repouso, a membrana ser impermeável ao transporte passivo de íons Na+ e outros. Um estímulo físico ou químico num ponto do neurônio (uma ação mecânica sobre a membrana ou a interação de substâncias químicas com proteínas presentes na mesma) promove uma alteração na configuração espacial de certa proteína presente na membrana do neurônio, a qual está associada ao transporte facilitado de íons Na+ através da membrana (canais ou “portões” de Na+). Os canais de Na+ se abrem e, como conseqüência, ocorre uma rápida fluxo desses íons para dentro da célula (atração eletrostática). Essa entrada altera a DDP no ponto de entrada de Na+, que passa a ser de cerca de +20 mV (o exterior passa a ser mais eletronegativo). Parte do Na+ que entrou difunde-se para o ponto adjacente, alterando menos intensamente a DDP nesse ponto, porém, o suficiente para que os canais de Na+ se abram automaticamente, já que sua abertura/fechamento depende da DDP através da membrana. Assim, a entrada de íons Na+ num ponto da membrana provoca uma entrada seqüencial desses íons ao longo da membrana do neurônio. A entrada seqüencial de Na+ é seguida de uma saída seqüencial de íons K+, pois na DDP de +20mV, outras proteínas presentes na membrana, associadas ao transporte de íons K+ através da membrana (canais de K+), mudam sua configuração espacial, facilitando a saída desses íons. Assim como a entrada de Na+ é bastante rápida, a saída de K+ também o é, pois o exterior da célula encontra-se temporariamente mais eletronegativo que o interior (Íons Na+ não saem porque os portões de Na+ se fecham na DDP de +20 mV). A saída de K+ retorna a DDP para a condição de repouso (- 70 mV). Essa alteração no potencial elétrico da membrana, que se propaga ao longo do neurônio/axônio, caracteriza o impulso nervoso. Um microeletrodo colocado numa parte do neurônio registra a passagem do impulso nervoso na forma de uma espícula. Quando o impulso chega na extremidade do neurônio, ele provoca a liberação (na sinapse, ou seja, na junção ou espaço entre neurônios ou entre um neurônio e um músculo ou glândula) de uma substância química chamada neurotransmissor. Este se liga temporariamente à proteína associada ao canal de Na+ na membrana da célula adjacente, promovendo a abertura desse canal e, assim, a passagem do impulso nervoso de uma célula à outra. Como exemplo de substâncias neurotransmissoras tem-se a acetilcolina. Tão logo a acetilcolina cumpre seu papel, ela precisa ser degradada, para que a célula adjacente não fique com os canais de Na+ constantemente abertos. Para isso, existe na sinapse uma enzima chamada acetilcolinesterase, que prontamente degrada a acetilcolina em colina a ácido acético. Estes retornam ao interior do neurônio e são reutilizados na síntese da acetilcolina, sendo a reação catalisada por outra enzima, a colina acetil-transferase. As quantidades de íons Na+ e K+ que, respectivamente, entram e saem da célula na passagem de um impulso são muito pequenas, de maneira que seriam necessários milhares de impulsos sucessivos, em um curto espaço de tempo, para que a célula nervosa tivesse problemas decorrentes de saturação de Na+ e esgotamento de K+. De qualquer forma o transporte ativo desses íons através da membrana, embora lento, é continuadamente operante na membrana, atuando no sentido de restabelecer o equilíbrio nas concentrações desses íons, correspondente à condição de repouso. Os inseticidas organofosforados (paratiom, malatiom etc.) e carbamatos (aldicarbe, carbofuram etc.) se ligam fortemente à enzima acetilcolinesterase, impedindo que esta degrade a acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina nas sinapses provoca uma hiperatividade nervosa e conseqüente colapso do sistema nervoso. Os inseticidas piretróides (deltametrina, cipermetrina, etc.) se ligam à proteína associada ao canal de Na+, impedindo o seu fechamento. Como conseqüência, o neurônio não consegue voltar à condição de repouso (-70mV) e, portanto, ocorre um bloqueio na transmissão de impulsos nervosos. Efeito “knock down” ou de rápida paralisia nos insetos. Os inseticidas neonicotinóides (imidacloprid, thiamethoxam, etc) mimetizam a ação da acetilcolina e não são degradados pela acetilcolinesterase. Assim, eles se encaixam no receptor da acetilcolina na membrana das células pós-sinápticas, abrindo canais de Na+ na mesma, com conseqüente hiperatividade nervosa, seguido de colapso do sistema nervoso. Os mecanismos envolvidos na transmissão de impulsos nervosos em insetos são muito semelhantes àqueles operantes em mamíferos, aves e peixes. Por isso, muitos inseticidas neurotóxicos são tóxicos também a esses organismos não-alvo, incluindo os seres humanos . Figura 1. Desenho esquemático de um neurônio e de uma sinapse nervosa. Figura 2. Variação na diferença de potencial elétrico através da membrana do neurônio (acima) e variação nas correntes de Na+ e K+ através da membrana, respectivamente para dentro e para fora do neurônio, (abaixo), por ocasião da passagem de um impulso nervoso. Figura 3. Desenho esquemático da ação da acetilcolina, da acetilcolinesterase e dos inseticidas organofosforados. Respostas aos estímulos da acetilcolina referem-se a mamíferos.
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