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Feldman Epistemology 1 6

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Epistemology 
 
Richard Feldman 
 
Ed. Prentice Hall, 2002 
Tradução de Júlio C. Burdzinski (não citar) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO UM 
 
QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS 
 
 A teoria do conhecimento, ou epistemologia, é o ramo da filosofia que trata das 
questões filosóficas sobre o conhecimento e a racionalidade. Os epistemólogos estão 
primariamente interessados nas questões sobre a natureza do conhecimento e nos prin-
cípios que governam a crença racional. Eles estão menos focados em decidir se há co-
nhecimento ou crença racional em casos reais, específicos. Assim, por exemplo, não é 
tarefa do epistemólogo determinar se é agora razoável crer que exista vida em outros pla-
netas. Este é primariamente o trabalho de astrônomos e cosmólogos. A tarefa dos epis-
temólgos é tentar desenvolver uma teoria geral estabelecendo as condições sob as quais 
as pessoas têm conhecimento e crenças racionais. Pode-se então aplicar essa teoria 
mais geral ao caso específico da crença em vida em outros planetas, mas fazê-lo é ir 
além das questões epistemológicas centrais. Embora no curso do exame das questões 
filosóficas seja costumeiro pensar sobre muitos exemplos específicos, isso serve princi-
palmente para ilustrar as questões gerais. O objetivo deste capítulo é identificar algumas 
das questões teóricas centrais de que trata a epistemologia. 
Uma boa maneira de começar é olhar para as coisas que ordinariamente dizemos 
e pensamos acerca do conhecimento e da racionalidade. Sistematizando-as e refletindo 
sobre elas chegaremos a um conjunto de questões e enigmas. Assim, começaremos ex-
pondo de uma maneira sistemática algumas ideias comumente (mas não universalmente) 
sustentadas acerca do que nós conhecemos e de como nós conhecemos essas coisas. 
Chamaremos a essa coleção de ideias de Perspectiva Standard. Neste capítulo identifica-
remos algumas das alegações centrais da Perspectiva Standard. Dos capítulos 2 até 5 
tentaremos descrever em detalhe as implicações da Perspectiva Standard e expor suas 
respostas a algumas das questões centrais. Então, dos capítulos 6 até 9 nos voltaremos 
para diversos desafios e objeções à Perspectiva Standard. Assim, o objetivo geral deste 
livro é proporcionar um melhor entendimento das perspectivas do senso comum acerca 
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do conhecimento e da racionalidade e ver em que extensão aquelas perspectivas podem 
suportar a crítica. 
 
I. A PERSPECTIVA STANDARD 
 
No curso comum dos eventos, as pessoas alegam conhecer muitas coisas, e elas 
atribuem aos outros numa variedade de casos. Daremos exemplos abaixo. As alegações 
de conhecimento com as quais nós estamos preocupados não são irrefletidas ou esquisi-
tas. Antes, elas são juízos sensatos e ponderados. Assim, a lista que segue reflete um 
conjunto de pensamentos acerca do conhecimento e da racionalidade ao qual muitas 
pessoas provavelmente chegariam se elas refletissem honesta e cuidadosamente acerca 
do tópico. Você pode não concordar com cada detalhe da perspectiva a ser descrita, mas 
é justo dizer que ela captura acuradamente o senso comum reflexivo. 
 
A. O Que Nós Conhecemos 
A maioria de nós pensa que conhecemos muitas coisas. A lista seguinte identifica 
algumas categorias gerais dessas coisas e dá exemplos de cada uma. As categorias po-
dem se sobrepor e elas estão longe de serem precisas. Ainda assim, elas nos dão uma 
boa ideia dos tipos de coisas que nós podemos conhecer. 
 
a. Nosso meio-ambiente imediato: 
 “Há uma cadeira aqui.” 
 “O rádio está ligado.” 
 
b. Nossos próprios pensamentos e sentimentos: 
 “Estou animado com o novo semestre.” 
 “Eu não estou ansioso para preencher meus formulários de impos-
to.” 
 
c. Fatos do senso comum acerca do mundo: 
 “A França é um país da Europa.” 
 “Muitas árvores deixam cair suas folhas no outono.” 
 
d. Fatos científicos: 
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 “Fumar cigarros causa câncer de pulmão.” 
 “A terra gira em torno do sol.” 
 
e. Estados mentais dos outros: 
 “Meu vizinho quer que sua casa seja pintada.” 
 “Aquela pessoa ali que está rindo muito achou a piada que ela recém 
ouviu engraçada.” 
 
f. O passado: 
 “George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos.” 
 “O presidente Kennedy foi assassinado.” 
 
g. Matemática: 
 “2 + 2 = 4” 
 “5 . 3 = 15” 
 
h. Verdades conceituais: 
 “Todos os solteiros são não-casados.” 
 “Vermelho é uma cor.” 
 
i. Moralidade: 
 “A tortura gratuita de crianças é errada.” 
 “Não há nada de errado em tirar uma folga do trabalho de vez em 
quando.” 
 
j. O futuro: 
 “O sol nascerá amanhã.” 
 “Os Chicago Cubs não ganharão a World Series no próximo ano.”1 
 
k. Religião: 
 “Deus existe.” 
 “Deus me ama.” 
 
1 Os fãs dos Cubs podem não gostar deste exemplo. Mas aqueles que acompanham beisebol sabem 
que, não importa o que aconteça, os Cubs nunca vencem. Nem o Boston Red Sox. 
 
 
 
Existem, naturalmente, muitas coisas destas categorias que nós não conhecemos. 
Alguns fatos acerca do passado distante estão irrecuperavelmente perdidos. Alguns fatos 
acerca do futuro estão, ao menos por enquanto, além de nós. Algumas das áreas de co-
nhecimento da lista são controversas. Você pode ter dúvidas acerca de nosso conheci-
mento nas áreas da moralidade e da religião. Ainda assim, a lista proporciona uma exem-
plificação adequada dos tipos de coisas que nós tipicamente alegamos conhecer. 
Assim, a primeira tese da Perspectiva Standard é 
 
PS1. Nós conhecemos uma grande variedade de coisas das categorias (a) – (k). 
 
B. Fontes de Conhecimento 
 
Se (PS1) está correta, então existem algumas maneira pelas quais nós chegamos 
a conhecer as coisas que ela diz que conhecemos; existem algumas fontes para o nosso 
conhecimento. Por exemplo, se nós conhecemos alguma coisa acerca do nosso meio-
ambiente imediato, então a percepção e a sensação jogam um papel central na aquisição 
desse conhecimento. A memória obviamente é crucial para o nosso conhecimento do 
passado e também para certos aspectos do nosso conhecimento de fatos correntes. Por 
exemplo, meu conhecimento de que a árvore que vejo através de minha janela é um bor-
do depende de minha percepção da árvore e de minha lembrança de como os bordos se 
parecem. Outra fonte de boa parte de nosso conhecimento é o testemunho das outras 
pessoas. O testemunho não se restringe aqui às declarações feitas por testemunhas sob 
juramento. Ele é muito mais amplo do que isso. Ele inclui o que as outras pessoas dizem 
a você, incluindo o que eles dizem a você na televisão ou em livros e jornais. 
Três outras fontes de conhecimento merecem também uma breve menção aqui. 
Se a percepção é a nossa consciência das coisas externas através da visão, da audição e 
dos outros sentido, então a percepção não dá conta do nosso conhecimento de nossos 
próprios estados internos. Você pode agora saber que se sente sonolento, ou que está 
agora pensando acerca do que irá fazer no final de semana. Mas isso não ocorre por 
meio da percepção no sentido recém estabelecido. Ocorre, antes, por meio da introspec-
ção. Assim, esta é outra potencial fonte de conhecimento. 
Além disso, algumas vezes nós conhecemos coisas por raciocínio ou inferência. 
Quando nós conhecemos alguns fatos e vemos que aqueles fatos sustentam algum outro 
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fato, nós chegamos a conhecer esse outro fato. O conhecimento científico, por exemplo, 
parecesurgir de inferências a partir de dados observacionais. 
Finalmente, parece que conhecemos algumas coisas simplesmente porque nós 
podemos “ver” que elas são verdadeiras. Isto é, nós temos a habilidade de pensar acerca 
das coisas e de discernir algumas verdades simples. Embora isso seja matéria de alguma 
controvérsia, nosso conhecimento de aritmética elementar, de lógica simples e de verda-
des conceituais parece cair nessa categoria. Por falta de um termo melhor, nós iremos 
dizer que conhecemos essas coisas por meio de insight racional. 
Nossa lista das fontes de conhecimento, então, se parece com isto: 
 
a. Percepção 
b. Memória 
c. Testemunho 
d. Introspecção 
e. Raciocínio 
f. Insight racional 
 
Sem dúvida, em muitos casos nosso conhecimento depende de alguma combina-
ção dessas fontes. 
A Perspectiva Standard sustenta que nós podemos ganhar conhecimento dessas 
fontes. Ela não diz que essas fontes são perfeitas. Sem dúvida, elas não são. Algumas 
vezes nossas lembranças estão equivocadas. Algumas vezes nossos sentidos nos enga-
nam. Algumas vezes nós raciocinamos mal. Ainda assim, de acordo com a Perspectiva 
Standard, nós podemos obter conhecimento usando essas fontes. 
Se a lista de fontes de conhecimento deveria ser expandida é matéria de alguma 
controvérsia. Talvez algumas pessoas acrescentassem insight religioso ou místico à lista. 
Talvez outras pensassem que existissem formas de percepção extra-sensorial que de-
vêssemos acrescentar. Entretanto, estas são questões sobre as quais há maior desacor-
do. Acrescentá-las à lista, assim, pode fazer a lista parecer menos com alguma coisa que 
mereça o nome de “Perspectiva Standard”. Assim, nós não as acrescentaremos aqui. Ou-
tros podem querer acrescentar a ciência à lista das fontes de conhecimento. Embora pos-
sa não ser objetável fazê-lo, a ciência é provavelmente melhor vista como uma combina-
ção de percepção, memória, testemunho e raciocínio. Assim, pode não ser necessário 
acrescentá-la à lista. 
 
 
Assim, a segunda tese da Perspectiva Standard é 
 
 
PS2. Nosso fontes de conhecimento primárias são (a) – (f). 
 
 
A Perspectiva Standard, então, é a conjunção de (PS1) e de (PS2). 
 
 
II. DESENVOLVENDO A PERSPECTIVA STANDARD 
 
Numerosas questões surgem quando refletimos acerca da Perspectiva Standard. 
Essas questões constituem o objeto primeiro da epistemologia. Esta seção identifica al-
gumas dessas questões. 
Se alguns casos caem na categoria de conhecimento e outros são dela excluída, 
então deve haver alguma coisa que diferencie esses dois grupos de coisas. O que é que 
distingue o conhecimento da falta de conhecimento? O que é preciso para conhecer al-
guma coisa? Isto leva à primeira questão: 
 
Q1. Sob que condições uma pessoa sabe que alguma coisa é verdadeira? 
 
Pode-se pensar que é uma questão de quão segura uma pessoa se sente sobre 
alguma coisa ou de se existe um acordo geral sobre o assunto. Como veremos, estas não 
são boas respostas para (Q1). Alguma coisa mais distingue o conhecimento de seu opos-
to. (Q1), afinal de contas, é surpreendentemente difícil, controversa e interessante. Pro-
duzir uma resposta para ela envolve pensar em algumas questões difíceis. Esse será o 
foco dos capítulos 2 e 3. 
De acordo com muitos filósofos, uma condição importante para o conhecimento é 
a crença racional ou justificada. Conhecer alguma coisa requer algo como ter uma boa 
razão para crer nela, ou chegar a crer nela da maneira correta, ou alguma coisa do tipo. 
Você não conhece uma coisa se está apenas adivinhando, por exemplo. Isto nos leva a 
uma segunda questão, uma que tem sido central para a epistemologia por muitos anos: 
 
 
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Q2. Sob que condições uma crença é justificada 
(ou razoável ou racional)? 
 
 
E isto nos levará a questões adicionais acerca das fontes de conhecimento alega-
das. Como essas faculdades nos tornam aptos a satisfazer as condições para o conheci-
mento? Como elas podem produzir a justificação epistêmica? Esse será o foco dos capí-
tulos 4 e 5, bem como de partes dos capítulos 7-9. 
Nossas crenças obviamente jogam um papel central na determinação de nosso 
comportamento. Você irá se comportar de maneira muito diferente em relação ao seu vi-
zinho se acreditar que ele seja um amigo confiável ao invés de um inimigo desonesto. 
Dada a habilidades das crenças de afetar o nosso comportamento, parece claro que as 
suas crenças podem afetar a sua vida e a vida dos demais. Dependendo da sua carreira e 
da extensão na qual os outros dependem de você, você pode ter a obrigação de conhecer 
certas coisas. Por exemplo, um médico deve conhecer os últimos desenvolvimentos em 
sua especialidade. Algumas vezes, entretanto, o conhecimento pode ser uma coisa ruim, 
como quando alguém fica sabendo da deslealdade de um aparente amigo. Estas conside-
rações sugerem que questões práticas e morais interagem com questões epistemológicas 
de maneiras que merecem exame. Assim, 
 
Q3. De que maneiras, se alguma há, as questões epistemológicas, práticas e morais afe-
tam umas às outras? 
 
 
Trataremos dessa questão no capítulo 4. 
 
 
III. DESAFIOS À PERSPECTIVA STANDARD 
 
A cuidadosa reflexão filosófica sobre as questões até agora listadas, a ser desen-
volvida nos capítulos 2-5, resultará na exposição detalhada daquilo a que conduz a Pers-
pectiva Standard. Entretanto, como se evidenciará ao prosseguirmos, há razões para per-
guntarmos se essa perspectiva do senso comum é realmente correta. Nós daremos a es-
sas razões e às visões alternativas sobre o conhecimento e a racionalidade associadas 
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com elas a devida atenção nos capítulos 6-9. As ideias centrais por detrás dessas dúvidas 
são as bases para as questões restantes acerca da Perspectiva Standard. 
 
A. A Perspectiva Cética 
Os advogados da Perspectiva Standard sustentam que nós conhecemos muito 
menos do que a Perspectiva Standard diz que nós conhecemos. O ceticismo constitui um 
tradicional e poderoso desafio filosófico à Perspectiva Standard. Os céticos pensam que a 
Perspectiva Standard é demasiado caridosa e auto-indulgente. Eles pensam que a nossa 
asserção confiante de que conhecemos muitas coisas resulta de uma autoconfiança pre-
sunçosa que é inteiramente injustificada. Como nós veremos, alguns argumentos céticos 
repousam sobre possibilidades aparentemente bizarras: talvez você esteja apenas so-
nhando que vê e ouve as coisas que você está vendo e ouvindo; talvez a sua vida seja 
algum tipo de realidade artificial gerada por computador. Outros argumentos céticos não 
repousam sobre hipóteses estranhas como essas. Mas todas elas desafiam as nossas 
confortáveis visões do senso comum. Estas considerações conduzem a um novo conjunto 
de questões epistemológicas: 
 
 
Q4. Nós realmente temos algum conhecimento? Há alguma boa resposta aos argumentos 
dos céticos? 
 
 
(Q4) questiona se, com efeito, as condições formuladas em resposta a (Q1) são 
de fato satisfeitas. Os advogados da Perspectiva Cética sustentam que a resposta para 
cada uma das questões de (Q4) é “Não.” Eles estão inclinados a negar tanto (PS1) quan-
to (PS2). 
 
B. A Perspectiva Naturalista 
 
A metodologia tradicionalmente utilizada pelos epistemólogos é primariamente a 
análise conceitual ou filosófica: pensar rigorosamente acerca de como são o conhecimen-
to e a racionalidade, frequentemente utilizando exemplos hipotéticos para ilustrar as ques-
tões. Entretanto, pode-se perguntar se não faríamos melhor estudando alguma dessas 
questões cientificamente. Muitosfilósofos recentes têm dito que faríamos. Chamaremos a 
 
 
essa perspectiva de Perspectiva Naturalista porque ela enfatiza o papel da ciência natural 
(ou empírica ou experimental). Assim, uma maneira pela qual a Perspectiva Naturalista 
desafia a Perspectiva Standard tem a ver com a metodologia utilizada para sustentar as 
teses (PS1) e (PS2) da Perspectiva Standard. 
A Perspectiva Naturalista conduz a um segundo tipo de desafio à Perspectiva 
Standard. Há um corpo de pesquisa acerca das maneiras pelas quais as pessoas pensam 
e raciocinam que é perturbador. Ele mostra, ou ao menos parece mostrar, erros e confu-
sões sistemáticos e generalizados na maneira como nós pensamos e raciocinamos. 
Quando confrontadas com os resultados dessas pesquisas, algumas pessoas se pergun-
tam se algo como a Perspectiva Standard pode estar correta. 
Estas considerações conduzem ao nosso próximo conjunto de questões: 
 
 
Q5. De que maneiras, se alguma há, os resultados em ciência natural, especialmente na 
psicologia cognitiva, influenciam nas questões epistemológicas? Os recentes resulta-
dos empíricos solapam a Perspectiva Standard? 
 
 
C. A Perspectiva Relativista 
 
Outro desafio à Perspectiva Standard emerge de considerações de relativismo e 
diversidade cognitiva. Para ver as questões envolvidas aqui, note que as crenças das 
pessoas e suas políticas de formação de crenças diferem amplamente. Por exemplo, al-
gumas pessoas estão dispostas a crer na base de pouca evidência. Algumas parecem 
demandar muita evidência. As pessoas diferem também em suas atitudes em relação à 
ciência. Algumas pessoas creem fortemente no poder da ciência. Elas pensam que os 
métodos da ciência proporcionam a única maneira razoável de aprender acerca do mundo 
que nos cerca. Elas ás vezes consideram aos demais como irracionais por crer em coisas 
tais como astrologia, reencarnação, PES, e outros fenômenos ocultos. Defensores destas 
crenças ás vezes acusam seus críticos de fé cega e irracional na ciência. As pessoas 
também diferem amplamente sobre questões políticas, morais e religiosas. Pessoas apa-
rentemente inteligentes podem se encontrar em sério desacordo umas com as outras so-
bre essas questões. Não há dúvida, então, de que as pessoas discordam, com frequência 
veementemente, acerca de um grande número de coisas. 
 
 
O fato de que haja todo esse desacordo leva algumas pessoas a perguntar se em 
cada caso (ao menos) uma das partes da disputa deva estar sendo desarrazoada. Um 
pensamento confortador para muitos é o de que há lugar para um desacordo razoável, ao 
menos sobre certos tópicos. Isto é, duas pessoas podem ter diferentes pontos de vista e 
ainda assim serem razoáveis ao manter suas próprias perspectivas. Defensores da Pers-
pectiva Relativista estão inclinados a conceder espaço para muito desacordo razoável, 
enquanto que os defensores da Perspectiva Standard parecem estar mais inclinados a 
pensar que uma das partes (ao menos) deve estar errada em toda disputa. 
Estas considerações sobre a diversidade cognitiva e a possibilidade de desacor-
dos razoáveis provocam as seguintes questões que têm a ver com o relativismo episte-
mológico: 
 
 
Q6. Quais são as implicações epistemológicas da diversidade cognitiva? Existem stan-
dards universais de racionalidade, aplicáveis a todas as pessoas (ou a todos os pen-
sadores) todas as vezes? Sob que circunstâncias as pessoas racionais podem discor-
dar entre si? 
 
 
As questões levantadas de (Q1) até (Q6) estão entre os problemas centrais da 
epistemologia. Os capítulos que seguem tratam delas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO DOIS 
 
 
A ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO 
 
O objetivo dos capítulos imediatamente seguintes é tentar esclarecer o que exa-
tamente diz e quais as implicações da Visão Standard. Ao fazer isso não colocaremos em 
questão a verdade da Visão Standard. Assumiremos que ela está basicamente correta, 
reservando a discussão dos desafios à nossa visão do senso comum para mais tarde. 
 
 
I. TIPOS DE CONHECIMENTO 
 
A Visão Standard diz que nós temos uma boa quantidade de conhecimento e diz 
alguma coisa sobre as fontes desse conhecimento. Um aspecto central de esclarecer exa-
tamente aonde leva a Visão Standard é esclarecer exatamente o que ela toma como co-
 
 
nhecimento. A Visão Standard diz que nós temos conhecimento, mas o que é conheci-
mento? 
 
A. Alguns dos Principais Tipos de Conhecimento 
 
Nós usamos as palavras “conhece”/”sabe” e “conhecia”/”sabia” em uma variedade 
de tipos de sentenças diferentes de maneiras importantes. Eis aqui alguns exemplos:2 
 
a. Conhecer um indivíduo: S conhece x. 
 “O professor conhece J. D. Salinger.” 
 
b. Saber quem: S sabe quem é x. 
 “O estudante sabe quem é J. D. Salinger.” 
 
c. Saber se: S sabe se p. 
 “O bibliotecário sabe ser há um livro de J. D. Salinger na biblioteca.” 
 
d. Saber quando: S sabe quando A irá acontecer (ou aconteceu). 
 “O editor sabe quando o livro de J. D. Salinger será publicado.” 
 
e. Saber como: S sabe como A. 
 “J. D. Salinger sabe como escrever.” 
 
f. Saber fatos: S sabe p. 
 “O estudante sabe que J. D. Salinger escreveu O Apanhador no Campo de 
Centeio.” 
 
Esta lista está longe de ser completa. Nós poderíamos acrescentar sentenças 
usando expressões tais como “sabe qual”, “sabe porque”, e assim por diante. Mas a lista 
que temos já será suficiente para destacar as principais questões a serem feitas aqui. 
 
2 Os exemplos seguintes mostram padrões gerais de vários tipos de enunciados, com um 
exemplo mostrando como cada padrão poderia ser preenchido. Os padrões fazem uso de variáveis 
que podem ser substituídas por termos específicos. Seguindo as práticas standard, “S” é usada 
como uma variável a ser substituída por um nome ou a descrição de uma pessoa, “x” é usada co-
 
 
 
B. Todo Conhecimento é Conhecimento Proposicional? 
 
Sentenças “sabe que” descrevem que uma pessoa conhece um certo fato ou pro-
posição. Essas sentenças são ditas expressar conhecimento proposicional.3 Uma ideia 
inicialmente plausível sobre a conexão entre essas várias maneiras em que a palavra 
“sabe” é usada é que “sabe que” é fundamental e que as outras podem ser definidas em 
termos dela. Para ver porque o conhecimento proposicional é mais fundamental do que os 
outros, considere como alguns dos outros tipos poderiam ser explicados em termos dele. 
Considere (c), “saber se.” Suponha que seja verdadeiro que 
 
1. O bibliotecário sabe se há um livro de J. D. Salinger na biblioteca. 
 
Se (1) é verdadeiro, então, se há um livro de J. D. Salinger na biblioteca, o biblio-
tecário sabe que há. Se, por outro lado, não há um livro dele na biblioteca, então o biblio-
tecário sabe que não há. Qualquer que seja a proposição efetivamente verdadeira – a 
proposição de que há um livro ou a proposição de que não há – o bibliotecário a conhece. 
Assim, dizer (1) é uma maneira resumida de dizer 
 
2. Ou o bibliotecário sabe que há um livro de J. D. Salinger na biblioteca ou o biblio-
tecário sabe que não há um livro de J. D. Salinger na biblioteca.4 
 
Nesse aspecto, o bibliotecário difere de um cliente que não sabe se há um livro de 
Salinger ali. O cliente não sabe que há um livro ali e ele não sabe que não há um livro ali. 
A questão recém destacada sobre (1) pode ser generalizada. Para qualquer pes-
soa e para qualquer proposição, a pessoa sabe se a proposição é verdadeira apenas nomo a variável a ser substituída por uma sentença completa que expresse um fato ou o significado 
de um fato (uma proposição), e “A” por uma descrição de uma ação. 
3 Para uma discussão de qual é exatamente o significado da palavra “proposição,” veja a 
seção III, parte A1 deste capítulo. 
4 É importante entender a diferença entre (2) e 
 
 2a. O bibliotecário sabe que ou há um livro de Salinger na biblioteca ou não há um livro de 
Salinger na biblioteca. 
 
 (2a) é verdadeira; (2a) descreve o conhecimento de uma disjunção (um enunciado “ou”) e 
qualquer um pode ter este conhecimento. Mas o bibliotecário precisa possuir um conhecimento 
 
 
caso da pessoa saber que ela é verdadeira ou da pessoa saber que ela não é verdadeira. 
Uma pessoa que não sabe se ela é verdadeira não sabe nem que ela é verdadeira nem 
que ela não o é. 
Nós podemos expressar a questão sobre a conexão entre (1) e (2) em termos de 
uma definição geral, usando a letra “S” para representar um sujeito epistêmico em poten-
cial e “p” para representar uma proposição: 
 
D1. S sabe se p = df. Ou S sabe p ou S sabe ~p.5 
 
A definição (D1) ilustra uma importante ferramenta metodológica: definições. Uma 
definição é correta apenas se os dois lados são equivalentes. Para verificar se os dois la-
dos são equivalentes, você considera os resultados de preencher com instâncias especí-
ficas as variáveis ou guardadores de lugar. No caso de (D1), você preenche S com o no-
me de uma pessoa e substitui p por uma sentença expressando alguma proposição. Se a 
definição é correta, em todos os casos assim os dois lados concordarão: se o lado es-
querdo é verdadeiro – se a pessoa sabe se a proposição é verdadeira – então o lado di-
reito também será verdadeiro – ou a pessoa sabe que ela é verdadeira ou a pessoa sabe 
que ela não é verdadeira; se, por outro lado, o lado esquerdo não é verdadeiro – se a 
pessoa não sabe se a proposição é verdadeira – então o lado direito também não será 
verdadeiro. (D1) parece passar por esse teste: os dois lados da definição coincidem. As-
sim, nós podemos explicar “saber se” em termos de “saber que.” 
Também é possível definir alguns dos outros tipos de conhecimento em termos de 
conhecimento proposicional. As definições são mais complicadas, mas as ideias são ain-
da bastante claras. Considere “saber quando.” Se você sabe quando algo aconteceu (ou 
irá acontecer), então há alguma proposição expressando o momento em que aquilo acon-
teceu (ou irá acontecer) tal que você sabe que essa proposição é verdadeira. Assim, dizer 
 
3. O editor sabia quando o livro de J. D. Salinger seria publicado. 
 
é dizer que o editor sabia, com respeito a um momento do tempo em particular, 
que o livro de J. D. Salinger seria publicado nesse momento, e.g., ele sabia que seria pu-
 
especial se (2) é verdadeira. Ele deve saber qual dos disjuntos (as partes do enunciado “ou”) é 
verdadeiro. 
5 “~p” significa “não-p”, ou a negação de p. A negação de “Há um livro de Salinger na biblio-
teca” é “Não é o caso de que haja um livro de Salinger na biblioteca.” 
 
 
blicado em 1950 ou que seria publicado em 1951, etc. Aqueles que sabiam menos que o 
editor não estavam nessa posição. Para eles, não havia um momento tal que eles conhe-
cessem a proposição de que o livro seria publicado naquele momento. 
Novamente, nós podemos generalizar a ideia e expressá-la como uma definição: 
 
 
D2. S sabe quando x acontece = df. Há alguma proposição dizendo que x acontece em al-
gum momento em particular e S conhece essa proposição. (Há alguma proposição, p, 
onde p é da forma “x acontece em t” e S conhece p.) 
 
 
Mais uma vez, nós temos uma maneira de explicar um tipo de conhecimento – sa-
ber quando – em termos de conhecimento proposicional. É provável que abordagens simi-
lares irão funcionar para saber qual, saber porque, e numerosas outras sentenças sobre o 
conhecimento. O caso em favor do conhecimento proposicional ser fundamental parece 
muito forte. 
Entretanto, é improvável que todas as coisas que nós digamos usando a palavra 
“sabe”/”conhece” possam ser expressas em termos de conhecimento proposicional. Con-
sidere o primeiro item de nossa lista: “S conhece x.” Você pode pensar que conhecer a l-
guém ou alguma coisa é ter conhecimento proposicional de alguns fatos sobre essa pes-
soa ou coisa. Assim, nós podemos propor 
 
D3. S conhece x = df. S tem conhecimento proposicional de alguns fatos sobre x (i.e., para 
alguma proposição p, p é sobre x, e S conhece p). 
 
É provável que alguém que você conheça seja alguém sobre quem você conheça 
alguns fatos. Mas conhecer alguns fatos sobre uma pessoa não é suficiente para conhe-
cer a pessoa. J. D. Salinger é um autor recluso, mas bem conhecido. Muitas pessoas sa-
bem alguns fatos sobre ele: elas sabem que ele escreveu O Apanhador no Campo de 
Centeio. Elas podem saber que ele não interage com uma grande quantidade de pessoas. 
Desse modo elas conhecem fatos sobre ele, mas elas não o conhecem. Assim, conhecer 
uma pessoa não é o mesmo que conhecer alguns fatos sobre a pessoa. 
Isso mostra que a definição (D3) não é correta. Isso também ilustra outra questão 
metodológica importante. O exemplo mostra que (D3) não é correta porque ela é um con-
tra-exemplo para (D3): um exemplo mostrando que os lados da definição nem sempre 
 
 
concordam – um lado pode ser verdadeiro enquanto o outro é falso. Um contra-exemplo 
bastante claro refuta a definição proposta. Ao revisar uma definição em resposta aos con-
tra-exemplos, é possível obter um melhor entendimento dos conceitos sob discussão.6 
O contra-exemplo a (D3) mostra, não apenas que (D3) é falsa, mas também que 
não está sequer no caminho correto. Nós não podemos fazer algumas pequenas mudan-
ças a fim de consertar as coisas. Não irá ajudar que S conhecesse muitos fatos sobre x, 
ou que S conhecesse fatos importantes sobre x. Você pode ter esse tipo de conhecimento 
proposicional e ainda assim não conhecer a pessoas. Conhecer x não é uma questão de 
conhecer fatos sobre x. Ao invés, é uma questão de estar familiarizado com x – ter encon-
trado x e talvez recordar esse encontro. Não importa quantos fatos você conheça sobre 
uma pessoa, não se segue daí que você conheça essa pessoa. Conhecer uma pessoa ou 
uma coisa é estar familiarizado com essa pessoa ou coisa, ao invés de ter conhecimento 
proposicional sobre a pessoa ou coisa. Desse modo, nem todo saber é saber proposicio-
nal. 
Considere a seguir “saber como.” Suponha que exista um hábil esquiador que, 
após um sério acidente que o deixa inapto para esquiar, se torna um treinador de esqui de 
sucesso. Seu sucesso como esquiador é em larga medida o resultado do fato de que ele 
é anormalmente bom em explicar as técnicas de esqui aos estudantes. O treinador sabe 
como esquiar? A resposta parece ser “Sim.” Uma explicação plausível disso apela para a 
seguinte definição: 
 
D4a. S sabe como A = df. Se a é um passo importante para fazer A, então S sabe que a é 
um passo importante para fazer A.7 
 
Isso parece mostrar que “saber como” pode ser definido em termos de conheci-
mento proposicional. 
Entretanto, outros exemplos sugerem uma ideia diferente. Considere uma criança 
jovem que começa a esquiar e o faz com sucesso, sem qualquer treinamento ou entendi-
mento intelectual do que ela está fazendo. Ela também sabe como esquiar, mas ela pare-
ce carecer do conhecimento proposicional relevante. Ela não tem qualquer entendimento 
consciente explícito dos vários passos. Ela simplesmente é apta para fazê-lo. Este exem-6 A metodologia usada aqui será importante na seqüência. Um teste importante de uma de-
finição proposta é que não hajam contra-exemplos para ela. 
7 Esta definição pode necessitar de algum refinamento 
 
 
plo sugere que há um segundo significado da expressão “sabe como.” A seguinte defin i-
ção captura esse segundo significado: 
 
 
D4b. S sabe como A = df. S está apto para A 
 
 
O ex-esquiador sabe como esquiar no sentido (D4a), mas não no sentido (D4b). 
Exatamente o inverso é verdadeiro do jovem prodígio. Desse modo um tipo de conheci-
mento prático [knowhow] é conhecimento proposicional, mas não o outro tipo. 
 
 
 
C. Conclusão 
 
A tentativa de explicar todos os diferentes tipos de conhecimento em termos de 
conhecimento proposicional fracassa. A conclusão mais razoável parece ser a de que há 
(ao menos) três tipos básicos de conhecimento: (1) conhecimento proposicional, (2) co-
nhecimento por intimidade [acquaintance] ou familiaridade, e (3) conhecimento de habili-
dade (ou conhecimento de procedimento). 
Ainda que não possamos explicar todo conhecimento em termos de conhecimento 
proposicional, o conhecimento proposicional tem um status especial. Nós podemos expli-
car vários outros tipos de conhecimento nos seus termos. Além do mais, muitas de nos-
sas mais intrigantes questões sobre o conhecimento se revelam questões sobre o conhe-
cimento proposicional. Será ele o foco deste livro. E o objetivo desta seção é principal-
mente esclarecer qual é o tipo de conhecimento que é o tópico de nosso estudo. É o co-
nhecimento proposicional ou conhecimento de fatos. 
 
 
II. CONHECIMENTO E CRENÇA VERDADEIRA 
 
O que é necessário para conhecer um fato? O que é conhecimento proposicional? 
Estas são as questões levantadas por (Q1) no Capítulo 1. Começaremos nosso exame 
 
 
dessas questões com uma resposta simples e inadequada. Tentaremos então desenvol-
ver essa resposta. 
 
A. Duas Condições para o Conhecimento 
 
É fácil aparecer com duas condições para o conhecimento: a verdade e a crença. 
É claro que o conhecimento requer a verdade. Isto é, você não pode conhecer alguma 
coisa a menos que ela seja verdadeira. Jamais pode estar correto dizer “Ele sabe isso, 
mas isso é falso.” Você não pode saber que Thomas Jefferson foi o primeiro presidente 
dos Estados Unidos. A razão pela qual você não pode saber isto é que ele não foi o pri-
meiro presidente norte-americano. 
As pessoas podem estar seguras sobre coisas que não são verdadeiras. Você po-
de estar seguro de que Jefferson foi o primeiro presidente norte-americano. Você pode 
até mesmo pensar que se lembra de ter aprendido isso no colégio. Mas você está enga-
nado a esse respeito. (Ou o seu professor cometeu um grande engano.) Você pode até 
mesmo alegar saber que Jefferson foi o primeiro presidente norte-americano. Mas ele não 
foi, e você não sabe que ele foi. Isto é assim porque o conhecimento requer a verdade. 
Você conhece uma proposição apenas se ela é verdadeira. 
Há uma objeção possível à alegação de que o conhecimento requer a verdade. 
Ela é ilustrada pelo seguinte exemplo: 
 
 
Exemplo 2.1: A História de Suspense 
 
Você estava lendo uma história de suspense. Todas as pistas apresentadas até o 
último capítulo indicavam que o mordomo era o culpado. Você estava seguro de que o 
mordomo cometera o crime é ficou surpreso quando foi revelado na cena final que o con-
tador era o culpado. Após terminar o livro você diz: 
 
4. Eu sabia o tempo todo que o mordomo havia cometido o crime, mas resultou que ele 
não o havia cometido. 
 
Se você está certo quando diz (4), então é possível conhecer coisas que não são 
verdadeiras. Você pode saber que o mordomo cometeu o crime, mas não é verdade que 
 
 
o mordomo o cometeu. Entretanto, ainda que as pessoas algumas vezes digam coisas 
tais como (4), é claro que tais coisas não são literalmente verdadeiras. Você não pode 
saber o tempo todo que o mordomo cometeu o crime. O que era verdade o tempo todo 
era que você estava seguro que o mordomo o havia cometido, ou algo assim. Ao dizer (4) 
você expressa, de uma maneira levemente enfeitada, que foi surpreendido pelo final. Mas 
(4) não é verdadeira, e não mostra que pode haver conhecimento sem verdade. 
Uma segunda condição para o conhecimento é a crença. Se você conhece alguma 
coisa, então você deve acreditar nela ou aceitá-la. Se você nem mesmo pensa que algu-
ma coisa é verdadeira, então você não a conhece. Nós estamos usando “crença” em um 
sentido amplo aqui: toda vez que você assume alguma coisa como verdadeira, você 
acredita nela. Assim, acreditar inclui tanto a aceitação hesitante quanto a aceitação intei-
ramente confiante. Uma boa maneira de pensar nisto é notar que quando você considera 
um enunciado, você pode adotar quaisquer de três atitudes diante dele: crer, descrer ou 
suspender o juízo. Como uma analogia, imagine-se forçado a dizer uma de três coisas 
sobre um enunciado: “sim”, “não” ou “sem opinião.” Você dirá “sim” em uma variedade de 
casos, incluindo aqueles nos quais você está inteiramente confiante em um enunciado e 
aqueles nos quais você simplesmente pensar que o enuncia é provavelmente verdadeiro. 
Você dirá “não” quando pensar que o enunciado é definitiva ou provavelmente falso. E 
usará “sem opinião” nos casos restantes. Da mesma forma, tal como nós estamos usando 
o termo aqui, “crença” se aplica a uma variedade de atitudes. Ela é contrastada com a 
descrença, a qual envolve uma variedade semelhante, e com a suspensão de juízo. 
É claro, então, que o conhecimento requer a crença. Se você nem mesmo pensa 
que um enunciado é verdadeiro, então você não sabe que ele é verdadeiro. Há, entretan-
to, uma objeção a esta alegação que merece consideração. Nós falamos algumas vezes 
de maneiras que contrastam conhecimento e crença, sugerindo que quando você conhe-
ce alguma coisa você não acredita nela. Para ver isto, considere o seguinte exemplo: 
 
 
Exemplo 2.2: Saber o seu nome 
 
Você tem um amigo chamado “John” e pergunta a ele: “Você acredita que seu 
nome seja ‘John’?” Ele responde: 
 
5. Eu não acredito que meu nome seja “John”; eu sei que ele é. 
 
 
 
Ao dizer (5), John parece estar dizendo que esse é um caso de conhecimento e 
não um caso de crença. A sugestão é que se ela é uma crença, então não é conhecimen-
to. Se ele está certo, então a crença não é uma condição para o conhecimento. 
Entretanto, mais uma vez, essa aparência é enganadora. John seguramente acei-
ta o enunciado de que o nome dele é “John.” Ele não rejeita o enunciado ou não tem op i-
nião sobre ele. Quando ele diz (5), a questão é que ele não acredita simplesmente que o 
nome dele é “John”; ele pode dizer alguma coisa mais forte – que ele sabe disto. E uma 
das maneiras pelas quais nós tipicamente procedemos em conversações é evitando dizer 
uma coisa mais fraca ou modesta quando a mais forte é também verdadeira. Se seu ami-
go dissesse a você, “Eu acredito que meu nome seja ‘John,’” isto sugeriria, mas não diria 
literalmente, que ele não sabe disto. Há muitos outros exemplos do mesmo fenômeno. 
Suponha que você esteja extremamente cansado, tendo trabalhado duro por muito tempo. 
Alguém pergunta se você está cansado. Você pode responder dizendo alguma coisa co-
mo: 
 
 
6. Eu não estou cansado; estou exausto. 
 
 
Tomado literalmente, o que você diz é falso. Você está cansado. A questão do seu 
proferimento é enfatizar que você não está meramente cansado; você está exausto. A 
mesma coisa ocorre em (5). Ao dizer (5), John não está realmente dizendo que ele não 
acredita no enunciado. Assim esse exemplo não é um contra-exemplo à tese de queo 
conhecimento requer a crença. 
Nós encontramos agora duas condições para o conhecimento. Para conhecer al-
guma coisa, você precisa acreditar nela e ela precisa ser verdadeira. 
 
B. Conhecimento como Crença Verdadeira 
 
As ideias recém apresentadas podem sugerir que o conhecimento seja crença 
verdadeira; isto é, 
 
Tb. S sabe p = df. (i) S crê p, e (ii) p é verdadeira. 
 
 
 
Uma breve reflexão deveria tornar claro que (TB) é um equívoco. São muitas as 
vezes em que uma pessoa tem uma crença verdadeira mas não tem conhecimento. Eis 
aqui um contra-exemplo simples para (TB): 
 
Exemplo 2.3: Predições corretas 
 
Nova York está jogando contra Denver em um próximo Superbowl. Os especialis-
tas estão divididos sobre quem irá vencer, e os times estão igualmente ranqueados. Você 
tem um palpite de que Denver irá vencer. Quando o jogo é finalmente realizado, seu palpi-
te se revela correto. Assim, você acreditou que Denver venceria e sua crença era verda-
deira. 
 
No exemplo 2.3 você acredita que Denver vencerá e isto é verdadeiro. Mas você 
não sabia que Denver iria vencer. Você simplesmente teve um palpite que se revelou cor-
reto. 
Alguns irão dizer que o fato da crença do exemplo 2.3 ser sobre o futuro arruína o 
exemplo. Mas nós podemos facilmente eliminar esta característica sem eliminar a ques-
tão. Suponha que você não assista ao jogo mas, ao invés, vá assistir a um filme longo. 
Quando você sai do cinema, você sabe que o jogo acabou. Você tem agora uma crença 
sobre o passado, a saber, que Denver venceu. E você está certo. Mas agora não há com-
plicações que tenham a ver com crenças sobre o futuro. 
As objeções a (TB) não estão limitadas aos casos de palpites felizes. Outro tipo de 
exemplo ilustrará o coração do problema com (TB). 
 
Exemplo 2.4: O Planejador de Piqueniques Pessimista 
 
Você tem um piquenique marcado para sábado e ouve uma previsão do tempo 
que diz que as chances de chova no sábado são de pouco mais de 50%. Você é um pes-
simista, e com base nesse boletim você acredita confiantemente que irá chover. E então 
chove. Assim, você teve uma crença verdadeira de que choveria. 
 
Você teve uma crença verdadeira de que choveria, mas carecia de conhecimento. 
(Quando a chuva começa, você pode dizer “Eu sabia que ia chover,” mas você não sabia 
 
 
disto realmente.) A razão pela qual você não sabia nesse caso não é que você estava 
adivinhando. Sua crença está baseada em alguma evidência – o boletim do tempo – e 
assim não é simplesmente um palpite. Mas esta base não é boa o suficiente para o co-
nhecimento. O que você precisa para o conhecimento é alguma coisa como razões muito 
boas ou uma base mais confiável, não apenas um boletim do tempo potencialmente ine-
xato. 
Os filósofos frequentemente dizem que o que é necessário para o conhecimento, 
além da crença verdadeira, é a justificação para a crença. Exatamente o que vem a ser 
justificação é uma questão de considerável controvérsia. Nós passaremos um bom tempo 
mais tarde neste livro examinado essa ideia. Mas, por enquanto, será suficiente notar que 
nos exemplos de conhecimento que nós apresentamos no Capítulo 1 os crentes tinham 
razões extremamente boas para suas crenças. Em contraste, nos contraexemplos para 
(TB) você não tinha razões muito boas e poderia facilmente ter estado errado. O que está 
faltando, então, nos contraexemplos para (TB) e está presente nos exemplos de conhe-
cimento que nós descrevemos é a justificação. Isto nos leva à Análise Tradicional do Co-
nhecimento. 
 
 
III.A ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO 
 
A Análise Tradicional do Conhecimento (a ATC) é formulada na seguinte definição: 
 
ATC. S sabe p = df. (i) S crê p, (ii) p é verdadeira, (iii) S está justificado em crer p. 
 
Algo nessa linha pode ser encontrado em várias fontes, talvez tão antigas quanto 
Sócrates. No diálogo Mênon de Platão, Sócrates diz: 
 
Pois estas (as opiniões certas), da mesma forma, enquanto permanecem, valem um te-
souro e só produzem o que é bom; mas não consentem em permanecer muito tempo na 
alma do homem, e não demoram muito a escapar, a fugir, o que faz com que não tenham 
muito valor até o instante em que o homem as amarra, as encadeia por um raciocínio de 
causalidade.(...) E assim, quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em 
conhecimento, em ciência, e, como ciência, permanecem estáveis..8 
 
8 Em Mênon-Banquete-Fedro, tradução de Jorge Paleikat (Rio de Janeiro: Ediouro), p. 72. 
 
 
 
De acordo com uma interpretação possível dessa passagem, estar apto a dar 
“uma explicação” de uma opinião é ter uma razão ou justificação para essa opinião. E 
uma ideia na passagem é que isto é necessário a fim de haver conhecimento.9 Nós ire-
mos ignorar a alegação adicional de que o conhecimento é menos propenso a “escapar” 
da mente de alguém do que outras crenças. 
Ideias semelhantes podem ser encontradas na obra de muitos outros filósofos 
contemporâneos. Por exemplo, Roderick Chisholm propôs uma vez que uma pessoa co-
nhece uma proposição apenas no caso de acreditar nesta, de ser esta verdadeira, e de 
ser a proposição “evidente” para a pessoa. E esta última condição é entendia em termo 
de quão razoável é para a pessoa crer na proposição.10 
Nos voltamos agora para um exame mais completo dos três elementos da ATC. 
 
A. Crença 
 
Crer em alguma coisa é aceitá-la como verdadeira. Quando você considera qual-
quer enunciado, você se enfrenta com um conjunto de alternativas: você pode acreditar 
nele, pode descrer dele, ou pode suspender o juízo sobre ele. Recorde que nós estamos 
tomando a crença como incluindo uma variedade de atitudes mais específicas, incluindo a 
aceitação hesitante e a convicção total. A descrença inclui uma variedade correspondente 
de atitudes negativas em relação a uma proposição. A qualquer momento, se você consi-
derar uma proposição, irá terminar adotando uma dessas três atitudes.11 
Para os presentes propósitos, pense em descrer de uma proposição como sendo 
a mesma coisa que crer na negação (ou recusa) dessa proposição. Assim, descrer que 
George Washington foi o primeiro presidente norte-americano é o mesmo que crer que 
 
9 Uma ideia semelhante é apresentada em outro diálogo, o Teeteto, em Teeteto-Crátilo, 
tradução de Carlos Alberto Nunes (Belém: Universidade Federal do Pará, 1988). 
10 Roderick Chisholm, Theory of Knowledge (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1966), p. 
23. 
11 Há uma maneira alternativa de pensar nestas questões. Ao invés de dizer que há três op-
ções, você pode dizer que pode crer numa proposição num grau maior ou menor. Você pode pen-
sar nesses três graus de crença como arranjados ao longo de uma escala. Quando você aceita 
uma proposição com absoluta convicção, você crê nela no mais alto grau. Quando você rejeita to-
tal e completamente uma proposição, você tem o menor grau possível de crença nela. E, nos ca-
sos usuais, o seu grau de crença fica em algum lugar intermediário. A suspensão de juízo fica exa-
tamente no meio. 
 
 
não é o caso que George Washington foi o primeiro presidente norte-americano. Suspen-
der o juízo sobre a proposição é nem crer nem descrer dela.12 
Uma questão adicional sobre a crença merece menção aqui. Suponha que a uma 
criança francesa seja ensinado que George Washington foi o primeiro presidente dos Es-
tados Unidos. Então, se torna verdadeiro que 
 
7. Pierre acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados 
Unidos. 
 
A coisa notável aqui é que (7) pode ser verdadeira mesmo que Pierre não fale 
uma palavra de português.Ele não tem de entender a sentença portuguesa “George Wa-
shington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos.” Presumivelmente, ele expressaria 
sua crença usando o equivalente francês dessa sentença. A contraparte brasileira de Pi-
erre, Pedro, pode acreditar no que Pierre acredita. Então, 
 
8. Pedro acredita que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados 
Unidos. 
 
Pedro, podemos supor, não fala uma palavra de francês. Assim Pedro e Pierre 
acreditam na mesma coisa, ainda que não haja uma sentença que ambos aceitem. Como 
pode ser isto? 
Uma maneira de entender essas questões é como segue. Sentenças são usadas 
para expressar certos pensamentos ou ideias. Os filósofos usam a palavra proposição 
para se referir a esses itens. A sentença portuguesa que Pedro usa e a sentença france-
sa que Pierre usa expressam a mesma proposição. A crença é fundamentalmente uma 
relação com uma proposição. Assim, (7) pode ser verdadeira porque Pierre acredita na 
proposição relevante sobre George Washington; (8) é verdadeira porque Pedro acredita 
na mesma proposição. Mas eles usariam diferentes sentenças para expressar essa pro-
posição. 
Existem, então, duas questões importantes a extrair disto: as sentenças diferem 
das proposições que são usadas para expressá-las e a crença é fundamentalmente uma 
atitude que se toma em relação a proposições.13 
 
12 Se você nunca sequer considerou uma proposição, então você nem crê nem descrê dela, 
mas tampouco suspende o juízo. Talvez a suspensão do juízo seja mais bem caracterizada como 
 
 
 
 
 
 
B. Verdade 
 
O segundo elemento da ATC é a verdade. As pessoas dizem coisas muito compli-
cadas e obscuras sobre a verdade, mas a ideia fundamental é muito simples. A questão 
aqui não é sobre que coisas são de fato verdadeiras. Antes, a questão agora é sobre o 
que é para alguma coisa ser verdadeira. Uma resposta simples e amplamente aceita está 
contida na teoria da correspondência da verdade. 
A questão central da teoria da correspondência é expressa no seguinte princípio: 
 
TC. Uma proposição é verdadeira se e somente se ela corresponde aos fatos (sse o mun-
do é da maneira que a proposição diz que ele é). Uma proposição é falsa sse ela fra-
cassa em corresponder aos fatos.14 
 
A ideia aqui é extraordinariamente simples. Ela se aplica ao nosso exemplo sobre 
George Washington da seguinte maneira. A proposição de que George Washington foi o 
primeiro presidente norte-americano é verdadeira apenas no caso dela corresponder aos 
fatos tais como eles efetivamente são. Em outras palavras, ela é verdadeira apenas se 
George Washington foi o primeiro presidente norte-americano. A proposição é falsa se ele 
não foi o primeiro presidente norte-americano. O princípio se aplica de maneira análoga 
às outras proposições. 
Será útil descrever algumas consequências da TC e mencionar algumas coisas 
que não são consequências da TC. 
 
1) Se uma proposição é verdadeira ou falsa não depende de maneira alguma do 
que alguém crê sobre ela. Por exemplo, nossas crenças sobre George Washington não 
têm relação com o valor de verdade (i.e., a verdade ou a falsidade) da proposição de que 
 
considerar uma proposição sem nem crer nem descrer dela. 
13 Há questões difíceis sobre exatamente que tipos de objetos são as proposições. Nós po-
demos ignorar com segurança tais questões aqui. 
14 O termo “sse” abrevia “se e somente se.” Sentenças da forma “p sse q” são verdadeiras 
apenas no caso dos valores de verdade de p e de q concordarem, isto é, apenas se ambos forem 
verdadeiros ou se ambos forem falsos. 
 
 
George Washington foi o primeiro presidente norte-americano. Os fatos reais do caso de-
terminam seu valor de verdade. 
 
2) A verdade não é “relativa.” Nem uma única proposição pode ser “verdadeira pa-
ra mim mas não verdadeira para você.” Eu posso crer numa proposição na qual você 
descrê. De fato, isto é quase certamente o caso. Quaisquer duas pessoas irão quase cer-
tamente discordar sobre alguma coisa. Entretanto, se há uma proposição sobre a qual 
elas discordam, então o valor de verdade dessa proposição é determinado pelos fatos. 
 
3) A (TC) não legitima qualquer tipo de dogmatismo ou atitude intolerante em rela-
ção às pessoas que discordam de você. Algumas pessoas dispensam sem consideração 
qualquer um que discorde delas. Esta é uma maneira vil e desarrazoada detratar os ou-
tros. Entretanto, se você discorda sobre alguma coisa, então, trivialmente, penso que eu 
estou certo e você errado. Se, por exemplo, você pensa que Thomas Jefferson foi o pri-
meiro presidente e eu penso que foi, ao invés, George Washington, então penso que você 
está errado sobre isto e você pensa que eu estou errado sobre isto. Seria precipitado de 
minha parte generalizar deste caso e tirar quaisquer conclusões sobre suas outras cren-
ças. Mas quando você discorda de mim, eu penso que você está errado. Se você não é 
dogmático, reconhece sua própria falibilidade. Você está aberto a mudar de ideia se nova 
informação vem à tona. Existem circunstâncias nas quais pode ser rude dizer aos outros 
que você pensa que eles estão errados. E possivelmente o mero fato de os outros discor-
darem proporciona alguma razão para que você reconsidere seus pontos de vista.15 
 
4) A (TC) não implica que as coisas não possam mudar. Considere a proposição 
de que George Washington é o presidente dos Estados Unidos. Esta proposição é falsa. 
Mas, parece, ela costumava ser verdadeira. O que a (TC) diz sobre isto? 
Há algumas coisas para pensar sobre isso, e um exame completo delas entraria 
em tecnicidades que não são importantes para os nossos presentes propósitos. Uma boa 
abordagem diz que uma sentença tal como “George Washington é o presidente dos Esta-
dos Unidos” expressa uma proposição diferente em momentos diferentes. A proposição 
expressa lá em 1789 é verdadeira. A proposição que ela expressa em 2005 – a proposi-
ção de que George Washington é o presidente dos Estados Unidos em 2005 – é falsa. 
Nós podemos dizer que a sentença pode ser usada para expressar uma série de proposi-
 
 
ções acerca de momentos específicos. Nós podemos pensar numa proposição que diz 
que uma certa coisa tem uma certa propriedade em um momento como uma predecesso-
ra de uma proposição que diz que essa mesma coisa tem essa mesma propriedade num 
momento ligeiramente posterior. Assim, quando as coisas mudam, por exemplo, quando 
nós temos um novo presidente, uma proposição datada é verdadeira e sua proposição 
sucessora é falsa. Não há problema para a (TC), desde que sejamos cuidadosos acerca 
das proposições em questão. 
 
5) Algo semelhante se aplica à considerações sobre localização. Suponha que al-
guém no Maine esteja falando ao telefone com alguém na Flórida. A pessoa no Maine diz: 
 
9. Está nevando. 
 
A pessoa na Flórida diz: 
 
10. Não está nevando. 
 
Esses falantes não discordam sobre nada. Mas o que deveríamos dizer, então, 
sobre o valor de verdade da proposição de que está nevando? Ela é verdadeira ou falsa? 
Mais uma vez, há uma variedade de maneiras de pensar sobre isso. Para os pre-
sentes propósitos, uma boa abordagem será dizer que com uma sentença como (9) a 
pessoa expressa uma proposição que pode ser mais claramente mostrada pela sentença 
 
9a. Está nevando aqui (no Maine). 
 
Da mesma forma, a pessoa na Flórida que diz (10) diz alguma coisa que é mais 
claramente mostrada em 
 
10a. Não está nevando aqui (na Flórida). 
 
Nós podemosassumir que ambas as proposições são verdadeiras. Sua verdade é 
objetiva, pois ela depende das condições climáticas dos dois lugares. 
 
 
15 Este tópico será discutido em detalhe no capítulo 9. 
 
 
6) Existem enigmas sobre as sentenças tais como 
 
11. O iogurte tem bom sabor. 
 
Exatamente o que a (TC) diz sobre elas depende em larga medida do que essas 
sentenças significam. Uma possibilidade é a de que cada falante usa (11) para dizer “Eu 
gosto do sabor do iogurte.” Se este é o caso, então pessoas diferentes usam (11) para 
expressar proposições diferentes, cada proposição sendo sobre aquilo de que o falante 
gosta. Se uma pessoa que gosta do sabor do iogurte diz (11), então a proposição que a 
pessoa expressa é verdadeira. Se a pessoa não gosta de iogurte, então a pessoa expres-
sa uma proposição que não é verdadeira. 
Não é óbvio que (11) diga alguma coisa sobre as preferências individuais. Pode 
ser que ela diga alguma coisa como “A maioria das pessoas gosta do sabor do iogurte.” 
Se isto é o que ela diz, então ela não expressa diferentes proposições quando dita por 
diferentes pessoas. Ela expressa uma proposição sobre o gosto da maioria, e essa pro-
posição é verdadeira se a maioria das pessoas gosta de iogurte e não verdadeira se ela 
não gosta. 
De acordo com outra interpretação, (11) diz que o iogurte satisfaz algum standard 
de sabor que é independente do que as pessoas gostam ou não gostam. Isto supõe al-
gum tipo de “objetividade” sobre o sabor. Nesta perspectiva, (11) poderia ser verdadeira 
mesmo que dificilmente alguém de fato goste do sabor do iogurte. Você pode achar essa 
perspectiva estranha; é difícil entender aonde leva o bom sabor objetivo. 
O que é crucial para os presentes propósitos é notar que, qualquer que seja a in-
terpretação correta de (11), não há problema para a (TC). A proposição expressa por (11) 
irá variar de um falante para outro se a primeira opção é correta, mas não nos outros ca-
sos. Em todo os casos, entretanto, o valor de verdade que a(s) proposição(ões) expres-
sa(m) depende dos fatos relevantes. Neste caso, os fatos relevantes são ou aquilo de que 
o falante ou a maioria das pessoas gosta ou não gosta, ou os fatos objetivos sobre o bom 
sabor. 
Não há necessidade para nós de resolver as disputas sobre a interpretação corre-
ta das sentenças tais como (11). Essa questão complicada pode ser deixada para aqueles 
que estudam estética. A questão crucial para os presentes propósitos é que, qualquer que 
seja a interpretação correta, não há aqui uma boa objeção para a (TC). 
 
 
 
7) A (TC) não implica que nós não possamos saber o que é “realmente” verdadei-
ro. Algumas pessoas reagem à (TC) dizendo alguma coisa como isto: 
 
De acordo com a (TC), a verdade é “absoluta” e o que é verdadeiro depende de como as 
coisas são no mundo objetivo. Uma vez que este mundo é externo a nós, nunca podemos 
realmente saber o que é verdadeiro. No máximo, nós podemos saber o que é “subjetiva-
mente” verdadeiro. Esta verdade subjetiva depende de nossas próprias perspectivas sobre 
o mundo. A verdade absoluta deve estar sempre além de nossa compreensão. 
 
Nós discutiremos amplamente o ceticismo nos Capítulos 6 e 7. Boa parte da epis-
temologia é um esforço para responder a ele. Por enquanto é suficiente notar duas ques-
tões. Primeiro, do mero fato de que o que é verdadeiro é dependente de um mundo obje-
tivo que existe independentemente de nós, não se segue que nós não possamos saber 
como é esse mundo. Logo, se há aí algum argumento forte para o ceticismo, ele repousa 
numa premissa situada além de qualquer coisa dita no parágrafo precedente. Mais tarde 
nós iremos considerar como um tal argumento poderia ser formulado. 
Segundo, através de vários dos próximos capítulos nós assumiremos, assim como 
a Perspectiva Standard o faz, que nós conhecemos coisas. Esta não é uma questão de 
prejulgar as questões associadas ao ceticismo. Ao invés, nós estamos examinando quais 
são a natureza e as consequências da Perspectiva Standard. A Perspectiva Cética rece-
berá uma consideração justa nos Capítulos 6 e 7. 
 
8) Há uma questão muito enigmática associada com a teoria da correspondência 
da verdade. Considere uma sentença tal como 
 
12. Michael é alto. 
 
Suponha que alguém afirme (12) em um contexto conversacional normal tal como 
o seguinte: você está a ponto de pegar Michael no aeroporto. Você sabe que ele é um 
homem adulto, mas não sabe como ele se parece. Foi dada a você uma descrição da 
qual (12) é uma parte. Nestas circunstâncias, se Michael tem de fato 6’4”, então (12) ex-
pressa uma verdade. Se Michael tem 4’10”, então (12) diz alguma coisa falsa. Se Michael 
tem cerca de 5’10”, então será difícil dizer ser (12) expressa uma verdade ou uma falsida-
de. Essa altura parece ser um caso caso-limite de ser alto (para um homem adulto). 
 
 
De acordo com uma perspectiva amplamente aceita sobre estas questões, a pala-
vra “alto” simplesmente não tem um significado preciso. O problema que nós temos na 
situação final, quando Michael tem 5’10”, não é que não sabemos o suficiente sobre a si-
tuação. Nós podemos saber tudo que há para saber sobre a altura de Michael, a altura 
média de homens adultos, e tudo mais o que seja relevante. Nesta perspectiva, (12) sim-
plesmente é um caso-limite. Simplesmente não há limites exatos para a altura à qual a 
palavra “alto” se aplica. Em outras palavras, “alto” é uma palavra vaga. 
Muitas outras palavras são vagas, incluindo “saudável”, “rico”, e “sábio”. A vagui-
dade causa numerosos problemas para a compreensão de como exatamente funciona a 
linguagem. Afortunadamente, nós podemos ignorar em larga medida aquelas questões 
enquanto seguimos as questões epistemológicas que são o nosso foco. Entretanto, ques-
tões concernentes à vaguidade surgirão de tempos em tempos, e assim é importante ter 
alguma compreensão da ideia. 
Além do mais, a existência de sentenças vagas pode ter alguma implicação na 
adequação da (TC). Recorde a distinção entre as sentenças e as proposições que elas 
expressam. Como foi recém notado, a vaguidade é uma característica das sentenças. A 
sentença (12), parece, é vaga. Mas considere agora a proposição que (12) expressa nu-
ma ocasião em particular, tal como a recém descrita. Se essa proposição é vaga, ou inde-
finida em seu valor de verdade, então a (TC) precisa de revisão. A (TC) diz que toda pro-
posição é ou verdadeira ou falsa, dependendo de se ela corresponde à maneira como é o 
mundo. Porém, se há proposições vagas, então há proposições que correspondem parci-
almente à maneira como é mundo. Poder-se-ia dizer que há um terceiro valor de verdade 
– o indeterminado – em adição aos dois originais – o verdadeiro e o falso. Poder-se-ia 
mesmo dizer que há uma ampla variedade de valores de verdade, que a verdade vem em 
graus. Estas são questões complexas que não podem ser resolvidas facilmente. Não ten-
taremos resolvê-las aqui. É suficiente compreender que a (TC) requer modificação a fim 
de lidar com a vaguidade. 
 
C. Justificação 
 
O terceiro e último elemento da ATC é a justificação. A justificação (ou racionali-
dade ou razoabilidade) será o foco de uma grade parte deste livro. Esta seção introduzirá 
algumas ideias preliminares. 
 
 
A justificação é algo que vem em graus – você pode ter mais ou menos dela. Con-
sidere de novo o exemplo 2.4, no qual você de maneira pessimista acreditava que ia cho-
ver no dia de seu piquenique com base em uma previsão que dizia que as chances de 
chover eram levemente maioresdo que a metade. Aqui você tem alguma justificação para 
pensar que irá chover. Não é como se você simplesmente tivesse inventado sem nenhu-
ma razão. Mas as suas razões estão longe de serem boas o suficiente para dar conheci-
mento a você. Assim, o que a cláusula (iii) da ATC requer é uma justificação muito forte. 
Nas circunstâncias descritas, você não a tem para a crença de que irá chover. Se chega o 
dia do piquenique e você olha pela janela e vê chuva, então você tem uma justificação 
forte o suficiente para a crença de que choverá. Sob aquelas circunstâncias você satisfará 
a cláusula (iii) da ATC. Assim a cláusula (iii) deveria ser lida como requerendo justificação 
forte ou justificação adequada. Isto pode ser um pouco impreciso, mas servirá por en-
quanto. 
Você pode estar justificado em crer nalguma coisa sem de fato acreditar nela. A 
cláusula (iii) da ATC não implica (i). Para ver como isto funciona, considere o seguinte 
exemplo: 
 
Exemplo 2.5: O Exame do Sr. Inseguro 
 
O Sr. Inseguro acabou de fazer um exame. O professor olha rapidamente para su-
as respostas e diz que elas parecem boas e que as notas estarão disponíveis no dia se-
guinte. O Sr. Inseguro estudou muito, fez e se deu bem nos exercícios, achou as ques-
tões do exame semelhantes aos exercícios que ele havia estudado, e assim por diante. 
Ele tem excelentes razões para pensar que ele passou no exame. Mas o Sr. Inseguro é 
inseguro. Ele nunca acredita que se deu bem e não acredita que se deu bem neste exa-
me. 
 
Ainda que o Sr. Inseguro não acredite ter passado no exame, ele está justificado 
em crer que passou no exame. Assim a condição (iii) da ATC está satisfeita, mas não a 
condição (i). Estar justificado em crer numa proposição é, grosso modo, ter o que é reque-
rido para ser altamente razoável acreditar nela, quer de fato se acredite nela ou não. 
O que está justificado para uma pessoa pode não estar justificado para outra. Vo-
cê tem muitas crenças justificadas sobre a sua vida privada. Seus amigos e conhecidos 
podem ter pouca ou nenhuma justificação para crenças sobre tais questões. E o que está 
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justificado para um indivíduo muda ao longo do tempo. Uma modificação do exemplo 2.4 
ilustrará isto. Uma semana antes do piquenique você pode não ter justificação para crer 
na proposição de que irá chover no sábado. Mas na manhã de sábado você pode adquirir 
ampla justificação para essa proposição. 
É importante não confundir estar justificado em crer nalguma coisa com estar apto 
a mostrar que se está justificado em crer nessa proposição. Em muitos casos nós pode-
mos explicar porque uma crença está justificada; nós podemos formular nossas razões. 
Entretanto, há exceções para isto. Por exemplo, uma criança pode ter muitas crenças jus-
tificadas mas ser inapta para articular uma justificação para elas. 
 
 
IV. CONHECIMENTO VERDADEIRO E CONHECIMENTO APARENTE 
 
Uma questão adicional sobre a Perspectiva Standard merece especial atenção. As 
coisas que as pessoas consideram como conhecimento diferem numa variedade de ma-
neiras. Para tomar alguns exemplos simples, talvez as pessoas de tempos antigos dis-
sessem que, entre as coisas que elas sabiam, estivesse o fato de que a Terra fosse pla-
na. Talvez eles tivessem dito saber que a terra era o centro do universo (com todas as 
coisas em órbita em torno dela). Pode ter havido uma ampla concordância em tempos an-
tigos de que eles tinham conhecimento nestes casos. 
Nós podemos conceder, para o bem do argumento, que os antigos pensavam que 
eles sabiam que a terra fosse o centro do universo. (Se você não gosta deste exemplo em 
particular, substitua-o por outro que ilustre a mesma ideia.) Nós podemos mesmo conce-
der que eles estavam muito bem justificados em crer que eles tivessem conhecimento 
deste fato. Nós podemos dizer que eles tinham conhecimento aparente. Não obstante, 
eles careciam de conhecimento verdadeiro. Ainda que as proposições em questão pudes-
sem muito razoavelmente ter aparecido na lista das coisas conhecidas no primeiro capítu-
lo de um distante ancestral deste livro, as proposições seriam falsas. A Terra não é e 
nunca foi plana. Ela não é e nunca foi o centro do universo. Eles pensaram, talvez com 
justificação, que eles tinham conhecimento, mas eles estavam enganados.16 
Outra questão merece atenção aqui. Pode ser que as alegações daqueles que 
fossem mais falantes, mais carismáticos, ou mais poderosos fossem mais frequente e 
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amplamente consideradas como itens de conhecimento. Isto pode ser aflitivo para aque-
les que estão longe do poder, especialmente quando eles têm uma justificação para pers-
pectivas competidoras. Entretanto, questões sobre o que determina o que será contado 
como conhecimento, e como os poderosos fazem para impor suas perspectivas sobre os 
outros não estão no foco deste livro. Nosso tópico é o conhecimento verdadeiro, não o 
conhecimento aparente.17 
 
 
V. CONCLUSÃO 
 
A (Q1) do capítulo 1 perguntou o que é preciso para se ter conhecimento. Este ca-
pítulo introduziu uma resposta a essa questão baseada na Análise Tradicional do Conhe-
cimento de acordo com a qual o conhecimento é crença verdadeira justificada. Esta análi-
se tem uma longa história. Ela parece se encaixar bem na Perspectiva Standard. Os 
exemplos de conhecimento endossados pela Perspectiva Standard parecem ser casos de 
crença verdadeira justificada. E casos nos quais nós carecemos de conhecimento pare-
cem ser caso nos quais nós carecemos de um destes três fatores. 
Há, entretanto, uma objeção significativa a ATC. Nos voltaremos em seguida a ela. 
 
 
CAPÍTULO TRÊS 
 
MODIFICANDO A ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO 
 
 
I. UMA OBJEÇÃO À ANÁLISE TRADICIONAL 
 
Recorde que a Análise Tradicional do Conhecimento, a ATC, diz que o conheci-
mento é crença verdadeira justificada. 
 
16 Neste ponto você pode observar que nós podemos estar numa situação com a dos anti-
gos, na qual nossas alegações estão equivocadas. Nós iremos tratar desta questão quando consi-
derarmos a Perspectiva Cética. 
17 É possível que algo da atratividade da Perspectiva Relativista, mencionada no capítulo 1, 
resulte da confusão entre o conhecimento aparente e o conhecimento verdadeiro. 
 
 
Esta análise é correta apenas no caso de que em todos os exemplos possíveis, se 
uma pessoa conhece alguma proposição, então a pessoa tem uma crença verdadeira jus-
tificada nessa proposição, e, se a pessoa tem uma crença verdadeira justificada, então a 
pessoa tem conhecimento. Desafortunadamente para a ATC, há contraexemplos provo-
cantes dos segundo tipo – casos de crença justificada verdadeira que claramente não são 
casos de conhecimento. 
O primeiro filósofo a argumentar explicitamente contra a ATC da maneira a ser 
discutida aqui foi Edmund Gettier. Seu breve ensaio “Is Justified True Belief Knowledge?” 
talvez seja o mais amplamente discutido e frequentemente citado texto de epistemologia 
em muitos anos.18 Gettier apresentou dois exemplos, cada um deles mostrando que al-
guém poderia ter uma crença justificada verdadeira que não é conhecimento. Outros filó-
sofos têm descrito casos adicionais estabelecendo o mesmo ponto. 
 
A. Os Contraexemplos 
 
Nesta seção examinaremos três exemplos, todos desenhados para ilustrar um 
problema na ATC. O ponto por trás de todas as objeções é o mesmo, mas os diferentes 
exemplos ajudam a tornar a questão mais clara. O primeiroexemplo é uma versão modif i-
cada de um dos exemplos originalmente apresentados por Gettier. 
 
Exemplo 3.1: O Caso das Dez Moedas 
 
Smith está justificado em crer: 
 
1. Jones é o homem que ficará com o emprego e Jones tem dez moedas em seu 
bolso. 
 
A razão para Smith estar justificado em crer em (1) é que ele acabou de ver Jones 
esvaziar seus bolsos, contar cuidadosamente suas moedas, e então colocá-las novamen-
te no bolso. Smith também sabe que Jones é extremamente bem qualificado para o em-
prego e ouviu o chefe dizer à secretária que Jones havia sido selecionado. Com base em 
(1), Smith deduz corretamente e crê noutra proposição: 
 
 
 
2. O homem que ficará com o emprego tem dez moedas em seu bolso. 
 
Smith está justificado em crer em (2) ainda que (1) seja falsa. A despeito da evi-
dência de Smith, (1) não é verdadeira no final das contas. O chefe falou errado quando 
disse que Jones ficaria com o emprego. De fato, o emprego está indo para o sobrinho do 
vice-presidente da companhia, Robinson. Coincidentemente, Robinson acontece de Ro-
binson também ter dez moedas em seu bolso. 
 
Neste exemplo (2) é verdadeira ainda que (1) seja falsa. Smith estava justificado 
em crer em (1), deduziu corretamente (2) a partir de (1) e, como resultado, acreditou nela. 
Assim, Smith também estava justificado em crer em (2). E (2) é verdadeira. Assim, a 
crença de Smith em (2) está justificada e é verdadeira. Mas claramente Smith não sabe 
(2). É apenas uma coincidência que ele esteja correto sobre (2). 
Exemplo 3.2: O Caso Nogot/Havit19 
 
Smith sabe que Nogot, que trabalha em seu escritório, estava dirigindo um Ford, 
tem documentos de propriedade de um Ford, é geralmente honesto, etc. Nesta base ele 
crê: 
 
3. Nogot, que trabalha no escritório de Smith, possui um Ford. 
 
Smith ouve no rádio que um concessionário Ford local está promovendo um con-
curso. Qualquer um que trabalhe no mesmo escritório que o dono de um Ford é elegível 
para entrar numa loteria cujo ganhador receberá um Ford. Smith decide se inscrever, 
pensando ser elegível. Afinal de contas, ele pensa que (3) é verdadeira, e assim ele con-
clui que: 
 
4. Há alguém que trabalha no (meu) escritório de Smith que possui um Ford. (Há 
ao menos um dono de Ford no escritório de Smith.) 
 
 
18 Analysis 23 (1963): 121-3. 
19 Este exemplo está baseado em um apresentado por Keith Lehrer em “A Quarta Condição 
para o Conhecimento: Uma Defesa,” The Review of Methaphysics 24 (1970): 122-8. Veja p. 125. 
 
 
Resulta que Nogot finge ter um Ford e (3) é falsa. Entretanto, (4) é verdadeira por-
que uma outra pessoa ignorada por Smith, Havit, trabalha em seu escritório e possui um 
Ford. 
 
Assim, Smith tem uma crença justificada verdadeira em (4), mas não sabe (4). É 
apenas uma feliz coincidência, resultante de Havit tê-lo, que o torna correto sobre (4). 
 
 
Exemplo 3.3: A Ovelha no Campo20 
 
Tendo ganhado um Ford em um concurso, Smith sai para um passeio no interior. 
Ele olha para um campo próximo e vê o que se parece exatamente como uma ovelha. 
Assim, ele crê justificadamente: 
 
5. Esse animal no campo é uma ovelha. 
 
O filho de Smith está no banco traseiro lendo um livro e não está olhando a paisa-
gem. O filho pergunta se há alguma ovelha no campo em que estão passando. Smith diz 
“Sim,” acrescentando: 
 
6. Há uma ovelha no campo. 
 
Smith está justificado pelo que ele vê em pensar que (5) é verdadeira. (6) se se-
gue de (5), assim ele também está justificado em crer em (6). 
Resulta que (5) é falsa. O que Smith vê é um cão sheep dog (ou a estátua de uma 
ovelha, ou qualquer outra coisa que se pareça perfeitamente com uma ovelha). Mas ocor-
re que (6) é verdadeira de qualquer maneira. Adiante no campo, mas fora de vista, há 
uma ovelha. 
 
Assim, Smith tem uma crença justificada em (6), e ela é verdadeira. Mas ele não a 
sabe. É apenas por sorte que ele está correto sobre (6) 
 
20 Um exemplo como este foi apresentado por Roderck Chisholm em Theory of Knowledge, 
2ª. Ed. (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1977), p. 105. 
 
 
Deveria ser observado que os detalhes dos exemplos podem ser modificados para 
fortalecer a sustentação da crença de Smith na proposição falsa em cada caso. Por 
exemplo, você pode acrescentar o que queira para sustentar a crença dele de que Nogot 
possui um Ford. Nogot pode mostrar a ele suas chaves com a insígnia de um Ford e ves-
tir uma camiseta da Ford, etc. Não importa o quanto você acrescente ao caso, permanece 
possível que Nogot esteja fingindo ser o proprietário de um Ford. E uma vez que isto é 
possível, permanece possível construir um caso no qual seja coincidentemente verdadeiro 
que alguém no escritório possua um Ford. Observações semelhantes se aplicam aos ou-
tros exemplos. Meramente requerer razões mais fortes para uma crença estar justificada 
não evitará as objeções. 
 
B. A Estrutura dos Contraexemplos 
 
Os exemplos 3.1-3.3 partilham de uma estrutura comum. Em cada caso, Smith 
tem alguma evidência básica que sustenta fortemente alguma proposição. É o tipo de evi-
dência que a Perspectiva Standard conta como boa o suficiente para o conhecimento. Ele 
crê nessa proposição e então tira uma outra conclusão dela. Em cada exemplo, a senten-
ça numerada em ímpar descreve a proposição na qual Smith acredita: 
 
1. Jones é o homem que ficará com o emprego e Jones tem dez moedas em seu 
bolso. 
3. Nogot, que trabalha no escritório de Smith, possui um Ford. 
5. Esse animal no campo é uma ovelha. 
 
As sentenças numeradas em par descrevem as conclusões que Smith tira do pri-
meiro passo: 
 
2. O homem que ficará com o emprego tem dez moedas em seu bolso. 
4. Há alguém que trabalha no (meu) escritório de Smith que possui um Ford. (Há 
ao menos um dono de Ford no escritório de Smith.) 
6. Há uma ovelha no campo. 
 
A proposição numerada em ímpar é falsa em cada caso. Ainda assim, dada a evi-
dência, é extremamente razoável para Smith acreditar nela. Ela é uma crença justificada. 
 
 
E a conclusão final se segue logicamente do passo anterior. A conclusão final é, em cada 
caso, verdadeira. Com efeito, a conclusão final é verdadeira “por coincidência.” Simples-
mente acontece que a pessoa que ficará com o emprego tem dez moedas, que há um 
dono de Ford no escritório, e que há uma ovelha no campo. Assim Smith tem razões mui-
to boas para crer no primeiro passo e segue princípios lógicos perfeitamente bons ao de-
rivar o segundo passo. Logo, ele tem uma crença justificada verdadeira em cada uma das 
conclusões finais. Mas em cada caso a verdade dessa conclusão está desconectada da 
evidência original. Smith não tem conhecimento, ainda que ele tenha crenças verdadeiras 
justificadas. 
Estabelecer a estrutura dos exemplos ajuda a destacar dois princípios importantes 
sobre os quais eles repousam. Um princípio permite que a pessoa possa estar justificada 
em crer nas proposições numeradas em ímpar ainda que elas sejam falsas. Nós podemos 
formular este como o Princípio da Falsidade Justificada, ou (FJ): 
 
 
FJ. É possível para uma pessoa estar justificada em crer numa proposição falsa. 
 
 
O segundo princípio importante é o que diz que a segunda proposição está justif i-
cada porque ela é deduzida da primeira. Este é o Princípio da Dedução Justificada, ou 
(DJ): 
 
 
DJ. Se S está justificado em crer em p, e p acarreta q, e S deduz q de p e aceita q como 
um resultado desta dedução,

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