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A TUTELA CONSTITUCIONAL DA VIDA EMBRIONARIA

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A TUTELA CONSTITUCIONAL DA VIDA EMBRIONÁRIA:
a ADIn 3.510 à luz do ativismo judicial
Revista dos Tribunais Sul | vol. 6/2014 | p. 143 - 175 | Jul - Ago / 2014
Revista dos Tribunais Sul | vol. 7/2014 | p. 143 - 175 | Set - Out / 2014
Revista dos Tribunais Sul | vol. 8/2014 | p. 143 - 175 | Nov - Dez / 2014
DTR\2014\21382
Danúbia Cantieri Silva
Pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Advogada.
Área do Direito: Constitucional
Resumo: A humanidade sempre lidou com o questionamento acerca do início da vida.
Nos últimos anos, em consequência da ideia de que toda pessoa tem dignidade humana,
pacificou o entendimento de que pessoa não poderia ser objeto de todo e qualquer tipo
de experimentação com pesquisas tecnológicas. É esse o foco de desenvolvimento do
trabalho, tendo em vista o momento em que inicia a vida e quando essa pessoa passa a
ter direito à tutela jurídica. Todavia, por envolver aspectos religiosos, científicos e
jurídicos, alguns direitos foram empregados para alicerçar a presente pesquisa, dentre
eles: a dignidade da pessoa humana e o direito à vida. Dessa forma, entende-se que o
embrião não é pessoa humana. Assim, objetiva-se realizar a pesquisa com levantamento
bibliográfico de doutrinas, trabalhos científicos publicados na Internet, bem como uma
pesquisa jurisprudencial sobre esta problemática.
Palavras-chave: Embrião - Tutela jurídica - Vida - Dignidade da pessoa humana.
Abstract: Mankind has always dealt with the question about the beginning of life. In
recent years, due to the idea that every person has human dignity, settled the
understanding that person would not be subject to any kind of experimentation with
technological research. That is the focus of development work, in view of the time when
life begins and when that person becomes entitled to legal protection. However, by
involving religious, scientific and legal aspects, some principles were used to underpin
this research, including: the human dignity and right to life. Thus, it is understood that
the embryo is a human person has the right to life and dignity, and should be protected
by Brazilian law. Thus, the objective is to carry out research with bibliographical survey
of doctrines, scientific papers published on the Internet as well as a jurisprudential
research on this issue.
Keywords: Embryo - Legal guardianship - Life - Dignity of the human person.
Sumário:
Introdução - 1. O embrião - 2. Definição jurídica de embrião - 3. Tutela jurídica do
embrião - 4. A ADIn 3.510 à luz do ativismo judicial - 5. Considerações finais - 6.
Referências bibliográficas
Introdução
O trabalho monográfico examina o status do embrião no ordenamento jurídico brasileiro
e no direito comparado, tendo em vista o aumento da reprodução assistida nos últimos
anos e consequentemente o destino dos embriões excedentários dessa atividade.
Destarte, a pesquisa foi desenvolvida com base no método dedutivo cujas técnicas
utilizadas foram a documentação indireta de modo que, a investigação foi realizada por
meio de pesquisa bibliográfica, recorrendo-se, também, à pesquisa jurisprudencial.
Desse modo, o estudo subdivide-se em 4 capítulos.
O primeiro tópico tem por tarefa delinear o histórico do embrião, o surgimento das
pesquisas científicas utilizando células embrionárias e como essas células são formadas.
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 1
A posteriori, a tarefa é demonstrar a tutela jurídica no direito comparado, concluindo que
a Itália é um dos únicos países que criminalizam a pesquisa com células-tronco
embrionárias humanas.
O segundo item destina-se a enfatizar o momento em que se inicia a vida do embrião,
apesar de este ser ofício da medicina e da biologia. Destarte, se evidencia as mais
diversas teorias acerca do início da vida combinando com a definição jurídica de
embrião, na qual, para a maioria dos autores, ele é certamente uma pessoa em
potencial, ou seja, que desde a concepção existe uma potencialidade de pessoa.
O terceiro ponto, por sua vez, tem a finalidade de expor a tutela jurídica do embrião,
enfatizando que apesar das inúmeras teorias citadas no capítulo II, o embrião não possui
personalidade jurídica e nem capacidade de direito, pois antes da concepção não há que
se falar em vida. Visa, assim, demonstrar na pesquisa realizada a tutela do embrião no
direito penal, no direito constitucional, no direito internacional no que se refere aos
Tratados em que o Brasil é signatário. Ao final, busca tecer alguns comentários acerca
do entendimento do Conselho Federal de Medicina, acerca da Res. 2.013/2013 e da Lei
de Biossegurança.
Destarte, o escopo da pesquisa não é examinar de maneira aprofundada o fenômeno da
pesquisa com células tronco embrionárias. O que efetivamente pretende-se é apresentar
contribuição para o ordenamento jurídico a fim de, em seguida, examinar algumas
decisões de nossas Cortes Superiores (STF/STJ) à luz da premissa que enumeramos no
estudo.
Ao final, no quarto capítulo, finalizamos a pesquisa com a ilustre decisão da Suprema
Corte na ADIn 3.510, na qual foi julgada constitucional a Lei de Biossegurança o que,
consequentemente, permitiu a pesquisa com células tronco embrionárias. Nesse passo,
sob o enfoque constitucional, verificamos os argumentos da decisão e o papel da
Suprema Corte face ao ativismo judicial.
1. O embrião
Há cerca de 150 anos atrás, foi possível ao homem descrever o fenômeno da
fecundação, compreendendo-a, então, como a penetração de um espermatozoide no
óvulo feminino para gerar um novo ser.1 As investigações sobre a gênese do embrião
humano deram origem a modelos estruturantes de crescimento.
A teoria da transmissão das características hereditárias foi elaborada no início do século
passado, em 1902. E, em 1909, estabeleceu-se o conceito de gene. Assim, nesse
seguimento da compreensão da estrutura em forma de dupla hélice do ácido
desoxirribonucleico (DNA) que, em 1953, as descobertas se sucederam, umas às outras,
numa velocidade frenética (Veja, 2003, p. 84).
Dessa forma, surgem novas tecnologias no campo da reprodução humana e de acordo
com a Dra. Márcia Mattos Gonçalves Pimentel, especialista em Genética Humana:
“(…) Embora, ao final do séc. XX muitos processos biológicos ainda se apresentam que
não podem ser modificados. No que diz respeito ao momento em que tem início a vida
humana, alguns fatos biológicos são incontestáveis. São eles: Primeiro: o indivíduo
humano começa a existir biologicamente a partir do momento em que ele tem um corpo,
e a formação do corpo, de qualquer pessoa inicia-se no momento da fecundação. Ou
seja, o primeiro passo para a formação de um novo indivíduo é a fusão de duas células
altamente especializadas, denominadas gametas. Desta forma, todo ser vivo começa sua
existência a partir de uma única célula quando, então, tem início um processo contínuo
de multiplicação e diferenciação celular, até que, ao tornar-se adulto, o indivíduo terá
cerca de 100 milhões de células. Segundo: uma consequência da fusão do óvulo com o
espermatozoide é que estas duas células perdem a capacidade de operar
independentemente uma da outra, passando a trabalhar como uma unidade chamada
zigoto ou embrião unicelular (…). Terceiro: os genes começam a expressar suas
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 2
informações, sintetizando RNA mensageiro a partir do DNA, logo após a fertilização. A
ativação dos genes no embrião ocorre antes da primeira divisão celular, que se dá de 15
a 20 horas após a fertilização. O zigoto, portanto, começa a existir e a operar como
unidade desde o momento da fecundação (…). Quarto: o zigoto possui um genoma
(conjunto gênico) absolutamente único, que lhe confere uma identidade biológica. Cada
embrião é uma combinação gênica singular. Nunca ocorreu nem ocorrerá outro genoma
igual” (NALINI, 1999, p. 263-264).
Para compreender ainda melhor o históricocientífico do embrião, é importante lecionar
que, no dia 25.07.1978, numa maternidade londrina, os médicos Patrick Stepoe e Robert
Edwards convocaram a imprensa para anunciar que havia sido dada à luz uma saudável
menina, de nome Louise (COELHO, 2010, p. 148). Ela provinha de um embrião
fecundado através de uma nova técnica, em pesquisa há mais de 10 anos: a fertilização
in vitro. Por essa técnica, retiram-se cirurgicamente óvulos do ovário da mãe para
fertilizá-los com os espermatozoides do pai em laboratório. Em seguida, o óvulo
fecundado é implantado no útero.
Contudo, o nascimento do primeiro bebê de proveta, em meados de 1978, concretizou a
possibilidade de concepção de um ente humano fora do corpo da mulher, gerando
reflexos no mundo científico e jurídico.
Aqui no Brasil, no entanto, para limitar os riscos da gravidez múltipla, a recomendação é
de que seja feita a transferência de apenas dois embriões, sendo comum que se chegue
a três (BARROSO apud SARMENTO, 2006, p. 264).
Com o aumento do uso dessa técnica, se estabeleceu um número muito significativo de
embriões que, por motivos diversos, não serão destinados aos procedimentos de
reprodução, chamados de embriões crio preservados, isto é, congelados e com seu
desenvolvimento suspenso (SERRÃO, 2003).
Ocorre que, os embriões excedentários, implicaram na existência de um dilema sobre o
seu destino. Assim, tal conflito resultou na utilização de pesquisas com células-tronco
embrionárias.
Nesse enfoque, com ênfase no direito comparado, após intensa discussão, o Parlamento
Britânico autorizou a destruição dos embriões não reclamados, o que ocorreu,
efetivamente, 1996.
Em 2005, no Brasil, a Lei de Biossegurança permite, em seu art. 5.º, que “para fins de
pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões
humanos produzidos por fertilização in vitro ” (Lei 11.105/2005). Destarte, observe-se
que as células-tronco devem ser extraídas de embriões oriundos de tratamento
reprodutivo.
Países como Finlândia, Grécia, Suíça, Holanda, Japão, Canadá, Austrália, Coréia do Sul,
Cingapura, China, Rússia, África do Sul, Estados Unidos, México, Reino Unido e Israel
fazem pesquisas com células-tronco e têm legislação específica que regulamenta o uso
desse tipo de células (LOUREDO, 2014). E, atualmente, países como Dinamarca, Bélgica,
Espanha, Noruega, Suécia, França, Índia, Cingapura, Portugal, Irã e China, também
permitem o uso de células tronco embrionárias, desde que sejam respeitadas as
limitações impostas pelas leis nacionais.
Esses países são na sua maioria democráticos e laicos, com desenvolvimento científico,
médico e tecnológico equivalente ou superior ao brasileiro e, juntos, detêm mais da
metade da população mundial. Além disso, são países responsáveis pela maior parte das
publicações em saúde e acolhem expressivas comunidades religiosas.
Em 2008, com a ADIn 3.510, o Brasil firmou um marco na história quando, o STF, julgou
a pesquisa com células-tronco embrionárias constitucional, o que veremos com mais
detalhes nos capítulos posteriores.
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 3
Destarte, não foi identificado nenhum país que tenha enfrentado a constitucionalidade da
pesquisa com embriões sob a perspectiva da metafísica do início da vida humana, tal
como proposto pela ADIn 3.510. Quase todos os países que regularam a pesquisa com
células-tronco embrionárias se viram primeiro diante do desafio de como restringir a
prática científica e a maioria optou por reconhecer o valor da liberdade científica.
Por outro lado, em 2012, na Alemanha, Noruega e Itália a legislação é bastante restritiva
e conflituosa. A Lei Fundamental (Constituição) da Alemanha garante a liberdade de
pesquisa, ao mesmo tempo, assegura a cada pessoa o direito à vida. Na pesquisa com
células-tronco embrionárias humanas, esses dois direitos entram em conflito
(SCHOSSLER, 2012).
Destarte, apesar de a Alemanha proibir a produção de células-tronco embrionárias, ela
autoriza a pesquisa com material biológico importado, ou seja, células humanas não
alemãs.
Nota-se que, dentre os países relacionados, a Itália é o único país que criminaliza a
pesquisa com células-tronco embrionárias humanas.
Com alicerce na linha cronológica apresentada, não resta dúvida da importância em
tecer alguns estudos e comentários sobre quando se inicia a vida do embrião nas mais
diferentes teorias. Dessa forma, é de relevância, ainda, saber a influência dessas teorias
nas pesquisas com células-tronco embrionárias e na constitucionalidade da Lei de
Biossegurança.
2. Definição jurídica de embrião
O embrião é certamente uma pessoa em potencial, ou seja, que desde a concepção
existe uma potencialidade de pessoa. Segundo esse entendimento, desde a concepção,
“as condições necessárias ao desenvolvimento dos diversos estados de organização
biológica estão claramente presentes no genoma do indivíduo” (BERNARD, 1998, p. 37).
Casabona (1994, p. 138) propõe que “estabelecer que o começo da vida humana ser
deflagrado com a fecundação do óvulo ou com a concepção, não é mais tão simples
depois de tantas inovações na ciência”. Nessa perspectiva, ditar o começo e o fim da
vida humana não é tarefa dos juristas, mas das ciências biomédicas.
Desse modo, sob o enfoque biológico podemos definir o embrião como uma célula, ou
grupo de células, capazes de se desenvolver em ser humano, desde que interagindo em
ambiente adequado. Haverá embrião a partir da fecundação, isto é, da união dos
gametas masculino e feminino, que constituem uma nova célula e vocacionada à vida
autônoma.
Nota-se que o embrião humano, fruto da fecundação natural, no ventre materno, está
compreendido no conceito de nascituro, para efeito da salvaguarda de direitos, de modo
que a palavra embrião, de forma generalizada, atingiria aos provenientes da fertilização
in vitro depois, portanto, de sua implantação no organismo da mulher. Assim, os
excedentários, que se encontram crioconservados, só adquirem vida após serem
implantados no organismo humano.
Sob um enfoque puramente filosófico, que se ocupa da natureza essencial dos seres, o
embrião é um ente vivo da espécie humana, reconhecido como indivíduo. Admitindo a
diversidade de pontos de vista sobre a fixação do instante a partir do qual o embrião,
como ente vivo humano, deverá ter direito absoluto à vida, muitos filósofos adotam a
postura de escolherem a opção mais segura quando há incerteza: a vida do embrião,
desde o zigoto, deve ser protegida para se não correr o risco de discriminar seres
humanos, instrumentalizando uns em benefício de outros (JUNGES, 1999, p. 16).
Para os moralistas e filósofos que adoptam a posição definida pela Igreja Católica “não
se pode afirmar que o embrião é uma pessoa, mas é preferível protegê-lo como uma
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Página 4
pessoa para evitar o risco de discriminá-lo, ao admitir a sua destruição para o benefício
de outras pessoas” (SANTOS, 1998, p. 129). Outras tradições religiosas fazem uma
interpretação moral diferente dos factos científicos ou continuam a apoiar-se em noções
antigas como a percepção, pela mãe, dos movimentos fetais, para que o feto receba o
Estatuto Legal de pessoa.
Para a reflexão ética o que está em causa, nas decisões pessoais, é a ética individual e
os valores individuais, entendendo que cada cidadão, como pessoa individual, tem o
direito e o dever de assumir uma posição, após informação honesta e compreensível,
segundo os seus valores.
Nessa mesma linha de entendimento:
“(…) o respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores ideias de nossa
civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do
aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém terá
o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é
considerado um serhumano” (SILVA, 1994, p. 182-183).
Assim, o conceito de feto à que alude o autor trata-se daquele no ventre da mãe, que já
foi concebido, gerado, ou até mesmo implantado no útero por inseminação artificial.
Em um breve estudo realizado em legislação estrangeira, o art. 2.º da Convenção dos
Direitos do Homem e da Biomedicina, do Conselho da Europa, já vigente em Portugal,
diz textualmente: “O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o
interesse único da sociedade ou da ciência” (PORTUGAL, 1986). E, em uma linha ética, o
art. 18.º, n. 1, da citada Convenção, afirma que a lei deve proteger adequadamente o
embrião sempre que seja autorizado usá-lo em investigação, reforçando este cuidado no
n. 2 do mesmo artigo, proibindo a constituição de embriões apenas para o uso em
investigação; subjacente a esta proibição está o conceito ético de que o embrião humano
não é algo de que se possa dispor livremente, não é uma coisa ou um simples bem de
consumo.
Todavia, o embrião humano, resultado da fertilização in vitro, enquanto não for
implantado no organismo materno, não goza da proteção conferida ao nascituro, pois a
ele não se equipara. E, não pode ser considerado ente humano por nascer, pois não há
que certeza de sua implantação.
No Brasil, enquanto não editada norma legal a respeito, a operacionalização dos
conceitos jurídicos com vistas a precisar o início da existência do sujeito de direito deve
ser feita com cautela. Não há dúvidas, nesse contexto, de que o embrião fertilizado in
vitro, à partir da implantação no útero, deve ser já considerado nascituro, quer dizer
sujeito despersonificado. A sua natureza jurídica, enquanto não verificada a implantação
no úteromaterno ou caso nunca esta venha a ocorrer, é ainda incerta (COELHO, 2010, p.
164).
Dessa forma, entende a doutrina majoritária que o embrião implantado tem a mesma
natureza do nascituro, ser humano já concebido e cujo nascimento é dado como certo.
Destarte, o embrião humano fruto da fecundação natural, no ventre materno, está
compreendido no conceito de nascituro, para efeito da salvaguarda de direitos, de modo
que a introdução da palavra “embrião” no citado dispositivo, de forma generalizada,
atingiria aos provenientes da fertilização in vitro, antes, portanto, de sua implantação no
organismo da mulher, inclusive os excedentários, que se encontram crioconservados.
Face à controvérsia da definição jurídica de embrião, inclusive quanto ao início da vida
para caracterizá-lo como ser humano e protegê-lo juridicamente, é de substancial
importância angariar as teorias acerca do início da vida.
2.1 Teorias acerca do início da vida à luz do Código Civil de 2002
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 5
Inicia-se o tema com o seguinte questionamento: o direito da personalidade,
fundamentado em cláusula pétrea constitucional, como desdobramento do direito à vida,
tutelaria também o embrião implantado e o criopreservado?
Nota-se que há várias teorias acerca de quando se inicia a vida para o embrião e,
consequentemente, também para o nascituro. De fato, independentemente da corrente
adotada, é certo que há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em
formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos.
Todavia, o embrião nao se equipara ao nascituro.
Diante disso, importa tecer algumas considerações acerca das principais teorias do início
da vida humana.
2.1.1 Teoria concepcionista
A teoria concepcionista salienta que o início da vida se baseia no fato da vida humana ter
sua origem na fecundação do óvulo pelo espermatozoide, momento este denominado
pelas ciências humanas como concepção.
Dessa forma, adotada essa teoria, não se permitirá pesquisas com embriões mesmo que
fertilizados in vitro, pois isto implicaria em uma conduta prevista no Código Penal
brasileiro, o aborto.
A teoria concepcionista sustenta que os direitos desde a concepção do zigoto até sua
transformação em embrião é feto viável e que, garantidas as condições naturais pode
haver o desenvolvimento à condição humana plena. Desse modo, a Constituição Federal
brasileira e o Código Civil brasileiro garantem a integridade do ser humano, o seu direito
de evoluir, protegido do engenho humano contrário, da condição de vida humana em
potencial à vida humana de fato.
Essa teoria é adotada pelo art. 2.º do CC/2002, que dispõe: “A personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro”.
As disposições legais visam, essencialmente, à disciplina dos denominados direitos
patrimoniais. Para Clóvis Bevilacqua ao se afirmar que o homem tem personalidade
jurídica está se dizendo que ele tem capacidade para ser titular de direitos (apud PUSSI,
2005, p. 94).
Garantidos estão ainda, os direitos do embrião constitucionalmente quando prevê a
Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, caput, o direito à vida: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida”.
Nesse contexto entende-se que:
“A personalidade do nascituro não é condicional; apenas certos efeitos de certos direitos
dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais,
como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é elemento do
negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia total, aperfeiçoando-a” (ALMEIDA, 2000,
p. 81).
Nota-se que as propriedades características da pessoa humana, ou seja, todo o material
genético, já estão presentes no embrião, em estado de latência. Assim, o embrião já é
considerado ser humano com vida própria, garantindo o ordenamento jurídico à tutela
do embrião e do nascituro. E, de acordo com esse entendimento:
“(…) desde o momento da concepção, encontram-se no genoma do ser que se forma as
condições necessárias para o seu completo desenvolvimento biológico. Ainda que
insuficientes, tais condições são necessárias, o que vem a significar que desde a
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 6
concepção existe a potencialidade e a virtualidade de uma pessoa” (MEIRELLES, 2000, p.
138).
Assim, tendo em vista o embrião como pessoa em potencial, ele merece o respeito e
dignidade que é dado a todo homem à partir do momento da concepção. Dessa forma,
merece o devido amparo jurídico para que não seja tratado como objeto.
2.1.2 Teoria da nidação
Para essa teoria, nidação pode ser conceituada como o momento em que o embrião se
fixa na parede do útero, ocorrendo à partir do 4.º dia da fecundação.
Com o fenômeno da nidação o embrião adquire vida. Assim, é pela implantação que o
ovo adquire viabilidade e determina o estado gravídico da mulher. Isto posto, antes da
nidação apenas havia um aglomerado de células que constituiria, posteriormente, os
alicerces do embrião.
Completa Scarparo (1991, p. 42): “Não seria viável falar de vida humana enquanto o
blastócito ainda não conseguiu a nidação, o que se daria somente no sétimo dia, quando
passa a ser alimentado pela mãe”.
Todavia, a teoria em baila é defendida por vários ginecologistas, dentre eles Joaquim
Toledo Lorentz (apud SOUZA, 2008, p. 5), que utilizam o argumento de que o embrião
fecundado em laboratório morre se não for implantado no útero de uma mulher, não
possuindo, portanto, relevância jurídica.
Como o início da vida ocorre com a implantação e nidação do ovo no útero materno, não
há nenhuma vida humana em um embrião fertilizado em laboratório e, portanto não
precisa de proteção como pessoa humana.
2.1.3 Teoria gradualista ou desenvolvimentista
Para esta doutrina, no início de seu desenvolvimento o ser humano passa por uma série
de fases: pré-embrião, embrião e feto. Sendo que, em cada fase o novo ente em
formação apresenta características diversas.
Não há vida humana desdea concepção e o embrião, ainda, não tem caráter humano,
sendo comparado a um mero aglomerado celular.
Sobre essa teoria, explica Meirelles (2000, p. 114): “Entendem os adeptos da referida
teoria, que os embriãos humanos, nas etapas iniciais do seu desenvolvimento, não
apresentam ainda caracteres suficientes a individualizá-lo e, desse modo, identificá-los
como pessoa”.
Destarte, para os desenvolvimentistas, a vida humana vai merecer respeito à medida de
seu desenvolvimento, devendo ele ser gradativo e conforme o desenvolvimento
embrionário e fetal. Assim, Warnock (2003) entende que é necessário distinguir os
diferentes estágios do desenvolvimento do embrião. No mesmo sentido, Frydman,
Green, entre outros (FRYDMAN, 1999).
2.1.4 Teoria das primeiras atividades cerebrais
Ora, se a vida acaba quando o cérebro paralisa, seria lícito supor que ela só começa
quando o cérebro se forma. Este é o pensamento dos defensores da corrente das
primeiras atividades cerebrais.
Luís Roberto Barroso (2006, p. 27) salienta:
“Se a vida humana se extingue, para a legislação vigente, quando o sistema nervoso
pára de funcionar, o início da vida teria lugar apenas quando este se formasse, ou, pelo
menos, começasse a se formar. E isso ocorre por volta do 14.º dia após a fecundação,
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 7
com a formação da chamada placa neural.”
Também adepta a essa teoria, Melaré (2005), relata que:
“A vida no ser humano existe somente se as funções cardíacas e cerebrais estão em
funcionamento simultâneo e regular. Sob esta ótica, não basta a pessoa estar com o
coração batendo para dizer que está viva (…) ao contrário, a Lei de Transplante de
órgãos declara morta a pessoa que, mesmo com atividade cardíaca, tem constatada a
sua morte encefálica.”
Esse critério para a definição do momento da morte, para fins de doação de órgãos,
absolutamente pragmático, deve servir de orientação para a definição do início da vida,
em termos legais. Nesse sentido, o embrião humano ainda sem atividade encefálica,
para a presente teoria, é viável para utilização em pesquisas, em prol de outras vidas
humanas.
Todavia, no bojo dessa teoria há uma grande discussão no que tange ao exato momento
em que se daria a formação encefálica no feto já que, a doutrina, não é unânime nesse
lapso temporal.
Em uma pesquisa científica salientou-se que:
“Vida é quando acontece a fecundação. Isso significa dizer que cerca de metade dos
seres humanos morre nos primeiros dias, já que é muito comum o embrião não
conseguir se fixar na parede do útero, sendo expelido naturalmente pelo corpo. Vida é o
oposto de morte – e então ela se inicia quando começam as atividades cerebrais, por
volta do 2.º mês de gestação” (MUTO, 2005, p. 25-27).
A hipótese aponta para a 20.º semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros
movimentos do feto, é nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais
sensoriais dentro do cérebro, está pronto.
2.1.5 Teoria natalista
A teoria em apreço parte do pressuposto de que a aquisição da personalidade opera-se à
partir do nascimento com vida.
Nesse contexto, salienta entendimento de que:
“O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os
direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire
personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica;
mas, se se frustração, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em
reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento
já ele é sujeito de direito” (PEREIRA, 2001, p. 79).
Partindo do entendimento do autor citado acima, seria razoável compreender que, o
embrião, não sendo considerado pessoa, possui mera expectativa de direito.
Segundo essa teoria, a personalidade da pessoa tem início a partir do parto, desde que
nascido com vida. O nascituro seria um ser em potencial pois, para que tenha os direitos
que lhe são reservados, ainda em sua existência intrauterina, é necessário que nasça
com vida. Nesse entendimento, o nascituro não é considerado pessoa, ele apenas tem,
desde sua concepção, uma expectativa de direitos, que está sob a condição do
nascimento com vida.
O fato de afirmar que a personalidade tem início a partir do nascimento com vida, não
quer dizer que o nascituro não tenha direitos antes do nascimento. Se o nascituro,
durante toda a fase intrauterina, tivesse personalidade, não haveria necessidade da lei
distinguir, os direitos, ou melhor, a expectativa de direitos, que se consolidam com o
nascimento com vida.
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 8
Para Semião inexiste qualquer tipo de vida extrauterina, ou seja, um embrião fertilizado
in vitro, sequer seria considerado ser humano, quando se afirma que:
“A consequência lógica do nascimento com vida, no sistema adotado pelo nosso
ordenamento jurídico é a existência da pessoa natural, portadora da personalidade civil
plena. Portanto, em nosso direito, em conformidade com a maioria das legislações
vigentes e em harmonia com a escola natalista, hoje generalizada em todo o mundo, soa
exclusivamente dois os requisitos para que a pessoa natural tenha inicialmente a
personalidade civil: a) o nascimento; b) a vida intrauterina. Em outras palavras,
exige-se apenas que nasça com vida. Antes do parto, o feto não é pessoa, é uma porção
da sua mãe, uma parte das víceras desta, como se afirma nas fontes romanas. Antes do
nascimento o nascituro não tem vida própria e independente, pois é alimentado pelo
sangue materno. Até operar-se o nascimento, o nascituro está ligado ao corpo materno,
em razão mesmo da sua existência, inteiramente dependente, alimentando através da
placenta cuja vida só tem existência intrauterinamente” (SEMIÃO, 1998, p. 153).
Conclui-se que o nascituro, de acordo com a teoria natalista, não tem personalidade
jurídica e nem mesmo capacidade de direito, sendo protegido pela lei apenas os direitos
que terá possivelmente ao nascer com vida, os quais são taxativamente enumerados
pelo Código Civil.
3. Tutela jurídica do embrião
O embrião, apesar das inúmeras teorias a respeito do início da vida, não possui
personalidade jurídica e nem capacidade de direito, pois antes da concepção, não há que
se falar em vida. Todavia, esse posicionamento não está explicitamente definido na
legislação e nem mesmo na doutrina jurídica brasileira, tornando-se inviável definir esse
momento com precisão. Assim, esse tema é papel da seara biológica e não da seara
jurídica.
O Ministro do STF Luís Roberto Barroso (2007, p. 246), posiciona-se favoravelmente a
intervenção em embriões, como a utilização das células-tronco embrionárias, aduz que
nesse tema pode-se chegar a distintos níveis de abstração e complexidade. Por outro
lado, não se podem ignorar as pessoas que sofrem de doenças como, por exemplo, as
atrofias progressivas, as distrofias musculares, entre outras, que notoriamente precisam
da ajuda e empenho por parte do Estado, da sociedade e da comunidade científica.
De todo modo, é de crucial importância, tecer alguns comentários acerca da tutela
jurídica do embrião no Brasil. Destarte, orienta-se tal proteção nos moldes do: direito
penal, legislação especial e direito constitucional.
3.1 Tutela no direito penal
O direito penal assegura o direito à vida como um direito de não ter interrompido o
processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento contrário
ao estado de morte e, por se assegurar o direito à vida é que, a legislação penal pune
todas as formas de interrupção violenta do processo vital. É também por essa razão, que
se considera legítima a defesa contra qualquer agressão à vida, bem como se reputa
legítimo até mesmo tirar a vida de outro em estado de necessidade da salvação da
própria.
É incontestável que a retirada da vida humana (atémesmo pelo aborto) é crime contra a
pessoa. A interrupção da vida de um embrião congelado, como qualquer outra forma de
interrupção voluntária da vida, também seria um fato antijurídico. Há de se salientar,
contudo, que: “Não basta que o fato seja antijurídico. Exige-se que se amolde a uma
norma penal incriminadora. Daí a questão da adequação típica, que consiste em a
conduta subsumir-se no tipo penal” (JESUS, 2002, p. 269). Todavia, esse tema não
completa o conceito de crime, quando se relaciona à tipicidade.
E, também no âmbito penal, criminalizando e proibindo o aborto, ressalvadas as
A tutela constitucional da vida embrionária:
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exceções legais, no que dispõe o art. 124 do CP brasileiro que: “Provocar aborto em si
mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três)
anos”. Entretanto não há que se falar nesse crime, obviamente, no caso do embrião,
haja vista que ele ainda não foi concebido.
Alguns especialistas enumeram, de modo elucidativo, as funções do tipo penal. São elas:
“(…) a função indiciária, pela qual o tipo circunscreve e delimita a conduta penalmente
ilícita e também a função de garantia, refletindo que o tipo de injusto é a expressão mais
elementar, ainda que parcial, da segurança decorrente do princípio da reserva legal.
Todo cidadão, antes de realizar o fato, deve ter a possibilidade de saber se sua ação é
ou não punível. Em verdade, o tipo cumpre, além da função fundamentadora do injusto,
também uma função limitadora do âmbito do penalmente relevante. Assim, o que não
corresponder a um determinado tipo será penalmente irrelevante” (BITENCOURT, 2003,
p. 11-12).
Dessa função limitadora do tipo abstrai-se que foi penalmente relevante proteger a vida
do embrião fruto da concepção intrauterina. Contudo, àquele que resultou de uma
ectogênese, ainda que tenha o mesmo status do primeiro embrião e, igualmente tenha
vida, é irrelevante proteger, o que se deduz pela inexistência do tipo penal. Não
cabendo, em direito penal, analogia para obter a condenação, jamais poderiam ser
comparadas a criopreservação e a gestação como meio pelo qual se mantém vivo o
conceptus.
Desse modo, o que se tutela no aborto é a vida. Se no ventre da mãe o embrião se
desenvolve e se no congelamento o seu desenvolvimento é suspenso, há que se
observar essa salutar diferença.
Manifestam-se a respeito da discussão entre a vida do conceptus in vitro e a questão do
aborto, dizendo que:
“(…) ainda que não se reconheça na hipótese da ocisão voluntária do conceptus in vitro o
crime de aborto, não se pode negar existir destruição de vida humana, o que colide
frontalmente com a proteção do direito à vida, que não admite gradações: a vida existe
ou não; é um fenômeno único” (BARBOZA apud MEIRELLES, 2000, p. 65).
No crime de autoaborto ou aborto consentido, o sujeito passivo é o nascituro, que é o
produto da concepção em qualquer fase da gestação. O tipo que engloba essas duas
figuras é o art. 124 do CP que diz: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lho provoque”, pelo qual é evidente que, para realizar as manobras abortivas em
si mesma, ou para permitir que outra pessoa as realize, deve-se estar grávida, ser
gestante. Dessas observações, pode-se inferir que o crime possui elementares e
circunstancias.
No art. 121 do CP, as palavras matar e alguém, são elementares do crime de homicídio;
no art. 124, que trata de aborto praticado ou consentido pela gestante, o estado de
gestante (gravidez) é elementar do tipo.
Jesus (2002, p. 552) esclarece a questão das elementares e circunstancias, dizendo que:
“Se tirarmos a cabeça de um homem, a vítima não subsiste como pessoa humana.
Assim, a cabeça é elemento do homem. Se tirarmos, porém, a sua vestimenta, ela
subsiste como homem. Logo, a sua vestimenta constitui uma circunstância da pessoa
humana”.
Por isso, quando se supõe que os embriões laboratoriais não são pessoa (alguém) e não
têm vida (somente uma expectativa), quando se tipifica que só há aborto quando há
gravidez, está a se dizer que tais embriões podem ser descartados. Assim, como as
elementares do crime são essentialia delicti, diz Damásio que quando “a ausência da
elementar exclui o crime de que se trata e qualquer outra infração penal (atipicidade
absoluta), (…) o sujeito não responde por crime algum” (JESUS, 2002, p. 552).
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 10
Nessa perspectiva, os embriões in vitro não sofrem ameaças enquanto estiverem nesta
condição. Após a sua implantação em útero materno, ainda pode ocorrer a chamada
“redução seletiva” na gestação múltipla, que é a eliminação de um ou mais embriões
para permitir que os demais se desenvolvam. O médico reduzirá, discricionariamente,
qualquer um deles que considere anormais ou defeituosos.
Apesar disso, demonstra-se no direito comparado que:
“(…) na redução seletiva o embrião destruído pode ser absorvido pelo corpo da gestante
e não expelido e, além disso, a gestação não é interrompida. Na Inglaterra, a redução
embrionária é considerada legal em duas situações: quando o embrião apresenta
qualquer anormalidade que se considere grave; ou, ainda que não haja anormalidade
alguma, mas a gestação plúrima em si represente sérios riscos para a gestante; neste
último caso, o médico pode escolher qualquer um dos embrião a ‘reduzir’” (MEIRELLES,
2000, p. 68).
Dessa forma, para a realidade científica, a atipicidade absoluta tem sido gozada aos
extremos.
Dentre outros empenhados no biodireito, já faz referência ao termo embrionicídio para
remeter ao fato da destruição dos embriões excedentários e o termo cobaísmo humano
para remeter às pesquisas com esses embriões. Porém, esta denominação específica
possui cunho valorativo em que retrata o caos instaurado com essa prática de utilização
dos embriões humanos em pesquisas (BARBAS apud MEIRELLES, 2000, p. 65).
Verificamos que o direito positivo não confere proteção penal ao embrião in vitro.
Protege-o, tão somente em sua vida intrauterina, durante a gravidez, através da punição
ao abortamento.
3.2 Proteção constitucional
A atual Carta Magna é a primeira na história pátria a prever um título próprio dedicado
aos princípios fundamentais. Também tivemos, pela primeira vez no âmbito do direito
constitucional positivo, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como
fundamento do nosso Estado Democrático de Direito.
Nesse passo, “a Constituição não é mais apenas a ordem jurídico-fundamental do
Estado”, tornando-se a “ordem jurídica fundamental da sociedade” (HESSE, 1991, p.
22).
A priori, é importante enfatizar que não há direito que se sobreponha a esses dois
direitos: que são a vida e a dignidade humana. A proteção constitucional do embrião
está para os dois direitos, mas já a concepção in vitro tem escondido a relativização
desses direitos, que são essenciais.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no entanto, em seu art. 5.º, §
2.º, deixa claro que os direitos e garantias elencados não excluem nenhum outro que
deles decorra, mesmo que não estejam expressos naquela Carta. A dignidade humana
como fundamento da República e essa principiologia “configuram uma verdadeira
cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo
ordenamento” (TEPEDINO, 2003, p. XXV).
Maria Helena Diniz (2001, p. 7), dispõe que a Constituição de 1988, em seu art. 5.º, IX
proclama a atividade científica como um dos direitos fundamentais, não significando que
ela seja absoluta e não contenha qualquer limitação, pois há outros valores e bens
jurídicos reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade física e psíquica,
a privacidade, entre outros, que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso da
liberdade de pesquisa científica.
Havendo conflito entre expressão da atividade científica e outro direito fundamental da
A tutela constitucional da vida embrionária:Página 11
pessoa humana, a solução ou o ponto de equilíbrio deverá ser o respeito à dignidade da
pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1.º, III,
da CF/1988. Nenhuma liberdade de investigação científica poderá ser aceita se colocar
em perigo a pessoa humana e a sua dignidade.
3.2.1 Do direito à vida
O direito à vida é objeto de autônoma e específica tutela constitucional, abarcando sob o
seu manto protetor todo aquele que pertencer à espécie humana, donde se conclui,
realmente, pela existência de um direito de nascer.
Dessa forma, leciona o ilustre autor Silva que:
“(…) a vida humana de que trata a Constituição Federal, integra-se de elementos
materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), sendo abrangente do direito à
dignidade da pessoa humana, do direito à privacidade, do direito à integridade
físico-corporal, do direito à integridade moral, e, especialmente, do direito à existência”
(SILVA, 1994, p. 197).
Cuida-se de texto que solenemente reconhece a dignidade da pessoa humana, como
base da liberdade, da justiça e da paz.
O autor sabiamente fala no “direito a uma existência digna” em que consubstancia
aspectos de natureza material e moral, nos quais serviriam para fundamentar o
desligamento de equipamentos na prática da eutanásia (SILVA, 1994, p. 199). A
existência digna, desse modo, consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de
defender a própria vida, de permanecer vivo.
Já o direito à integridade física, que oferece o autor, operando a combinação com o
direito à vida e o direito à saúde, serve como fundamento e justificativa para a
interrupção da gravidez, nas situações de risco à saúde da mãe, ainda que apenas à
saúde psíquica. Dessa forma, nota-se que, o direito a vida é um direito essencial do qual
decorrem todos os demais previstos constitucionalmente.
Para que possa manifestar sobre o tema, antes de tudo, é preciso estar atento à exata
dicção constitucional:
“Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes” (CF/1988).
A priori, o vocábulo todos parece compreender não apenas as pessoas já nascidas, mas
também o embrião e o feto. O que implicaria sustentar a existência de um direito à vida,
ou direito de nascer, como direito da personalidade, o que nos levaria à consequência
lógica de que o aborto terapêutico “violenta o sentimento filosófico do ordenamento
jurídico, é inconstitucional e contradiz o direito civil” (LORENZETTI, 1998, p. 470).
Nesse sentido destaca, com propriedade, a Ministra do STF, Carmen Lúcia Antunes
Rocha:
“Em geral, os sistemas jurídicos afirmam que ser considerado pessoa em direito, vale
dizer, dotar-se de personalidade para os fins de titularizar direitos, depende do
nascimento com vida. Todavia, quanto aos direitos humanos, os direitos que cada ser
humano titulariza não se há fazê-los depender da personalidade (…). Há que se
distinguir, portanto, ser humano de pessoa humana. E, de pronto, há que se antecipar
que o princípio da dignidade, que se expressa de maneira relevante quanto à pessoa
humana, não se circunscreve a ela, senão que haverá que ser respeitado para a espécie
humana, tomada esta em sua integralidade (…). O embrião é, parece-me, inegável, ser
humano, ser vivo, obviamente, que se dota da humanidade que o dota de essência
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 12
integral, intangível e digno em sua condição existencial. Não é, ainda, pessoa, vale dizer,
sujeito de direitos e deveres, o que caracteriza o estatuto constitucional da pessoa
humana” (ROCHA, 2004, p. 47).
Com a citação, nota-se o fiel entendimento da Suprema Corte, inclusive da Ministra,
quando salienta ainda que “se a proteção constitucional do direito à vida refere-se ao ser
humano, ao humanum genus, nem se há duvidar que o embrião está incluído na sua
proteção jurídica. O embrião é ser e é humano” (ROCHA, 2004, p. 48). No entanto, o
que se refere aqui é o embrião implantado, concebido, aquele que se equipara ao
nascituro.
O Min. Carlos Ayres Britto, relator no julgamento da ADIn 3.210, sustentou a tese de
que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero
humano. Segundo ele, tem que haver a participação ativa da futura mãe. E, o embrião,
não sobrevive no útero sem a mãe. Ora, o zigoto (embrião em estágio inicial) é a
primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma
realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado; o zigoto
não pode antecipar-se à metamorfose.
Destarte, no entendimento do Supremo, não há pessoa humana embrionária, mas um
embrião de pessoa humana. Esta, sim, recebe tutela constitucional, moral, biográfica,
espiritual, é parte do todo social, medida de todas as coisas. A Constituição da República
atribui à vida o status de direito fundamental. De fato, não há como se cogitar dos
direitos de igualdade, da intimidade, da liberdade, do bem-estar, sem pressupor o direito
à vida, como antecedente necessário a todos os demais.
Ao declarar o direito à vida, a Lei Maior enaltece a pessoa humana e sua inerente
dignidade, contemplando, destarte, os valores que, hodiernamente, vêm se tornando
universais. O direito à existência digna foi efetivamente consagrado e decorre da
conjugação do art. 5.º, caput, com o art. 1.º, III, da Carta Constitucional. Nem por isso
se corre o risco de invocá-lo pura e simplesmente como justificativa para as práticas que
atentam contra a vida. É que o conteúdo desse princípio é vago, aberto, fluido, e, por
isso mesmo reclama da bioética e do direito a sua delimitação, consoante as exigências
axiológicas fundamentais da comunidade.
O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores ideias de nossa civilização e o
primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro
ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de
dispor da própria vida, a fortiori da de outro e, até o presente, o feto é considerado um
ser humano.
O que se afigura inequívoco, é que restou expresso no Texto Constitucional que a
dignidade da pessoa humana se constitui em fundamento da República Federativa do
Brasil. Destarte, o Estado deve envidar seus esforços para consagrá-la na plenitude dos
aspectos material e moral que lhe são ínsitos. Tem-se por certo, então, que o legislador
ordinário, agora, não é livre para elaborar a lei, impedido de editar norma
inconstitucional e norma legal permissiva de conduta que não guardasse respeito à
dignidade humana.
Nesse diapasão, será exigido dos juízes que, diante do fato concreto, inspirem suas
decisões no princípio insculpido na Lei Maior, porque representa o valor axiológico
contemplado pela sociedade nesse especial momento histórico.
3.2.2 Da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e
qualquer ser humano, é característica que o define como tal. Concepção de que em
razão, tão somente, de sua condição humana e independentemente de qualquer outra
particularidade, o ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 13
Estado e por seus semelhantes.
A dignidade da pessoa humana é o princípio basal e já no art. 1.º, III, da CF/1988 é
elencado como sendo um dos fundamentos da República. A pessoa humana é colocada
no centro do ordenamento jurídico, e compõe outros princípios. Assim, a dignidade é um
predicado tido como inerente a todos os seres humanos e configura-se como um valor
próprio que o identifica.
Pode-se trazer à baila a visão antropológica de Oliveira, quando do ultraje da dignidade:
“Nadamais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a natureza, com
seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo mesmo e com Deus.
Significa reduzi-lo a um objeto inanimado e morto. Pela participação, ele se torna
responsável pelo outro e concria continuamente o mundo, como um jogo de relações,
como permanente dialogação” (OLIVEIRA, 2005, p. 25).
Rocha, ao comentar o art. 1.º da Declaração dos Direitos Humanos, o festejado
dispositivo que decreta a igualdade de todos os seres humanos em dignidade e direitos,
faz as seguintes considerações:
“Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não
muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e
esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu.
Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual” (ROCHA, 2004, p. 13).
A ausência de dignidade possibilita a identificação do ser humano como instrumento,
coisa, na medida em que viola uma característica própria e delineadora da própria
natureza humana. Todo ato que promova o aviltamento da dignidade atinge o cerne da
condição humana, promove a desqualificação do ser humano e fere também o princípio
da igualdade, posto que é inconcebível a existência de maior dignidade em uns do que
em outros.
Entendendo a dignidade da pessoa humana como princípio, Barroso assevera:
“A doutrina civilista, por sua vez, extrai do princípio da dignidade da pessoa humana os
denominados direitos da personalidade, reconhecidos a todos os seres humanos e
oponíveis aos demais indivíduos e ao Estado. Sob essa ótica privatista mas de base
constitucional, tais direitos da personalidade, inerentes à dignidade da pessoa humana,
apresentam-se em dois grupos: (i) direitos à integridade física (…) (ii) direitos à
integridade moral (…).”
Dessa forma, de acordo com esse entendimento, nota-se que no plano da integridade
física colocam-se questões contemporâneas de grande complexidade e implicações
éticas, como as que envolvem pesquisa com células-tronco embrionárias.
Pode-se valer da explicação de Silva acerca do conceito de dignidade da pessoa humana,
a fim de se entender o significado para além de qualquer conceituação jurídica, posto
que a dignidade é, como dito, condição inerente ao ser humano, atributo que o
caracteriza como tal: “A dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional,
pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência
especulativa, tal como a própria pessoa humana” (SILVA, 1998, p. 84).
Dessa forma, nota-se que a explicação de Silva se adere ao entendimento de Sarlet ao
informar sobre as dificuldades de uma definição precisa e satisfatória de dignidade da
pessoa humana. E como relembra este autor, foi Kant quem definiu o entendimento de
que o homem, por ser pessoa, constitui um fim em si mesmo e, então, não pode ser
considerado como simples meio, de modo que a instrumentalização do ser humano é
vedada (SARLET, 2003).
Tal definição tem inspirado o pensamento filosófico e jurídico na modernidade. Ora, a
A tutela constitucional da vida embrionária:
Página 14
dignidade não pode ser renunciada ou alienada, de tal sorte que não se pode falar na
pretensão de uma pessoa de que lhe seja concedida dignidade, posto que o atributo é
inerente, dada a própria condição humana.
Flávia Piovesan, salienta que:
“Todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não
dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana
se projeta, assim, por todo o sistema internacional de proteção. Todos os tratados
internacionais, ainda que assumam a roupagem do positivismo jurídico, incorporam o
valor da dignidade humana” (PIOVESAN, 2003, p. 188).
Nesse entendimento e na concepção dos demais autores, as várias tentativas de
conceituação de dignidade da pessoa humana se valem, sobretudo, da respeitabilidade,
prestígio, consideração, estima ou nobreza.
Uma definição na esfera jurídica que merece destaque é de Sarlet. Para esse autor,
dignidade é:
“Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2002, p. 24).
Analisando posicionamentos doutrinários, Sarlet assevera que existem, além dos direitos
fundamentais consagrados na Carta Constitucional – seja no seu catálogo de direitos
fundamentais, seja em outras partes da Constituição – ou mesmo dos previstos em
tratados internacionais, outros direitos fundamentais, aqueles não positivados, trata-se
do sistema aberto dos direitos fundamentais.
Desse modo, Sarlet demonstra sabiamente que o direito exerce papel fundamental na
promoção da dignidade humana, sobretudo, quando cria mecanismos destinados a coibir
eventuais violações. Ressalte-se que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida,
posto que é um dado prévio e, como expressão da própria condição humana, a
dignidade pode e deve ser reconhecida mas, não pode ser criada ou concedida.
Esse parecer é de um conceito valorativo constitucional que se constitui como o pedestal
da ordem jurídico-constitucional, pois definidor de norma constitucional e direito
fundamental, inclusive em relação a outros bens e princípios constitucionais.
Desta feita, a dignidade da pessoa humana se aplica ao embrião humano,
fundamentalmente quando a legislação especial permite a sua disposição.
“Deter o ciclo vital de um embrião humano é uma expressão da vontade de poder, pela
qual uma pessoa decide o destino de outra, que vem a ser um ente fraco e indefeso. Sua
vida é ‘suspensa’: ela está ‘lá’, congelada e depositada, como um produto de consumo,
junto a muitos outros, disponível em caso de necessidade. Sua dignidade se vê reduzida
ao calor de uma coisa a ser usada, sujeita também a expiração, de vez que não se pode
garantir a integridade física e mesmo a vitalidade de um embrião congelado em
proporção direta ao tempo e à modalidade de congelamento. Assim, além de um excesso
de poder, há também a violência pela qual essas vidas ‘expiradas’ e ‘imprestáveis’ são
descartadas” (CORREA, 1998).
Nesse contexto, percebe-se que a dignidade está para todo e qualquer ser humano,
tendo como pressuposto para ser detentor desse direito: a vida, que de fato começa com
a concepção. O direito de liberdade traça um paralelo com a dignidade da pessoa
humana, quando se fala na possibilidade do ser humano dispor dos seus embriões
A tutela constitucional da vida embrionária:
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criopreservados, ora sem utilização.
3.3 Documentos internacionais
Tratados são, nos termos da Convenção de Viena (1969), acordos internacionais
firmados entre Estados, escritos, regidos pelo direito internacional público,
independentemente de denominação específica. Dentre os assuntos que podem ser, no
âmbito das relações internacionais, regulamentados por Tratados, destaca-se um grupo
especial, voltado para a proteção do ser humano, em sua condição de portador de
dignidade e ser pessoal. Estes documentos servem como escudo para qualquer
manipulação lesiva desses direitos. Os instrumentos a seguir apresentados tem em
comum o respeito pela dignidade da pessoa humana, a garantia do direito à vida, à
autonomia, à liberdade.
Para além dos Tratados, há uma série de Declarações e Recomendações que, apesar de
despidas de força cogente, são instrumentos de fundamental relevância para a
compreensão da proteção jurídica do ser humano, em âmbitointernacional
(RODRIGUES, 2013, p. 28).
No Brasil, as declarações internacionais não têm força vinculativa como os Tratados, mas
de recomendação. No direito internacional essa é a prática para a maioria dos
documentos que envolvem direitos humanos, conhecidos como soft law, ou seja, são
normas indicativas e não obrigatórias.
É fundamental constatar ainda que em nenhum desse instrumentos se estabelece uma
marco inicial para a existência humana, a não ser o próprio momento para a fecundação.
Todavia, em nenhum momento a existência humana fica condicionada, o que assegura a
proteção do embrião humano.
3.3.1 O Código de Nuremberg
O Tribunal de Nuremberg, em 09.12.1946, julgou 23 pessoas, 20 das quais médicos,
que foram consideradas como criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos
realizados em seres humanos. O Tribunal demorou 8 meses para julgá-los e somente em
19.08.1947 o próprio Tribunal divulgou as sentenças, sendo que 7 de morte, outro
documento, que ficou conhecido como Código de Nuremberg (ANDREZZA, 2012).
Sem dúvida foi um marco na história da humanidade, pois pela primeira vez foi
estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos
envolvidos na pesquisa em seres humanos, restando demonstrada intenção de se coibir
abusos à pessoa humana (GOLDIM, 2002, p. 71).
Silva (2002, p. 247) destaca que desde o advento do Código de Nuremberg, existe uma
preocupação em estabelecer parâmetros norteadores das pesquisas com seres humanos
– umas das principais exigências definidas desde então é a de que somente poderiam
ser submetidos a este tipo de pesquisa cientifica indivíduos em condições de prestar um
consentimento livre e esclarecido.
3.3.2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Surgiu em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial e como resposta à barbárie do
totalitarismo que levou à descartabilidade da pessoa humana. Possibilitou, assim, a
“consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como
valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos
organismos internacionais” (BARCELLOS, 2002, p. 108).
Em que pese, é importante enfatizar que foi incorporada na Constituição de 1988, a
universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos.
Interpretando o teor do art. 2.º, especialmente quando veda discriminação em função do
A tutela constitucional da vida embrionária:
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nascimento, pode-se inferir que o fato de um embrião humano ainda não ter nascido não
é pretexto para negar-lhe o reconhecimento de seus direitos fundamentais. Em vários de
seus dispositivos, a Declaração menciona os direitos do indivíduo, inclusive no art. 6.º,
“Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua
personalidade jurídica” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).
Apesar de existirem discussões doutrinárias a respeito da atribuição do status de pessoa
ao embrião, como vimos anteriormente, não há divergência quanto ao fato de ser ele um
indivíduo da espécie humana, oriundo de gametas humanos. Portanto, portador de
individualidade genética típica de nossa espécie e de direitos humanos.
3.3.3 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
Fruto da IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, a Declaração Americana
dos Direitos e Deveres do Homem busca orientar em 1948 a evolução do direito
americano de forma a proteger os direitos do homem.
Em contrapartida, a Declaração também elenca deveres, entre eles o do art. XXIX: “O
indivíduo tem o dever de conviver com os demais, de maneira que todos e cada um
possam formar e desenvolver integralmente a sua personalidade” (Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 1948). Destarte, não se pode impedir
portanto, o desenvolvimento da personalidade de um indivíduo através da terminação de
sua vida.
3.3.4 Declaração de Helsinke
Conforme o art. 3.º da Declaração, “a pesquisa não pode ser legitimamente
desenvolvida, a menos que a importância do objetivo seja proporcional ao risco inerente
à pessoa exposta” (DECLARAÇÃO, 1964). Assim, a declaração em comento traz à tona a
ideia de ponderação entre os possíveis benefícios oriundos da pesquisa e os riscos que
ela pode vir a causar.
Com essa Declaração, a Associação Médica Mundial estabeleceu as diretrizes éticas para
este tipo de pesquisa, havendo que se considerar a sua importância em relação à
formalização dos princípios bioéticos básicos da autonomia, beneficência, não
maleficência e justiça (SILVA, 2002, p. 249).
O aspecto individual também se sobrepôs ao coletivo, pois expressamente foi declarado
como princípio básico que os interesses do indivíduo devem prevalecer sobre os
interesses da ciência e da sociedade. Na verdade, esta é a discussão principal no que
tange a destinação dos embriões excedentários para pesquisas e cura de doenças.
3.3.5 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Assevera o pacto, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, mas passando a
vigorar somente em 1976, que o Brasil é responsável por defender os direitos
fundamentais, inclusive aquele que atribui à necessidade de proteção da dignidade da
pessoa humana.
O art. 7.º da parte III do Pacto determina que é vedado o tratamento cruel, desumano e
degradante e que “será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre
consentimento, a experiências médicas científicas” (Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, 1996).
3.3.6 Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica
No ano de 1969, foi firmado na Costa Rica o mais significativo dos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos, mas somente foi incorporado no ordenamento
jurídico brasileiro através do Dec. 678/1992. Mais tarde, em 2008, com o julgamento do
RE 466.343-1/SP, o STF firmou entendimento no sentido de que os tratados
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internacionais possuem configuração de norma supralegal, estando abaixo da
Constituição e acima da legislação interna, como é o caso do Pacto.
O Pacto São José da Costa Rica ficou conhecido pelo fato de impedir a prisão civil por
dívidas. Destarte, o que é de maior relevância para a pesquisa se refere aos seguintes
artigos:
“Art. 1.º (…) 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano (…).
Art. 3.º (…) Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Art. 4.º (…) 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve
ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser
privado da vida arbitrariamente” (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto
São José da Costa Rica, 1969).
Nesse passo, percebe-se que o Pacto defendeu claramente a existência da personalidade
jurídica e de vida para o embrião. Ele diz, como vimos, expressamente que “pessoa é
todo ser humano”, sem fazer qualquer distinção entre o ser humano em sua vida intra e
extrauterina e, sem mesmo fazer qualquer rodeio ou abrir espaço para interpretações
diversas. Assim, a expressão “desde o momento da concepção” nos obriga a perceber
que a palavra “pessoa” se aplica também ao nascituro, pois ser humano (COSTA JR.,
2008).
3.3.7 Convenção sobre Direitos da Criança
Adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20.11.1989, a Convenção sobre os Direitos
da Criança tem força de lei no Brasil em função do Decreto Legislativo 28, de
24.09.1990 e do Decreto Executivo 99.710, de 21.11.1990.
O art. 2.º da Convenção sobre os Direitos da Criança expressamente proíbe qualquer
discriminação, independente de nascimento, ou seja, antes mesmo de nascer, o ser
humano já estaria acobertado pela proteção do documento em análise.
Ao tratar do direito à vida, a convenção não se limita a determinar a proteção integral.
Vai além e, no art. 6.º, determina que “os Estados-partes assegurarão ao máximo a
sobrevivênciae o desenvolvimento da criança” (CONVENÇÃO, 1989). Não basta
assegurar a vida; é preciso fornecer condições de sobrevivência e desenvolvimento.
O ordenamento jurídico reconheceu a necessidade da tutela do embrião e do nascituro,
fazendo no campo das relações civis (garantindo a ele direitos personalíssimos) nos
quais o art. 7.º do ECA (Lei 8.069/1990) dispõe que: “A criança e o adolescente têm
direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas
que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência”.
Destarte, qualquer tratamento discriminatório ao embrião é, portanto, incompatível com
a Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário.
3.3.8 Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos
Considerando que o genoma humano representa patrimônio de cada ser humano e, por
conseguinte, de toda a humanidade, em 11.11.1997, a Organização das Nações Unidas
adotou a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos.
Na declaração, “foi reconhecido que o genoma humano está relacionado com a dignidade
humana” (DIEDRICH, 2001, p. 222).
Comparato (2001, p. 33) lembra que, na Declaração Universal do Genoma Humano, a
Unesco afirmou que o genoma humano está na base da unidade fundamental de todos
os membros da família humana, assim como do reconhecimento de sua dignidade
A tutela constitucional da vida embrionária:
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intrínseca e de sua diversidade. Em termo simbólicos o genoma é considerado
patrimônio da humanidade.
Assim, consequentemente, essa dignidade impõe a não redução dos indivíduos às suas
características genéticas e o respeito do caráter único de cada um, bem como de sua
diversidade, independentemente do seu estágio de desenvolvimento e evolução
(COMPARATO, 2001, p. 33).
Dispõe o art. 2.º da Declaração (1997) que: “todos têm o direito ao respeito por sua
dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características
genéticas”. Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas
características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade.
3.3.9 Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética – Declaração de
Manzanillo
Foi elaborada 1996 e revista em Buenos Aires, no ano de 1998. Os países signatários,
entre eles o Brasil, demonstram sua adesão aos valores e princípios de outros
documentos jurídicos internacionais como a Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos da Unesco e o Convênio sobre Direitos Humanos e
Biomedicina do Conselho da Europa.
O ponto de vista de países que não tem um grau de desenvolvimento científico e
tecnológico de países de primeiro mundo enfatizando a necessidade de solidariedade
entre os povos. Dessa forma, a finalidade da Declaração é reforçar a “proteção do ser
humano em relação aos efeitos não desejáveis dos desenvolvimentos científicos e
tecnológicos no âmbito da genética” (Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética
Genética, 1996).
Não se pode deixar de mencionar, ainda, que a Declaração de Manzanillo determina que
as pesquisas devam levar em consideração o respeito à dignidade humana.
3.3.10 Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos
O seu objetivo é assegurar que a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e as
liberdades fundamentais sejam respeitados no que tange aos dados genéticos,
cooperando para a conformidade com os ideais de igualdade, justiça e solidariedade.
No art. 3.º reconhece-se que a constituição genética de cada indivíduo é característica
singular. Contudo, a identidade de uma pessoa não pode se resumir às características
genéticas, pois há diversos fatores envolvidos (educativos, ambientais, pessoais, sociais,
espirituais e culturais) (Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos,
2003).
Ademais, se estabelece que nenhum dispositivo da declaração será interpretado de
forma contrária aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade da
pessoa humana. É notório que seus artigos apresentam uma orientação para os países
signatários elaborem suas legislações internas e necessária se faz a existência de
limitações com a finalidade de impedir abusos eventuais abusos.
3.4 Da proteção na legislação especial
O problema dos embriões excedentes e o destino que se deve dar a eles com a falta de
legislação precisa e específica referente ao assunto torna-se mais problemático,
principalmente com relação aos embriões que não são utilizados a fresco e são
criopreservados em temperaturas baixíssimas, a menos 196º C. (FERNANDES, 2005, p.
91).
Neste caso, são apontadas pelo menos três alternativas: os embriões excedentes
poderão ser doados para outro casal, doados para pesquisa científica ou destruídos,
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sendo certo que as duas últimas alternativas são extremamente polêmicas e objeto de
várias discussões, mesmo com a regulamentação esparsa.
Destarte, é de crucial importância tecer alguns comentários acerca da proteção do
embrião fundamentalmente na Lei de Biossegurança, ora objeto da ADIn 3.510, e em
especial do entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM) mediante a nova Res.
2.013/2013, que permitiu o descarte de embriões criopreservados com mais de cinco
anos, se esta for a vontade dos pacientes, e não apenas para pesquisas de
células-tronco, conforme previsto na Lei de Biossegurança.
3.4.1 Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005)
No ordenamento jurídico pátrio, a Lei 11.105, de 24.03.2005, também chamada de Lei
de Biossegurança, em seu art. 5.º permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização
de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização
in vitro e que não foram transferidos para o organismo materno, atendidas algumas
condições:
“Art. 5.º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta
Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3
(três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1.º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2.º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com
células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e
aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3.º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua
prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997” (Lei
11.105/2005).
Em contrapartida, a esta prática, foi proposta pelo ex procurador da República Cláudio
Fonteles, a ADIn 3.510, que considera inconstitucional o art. 5.º da Lei 11.105/2005, a
qual foi julgada improcedente pelo STF.
Um casal pode recorrer a técnicas de reprodução assistida – incluindo a fertilização in
vitro, de forma que a própria Constituição Federal de 1988 em seu art. 226 e s. dispõem
que o homem e a mulher são as células formadoras da família e que, nesse conjunto
normativo, estabelecem a figura do planejamento familiar, fruto da livre decisão do
casal, e fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável (art. 226, § 7.º, da CF). Entretanto, inexiste o dever jurídico desse casal de
aproveitar todos os embriões eventualmente formados e que se revelam geneticamente
viáveis, porque não imposto por lei (art. 5.º, II, da CF) e incompatível com o próprio
planejamento familiar.
Assevera a legislação atual, conforme demonstrado, a permissão desses embriões
inviáveis serem utilizados para pesquisas com célulastronco embrionárias.
Nesse passo, recentemente, o Min. Marco Aurélio, relator da ADPF 54, que também
assegura uma correlação com a problemática do embrião, pois ambos julgados traçam
posicionamentos acerca da vida e da dignidade da pessoa humana. Assim, mencionou
em seu voto que:
“(…) as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e
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pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas
embrião de pessoa humana (…). O direito infraconstitucional protege por modo variado
cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana
anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião
pré-implantado é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a
que se refere a Constituição.”
Por conseguinte, Daniel Sarmento entende que “existe equivalência entre o direito não
apenas à vida, mas também à saúde de quem já é pessoa, como a mãe, e a salvaguarda
do embrião, que pessoa ainda deve tornar-se” (SARMENTO, 2006, p. 103).
Nas palavras da Min. Cármen Lúcia, assim como o Min. Marco Aurélio, também julgou a
ADIn 3.510, “há que se distinguir (…) ser humano de pessoa humana (…) o embrião é
(…) ser humano, ser vivo, obviamente (…). Não é, ainda, pessoa, vale dizer, sujeito de
direitos e deveres, o que caracteriza o estatuto constitucional da pessoa humana”
(ROCHA, 2004, p. 22).
Em que pese o entendimento dos doutrinadores, em uma importante análise da Lei de
Biossegurança, conclui-se que a fase em que se iniciam as pesquisas com as
células-tronco embrionárias, por anteceder o processo de formação do sistema neural,
não implicaria em desrespeito à vida do embrião, com base em critérios adotados pelo
legislador pátrio. Ora, nessa fase de desenvolvimento celular, não se falaria em vida já
que sequer surgiu a linha primitiva do sistema nervoso central.
Além do entendimento claro do legislador ao formular a Lei de Biossegurança, este é
também o entendimento da Suprema Corte ao julgar a ADIn 3.510, a qual segue a
Ementa:
“Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança. Impugnação
em bloco do art. 5.º da Lei 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança).
Pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência de violação do direito à vida.
Constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para
fins terapêuticos. Descaracterização do aborto. Normas constitucionais conformadoras do
direito fundamental a uma vida digna, que passa pelo direito à saúde e ao planejamento
familiar. Descabimento de utilização da técnica de interpretação conforme para aditar à
Lei de Biossegurança controles desnecessários que implicam restrições às pesquisas e
terapias por ela visadas. Improcedência total da ação” (STF, ADIn 3.510, j. 29.05.2008,
rel. Min. Ayres Britto).
Nesse sentido, a Lei em baila foi declarada constitucional, permitindo assim a pesquisa
com as células tronco embrionárias e, consequentemente, salvar vidas.
3.4.2 Do entendimento do Conselho Federal de Medicina
A Res. CFM 1.358, de 11.11.1992 versa efetivamente sobre as “normas éticas para a
utilização das técnicas de reprodução assistida”. Pela norma em estudo,
espermatozoides, óvulos e embriões podem ser criopreservados, cabendo aos cônjuges e
companheiros informar o seu consentimento expressamente desde o primeiro momento
da estocagem, quanto ao destino que será dado aos embriões preservados, em caso de
divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam
doá-los. Todavia, esses embriões não poderiam ser destruídos ou descartados.
Esse era o entendimento que vigorava no ordenamento jurídico brasileiro até a Res.
2.013, de 09.05.2013, que adotou novas normas éticas para utilização de técnicas de
reprodução assistida.
O item V.4 da Resolução (2013) estabelece que: “Os embriões criopreservados com mais
de 5 (cinco) anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos pacientes, e não
apenas para pesquisas de células-tronco, conforme previsto na Lei de Biossegurança”.
A tutela constitucional da vida embrionária:
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Destarte, destaca-se que a nova Resolução permite o descarte de embriões
criopreservados. Todavia, quem defende que o embrião (óvulo fecundado por
espermatozoide) é uma vida a ser protegida e, por isso, não poderia ser utilizado para
pesquisas com células-tronco também deveria se manifestar contrariamente ao descarte
de embriões, pois, em apertada síntese, é muito pior simplesmente descartar-se um
embrião do que utilizá-lo para pesquisas com células-tronco (LEPORE, 2013).
Mas, manifestar-se contrariamente ao descarte de embriões significa, na verdade, o fim
da reprodução assistida nos moldes como ocorre hoje. Isso porque, a reprodução
assistida sempre gera embriões excedentes e, quanto a eles, só existem dois caminhos:
utilizá-los para pesquisas com células-tronco ou descartá-los (LEPORE, 2013).
Nesse passo, a falta de lei dispondo sobre o assunto fez com que essa resolução
ganhasse maior dimensão a respeito do assunto e serve, inclusive, para alicerçar
decisões de juízes e tribunais.
4. A ADIn 3.510 à luz do ativismo judicial
No decorrer da pesquisa, percebe-se que a questão da tutela jurídica do embrião está
intimamente ligada ao caso de aborto de feto anencefálico, discutida na ADPF 54. Na
questão o Min. Lewandowski afirmou que “uma decisão judicial isentando de sanção o
aborto de fetos portadores de anencefalia abriria as portas para a interrupção da
gestação de inúmeros outros embriões”.
A ADPF 54 é combinada com a ADIn 3.510, que permitiu a pesquisa com células-tronco
embrionárias. São duas decisões de grande repercussão social e que demonstram um
ponto chave em comum: o ativismo judicial.
Nesse passo, sabe-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
confere sua guarda ao STF. Entre as várias competências desse órgão de cúpula do
Judiciário, a sua função precípua, é a prestação jurisdicional, ou seja, é dizer o direito.
Nesse sentido, para Barroso:
“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do
Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no
espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de
diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da constituição a situações não
expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do
legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos
emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de parente e
ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas de abstenção ao Poder
Público, notadamente em matéria de políticas públicas” (BARROSO, 2011).
O atual Ministro do STF citou como exemplo o caso do nepotismo, a condenação ao
fornecimento de medicamentos por ente público a pessoas portadoras de determinadas
doenças, o aborto de feto anencefálico e inclusive da ADIn 3.510, como casos reais da
postura ativista do Judiciário.
Ora, a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade só se justifica diante da
dúvida sobre a constitucionalidade do ato normativo. Nesse passo, Ruy Barbosa, calcado
na doutrina e jurisprudência norte-americanas disse que “toda medida, legislativa ou
executiva, que desrespeite preceitos constitucionais é, de sua essência nula” (BARBOSA,
p. 49).
Destarte, um dos fenômenos surgidos com o neoconstitucionalismo é o ativismo judicial
que está relacionado à participação, cada vez maior, do Poder Judiciário na realização da
vontade constitucional, no que concerne à concretização de seus valores junto à
sociedade.
Nesse sentido, busca o ativismo “extrair o máximo das potencialidades do Texto
A tutela constitucional da

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