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AULA 6 COMPORTAMENTO HUMANO NAS ORGANIZAÇÕES Prof. Dori Luiz Tibre Santos 2 CONVERSA INICIAL Esta é a nossa última aula da disciplina de Comportamento Humano nas Organizações. Os assuntos que serão aqui tratados são muito importantes, seja para entender a sua saúde, seja para entender como as transformações no mundo do trabalho influenciaram tanto a saúde do trabalhador. Em tempos de globalização econômica e competição acirrada, os talentos humanos têm se constituído como uma das principais ferramentas estratégicas de uma organização, seja ela qual for e onde ela estiver. Nesse aspecto, precisamos abordar com propriedade e profundidade as particularidades da saúde do trabalhador, no interior das organizações e sua interdisciplinaridade com as influências socioculturais do homem no ambiente interno e externo à organização e dele, o indivíduo, como o próprio fator de impacto. Inicialmente, abordaremos, de uma forma mais ampla, o significado da expressão psicopatologia do trabalho e situar sobre ela um olhar com base no como se organiza e se reorganiza uma empresa, com suas regras e leis que são inerentes a todas as empresas bem organizadas. Em um segundo momento, precisamos estabelecer e entender as relações entre o sujeito e o trabalho no que concerne ao processo de adoecimento ou sofrimento psíquico. CONTEXTUALIZANDO O trabalho é uma entidade que só pode ser analisada a partir do jogo dialético representado em termos da relação trabalho x trabalhador. Com base nessa relação, abordaremos o tema psicopatologia no trabalho como um sintoma que se destaca na nossa condição social. Nunca a sociedade se queixou tanto no que se refere ao adoecimento pelo trabalho. Cabe esclarecer que temos adotado a expressão psicopatologia no trabalho de preferência à expressão psicopatologia do trabalho por considerar que quem sofre e/ou adoece é o ser humano que trabalha. Como sentencia Seligmann-Silva (2012), na atualidade, uma discussão perpassa as fronteiras da Psicopatologia no Trabalho e atravessa o campo da Psicopatologia Geral, envolvendo psiquiatras, psicólogos e psicanalistas. Tal discussão parte da percepção de uma transformação na forma pela qual os processos psicopatológicos se constituem, desenvolvem e expressam no contexto 3 das imensas transformações que, no bojo da chamada globalização, atingiram a estrutura e o funcionamento da sociedade. Essas transformações, colocadas por Seligmann-Silva, decorrem da multiplicidade de transformações de contexto internacional que, afetando a estrutura e a dinâmica social em suas várias esferas e instituições, provocam reflexos na vida cotidiana, na sociabilidade e na vida mental em pessoas de todas as idades. Dejours (1994, p. 61) entende que Na atualidade, além do que se modificou no mundo do trabalho, observamos várias grandes mudanças, que devem ser consideradas nos impactos produzidos sobre o estudo do adoecimento laboral: mudanças socioambientais, demográficas (migrações, aumento da população idosa), urbanização desordenada, hipertrofia das metrópoles, intensificação da velocidade dos meios de transporte e de comunicação, aumento da violência em muitos contextos, poder das mídias, expansão tecnológica em geral, além de tantas outras que afetaram a cultura – os modos de perceber o mundo e andar na vida. A importância deste tema pode ser mais bem compreendido com as seguintes exemplificações propostas por Seligmann-Silva (2012, p. 77): Trabalhadores que viram suas especialidades serem superadas pelo avanço tecnológico; Trabalhadores que possuíam especialidades e que sofreram deslocamento para setores ou cargos onde não podiam mais exercê-las (vivenciando desqualificação); Sentir-se alvo de injustiça, desconsideração ou humilhação (dentro do ambiente organizacional); Ser preterido sistematicamente ou em ocasiões sucessivas, por ocasião das promoções que ocorrem na empresa ou em eventos nos quais se efetiva reconhecimento público dos funcionários; Ser excluído de eventos significativos promovidos pela empresa ou pelo grupo de trabalho do qual faz parte; Ser prejudicado frequentemente por não receber informações importantes para seu desempenho ou progressão funcional; Sofrer outras formas de discriminação, humilhação ou isolamento no ambiente de trabalho. Se esses exemplos chamaram a sua atenção, você faz parte de uma corrente em franco crescimento, que se preocupa com a saúde psíquica do trabalhador. Propomos a seguinte questão norteadora para esta aula: a alienação do sistema produtivo pode ser um fator causador de sofrimento psíquico? 4 TEMA 1 – EFEITO GLOBALIZAÇÃO Não podemos pensar em globalização econômica e desenvolvimento tecnológico sem vincular a essa discussão a reestruturação produtiva1. O desenvolvimento tecnológico foi apontado como a grande causa da globalização e usado como argumento poderoso para justificar a inevitabilidade da reestruturação produtiva em nível internacional e das reestruturações que se desencadearam nas organizações empresariais mundiais e nacionais. Segundo Pena (2017): A consequência foi a elevação do chamado emprego temporário, quando as indústrias contratam funcionários apenas em épocas de grande demanda na produção, demitindo-os quando não houver mais necessidade de se produzir mercadorias em grandes quantidades. Além disso, anota-se o processo de desregulamentação do trabalho, instrumentalizado pela total desarticulação do sistema produtivo, acarretando a multiplicação de contratos precários de trabalho e a diminuição média dos salários, gerada pela elevação dos índices de desemprego. Ainda segundo Pena (2017): [A reestruturação] contribuiu também para a redução média dos ganhos financeiros dos trabalhadores o processo de terceirização da economia. Esse processo ocorreu em razão dos baixos índices de geração de empregos no campo (setor primário) e nas indústrias (setor secundário), resultando no direcionamento da maior parte de trabalhadores para a área comercial e de serviços (setor terciário). Seligmann-Silva (2012, p. 68) nos chama atenção para a exclusao social: instaurado o processo de reestruturação em escala internacional, a exclusão social dos que foram considerados excedentes ou “descartáveis” logo se fez sentir. Porém, as reações ou respostas a essas forças “reestruturantes” foram, em grande parte, constringidas pela expansão de uma postura fatalista associada à ideia de inexorabilidade. Façamos uma rápida reflexão sobre que é uma organização e a sua influência em nossas vidas: a organização fez e faz parte do sujeito. Nela se encontram as oportunidades de trabalho, no qual o trabalhador pode mostrar seus conhecimentos e competências e ir aperfeiçoando suas formas de trabalho com o passar do tempo. 1 “A Reestruturação Produtiva – também chamada de capitalismo flexível – é um processo que se iniciou na segunda metade do século XX e que correspondeu ao processo de flexibilização do trabalho na cadeia produtiva. Sua inserção no mundo capitalista está diretamente associada à Terceira Revolução Industrial – também chamada de Revolução Técnico-Científica Informacional – e ao processo de implementação do Neoliberalismo enquanto sistema econômico”. (Pena, 2017) 5 Desse modo, o sucesso de uma organização repousa na forma como esta consegue funcionar e proporcionar melhores resultados, já que o objetivo de toda organização é criar e explorar estratégias para com o trabalho e o trabalhador. (Zimmer, 2014) Chanlat (1996, p. 25) considera que a organização “é um localpara onde são trazidos, e no interior do qual são reproduzidos e produzidos esquemas de conhecimento, instrumentos de análise e corpos, de onde há conhecimentos sistematizados sobre o ambiente, tecnologia, e sobre a própria organização e a psicologia dos indivíduos”. De acordo com Zimmer (2014, p. 10), Para muitos sujeitos trabalhadores, a mecanização trouxe enormes ganhos, fazendo com que o ser humano se transformasse num competidor nato. Para outros, o conhecimento do velho, com quem se mantinha a sabedoria mais antiga, não era mais considerado. O uso da máquina transformou a visão do homem sobre a produção, deixando a sua marca na imaginação, pensamento e sentimento dos homens através dos tempos As organizações se propõem muitas vezes a atender apenas às necessidades do cliente, deixando de prestar atenção no trabalhador que realiza este serviço. Chanlat (1996, p. 29) também concorda com essas ideias quando afirma que o ser humano dispõe de uma autonomia relativa. Marcado pelos seus desejos, suas aspirações e suas possibilidades, ele dispõe de um grau de liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para consegui-lo no plano social. O universo organizacional é um dos campos em que se pode observar ao mesmo tempo esta subjetividade em ação e esta atividade da reflexão que sustenta o mundo vivenciado da humanidade concreta. A autora Zimmer (2014, p. 26) contextualiza: Levando em conta que muitas organizações crescem, e que apesar de provocarem sofrimento e dor nas pessoas, crescem a ponto de ignorar este fator tao importante que é saude tanto física quanto mental desses sujeitos, que são tomados como “coisas funcionais” (pessoas vistas apenas como trabalhadores sem espaço para expor sentimentos), onde não há lugar nem tempo para afeto e expor emoções, que devem ficar contidos, criando várias situações de conflito. Se, por um lado, as organizações, por si só, são geradoras de angústia, por outro, a reestruturação produtiva causa um impacto maior ainda, pois a angústia vira medo, tanto para aqueles demitidos buscando uma reinserção no mercado de trabalho quanto para os que permanecem empregados, com medo de serem demitidos. 6 TEMA 2 – SIGNIFICADO DO TRABALHO Dependendo do sujeito, o trabalho é algo que depende de uma escolha subjetiva, permitindo a construção de sua identidade como pessoa, pois podemos nos organizar através do reconhecimento que obtivemos no trabalho que realizamos. Em outras palavras, para muitos, o trabalho é apenas uma forma de ganhar dinheiro para sustentar o consumo. Para outros, é a forma de colocar em prática seus conhecimentos em determinada área, o que daria um sentido para o trabalhador que se desenvolve. Vazquez (1997, citado por Zimmer, 2014, p. 14) ressalta que o trabalho, é de certa forma uma atividade humana, que é governada pela consciência e por fins idealmente postos antes da execução propriamente dita da atividade. Sendo assim podemos pensar que antes mesmo do trabalho ser executado, ele já é tido como tal, porque precisa ser pensado, planejado, elaborado antes de ser propriamente desenvolvido na prática. Baseado nessa afirmação, desenvolvemos a ideia de que o trabalho foi (e continua sendo) pensado como uma forma de sofrimento, seja intelectualmente, seja como esforço do corpo. Zimmer (2014, p. 14) insiste: nesta mesma linha de pensamento, nos damos conta de que a partir do trabalho as pessoas criam vínculos sociais, além de reconhecimento pelo que é desenvolvido quando bem feito. Através do trabalho que cada sujeito desenvolve, é de onde irão surgir as reações da organização quanto ao seu trabalho, sejam resultados que agreguem a sua desenvoltura ou não, não sendo favorável, pode acabar gerando alguma patologia. Além disso, a relação entre trabalhador e trabalho (leia-se organização) vai para um ponto altamente emocional: a construção da identidade. O processo de construção das identidades dos indivíduos pode ser visto de duas formas: como fonte de motivação e identificação dos funcionários em relação à empresa, o que é positivo para ambos, mas também como forma de moldar o comportamento das pessoas que trabalham na organização, o que pode trazer consequências negativas, como veremos a seguir. Por exemplo, no momento da demissão, além do impacto, há também a perda da identidade por parte dos funcionários. É fácil de entender: em um mundo cada vez mais competitivo, parece-nos natural que as organizações exijam dos funcionários mais do que a adesão aos princípios e aos valores da empresa. O que estamos vendo é o pedido de uma entrega total ao mundo organizacional. 7 Voltaremos a esse assunto, especificamente, quando tratarmos das psicopatias no ambiente organizacional. É interessante pensarmos que, como explicam Fernandes e Zanelli (2006, p. 171): No discurso de inclusão do candidato ao quadro efetivo da organização, já está embutido o discurso de exclusão: se não houver identificação entre ambos com os valores e comportamentos, o desligamento será consequência natural e, claro, por iniciativa do futuro colaborador, que não colaborou na proporção desejada. A adesão é mais do que aceitação: é superposição ao já constituído anteriormente, é o alinhamento do comportamento ao padrão de comportamento observado nos companheiros. Observa-se uma certa “alienação” por parte dos funcionários, pois, conforme afirmam Fernandes e Zanelli (2006, p. 173): Na necessidade de sobrevivência dentro de um sistema desconhecido, e por isso hostil, é comum observarmos reações padronizadas, sem características pessoais, sem a impressão pessoal do indivíduo dentro do grupo. Ele passa a ser a extensão do comportamento do grupo na forma de vestir-se, de comer, de arrumar seu objetos, de organizar sua agenda, desenvolvendo uma “personalidade organizacional” que se sobrepõe à sua, quando não a substitui por inteiro. Em outras palavras, há um rompimento dos vínculos pessoais com o mundo fora da organização, pois, afinal de contas, a empresa ocupa todo o espaço afetivo, intelectual e imaginário do colaborador, que projeta seus sonhos e busca alcançá-los com base na venda do seu trabalho para a organização. Afirmam Fernandes e Zanelli (2006, p. 173): Percebe-se com nitidez nesse estudo que a identificação com a organização muitas vezes acaba tornando-se uma obrigação dos funcionários. Assim, a maioria das pessoas não questiona o que faz no dia-a-dia das empresas, adotando tão cegamente certos comportamentos que, quando surge a necessidade de mudança, se sentem vulneráveis, resistindo fortemente, por acreditarem que as mudanças irão interferir no domínio que possuem do trabalho que realizam. Isso dificulta muito o processo de reconstrução das identidades dos indivíduos, cada vez mais necessário em ambientes de mudanças constantes. Portanto, o trabalho está na base de qualquer sociedade e na vida de qualquer sujeito, e é com o trabalho que surgem as primeiras relações. A forma como cada indivíduo interpreta o trabalho será a forma com a qual irá seguir desenvolvendo suas atividades, criando seus vínculos e agregando conhecimento. 8 TEMA 3 – A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE De acordo com Seligmann-Silva (2012, p. 69): “No sofrimento mental relacionado ao trabalho e em suas expressões mórbidas, é a subjetividade do indivíduo que é atingida. A subjetividade é construída ao longo das experiências sociais da existência de cada ser humano”. Vamos construir um raciocínio lógico que vai incidir na subjetivação dos empregados: toda e qualquer organização tem suas políticas internas. “Aí são decididas transformações de processode trabalho, adoção de novos equipamentos poupadores de mão de obra e a gestão de pessoas. É nesse âmbito que se delineiam novas práticas gerenciais e de organização do trabalho que irão impactar nas subjetividades.” (Seligmann-Silva, 2012, p. 69-70) De acordo com o sociólogo Henrique Nardi (2006, citado por Seligmann- Silva, 2012, p. 69): O modo de subjetivação é um conceito tomado de Michel Foucault e, de forma resumida, podemos dizer que é a forma predominante como somos conduzidos a nos tornarmos sujeitos de nossos atos pela incitação, imposição ou convencimento com relação aos valores e verdades dominantes em um determinado tempo e em um determinado contexto. Em outras palavras, além dos valores e verdades impostos pela cultura organizacional, as pressões sociopsicológicas também engendram sentimentos nos processos de subjetivação que vão criar novas condutas e novas culturas. Vamos exemplificá-las: A disseminação do medo: podemos inferir que diferentes medos dominam o panorama moderno, no qual a violência se alastra, atingindo de modo especial os que habitam no interior do mundo do trabalho. Entre os medos que aí proliferam, segundo Seligmann-Silva (2012, p. 70): vale lembrar que no chão de fábrica ainda subsiste o medo de sucumbir aos riscos de acidente, para os operários pressionados por sobrecargas de trabalho em ritmos cada vez mais acelerados. Mas sobressaem outros medos, como medo do desemprego, o medo da exclusão, o medo de não conseguir ser polifuncional ou dominar novos conhecimentos e técnicas, de não aguentar as exigências do trabalho e adoecer, o medo de enlouquecer, o medo de ser desqualificado durante a trajetória funcional e o medo de ser agredido durante o trajeto ou durante o próprio trabalho. Cabe salientar que o medo, permeando as relações interpessoais, abre espaço para a desconfiança que vai impregnar a sociabilidade fora e dentro dos ambientes de trabalho, produzindo isolamento entre pessoas. 9 Insegurança e incerteza: nem sempre é possível separar o medo de um conjunto de percepções, entre elas, a insegurança e incerteza. Conforme postula Seligmann-Silva (2012, p. 71): o medo coletivo desencadeia vivências individuais de insegurança. Estas, por sua vez, brotam de um conjunto complexo, que não se resume aos medos específicos que acabamos de enumerar. Existe outra insegurança gerada pela incerteza quanto ao futuro, que além de ser gerada pelo conjunto das ameaças percebidas, está associada à própria Gestão do Estado. A autora exemplifica a extensão da população que se encontra sem cobertura da Previdência Social, seja por estar em situação de trabalho informal, seja por não ter conseguido inserção no mercado formal, seja, ainda, por viver em desemprego de longa duração. O apagamento da justiça como valor fundamental: se entendermos que justiça sempre foi o núcleo da ética que está enraizada em nossa subjetividade, quando nos deparamos com injustiças sociais, também no interior das organizações, parece-nos suficiente para entender nossa fragilização. Isso sem contar com a disseminação de um senso comum: competir para sobreviver, desencadeia um senso de impotência. O individualismo que se sobrepõe à coletividade: presente em toda a sociedade, mas também assumindo expressões especiais no mundo do trabalho. Conforme afirma Seligmann-Silva (2012, p. 73), a partir do individualismo foi internalizada a dominação. Em nossas sociedades narcísicas dominados pelo modelo de desenvolvimento das sociedades multinacionais que qualificamos como modelo gerencial, os ideais de sucesso social, de promoção individual, de mobilidade individual permanete correspondem aos dispositivos dominantes de legitimação social: a ideologia da realização de si, do desenvolvimento pessoal é veiculada através da maioria das mídias, das instituições educacionais e das organizações profissionais. Ela atravessa a maior parte das classes sociais. TEMA 4 – ALIENAÇÃO – CONCEITO DE ESTRATÉGIA DEFENSIVA Vivemos numa sociedade que enaltece a cultura da excelência, na qual os valores instaurados presidem aos comportamentos e passaram a conformar crenças e mitos. Podemos enumerar os elementos que fazem parte dessa ideologia, de acordo com Seligmann-Silva (2012, p.74): “Competitividade; Flexibilidade; culto à Velocidade (tudo rápido e enxuto); a Evitação dos Sentimentos (síndromes de insensibilidade); Apagamento da Ética (estratégias defensivas); Polivalência (quando o trabalhador é forçado a passar à condição de polivalente)”. 10 O xis da questão é o impacto destes fatores na subjetividade, pois abre um leque amplo de possibilidades quanto ao desenvolvimento ou não de um sofrimento mental que venha a tornar-se patológico. Segundo Dejours (1994, p. 84), “O conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico pôde ser reconhecido como fonte de sofrimento, ao mesmo tempo como chave de sua possibildiade de análise. Mas o sofrimento suscita estratégias defensivas”. Dessa forma, Dejours (2010, citado por Oliveira e Mendes, 2014) faz uma diferenciação entre sofrimento criativo e sofrimento patogênico, em que o primeiro constitui-se da elaboração de estratégias criativas que, em geral, favorecem à saúde do sujeito e à produção. Com isso, o autor argumenta que não se deve negar o sofrimento do sujeito, pois é inevitável, mas o sofrimento criativo possibilita a transformação desse estado em criatividade, contribuindo para a resistência do sujeito à desestabilização. Oliveira e Mendes (2014, p. 32) afirma: Já aquele considerado patogênico caracteriza o sofrimento que gera alguma solução desfavorável à saúde, no sentido de que o sujeito pode estar em vias de adoecimento ou já estar adoecido. Pode-se afirmar que esse sofrimento ocorre quando o trabalhador esgota seus recursos defensivos, levando-o à descompensação e à doença. O sofrimento, portanto, pode tanto assumir um papel de mobilizador da saúde do sujeito, uma vez que o auxilia a pensar de forma crítica o seu trabalho, quanto pode ser um instrumento que é utilizado para o aumento da produtividade e aliena o sujeito. O sujeito lida com esse sofrimento, no interior das organizações, utilizando- se de alguns recursos chamados de estratégias defensivas, que podem ser tanto individuais quanto coletivas. Dejours (2010, citado por Oliveira e Mendes, 2014), comentando sobre as estratégias individuais de defesa, enfatiza o seguinte: As estratégias individuais de defesa são caracterizadas pelos mecanismos de defesa operantes, os quais estão interiorizados e operam mesmo sem a presença do outro. Essas estratégias possuem importante papel para a adaptação ao sofrimento, porém são de natureza individual, não atuando sobre a violência social. Já as estratégias coletivas de defesa necessitam de um consenso do grupo e dependem de condições externas ao sujeito. Essas estratégias são construídas por um grupo de trabalhadores para resistir aos efeitos desestabilizadores e para lidar com as contradições advindas do trabalho. Elas contribuem para a coesão do coletivo de trabalho. As defesas podem ser pensadas tanto como fatores de alienação por não atuarem na modificação da realidade que faz sofrer e, consequentemente, possíveis causadores de adoecimento, como podem também ser pensadas como aquelas que desempenham um papel considerável para a manutenção da saúde, por minimizarem a percepção que o trabalhador tem do sofrimento. 11 Em outras palavras, Dejours (1994, p. 53) esclarece que é a percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer. Tudo se passo como se, por falta de poder vencer a rigidez de certas pressões organizacionaisirredutíveis, os trabalhadores conseguissem, graças a essas defesas, minimizar a percepção que eles têm dessas pressões, fontes de sofrimento. Contudo, mesmo que o sujeito utilize a estratégia defensiva, o risco relativo da alienação continua grande, tanto que Dejours (1994, p. 54) afirma que “há casos em que a estratégia defensiva torna-se ela mesma tão preciosa para os trabalhadores que ao se esforçarem para enfrentar as pressões psicológicas do trabalho acabam por transformar esta estratégia em um objetivo em si mesma”. Isto é, o sofrimento não pode mais ser reconhecido como decorrente do trabalho. Como se o peso fosse do próprio empregado e não consequência do trabalho. Pensando nisso, a alienação pode ser pensada por meio de dois vieses diferentes, como nos explica Dejours (1994, p. 56): o trabalhador que não tem espaço para criar e expandir dentro da organização, e o trabalhador que não quer participar. Este primeiro trabalhador é o que sofre mais por querer colaborar e não tendo mais chances de explorar o seu conhecimento, acaba por estacionar. E o segundo trabalhador, que é aquele que se acomoda mesmo, que para ele a forma de trabalho está boa, prefere que não seja mexido na sua forma de trabalho, pois não tem autonomia para realizar demais atividades. A alienação tem muito a ver com o desejo inconsciente. TEMA 5 – SOFRIMENTO PSÍQUICO Um sujeito que desempenha uma função apenas por necessidade de trabalhar, sem oportunidade de escolha, não conseguindo identificação com a atividade (ou até mesmo pela alienação ao trabalho), pode acabar adoecendo. Por isso, é necessário entender a psicopatologia do trabalho. Codo (1985, citado por Zimmer, 2014, p. 22) afirma que é sabido que o trabalho está no centro de tudo para o homem e faz parte da constituição psíquica dos indivíduos. Por isso, a importância de levantar as hipóteses do que acontece com esse trabalhador quando ele se defronta com problemas no seu trabalho ou até mesmo alienado pelo sistema. O homem alienado é um homem desprovido de si mesmo. Conforme postula Dejours (1994, p. 133) sobre os procedimentos defensivos: os estudos de campo mostraram como o sofrimento e mais precisamente os procedimentos defensivos são de fato utilizados ou explorados pela organização do trabalho. [...] eles podem ser utilizados em proveito da produtividade. [...] conduzindo o sujeito à autoaceleração, onde as 12 estratégias contra o sofrimento ligado ao aborrecimento no trabalho conduzem às acelerações frenéticas das cadências de trabalho, terminando por se impor, gerando um retorno sinistro contra sua própria quietude, em proveito, uma vez mais, da organização do trabalho e da produtividade. Em outras palavras, os trabalhadores acabam por construir verdadeiras regras funcionais que não estão de acordo com a organização do trabalho oficial. Não se trata mais apenas de macetes, de truques e de habilidades pontuais ou isoladas, mas de uma articulação coerente entre elas, cuja soma conduz à elaboração de verdadeiros princípios reguladores para a ação e para a gestão das dificuldades ordinárias e extraordinárias observadas no curso do trabalho. Essas regras são produzidas pelo coletivo de trabalho e dão lugar a conflitos, litígios e arbitragens que atrapalham a evolução das relações sociais de trabalho e têm um impacto até na própria organização técnica do trabalho. (Dejours, 1994, p. 137) Esse processo se dá porque todo e qualquer trabalho, causando ou não sofrimento psíquico, pode ser fonte de saúde e de prazer. Controverso? Zimmer (2014, p. 22) explica: “o trabalhador visa sempre uma satisfação ao realizar um trabalho, procurando realizar seus projetos quando os tem, pensando neles como uma forma de prazer. Quando isso não acontece, com o passar do tempo, o trabalhador pode começar a sintomatizar”. Muitas vezes, nem o trabalhador nem o meio se dão conta disso, por ser este um processo muito lento. Segundo Zimmer (2014, p. 22), observa-se a importância que tem para o sujeito trabalhador obter o reconhecimento pelo seu trabalho desenvolvido. Quando isso não ocorre, o trabalhador acaba ficando alienado à somente aquela atividade que realiza, o que lhe causa um grande sofrimento psíquico, sendo este, um sofrimento invisível. Este sofrimento não é igual a um corte no braço no qual todos podem ver e realizar imediatamente os procedimentos para amenizar a dor, esse sofrimento fica invisível para os demais a sua volta. Para Dejours (citado por Zimmer, 2014, p. 22-23), a psicopatologia no trabalho tem estudado a relação do homem e a organização do trabalho. Se, de um lado, a organização do trabalho é caracterizada pela sua rigidez e por se impor um mecanismo de controle ao trabalhador, através das regras e restrições, de outro, o funcionamento psíquico, fica caracterizado pela liberdade de imaginação e criação do sujeito frente aos seus desejos inconscientes. Para que o trabalhador possa ter essa liberdade, é preciso que ele encontre sentido no trabalho a partir de uma identificação, investindo na sua criatividade. Num dos filmes mais famosos estrelados por Charlie Chaplin, Tempos Modernos, o personagem interpretado por ele passava horas apertando parafusos, criando uma desordem total no seu sistema psíquico, ao ponto de que 13 num dado momento este já estava praticamente inserido na máquina, como se fizesse parte dela, totalmente alienado. Pois bem, Zimmer (2014, p. 23) enfatiza que “também há uma satisfação do trabalho para o homem quando o meio lhe possibilita, quando ele encontra alguma atividade com a qual se identifica e sente prazer no trabalho que executa”. Em outras palavras, se não houver nenhuma identificação, o sujeito vai acabar não tendo vontade de realizar outras atividades que fazem parte de sua vida, o que muitas vezes afeta seus ciclos de relacionamento, gerando um ciclo de conflito e frustrações. Zimmer (2014, p. 23) enfatiza que “o trabalhador muitas vezes não entende que o sofrimento propriamente dito é visto como forma de adoecimento, e quando não encontra formas de ser sintomatizado, deixa sua saúde em risco”. Outra problema sério é que, em algumas situações, esse sujeito adoecido encontra formas externas de lidar com isso através de fugas nas toxicomanias, no alcoolismo ou em alguma droga, não encontrando mais sentido para o trabalho. Sobre a insatisfação e ansiedade, Dejours (1994, p. 78) relata que: a partir dos efeitos específicos da organização do trabalho sobre a vida mental dos trabalhadores resulta numa ansiedade particular partilhada por uma grande parte da população trabalhadora: é o sentimento de uma esclerosa mental, de paralisia da imaginação, de regressão intelectual. De certo modo, de despersonalização. Infelizmente, algumas organizações não aceitam o adoecimento psíquico, entendendo este como uma preguiça ou falta de vontade. Contudo não percebe que pode estar pressionando demais o sujeito, fazendo com que ele não corresponda às expectativas. Dessa forma, muitas organizações só entendem e percebem que o trabalhador está sofrendo quando este recorre às vias médicas e comprova, através de documentação, seu sintoma. E mais, dentre essas organizações, há ainda a parcela que, mesmo que entenda através de uma comprovação médica, não impede de aumentar a exclusão. Conforme postula Zimmer (2014, p. 23): É necessário que este trabalhador tente organizar-se para que de alguma forma, possa sair ileso deste sintoma. [...] Por vezes, isso não é possível [...] [Contudo] o sujeito vai precisar de força e vontade para conseguir superar e enfrentar essa problemática que lhe é imposta, e o desafia a transformar esse medo em coragem novamente.Tal processo é muito lento e vai de cada sujeito encontrar as formas de superá-lo. Enfim, Zimmer (2014, p. 23) é contundente quando diz que 14 o valor que é dado ao trabalhador e ao seu trabalho está mudando constantemente. A realidade competitiva dos dias atuais, onde quem produz mais, rende mais, tem o maior valor e quem não alcança tal produção é visto de forma alienada ou como descaso com seu trabalho ou ainda falta de vontade. Essa autora continua, citando Bauman (2014, p. 24): vive-se atualmente em um mundo de incertezas, onde cada dia mais é cada um por si. Nossas relações são instáveis. Os sujeitos estão sendo tratados como bens de consumo, caso haja defeito, descarta-se ou até mesmo troca-se por versões mais atualizada, isso acontece não só no trabalho, como no social e particular, o que acaba por influenciar novamente no trabalho, e assim, vivem-se essas constantes mudanças. Ainda há muito necessidade de esclarecer a classe trabalhadora para conhecer e dominar as várias formas de ajuda e proteção a que o trabalhador tem direito. A OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO), de acordo com Zimmer (2014, p. 31), estabelece três objetivos que refletem as dimensões mais importantes da proteção social como Promover a extensão da cobertura e a efetividade dos sistemas de seguridade social, as quais proporcionam acesso aos cuidados de saúde e proteção do rendimento em diversas contingências como por exemplo, a maternidade, o desemprego, doenças, invalidez e acidentes de trabalho; Promover condições essenciais para o trabalho honrado e digno o qual traga satisfação ao sujeito, incluindo remuneração e jornada de trabalho adequadas, além de segurança e saúde no trabalho; Promover a promoção de programas e atividades visando à proteção de grupos vulneráveis, tais como trabalhadores e trabalhadoras migrantes e suas famílias, ou ainda defesa de trabalhadores da economia informal e pessoas vivendo com HIV. Há muito o que fazer. Mas a reflexão é a perspectiva inicial para se ter uma conscientização sobre a saúde do trabalhador, seja por meio deste ator social, da organização onde ele vende sua força de trabalho e da sociedade como um todo. FINALIZANDO Observamos, ao longo desta aula, que o estudo da psicopatologia no trabalho é árduo, minucioso, mas extremamente necessário. A aula de hoje nos dá apenas uma visualização do problema, mas os estudos nessa área são muito mais profundos. No início desta aula colocamos a seguinte questão norteadora: a alienação do sistema produtivo pode ser um fator causador de sofrimento psíquico? Essa problemática vai para além da questão do adoecimento e torna-se muito mais 15 ampla, pois temos que entender como se organiza o trabalho para o sujeito, o que faz com que ele sofra e adoeça. E mais: quais são as saídas? O tema não se encerra. O que se deve é pensar em formas de intervir juntamente, criando ferramentas de atenção voltadas para a saúde do trabalhador. Mas essa ação não se restringe só à OIT, ou a áreas de saúde social feitas pelo Estado. É um trabalho conjunto com as empresas, dentro dos RH’s, nas práticas de gestão e também é um papel do próprio trabalhador, que é um ator social que tem que buscar o direito de ter voz, contribuindo e ao mesmo tempo podendo criticar a sua forma de trabalho, oportunizando, tanto para ele quanto para a organização, a reflexão acerca das queixas, trazendo benefícios para quem sofre. 16 REFERÊNCIAS BRUM, M. A influência do comportamento humano dentro das organizações. Revista Desafios Contemporâneos, v. 2, n. 3, 2015. Disponível em: <http://ojs.cesuca.edu.br/index.php/revposgraduacao>. Acesso em: 16 nov. 2017. CHANLAT, J. F. (Coord.) O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. _____. Recursos humanos: o capital humano das organizações. 9. ed. 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