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Causas de Justificação - Bitencourt - Resumo

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Flávia Argôlo França
2
Tratado de Direito Penal – Parte Geral
Cezar Roberto Bitencourt – Volume 1
24ª edição revista, ampliada e atualizada – 2018 – Saraiva Jr
Segunda Parte: TEORIA GERAL DO DELITO
XXI – CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO
1. Excludentes de antijuridicidade ou causas de justificação. 
A sistematização das causas de justificação tem como fundamento material a necessidade de solucionar situações de conflito entre o bem jurídico atacado pela conduta típica e outros interesses que o ordenamento jurídico também considera valiosos e dignos de proteção.
“As causas de justificação não somente impedem a imposição de pena ao autor do fato típico, mas converte esse fato em algo lícito, com todas as suas consequências”. (Muñoz Conde)
O Código Penal brasileiro acolheu expressamente as seguintes excludentes da antijuridicidade: o estado de necessidade (art. 24), a legítima defesa (art. 25) e o estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito (art. 23, III).
2. Elementos objetivos e subjetivos das causas de justificação. 
A antijuridicidade, entendida como relação de contrariedade entre o fato e a norma jurídica, tem sido definida, por um setor doutrinário, como puramente objetiva, sendo indiferente, por isso, a relação anímica entre o agente e o fato justificado. No entanto, segundo o entendimento majoritário, assim como há elementos objetivos e subjetivos no tipo penal, originando a divisão em tipo objetivo e tipo subjetivo, nas causas de justificação — que excluem a antijuridicidade — há igualmente componentes objetivos e subjetivos.
3. Consentimento do ofendido como causa supralegal de justificação. 
Ao contrário do que pensam alguns penalistas, a admissão de causas supralegais de justificação não implica necessariamente a aceitação, a contrario sensu, de injustos supralegais, diante da proibição patrocinada pelos princípios de legalidade e da reserva legal.
A presença de consentimento afasta a tipicidade da conduta que, para configurar crime, exige o dissenso da vítima, como, por exemplo, era o caso do crime de rapto (art. 219, já revogado), da invasão de domicílio (art. 150), do aborto provocado sem consentimento da gestante (art. 125) etc.
São duas formas distintas de o consentimento do ofendido influir na tipicidade: para excluí-la, quando o tipo pressupõe o dissenso da vítima; para integrá-la, quando o assentimento da vítima constitui elemento estrutural da figura típica. De qualquer sorte, nenhuma dessas modalidades de consentimento configura o consentimento justificante, isto é, com aquela função, supralegal, de excluir a antijuridicidade da ação.
A doutrina tem apontado como necessários ao consentimento justificante os seguintes requisitos: a) que a manifestação do ofendido seja livre, sem coação, fraude ou outro vício de vontade; b) que o ofendido, no momento de consentir, possua capacidade para fazê-lo, isto é, compreenda o sentido e as consequências de sua aquiescência; c) que se trate de bem jurídico disponível; d) que o fato típico se limite e se identifique com o consentimento do ofendido.
4. Excesso nas causas de justificação. 
Em qualquer das causas de justificação, quando o agente, dolosa ou culposamente, exceder-se nos limites da norma permissiva, responderá pelo excesso.
O excesso intensivo refere-se aos casos em que o sujeito cumpre com os requisitos essenciais, atua amparado pela causa de justificação, mas realiza uma conduta que excede os limites objetivos da conduta que poderia estar justificada. Por exemplo, quando o agente dispara cinco vezes contra o agressor para defender-se, quando um único disparo seria suficiente para neutralizar a agressão. O excesso extensivo, por sua vez, caracteriza-se nos casos em que a reação excessiva deve-se ao não cumprimento dos requisitos essenciais da causa de justificação, o que significa que a conduta não está sequer amparada pela excludente da antijuridicidade. Por exemplo, quando o agente considera que pode reagir contra o agressor, uma vez que a agressão injusta já cessou. Logo, o denominado excesso extensivo, tecnicamente, não existe. Há, na verdade, uma conduta criminosa não justificada, não havendo, a nosso juízo, que se falar em excesso, porque de excesso não se trata, mas simplesmente de uma conduta criminosa não justificada.
O excesso será doloso quando o agente, deliberadamente, aproveita-se da situação excepcional que lhe permite agir, para impor sacrifício maior do que o estritamente necessário à salvaguarda do direito ameaçado ou lesado.
Será culposo o excesso quando o agente, por descuido ou imprevisão, ultrapassa os limites da ação de salvaguarda de um bem jurídico próprio ou alheio, ou ultrapassa o limite da conduta consentida, podendo decorrer de erro de tipo
inescusável, ou mesmo de erro de proibição evitável (quanto aos limites da excludente). O excesso culposo só pode decorrer de erro, havendo uma avaliação equivocada do agente, quando, nas circunstâncias, lhe era possível avaliar adequadamente.
5. Estado de necessidade. 
O estado de necessidade pode ser caracterizado pela colisão de bens jurídicos de distinto valor, devendo um deles ser sacrificado em prol da preservação daquele que é reputado como mais valioso.
Nem sempre é fácil determinar qual é o bem que deve ser preservado no caso concreto, pois a colisão de bens jurídicos pode acontecer não somente entre bens de distinto valor (sacrificar um bem móvel alheio para preservar a própria vida), mas também entre bens de iguais valores (deixar de salvar a um terceiro desconhecido para salvar um parente próximo). Quando, no exemplo clássico, dois náufragos disputam a mesma tábua, que não suporta mais de um, uma vida terá de ser sacrificada para salvar outra.
O estado de necessidade não se confunde com a legítima defesa. Nesta, a reação realiza-se contra bem jurídico pertencente ao autor da agressão injusta, enquanto naquela a ação dirige-se, via de regra, contra um bem jurídico pertencente a terceiro inocente. No estado de necessidade há ação, na legítima defesa, reação; em ambas há a necessidade de salvar um bem ameaçado. Alguém atingido por uma ação realizada em estado de necessidade não pode reagir em legítima defesa, ante a legitimidade daquela ação, mas pode, igualmente, agir em estado de necessidade.
5.1. Estado de necessidade “justificante” e estado de necessidade “exculpante”. 
O Código Penal brasileiro consagra o estado de necessidade somente como excludente da antijuridicidade, ou seja, justificante, sem as distinções feitas pela legislação alemã.
Chegamos a essa conclusão porque o Código Penal brasileiro prevê, expressamente, o estado de necessidade no art. 23, I, como uma causa de “exclusão da ilicitude”.
Nosso ordenamento jurídico adota, em outros termos, a chamada teoria unitária do estado de necessidade.
Resulta um tanto quanto artificial a pretensão de restringir o efeito justificante do estado de necessidade somente para os casos em que se trate de um conflito entre bens de distinto valor, e quando se opta pelo sacrifício do bem de menor valor, em prol da preservação do de maior valor, outorgando um efeito meramente exculpante, menos vantajoso, quando se tratam de bens de igual valor. [...] o legislador penal brasileiro não estabeleceu limites nem critérios para a consideração dos bens em conflito, além da razoabilidade.
Quando existe desproporção, passa a ser exigível o sacrifício do bem de menor valor. Se, ainda assim, o bem de maior valor for sacrificado, então a ação típica será também antijurídica, abrindo a possibilidade, nesse caso, para o estado de necessidade exculpante, dependendo das circunstâncias, logicamente, que serão valoradas com base no princípio de exigibilidade.
5.1.1. Estado de necessidade e colisão de deveres. 
A situação característica da colisão de deveres se dá, com efeito, num contexto de situação de necessidade, em regra de terceiras pessoas, gerando para outro sujeito deveres simultâneos que não podem ser executados ao mesmo tempo. Nesses casos, podem colidir tanto deveresde agir, como um dever de agir e outro de omitir. Como exemplo da colisão de deveres de agir, imagine-se um acidente de trânsito com diversas vítimas em estado grave, e que o primeiro médico a chegar ao local do sinistro, estando em condições de prestar auxílio ativo, tem de escolher a quem prestar socorro primeiro. Como exemplo da colisão entre agir e omitir, imagine-se o caso em que, para salvar a vida de uma pessoa (dever de auxílio), o sujeito tem de danificar a propriedade alheia (infração do dever de omitir danos à propriedade alheia).
De acordo com Muñoz Conde e Mir Puig, na hora de decidir se a escolha da ação de salvaguarda deve ser justificada ou exculpada não cabe uma estrita valoração de se o bem salvo é de igual ou maior valor que o sacrificado, mas, sim, a ponderação de que o mal causado pela ação de salvaguarda não seja maior do que o mal que se pretende evitar.
5.2. Requisitos do estado de necessidade. 
A configuração do estado de necessidade exige, no Direito brasileiro, a presença simultânea dos seguintes requisitos: existência de perigo atual e inevitável a um direito (bem jurídico) próprio ou alheio; não provocação voluntária do perigo; inevitabilidade do perigo por outro meio; inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo; ausência de dever legal de enfrentar o perigo.
5.2.1. Existência de perigo atual e inevitável. 
Ao contrário da previsão para a legítima defesa, para o estado de necessidade, a lei fala somente em perigo atual. Somente o perigo atual justifica o ataque, isto é, aquele perigo real e concreto que está acontecendo no exato momento em que a ação necessitada deve ser realizada para salvar o bem ameaçado, sem a qual este seria destruído ou lesado; em outros termos, perigo e ação devem acontecer simultaneamente.
Perigo não se confunde com dano, mas a atualidade do perigo engloba a iminência do dano, uma vez que perigo é a probabilidade de dano, ou seja, a atualidade do perigo equivale à iminência de dano, mormente para um direito penal mínimo que acolhe o princípio da ofensividade, e que não admite perigo abstrato. Por isso, sustentamos que, embora nosso Código Penal preveja, para o estado de necessidade, somente o perigo atual, aceita o requisito da iminência do dano, aliás, a iminência de dano é a prova real e indiscutível da existência de perigo concreto.
Pode acontecer, contudo, que o agente tenha uma percepção equivocada acerca da existência ou atualidade do perigo e creia, erroneamente, que se encontra diante de uma situação de necessidade, dando lugar a um estado de necessidade putativo.
5.2.2. Direito (bem jurídico) próprio ou alheio. 
A expressão “direito”, utilizada no art. 24, deve ser, nesse sentido, a mais ampla possível, capaz de compreender qualquer bem ou interesse juridicamente protegido. Como a ordem jurídica protege bens jurídicos sem se preocupar com quem seja seu titular, admite a invocação de estado de necessidade para salvar “direito próprio ou alheio”. O que significa que nosso ordenamento jurídico reconhece expressamente, como causa de justificação, tanto o estado de necessidade próprio como o estado de necessidade de terceiro.
Quando se tratar de bens disponíveis, a intervenção deste dependerá do consentimento do titular do direito a salvaguardar, que poderá preferir solução diferente ou, quem sabe, até suportar o dano, justificando-se nosso entendimento de tratar-se de uma espécie de direito facultativo. Nessa hipótese, prevalecerá a vontade do titular do bem disponível.
Quando se tratar de bem indisponível, como a vida humana, o estado de necessidade de terceiro implica um verdadeiro dever de agir para aquele que está em condições de prestar auxílio, sob pena de incorrer nas penas do crime de omissão de socorro (art. 135). Assim, por exemplo, se para proporcionar auxílio a um menor que está a ponto de morrer afogado em uma piscina, for preciso arrombar a porta do domicílio do vizinho, a conduta lesiva do patrimônio alheio estará justificada.
5.2.3. Não provocação voluntária do perigo. 
A nosso juízo, a expressão do Código “que não provocou por sua vontade” deve ser entendida como sinônima de “que não provocou intencionalmente a situação de perigo”. Dessa forma, a simples circunstância de ter gerado uma situação de perigo para o bem jurídico (por exemplo, dirigir em velocidade inadequada, acima do limite permitido para o local), que origina uma situação de necessidade (imagine-se que um pedestre inicia a travessia pela faixa), por si só, não impede a alegação do estado de necessidade, pois a vontade ou intenção não era de criar perigo ou estado de necessidade para um determinado bem jurídico, mas simplesmente dirigir em velocidade não recomendada. Nesse caso, o motorista imprudente poderá invocar o estado de necessidade de terceiro, o pedestre, se tiver de colidir com outro veículo para evitar o atropelo daquele. Será necessário, portanto, que a própria situação de necessidade, ou seja, que a situação de perigo atual e iminente tenha sido provocada intencionalmente para dar lugar a uma ação de salvaguarda.
Sintetizando, admitimos a possibilidade de invocar-se estado de necessidade tanto nos tipos de injusto dolosos como nos tipos de injusto culposos, desde que a situação de perigo não tenha sido provocada intencionalmente.
5.2.4. Inevitabilidade do perigo por outro meio. 
“Inevitável é a lesão necessária, na medida da sua necessidade para salvar o bem ameaçado”.
O agente deve escolher sempre o meio que produza o menor dano (ponderação de bens), embora se devam ter presentes sempre as circunstâncias fáticas e a situação emocional do agente, tanto para a avaliação dos danos quanto para a escolha do meio menos lesivo. Deve-se, portanto, buscar a realização do comportamento menos lesivo, desde que suficiente para o mesmo fim. Quando o agente utilizar-se de meio mais grave do que o necessário para afastar o perigo, estaremos diante de excesso, devendo-se analisar a sua natureza, dolosa ou culposa.
5.2.5. Inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado. 
A admissibilidade do estado de necessidade não está, contudo, pautada em uma estrita ponderação de bens, mas, sim, orientada pelo princípio da razoabilidade e, por extensão, da proporcionalidade.
No entanto, mais que a proporcionalidade dos bens em confronto, pretende--se valorar a situação concreta de perigo para aferir a proporcionalidade entre a gravidade do perigo, a adequação do meio elegido para a ação de salvaguarda e a importância do bem ameaçado. São objetos desse quadro valorativo a gravidade da situação de perigo, as circunstâncias fáticas, o estado emocional do agente e a proporcionalidade dos bens em conflito.
Quando se tratar de bens equivalentes ou de igual valor, a delimitação dos casos de estado de necessidade justificante frente aos casos de estado de necessidade exculpante deve ser feita com base no critério de ponderação de males evitados, porque assim será possível chegar-se à conclusão se era ou não razoável exigir-se o sacrifício causado.
5.2.6. Elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo. 
“A ação do estado de necessidade, como única possibilidade de afastar o perigo, deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de salvamento”.
A exigência do elemento subjetivo integra a previsão permissiva, que exige que o fato praticado pelo agente seja “para salvar... direito próprio ou alheio”. Se faltar essa finalidade específica a ação não estará justificada, não configurando, portanto, o estado de necessidade.
5.2.7. Ausência de dever legal de enfrentar o perigo. 
É da essência de determinadas funções ou profissões o dever de enfrentar determinado grau de perigo, impondo a obrigação do sacrifício, como são exemplos o policial, o bombeiro, o segurança etc.
A exigência de sacrifício no exercício dessas atividades perigosas não pode atingir o nível de heroísmo. O princípio da razoabilidade também vige aqui: para se salvar um bem patrimonial é inadmissível quese exija o sacrifício de uma vida, por exemplo. Sustenta-se que, como a lei afasta a possibilidade de invocar estado de necessidade somente a quem tem o dever legal de enfrentar o perigo, pode invocá-lo o garantidor que, de outra forma, assumiu o compromisso de enfrentá-lo ou com seu comportamento anterior criou o risco de sua ocorrência (art. 13, § 2º, b e c, do CP).
5.3. Causa de diminuição de pena (minorante). 
Mesmo não se tratando de estado de necessidade, mas, diante das circunstâncias, que não justificam o crime, diminui-se a censurabilidade da conduta, autorizando a redução de pena. Não deixa de ser, como já referimos, a admissão de uma culpabilidade diminuída.
6. Legítima defesa. 
6.1. Considerações gerais. 
Corresponde a uma exigência natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um seu bem tutelado, mediante a lesão de um bem do agressor.
O reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de todas as violações da ordem jurídica, e objetivando não constranger a natureza humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, permite, excepcionalmente, a reação imediata a uma agressão injusta, desde que atual ou iminente, que a dogmática jurídica denominou legítima defesa.
6.2. Fundamento e natureza jurídica. 
O exercício da legítima defesa é um direito do cidadão e constitui uma causa de justificação contra uma agressão injusta. Quem se defende de uma agressão injusta, atual ou iminente, age conforme ao Direito, praticando, portanto, uma ação reconhecida como valiosa.
Para que o exercício da legítima defesa seja permitido e autorizado pelo ordenamento jurídico, deverá estar limitado, de maneira similar aos casos de estado de necessidade, em função de princípios e critérios, como o de proporcionalidade, ponderação de interesses, razoabilidade, valoração de deveres etc.
6.3. Conceito e requisitos. 
Na definição do Código Penal brasileiro, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem” (art. 25).
A legítima defesa, nos termos em que é proposta pelo nosso Código Penal, exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: agressão injusta, atual ou iminente; direito (bem jurídico) próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente; elemento subjetivo: animus defendendi. Este último é um requisito subjetivo; os demais são objetivos.
6.3.1. Agressão injusta, atual ou iminente. 
Define-se a agressão como a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. Mas a agressão, contudo, não pode confundir-se com a mera provocação do agente, que é, digamos, uma espécie de estágio anterior daquela, devendo-se considerar a sua gravidade/intensidade para valorá-la adequadamente.
O raciocínio é lógico: se a agressão (ação) é lícita, a defesa (reação) não pode ser legítima, pois é a injustiça ou ilicitude da agressão que legitima a reação do agredido. A injustiça da agressão deve ser considerada objetivamente, isto é, sem relacioná-la com o seu autor, uma vez que o inimputável também pode praticar condutas ilícitas (em sentido amplo), ainda que seja inculpável.
A agressão injusta deverá ser real, efetiva e concreta. Pode acontecer, contudo, que o agente tenha uma percepção equivocada acerca da existência ou atualidade da agressão injusta e creia, erroneamente, que se encontra em uma situação de legítima defesa, dando lugar a uma legítima defesa putativa.
Além de injusta, a agressão deve ser atual ou iminente. Atual é a agressão que está acontecendo, que está se realizando, isto é, que ainda não foi concluída; iminente é a que está prestes a acontecer, que não admite nenhuma demora para a repulsa, sob pena de concretizar-se. Agressão iminente não se confunde com agressão futura. A reação do agredido para caracterizar a legítima defesa pode ser preventiva ante uma agressão injusta iminente, estando orientada, prioritariamente, a impedir o início da ofensa, mas pode destinar-se a evitar, ante uma agressão injusta atual, a sua continuidade, com o objetivo de impedir que se produza um dano maior ao bem jurídico.
6.3.2. Direito (bem jurídico) próprio ou alheio. 
Qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais, disponíveis e indisponíveis. Qualquer bem jurídico, relevante, importante, inclusive bens jurídicos pouco valiosos também podem ser protegidos pela legítima defesa, tais como ofensas à honra, lesões corporais leves etc. Considerando, porém, a titularidade do bem jurídico protegido por esse instituto, pode-se classifica-lo em: próprio ou de terceiro, que autorizam legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado, e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem. No entanto, na defesa de direito alheio, deve-se observar a natureza do direito defendido, pois quando se tratar de bem jurídico disponível, seu titular poderá optar por outra solução, inclusive a de não oferecer resistência.
6.3.3. Meios necessários, usados moderadamente (proporcionalidade). 
Embora se reconheça a legitimidade da reação pessoal, nas circunstâncias definidas pela lei, o Estado exige que essa legitimação excepcional obedeça aos limites da necessidade e da moderação.
Além de o meio utilizado dever ser o necessário para a repulsa eficaz, exige-se que o seu uso seja moderado, especialmente quando se tratar do único meio disponível e apresentar-se visivelmente superior ao que seria necessário. Essa circunstância deve ser determinada pela intensidade real da agressão e pela forma do emprego e uso dos
meios utilizados.
6.3.4. Elemento subjetivo: animus defendendi. 
Embora não se exija a consciência da ilicitude para afirmar a antijuridicidade de uma conduta, é necessário, para afastá-la, que se tenha, pelo menos, conhecimento da ação agressiva, além do propósito de defender-se. A legítima defesa deve ser objetivamente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-se.
6.4. Legítima defesa sucessiva e recíproca. 
A legítima defesa sucessiva pode caracterizar-se na hipótese de excesso, quando o agredido, exercendo a defesa legítima, excede-se na repulsa. Em outras palavras, quando a defesa é exercida de maneira desproporcional contra o agressor inicial.
Imagine-se, por exemplo, que para defender-se das agressões verbais proferidas por José, Maria pega a faca de cozinha que tinha ao alcance da mão com a intenção de feri-lo, momento em que José agarra violentamente Maria pelo braço, causando-lhe escoriações, logrando dessa forma retirar a faca de cozinha que esta empunhava. As escoriações estarão justificadas porque se trata de defesa exercida legitimamente pelo agressor inicial frente a uma reação desproporcionada daquela que foi inicialmente agredida. Nessa hipótese, o agressor inicial, contra o qual se realiza a legítima defesa, tem o direito de defender-se do excesso, uma vez que o agredido, pelo excesso, transforma-se em agressor injusto. A legítima defesa recíproca, ao contrário, é inadmissível, pois não cabe legítima defesa contra legítima defesa. Com efeito, se a agressão injusta constitui o pressuposto da legítima defesa, não é possível admitir uma defesa lícita em relação a ambos os contendores, como é o caso típico do duelo, no qual ambos são agressores recíprocos. Somente será possível a legítima defesa recíproca quando um dos contendores, pelo menos, incorrer em erro, configurando a legítima defesa putativa. Nessa hipótese, haverá legítima defesa real contra legítima defesa putativa.
6.5. Legítima defesa e estado de necessidade. 
No estado de necessidade há um conflito de interesses legítimos: a sobrevivência de um significará o perecimento do outro; na legítima defesa o conflito ocorre entre interesses lícitos, de um lado, e ilícitos, de outro: a agressão é ilícita; a reaçãoé lícita, isto é, legítima.
Na legítima defesa a preservação do interesse ameaçado se faz através de defesa que é dirigida contra o autor da agressão, enquanto no estado de necessidade essa preservação ocorre através de ataque ao bem jurídico de um terceiro inocente.
No estado de necessidade existe ação e na legítima defesa, reação.
7. Outras excludentes de criminalidade. 
7.1. Estrito cumprimento de dever legal. 
Quem pratica uma ação em cumprimento de um dever imposto por lei não comete crime, de acordo com a norma permissiva inscrita no art. 23, III, do nosso Código Penal. Ocorrem situações em que a lei impõe determinada conduta e, em face da qual, embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a um bem juridicamente tutelado. Nessas circunstâncias, isto é, no estrito cumprimento de dever legal, não constituem crimes a ação do carrasco que executa a sentença de morte decretada pelo Estado, do carcereiro que encarcera o criminoso sob o amparo de ordem judicial, do policial que prende o infrator em flagrante delito etc.
Apesar de os destinatários naturais dessa excludente de criminalidade serem os agentes públicos, nada impede que possa ser aplicada ao cidadão comum, quando atuar, claro, sob a imposição de um dever legal. Lembra-se, com frequência, como exemplo, o dever que têm os pais de guarda, vigilância e educação dos filhos (art. 231, IV, do CC de 1916, art. 1634 do CC de 2002).
7.2. Exercício regular de direito. 
O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pela ordem jurídica. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída essa causa de justificação prevista no art. 23, III, do nosso Código Penal. O exercício regular de um direito jamais poderá ser antijurídico. Deve-se ter presente, no entanto, que a ninguém é permitido fazer justiça pelas próprias mãos, salvo quando a lei o permite (art. 345 do CP).
Qualquer direito, público ou privado, penal ou extrapenal, regularmente exercido, afasta a antijuridicidade. Mas o exercício deve ser regular, isto é, deve obedecer a todos os requisitos objetivos exigidos pela ordem jurídica. As intervenções médicas e cirúrgicas, consentidas pelo paciente, constituem, em regra, exercício regular de direito. Nada impede, é claro, que excepcionalmente o médico tenha o dever de atuar, inclusive sem dito consentimento, nos casos de estado de necessidade de terceiro em que existe perigo para um bem jurídico indisponível, como ocorre com a previsão do art. 146, § 3º, I, do CP, embora, nessa hipótese específica, o próprio legislador tenha optado por erigir essa excludente da antijuridicidade em uma autêntica causa de exclusão da tipicidade.
7.3. Offendiculas. 
Offendiculas são as chamadas defesas predispostas, que, de regra, constituem--se de dispositivos ou instrumentos objetivando impedir ou dificultar a ofensa ao bem jurídico protegido, seja patrimônio, domicílio ou qualquer outro bem jurídico.
Acreditamos que a decisão de instalar os ofendículos constitui exercício regular de direito, isto é, exercício do direito de autoproteger-se. No entanto, quando reage ao ataque esperado, inegavelmente, constitui legítima defesa preordenada.
7.4. O excesso nas causas de justificação à luz da Reforma Penal de 1984.
Em qualquer das causas de justificação (art. 23 do CP), quando o agente, dolosa ou culposamente, exceder-se dos limites da norma permissiva, responderá pelo excesso.
O excesso será doloso quando o agente, deliberadamente, aproveitar-se da situação excepcional que lhe permite agir, para impor sacrifício maior do que o estritamente necessário à salvaguarda do seu direito ameaçado ou lesado. Configurado o excesso doloso, responderá o agente dolosamente pelo fato praticado, beneficiando-se somente pela atenuante do art. 65, III, c, ou com a minorante do art. 121, § 1º, quando for o caso. Será culposo o excesso quando, por descuido ou imprevisão, o agente ultrapassa os limites da ação permitida, podendo decorrer de erro de tipo inescusável. O excesso culposo só pode decorrer de erro havendo uma avaliação equivocada do agente sobre a perigosidade de sua conduta quando, nas circunstâncias, lhe era possível avaliá-la adequadamente.

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