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Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfi co, incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia do editor. Exceptuam-se as transcrições de curtas passagens para efeitos de apresentação, crítica ou discussão das ideias e opiniões contidas no livro. Esta excepção não pode, no entanto, ser interpretada como permitindo a transcrição de textos em recolhas antológicas ou similares, da qual possa resultar prejuízo para o interesse pela obra. Os infractores são passíveis de procedimento judicial, nos termos da lei. JOSÉ MELO ALEXANDRINO (coord.) Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ESTUDOS SOBRE O CONSTITUCIONALISMO NO MUNDO DE LÍNGUA PORTUGUESA VOLUME II BRASIL E PORTUGAL Lisboa 2018 Ficha Técnica Título: Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua portuguesa – Vol. II – Brasil e Portugal AAFDL – 2018 Coordenador: José Melo Alexandrino Autores: Elisa Martins Juviniano Vanessa Affonso Rocha Arthur Ruy Nozari Antonio Rodrigues do Nascimento Maria Mariana Soares de Moura Bruno Sacramento Edição: AAFDL Alameda da Universidade – 1649-014 Lisboa ISBN: 978-972-629-203-6 Depósito legal: Abril / 2018 5Plano PLANO JOSÉ MELO ALEXANDRINO Introdução .............................................................................................. 7 ELISA MARTINS JUVINIANO O constitucionalismo como movimento de ideias em Portugal e no Brasil .............................................................................................. 17 VANESSA AFFONSO ROCHA O Poder Moderador e a divisão do poder político em Portugal e no Brasil .............................................................................................. 71 ARTHUR RUY NOZARI A atividade legislativa do Executivo: uma refl exão comparativa entre Portugal e Brasil ........................................................................... 139 ANTONIO RODRIGUES DO NASCIMENTO Crimes de responsabilidade e impeachment presidencial em Portugal e no Brasil ................................................................................................... 201 MARIA MARIANA SOARES DE MOURA A pertinência dos provimentos jurisdicionais de natureza cautelar no controle de constitucionalidade: uma análise comparativa ............. 249 BRUNO SACRAMENTO Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil .............................................................................. 303 Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil302 Bruno Sacramento 303 DÉFICITS E DISFUNÇÕES NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM PORTUGAL E NO BRASIL BRUNO SACRAMENTO Sumário: Introdução. 1. Os sistemas de fi scalização e o perfi l dos tribunais. 1.1. O sistema português e o perfi l do Tribunal Constitucional; 1.2. O sistema brasileiro e o perfi l do Supremo Tribunal Federal. 2. Défi cits: as possíveis insufi ciências dos sistemas. 2.1. O sistema português; 2.2. O sistema brasileiro. 3. As disfunções: os principais problemas na confi guração e no funcionamento dos sistemas. 3.1. O sistema português; 3.2. O sistema brasileiro. Conclusão. Referências bibliográfi cas. INTRODUÇÃO As experiências constitucionais de Brasil e de Portugal são marcadas por aproximações e afastamentos1. No contexto das aproximações, são reconhecidas as infl uências recíprocas entre as diversas Constituições que vigoraram ao longo da história dos dois países. Entre tantas, destaca- se uma que é considerada das mais relevantes: o sistema de fi scalização judicial da constitucionalidade das leis implantado no Brasil pela Constituição de 1891 e sua infl uência na implantação do sistema de fi scalização português pela Constituição de 19112. Fortemente infl uenciada pelo constitucionalismo americano, a primeira Constituição republicana brasileira adotou o modelo do judicial review, o controle3 difuso, no que foi seguida pela primeira Constituição republicana portuguesa4. 1 Sobre o tema, cf. ALEXANDRINO, 2016, pp. 30-37. 2 Entre outros, cf. MIRANDA, 2014, p. 224; COSTA, 2007, p. 11; MORAIS, 2011, p. 595. 3 Enquanto a doutrina portuguesa utiliza preferencialmente a expressão fi sca- lização de constitucionalidade, seguindo o texto constitucional, na brasileira pre- domina o uso da expressão controle de constitucionalidade. Neste trabalho, serão utilizadas, indistintamente, as duas expressões. 4 É comumente destacado pela doutrina o pioneirismo português na Europa ao consagrar expressamente na Constituição o princípio do controle de constituciona- Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil304 Bruno Sacramento 305 Intimamente ligados em sua origem, no momento e no modelo adotado, os sistemas de fi scalização sofreram diversas modifi cações ao longo da história até alcançar sua confi guração atual. É de se destacar, em primeiro lugar, que ambos incorporaram elementos do outro paradigmático modelo de controle, o concentrado, de origem austríaca5. No Brasil, na vigência da Constituição de 1946, a emenda constitucional n. 16, de 1965, criou a representação genérica de inconstitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, inaugurando o «modelo híbrido». A Constituição de 1988, por sua vez, fortaleceu amplamente o controle concentrado, com a criação de diversas espécies de ações e com a ampliação de legitimados, em uma verdadeira guinada ao sistema austríaco6. Já em Portugal, na vigência da Constituição de 1933, a Revisão de 1971 instituiu e confi ou originalmente à Assembleia Nacional a fi scalização abstrata sucessiva. Posteriormente, a Constituição de 1976 atribuiu a competência de exercício do controle concentrado ao Conselho da Revolução, o que, entretanto, modifi cou-se com a criação do Tribunal Constitucional com a Revisão Constitucional de 1982. Embora a trajetória do instituto em ambos os países7 sugira al- guma proximidade e semelhança, especialmente na adoção inicial lidade (por exemplo, COSTA, 2007, p. 11), mas também seu escasso uso (MIRAN- DA e MEDEIROS, 2007, p. 50), confi gurando law on the books até o advento da Constituição de 1976 (NOVAIS, 2017, p. 11). 5 Sobre as características dos modelos americano e austríaco, entre tantos, cf. MIRANDA, 2013, tomo VI, pp. 124-133 e URBANO, 2016, pp. 25 ss. 6 De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, a Constituição de 1988 deu maior ênfase ao controle concentrado e «reduziu o signifi cado do controle incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art.103), permitindo que praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribu- nal Federal mediante processo de controle abstrato de normas» (MENDES, 2012, p. 756). Em sentido semelhante, destacando também a ampliação da legitimação ativa da ação direta de inconstitucionalidade, a criação da ação declaratória de constitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cf. BARROSO, 2016, p. 90. 7 Não há intenção em traçar um histórico do instituto nos dois países. Para um breve histórico sob a ótica da história constitucional portuguesa e com a identifi - cação de seus quatro grandes períodos, cf. ALEXANDRINO, 2017, pp. 275-276. Para a evolução do sistema brasileiro, cf. MENDES e BRANCO, 2016, pp. 1.108 ss. do modelo americano e na migração para o modelo híbrido, as es- pecífi cas opções adotadas em cada país geraram sistemas de fi sca- lização com inúmeras diferenças de confi guração e funcionamento. Se o controle deconstitucionalidade, por sua importância, atrai naturalmente atenção doutrinária, levando-se em conta o panorama histórico brevemente narrado, avulta a relevância da realização de um estudo comparado que avalie, na quadra atual, como esses diferentes sistemas têm desempenhado sua nobre missão de garantia da constituição. É dentro desse contexto que se insere o presente trabalho e cujo propósito é bem específi co: identifi car os principais problemas, os défi cits e as disfunções presentes num e noutro sistema. Não se pretende, portanto, comparar os modelos em si, tampouco analisar todos os problemas eventualmente existentes, mas estudar, em uma perspectiva comparada, suas mais graves anomalias8. Da mesma forma, não serão abordadas questões envolvendo a fi scalização dos referendos e o controle de legalidade português, as hipóteses de controle político e o controle de constitucionalidade estadual brasileiro. Com o enfoque principal na Ciência Jurídico-Constitucional, mas permitindo uma necessária abertura a outras disciplinas, o trabalho utilizará o método técnico-jurídico, sem, todavia, dispensar a utilização de metodologia própria do direito comparado. Tendo como norte a função epistemológica da comparação jurídica, o 8 A complexidade dos institutos e a atenção doutrinária que atraem certamente permitiriam a abordagem específi ca de inúmeras outras questões que, não obstante, não poderão ser analisados em razão dos limites do trabalho. Assim, exemplifi ca- tivamente, em Portugal: a forma de escolha e nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional, inclusive sua relação com o sistema de governo, e a qualidade des- se processo; a legitimidade restrita na fi scalização abstrata sucessiva; o problema do regime de modulação dos efeitos das decisões; o volume de decisões sumárias; a relação do Tribunal Constitucional com os outros tribunais. No Brasil: a forma e a qualidade do processo de escolha e nomeação ministros do Supremo Tribunal Federal; os problemas relativos ao seu Regimento Interno; a discussão sobre suas competências em matéria penal; a questão da modulação dos efeitos das decisões; o controle de constitucionalidade das emendas constitucionais; a predominância da utilização do controle concentrado para defesa de interesses corporativos, a ins- tabilidade da jurisprudência; e a importação de teorias ou doutrinas estrangeiras, especialmente alemãs, sem as necessárias cautelas. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil306 Bruno Sacramento 307 trabalho de microcomparação não se limitará à recolha e justaposição dos textos jurídicos de ambos os ordenamentos9. Assim, levando-se em conta a delimitação do tema já realizada, serão identifi cadas e analisadas as defi ciências dos sistemas tendo em conta a observação de três planos: suas confi gurações nas constituições e nas leis, as posições doutrinárias e o seu próprio funcionamento (a praxis). A leitura do trabalho deixará claro o que, entretanto, entende-se necessário evidenciar já agora em uma nota complementar. Como alerta Dário Moura Vicente10, nem todas as sociedades se defrontam com os mesmos problemas. Isso se aplica, evidentemente, aos sistemas de fi scalização de constitucionalidade. Nesse sentido, a intenção não é selecionar determinadas defi ciências de um sistema e analisar como elas são tratadas no outro país, mas analisar os dois sistemas e reconhecer suas principais defi ciências, identifi cando em que aspectos se aproximam e se afastam. Como elementos auxiliares, foram utilizados dados estatísticos, bem como uma tabela comparativa, cujos elementos foram: (i) os sistemas de fi scalização, (ii) o perfi l do Tribunal Constitucional português e o do Supremo Tribunal Federal; (ii) os défi cits, (iii) as disfunções. É nesse contexto que se defi niu a forma de tratamento do tema e a estrutura do trabalho. Inicialmente, será feita exposição sobre as características básicas dos sistemas nos dois países, incluindo as principais modalidades de controle e o perfi l dos tribunais (Tribunal Constitucional português e Supremo Tribunal Federal), fazendo-se uma necessária contextualização, de modo a facilitar a compreensão dos problemas que serão posteriormente examinados. Na sequência, será iniciada a análise efetiva dos problemas, começando com a as eventuais insufi ciências na garantia da constituição encontradas em cada um dos sistemas comparados. Em prosseguimento, serão apreciadas suas principais disfunções, numa análise que iniciará com os problemas mais gerais e terminará com aqueles mais vinculados aos respectivos tribunais. 9 Sobre as diferentes espécies de comparação, bem como a necessidade de utilização e os tipos de métodos do direito comparado, cf. MOURA, 2015, pp. 19 e 37-39. 10 MOURA, 2015, p. 40. No fi nal, será elaborada uma síntese comparativa, com a identifi cação das principais semelhanças e diferenças encontradas. 1. OS SISTEMAS DE FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE E O PERFIL DOS TRIBUNAIS Neste tópico, a intenção é dar nota sobre os traços principais dos sistemas estudados, com especial atenção sobre as modalidades de controle, considerando suas confi gurações atuais nas constituições e nas leis, bem como traçar um brevíssimo perfi l do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Federal. A análise começará com Portugal. 1.1. O sistema português e o perfi l do Tribunal Constitucional O sistema português de fi scalização é considerado híbrido, ou misto11, possuindo, segundo José de Melo Alexandrino12, os seguintes traços fundamentais: combina o controle de constitucionalidade com o controle de legalidade; é inteiramente jurisdicionado; envolve fi scalização abstrata – preventiva, sucessiva e por omissão – e concreta; há centralidade do Tribunal Constitucional; e há predomínio do controle exercido sobre normas13. 1.1.1. O sistema português possui, assim, as seguintes modalidades de fi scalização: (i) abstrata preventiva; (ii) abstrata sucessiva por ação; (iii) abstrata sucessiva por omissão; (iv) fi scalização concreta. A fi scalização abstrata preventiva está delineada nos artigos 278º e 279º da Constituição, tratando-se do mecanismo que 11 Em Portugal, grande parte da doutrina refere a natureza mista complexa de seu sistema, tendo em conta a pluralidade de modalidades de fi scalização. Cf., por exemplo, CANOTILHO, 2003, pp. 917-919, CORREIA, 2016, p. 117 e MIRAN- DA, 2016, 2, p. 252. 12 Para maiores desenvolvimentos e, inclusive, para os traços fundamentais do sistema quanto ao regime e ao desvalor do ato inconstitucional, cf. ALEXANDRI- NO, 2017, pp. 276-277. 13 Há exceções referentes ao controle preventivo de referendos e às interpre- tações implícitas das decisões dos tribunais. Esse tema, porém, será tratado com maior desenvolvimento na sequência do trabalho. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil308 Bruno Sacramento 309 faculta ao legitimado – o Presidente da República14 15 – questionar a constitucionalidade de uma norma antes de sua promulgação. Ocorre, assim, como um incidente16 no processo legislativo e tem a fi nalidade principal de impedir a entrada em vigor de normas com inconstitucionalidades grosseiras17, mas também de prevenir problemas nas relações internacionais e mesmo resolver dúvidas sobre a inconstitucionalidade de certas normas18. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade, o diploma deve ser obrigatoriamente vetado pelo Presidente da República e devolvido ao órgão que o aprovou, que poderá desistir ou reformulá- lo de modo a expurgar o vício. À Assembleia da República, entretanto, é permitida a insistência e confi rmação do diploma19, caso em que caberá ao Presidente a arbitragem do confl ito, decidindopor promulgá-lo ou não. Caso o Tribunal não se pronuncie pela inconstitucionalidade ou, em caso de pronúncia, o órgão legislativo confi rme o diploma, nada impede que o Tribunal, posteriormente, venha a declarar a inconstitucionalidade em sede de fi scalização sucessiva. A fi scalização abstrata sucessiva por ação está prevista nos artigos 281º e 282º da Constituição e consiste no processo objetivo de controle da constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas já em vigor. As entidades legitimadas (artigo 281º, nº 2) podem requerer a todo o tempo20 que o Tribunal Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade de quaisquer normas, decisão que 14 Há casos em que há legitimidade dos Representantes da República – no que se refere aos decretos legislativos regionais (artigo 278º, nº 2) – e do Primeiro- Ministro e de um quinto dos deputados da Assembleia da República, além do Pre- sidente da República – no caso de decretos enviados ao Presidente para serem promulgados como lei orgânica (artigo 278º, nº 4). 15 Sobre a liberdade de iniciativa do Presidente da República, cf. TELES, 2013, pp. 149-158. 16 SOUSA e ALEXANDRINO, 2000, p. 416. 17 ALEXANDRINO, 2017, p. 296. 18 MIRANDA, 2016, 2, p. 278. 19 De acordo com o artigo 279º, nº 2, da Constituição portuguesa, a confi rmação depende de maioria qualifi cada, exigindo-se o voto favorável de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções. 20 Cf. artigo 52º da Lei do Tribunal Constitucional. terá efeito contra todos (erga omnes) e, em princípio, retroativa (ex tunc). É possível, no entanto, a limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade por razões de segurança jurídica, equidade e interesse público de excepcional relevo (artigo 282º, nº 4). A fi scalização sucessiva abstrata por omissão, prevista no artigo 283º da Constituição, possibilita ao Presidente da República e ao Provedor de Justiça21 acionar o Tribunal Constitucional para verifi car a existência de inconstitucionalidade por omissão de medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis determinadas normas constitucionais. Caso verifi cada a omissão, o Tribunal dará conhecimento do fato ao órgão legislativo competente para supri- la. O efeito da decisão, portanto, é de mera comunicação. Há, contudo, consequências no regime de responsabilidade civil do Estado, porquanto a partir da verifi cação da omissão do legislador, o comportamento passa a ser considerado ilícito22. A fi scalização concreta fundamenta-se no dever de os tribunais não aplicarem as normas que infrinjam o disposto na Constituição nos litígios submetidos a julgamento (artigo 204º). Trata-se de processo subjetivo, em que se discute o interesse das partes, e a questão da inconstitucionalidade – que não é o objeto do pedido da ação – surge de forma incidental, sendo levantada pelas partes ou pelo próprio juiz. Assim, todos os tribunais podem apreciar e decidir as questões de constitucionalidade (controle difuso). Pela via recursal, no entanto, pode-se levar a questão à apreciação do Tribunal Constitucional que, portanto, terá a última palavra. Por essa razão, a doutrina afi rma que se trata de um controle difuso na base e concentrado no topo23. Assim, nos termos do artigo 280º da Constituição, cabe recurso das decisões (1) que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (chamado de recurso de decisões positivas), (2) que apliquem uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo (recurso de decisões negativas), e (3) que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal 21 Em caso de violação dos direitos das regiões autônomas, também são legi- timados os presidentes das Assembleias Legislativas regionais (artigo 283º, nº 1). 22 Cf. artigo 15º, n.os 3 e 5, da Lei nº 67/2007. 23 Nesse sentido, cf. MORAIS, 2006, p. 597, ALEXANDRINO, 2017, p. 288 e CORREIA, 2016, p. 124. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil310 Bruno Sacramento 311 Constitucional24. Importa destacar que o Tribunal Constitucional não julgará a questão de fundo, mas apenas a questão constitucional, e sobre ela fará caso julgado. Além disso, os efeitos da decisão só valem para o caso concreto em julgamento, permanecendo a norma em pleno vigor25. 1.1.2. No que se refere ao perfi l do Tribunal Constitucional português, cabe salientar que ele foi criado pela primeira revisão constitucional de 1982 e foi confi gurado diretamente na Constituição como um órgão de soberania autônomo. Não está integrado na estrutura do poder judicial, tendo sido, inclusive, regulado em título próprio pela Constituição (Título VI), à parte, portanto, dos demais tribunais (Título V). Tem como principal função ser o guardião da constituição, concentrando a fi scalização de constitucionalidade abstrata – preventiva e sucessiva -, na linha do modelo de controle austríaco, mas também profere, como já se viu, a última palavra no controle concreto. Passa-se a caracterizá-lo sumariamente, abordando-se os seguintes elementos: (i) a composição e a forma de designação dos juízes; (ii) alguns aspectos de seu funcionamento; (iii) suas competências. O Tribunal Constitucional é composto por treze Juízes Conselheiros, sendo que seis deles devem ser escolhidos dentre juízes de outros tribunais e sete dentre juristas, para cumprir um 24 De acordo com o regime do artigo 280º, no caso dos recursos de decisões positivas (1) e de decisões que aplicam norma já julgada inconstitucional (3), o recurso normalmente é obrigatório para o Ministério Público. No caso das decisões negativas (2), o recurso é sempre facultativo. Desse regime, é interessante salientar que sempre que um juiz não aplicar uma norma num caso concreto em razão de sua inconstitucionalidade, haverá recurso obrigatório e a decisão fi nal fi cará a cargo do Tribunal Constitucional. 25 Nos termos do artigo 281º, nº 3, entretanto, se uma norma for julgada incons- titucional pelo Tribunal Constitucional em três casos concretos, pode qualquer dos seus juízes ou o Ministério Público (artigo 82º da Lei do Tribunal Constitucional) fazer abrir um processo de declaração de inconstitucionalidade com força obriga- tória geral (erga omnes). O mecanismo, chamado de repetição de julgado, constitui uma passagem da fi scalização concreta à fi scalização abstrata (MIRANDA, 2016, 2, p. 283). mandato não renovável de nove anos. Quanto à forma de designação, dez deles são eleitos pela Assembleia da República, exigindo-se voto favorável de uma maioria qualifi cada (dois terços dos deputados), e os demais são eleitos (cooptados) pelos dez juízes escolhidos pela Assembleia, exigindo-se sete votos favoráveis26. Não há interferência do Presidente da República nesse processo. Quanto ao seu funcionamento, é importante dar nota dos seguintes aspectos: a) o Tribunal pode se reunir em sessões plenárias – que concentra, grosso modo, a competência relativa à fi scalização abstrata de constitucionalidade27 – ou em três secções, não especializadas – responsáveis, fundamentalmente, pelo conhecimento dos recursos relativos à fi scalização concreta. Há casos, todavia, em que os juízes podem decidir individualmente – decisões sumárias28; b) no que concerne à participação, publicidade e transparência, cabe salientar que não há intervenções orais das partes ou de seus advogados, não há amicus curiae e não há audiências públicas, sendo as decisões publicadas no Diário da República e na internet29, incluindo os votos de vencido30 31; c) no que se refere ao encaminhamento a julgamento e ao procedimento de formação das decisões, há uma discussão prévia entre todos os juízes que incide sobre oprojeto de acórdão apresentado pelo juiz relator do processo32, passando-se posteriormente à votação escalonada, isto é, 26 Como requisitos de designação, exige-se a cidadania portuguesa, bem como o doutorado, mestrado ou licenciatura em Direito. Sobre a composição, designação e mandato, cf. especialmente os artigos 222º, nos 1, 2 e 3, da Constituição e 12º, 13º e 21º, da Lei do Tribunal Constitucional. 27 Cf. CORREIA, 2016, pp. 139 ss. 28 Pode ocorrer em sede de fi scalização concreta e, com base no artigo 78º- A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, tem lugar quando se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designa- damente em razão de já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada. 29 Cf. artigo 3º da Lei do Tribunal Constitucional. 30 Artigo 42º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional. 31 Há apenas uma exceção. Refere-se à realização audiência de discussão e jul- gamento em processos relativos à declaração de que uma determinada organização perfi lha a ideologia fascista e à sua consequente extinção. 32 O juiz relator é determinado por sorteio. Nos processos de fi scalização abs- trata sucessiva, o projeto de acórdão, ou memorando, é elaborado pelo Presidente do Tribunal (artigo 63º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil312 Bruno Sacramento 313 dividindo-se as diversas questões colocadas no processo e exigindo- se maioria sobre cada uma delas, maioria necessária para a decisão e também para a fundamentação, no caso das decisões positivas de inconstitucionalidade33. Segundo o artigo 221º da Constituição, ao Tribunal Constitucional compete especifi camente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional. Sua principal função, assim, é de garantia da constituição. Mas são diversas as competências recebidas pelo Tribunal com base nos dispositivos constitucionais e legais. A doutrina34 divide suas competências em: competências nucleares e competências complementares (ou não nucleares). No primeiro grupo estão o controle de constitucionalidade (abstrato e concreto) e de algumas formas de ilegalidade (chamada ilegalidade qualifi cada). No segundo grupo, incluem-se competências relativas ao mandato do Presidente da República, a atos e a processos eleitorais, ao contencioso parlamentar, a partidos políticos, coligações e frentes, a organizações que perfi lhem a ideologia fascista, a referendos nacionais, regionais e locais e a declarações de titulares de cargos políticos35. Não estão incluídas em seu rol de competências, entretanto, o desempenho de algumas funções típicas da jurisdição constitucional: a garantia de proteção dos direitos fundamentais por meio de mecanismos específi cos; a arbitragem de 33 Sobre o ponto, cf. artigo 42º da Lei do Tribunal Constitucional, bem como CORREIA, 2016, pp. 142 ss. 34 Por exemplo, AMARAL, 2012, pp. 43-55 e CORREIA, 2016, pp. 148 ss. 35 Somente a título exemplifi cativo, o Tribunal é competente para: verifi car a morte do Presidente, declarar sua incapacidade física permanente, verifi car os im- pedimentos temporários e a perda do cargo nos casos previstos na Constituição; receber e admitir as candidaturas para Presidente da República, bem como verifi car a morte e declarar a incapacidade para o exercício da função presidencial dos can- didatos ao cargo; julgar os recursos em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativamente às eleições para Presidente da República, Assembleia da República, Assembleias regionais e órgãos do poder local; verifi car a legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações; verifi car e declarar se uma organização perfi lha a ideologia fascista e decretar a respetiva extinção; apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos partidos políticos e aplicar as eventuais sanções; realizar a verifi cação prévia da constitu- cionalidade e da legalidade dos referendos; receber e apreciar as declarações de património e de rendimentos dos titulares de cargos políticos. confl itos de poderes entre órgãos supremos do Estado; e a resolução de confl ito entre o Estado e outros entes públicos territoriais36. 1.2. O sistema brasileiro e o perfi l do Supremo Tribunal Federal O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade também é caracterizado como sistema misto37 com preponderância do modelo concentrado38, possui fi scalização concreta e abstrata, é essencialmente jurisdicional-repressivo39 e extremamente abran- gente. 1.2.1. Em sua amplitude, levando em conta apenas o controle jurisdicional, o sistema brasileiro possui as seguintes modalidades de controle: (i) abstrato sucessivo por ação, por meio de diversas espécies de ações diretas; (ii) abstrato por omissão; (iii) concreto sucessivo; (iv) concreto preventivo40; (v) concreto por omissão. (i) O controle abstrato sucessivo está concentrado no Supremo Tribunal Federal41 e pode ser realizado pela via principal, por meio 36 CORREIA, 2016, pp. 156-157. 37 Nesse sentido, entre tantos, cf. BARROSO, 2016, p. 87. Em sentido contrá- rio, em posição minoritária, Elival da Silva Ramos, para quem o sistema brasileiro deve ser identifi cado com o modelo difuso (RAMOS, 2010, pp. 245-250). 38 Nesse sentido, cf. MENDES, 2012, p. 57. 39 Cf. RAMOS, 2010, p. 237. A afi rmação leva em conta o papel secundário do controle político existente, seja o de caráter preventivo ou o repressivo. Com efei- to, diversas são as previsões constitucionais que possibilitam o controle político a ser exercido pelo Poder Executivo ou Poder Legislativo. Entre outras hipóteses, pode-se exemplifi car a possibilidade de veto jurídico pelo Presidente da República (artigo 66º, § 1º, da Constituição Federal) ou o pronunciamento das Comissões de Constituição e Justiça sobre a constitucionalidade das emendas e dos projetos de lei (artigo 58º da Constituição Federal) e o juízo prévio sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais das medidas provisórias, ambos realizados pelo Poder Legislativo (artigo 62º, § 9º). Tendo em vista os limites e propósitos desse trabalho, não serão tratadas questões relativas ao controle político. Sobre o ponto, cf. BAR- ROSO, 2016, pp. 90-100. 40 Ressalva-se que essa espécie de controle não possui previsão expressa na Constituição, sendo uma construção jurisprudencial, como se verá a seguir. 41 A necessária ressalva é a de que, além do Supremo Tribunal Federal, o con- trole abstrato sucessivo concentrado também é realizado pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, referindo-se apenas a leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face das constituições estaduais. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil314 Bruno Sacramento 315 das seguintes espécies de ações diretas, que têm por missão realizar a defesa objetiva da Constituição42: (a) Ação direta de inconstitucionalidade por ação (ADI – artigo 102º, I, “a”, da Constituição)43, que tem por objetivo eliminar do sistema jurídico por inconstitucionalidade uma lei ou de ato normativo federal ou estadual; (b) Ação declaratória de constitucionalidade (ADC – artigo 102º, I, “a”, da Constituição)44, que, ao contrário, tem por objetivo preservar uma lei ou ato normativo federal com a declaração de constitucionalidade, cabível nos casos em que a inconstitucionalidade da lei vem sendo suscitada na via difusa; (c) Ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADI interventiva ou Representação Interventiva – artigo 36º, III, c/c artigo 34º, VII, da Constituição)45, que possui a fi nalidade de preservar os chamados princípios constitucionais sensíveis,possibilitando a declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo estadual e a decretação da intervenção federal no Estado que violá-los46; (d) Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF – artigo 102º, §1º, da Constituição Federal)47, com caráter subsidiário em relação às demais, e que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público48 e também submeter a questão ao Supremo Tribunal Federal quando for relevante 42 São ações objetivas, em que não há confl ito de interesse ou partes no pro- cesso, mas a defesa objetiva da supremacia da Constituição. Sobre o ponto, cf. CUNHA JÚNIOR, 2016, pp. 193-196. 43 Regulamentada pela Lei 9.868/99. 44 Também regulamentada pela Lei 9.868/99. 45 Regulamentada pela Lei 12.562/2011. 46 Os princípios sensíveis são: a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático, os direitos da pessoa humana, a autonomia municipal, a prestação de contas da administração pública e a aplicação do mínimo exigido da receita na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (artigo 34º, VII, da Constituição Federal). 47 Regulamentada pela Lei nº 9.882/99. 48 Artigo 1º da Lei 9.882/99. o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição49. As ações possuem efeitos vinculantes, erga omnes e, em regra, ex tunc50. É reconhecida a fungibilidade entre elas, o que permite a conversão de uma espécie – ajuizada, mas incabível – noutra, caso presentes seus requisitos de cabimento. Dessa forma, a título exemplifi cativo, uma ADI pode ser convertida em uma ADPF pelo Supremo Tribunal Federal. Por fi m, ainda é de se registrar que a ADI e a ADC possuem natureza dúplice, pois os efeitos da declaração de improcedência de uma equivalem aos efeitos da declaração de procedência da outra51. Em todas elas, é possível a concessão de medida cautelar52. Com exceção da ADI interventiva53, possuem amplo rol de legitimados54. (ii) O controle abstrato por omissão ocorre por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO – artigo 103º, § 2º, da Constituição)55. Incluída na Constituição de 1988 sob infl uência da Constituição portuguesa de 1976, tem por objetivo combater 49 Artigo 1º, parágrafo único, da Lei 9.882/99. 50 Em alguns casos, é possível modular os efeitos da declaração de inconstitu- cionalidade. Podem ser evitados os efeitos retroativos ou, ainda, fi xada uma data futura para seu início. Cf. artigos 11º da Lei 9.882/99 e 27º da Lei 9.868/99. 51 Cf. artigo 24º da Lei nº 9.868/99. 52 A ADI é o único caso em que a cautelar tem previsão constitucional (artigo 102º, I, “p”, da Constituição), além da previsão legal. Nas demais, há apenas previ- são nas respectivas leis de regência. Nesse sentido, cf.: artigos 21º da Lei 9.868/99, 5º da Lei 9.882/99 e 5º da Lei 12.562/2011. 53 O legitimado é o Procurador-Geral da República (artigo 36º, III, da Consti- tuição). 54 O rol é o estabelecido no artigo 103º, da Constituição, que inclui: o Presiden- te da República; a Mesa do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados; a Mesa das Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; os Go- vernadores de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; os partidos políticos com representação no Congresso Nacional; e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. 55 Regulamentada pela Lei nº 12.063/2009, que incluiu o Capítulo II-A na Lei 9.868/99. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil316 Bruno Sacramento 317 a omissão total ou parcial de medida normativa56 necessária para tornar efetiva norma constitucional, sendo que a omissão pode ser de qualquer dos Poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário). Possui os mesmos legitimados da ADI e da ADC e a possibilidade de deferimento de medida cautelar57. Seus efeitos diferem de acordo com o destinatário da decisão, limitando-se à mera ciência do Poder competente para a adoção das medidas necessárias ou, em caso órgão administrativo, à determinação para suprimento da omissão no prazo de trinta dias. (iii) O controle concreto sucessivo é aquele realizado por todos os juízes (difuso) quando, no curso de uma demanda judicial, a eventual inconstitucionalidade surge como questão prejudicial para o julgamento do processo, não sendo, portanto, a inconstitucionalidade o objeto do pedido. No caso dos tribunais, a Constituição brasileira exige que a declaração de inconstitucionalidade seja feita pela maioria absoluta dos seus membros ou do órgão especial (quando houver)58. A questão constitucional pode ser levada até o Supremo Tribunal Federal por meio das diversas hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário59, desde que comprovada a existência de 56 A Constituição não restringe a medidas legislativas, como na Constituição portuguesa (artigo 283º). Assim, no caso brasileiro, basta a omissão de medidas normativas, o que engloba também atos normativos secundários. Nesse sentido, cf. BARROSO, 2016, p. 303. Criticando essa interpretação, defendendo que, de acordo com a Constituição, o objeto seria ainda mais amplo, incluindo inclusive medidas de natureza não normativa, cf. CUNHA JÚNIOR, 2016, pp. 273-274. 57 Segundo o novo artigo 12º-F, da Lei nº 9.868/99, em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Supremo Tribunal Federal poderá conceder medida cautelar determinando a suspensão da aplicação da lei ou do ato normati- vo questionado, no caso de omissão parcial, bem como a suspensão dos processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou outra providência a ser fi xada pelo Tribunal. 58 É a chamada cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97º da atu- al Constituição Federal, mas presente no direito constitucional brasileiro desde a Constituição de 1934. Essa exigência não se aplica se o próprio tribunal (obedecen- do à cláusula) ou o plenário do Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão (artigo 949º, parágrafo único, do Código de Processo Civil). 59 Nos termos do artigo 102º da Constituição, o Recurso Extraordinário tem cabimento quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; ou d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Neste último caso, o cabimento se justifi ca repercussão geral, isto é, desde que extrapole os direitos subjetivos da causa em função da relevância da discussão do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico60 61. Diferentemente do sistema português, o Supremo Tribunal vai além da questão constitucional, decidindo a própria causa. A decisão tem efeito ex tunc e inter partes, permanecendo a lei no ordenamento jurídico mesmo com a declaração de inconstitucionalidade. O Senado Federal, no entanto, pode suspender a execução do ato normativo quando declarado inconstitucional por decisão defi nitiva do Supremo Tribunal Federal (artigo 52º, X, da Constituição). (iv) O controle concreto preventivo é aquele realizado pelo Supremo Tribunal Federal por meio de mandado de segurança impetrado por qualquer parlamentar contra uma proposta de emenda constitucional que viole cláusulas pétreas62 ou contra proposta de emenda constitucional ou projeto de lei que viole as regras do processo legislativo. Essa modalidade não está prevista expressamente na Constituição, tratando-se de construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. (v) O controle concreto por omissão é aquele realizadopor meio do mandado de Injunção (art. 5º, LXXI). É um instrumento voltado à defesa dos direitos subjetivos violados em razão da falta de norma infraconstitucional regulamentadora de norma constitucional de efi cácia limitada que prescreva direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. em função de que a competência legislativa dos entes federativos é regulada pelas normas constitucionais, tratando-se, por isso, de uma questão constitucional. Di- ferentemente do recurso para o Tribunal Constitucional português (artigo 280º da Constituição portuguesa), em que é analisada a inconstitucionalidade da norma aplicada, no caso do Recurso Extraordinário não há essa especifi cidade, podendo ser interposto contra a decisão, não importando onde está a causa da violação da Constituição (se na lei aplicada, na decisão recorrida ou numa prévia deliberação de uma entidade administrativa eventualmente convalidada na decisão). Sobre essa diferença, cf. COSTA, 2012, pp. 411-412. 60 Cf. artigo 102º, § 3º, da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e artigo 1.035, do Código de Processo Civil, que também estabelece alguns casos em que a existência da repercussão geral é presumida. 61 O Supremo ainda pode exercer o controle de constitucionalidade em sede de sua competência originária e recursal ordinária, inclusive no julgamento dos remé- dios constitucionais. As competências do Supremo serão descritas na sequência. 62 Previstas no artigo 60º, § 4º, da Constituição Federal. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil318 Bruno Sacramento 319 Recentemente, a Lei nº 13.300/2016 disciplinou o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo. Nos termos do seu artigo 9º, os efeitos da decisão podem ser inter partes ou erga omnes63. 1.2.2. Verifi cadas as características básicas das modalidades de controle, interessa dar nota sobre o perfi l do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal está integrado na estrutura judicial, fi gurando como órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro (artigo 92º, I, da Constituição). Não se identifi ca, assim, como um tribunal constitucional do modelo europeu. Entretanto, levando em conta suas diversas espécies de competências, exerce o papel de corte constitucional, instância recursal suprema e instância ordinária. Por designação expressa do texto constitucional64, o Supremo é o guardião da Constituição, tendo o papel de interpretá-la e garantir a efetividade dos direitos e garantias nela declarados 65. Buscando caracterizar o perfi l do Supremo Tribunal Federal com o mesmo critério anteriormente utilizado66, serão analisados os seguintes elementos: (i) a composição e a forma de designação dos juízes; (ii) alguns aspectos de seu funcionamento; (iii) suas competências. (i) O Supremo Tribunal Federal é composto por onze ministros, escolhidos dentre cidadãos (brasileiros natos) com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, com notável saber jurídico e reputação ilibada (artigo 101º c/c artigo 12º, § 3º, 63 Segundo o artigo 8º da Lei 13.300/2016, quando reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para (i) determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora; (ii) estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerro- gativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legis- lativa no prazo determinado. Segundo o seu parágrafo único, não será concedido novamente prazo se já houver um mandado de injunção anterior que já o tenha concedido. 64 Artigo 102º, caput. 65 MENDES, 2011, p. 7. 66 V. item 1.2.2, supra. IV, da Constituição Federal). A escolha e a nomeação vitalícia67 são realizadas pelo Presidente da República, sendo necessária a aprovação do nome pela maioria absoluta do Senado Federal (artigo 101º, parágrafo único, da Constituição Federal); (ii) Quanto ao seu funcionamento, releva destacar os seguintes pontos: a) os ministros reúnem-se nas sessões das duas Turmas de Julgamento, que possuem cinco componentes cada, e do Tribunal Pleno, sendo este o competente para a declaração de inconstitucionalidade. Há também diversas possibilidades de proferimento de decisões monocráticas; b) no que se refere à participação, publicidade e transparência, o funcionamento do Tribunal é marcado por uma ampla abertura. São públicos todos os seus julgamentos68, sendo transmitidos em tempo real pela TV Justiça69, Rádio Justiça70 e no canal ofi cial do Supremo no YouTube71. Os acórdãos e decisões são publicados no Diário da Justiça, em versão impressa e eletrônica, e também são disponibilizados na internet, possuindo o inteiro teor dos votos e a transcrição dos eventuais debates orais ocorridos na sessão. No âmbito processual, são realizadas audiências públicas72 67 Os ministros estão sujeitos, no entanto, à aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade. 68 A Constituição brasileira privilegia o direito à informação, impondo que to- dos os julgamentos do Poder Judiciário sejam públicos, podendo a lei, no entanto, restringir a presença, em determinados atos, às partes e advogados, ou a somente estes, nos casos em que a intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Cf. artigo 93º, inciso IX. 69 A “TV JUSTIÇA” é um canal de televisão público criado pela Lei 10.461/2002 e coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Passou, de modo pioneiro, a trans- mitir as sessões de julgamento ao vivo a partir de agosto de 2002. 70 A primeira transmissão ocorreu em maio de 2004. 71 O canal ofi cial do Supremo Tribunal Federal possui, em agosto de 2017, mais de 162 mil inscritos, com mais de 35 milhões de visualizações. Entre os canais de comunicação com a sociedade, possui ainda a Central do Cidadão, para comunica- ção por e-mail, carta e telefone, e a sua conta ofi cial no Twitter – com informações sobre pauta e julgamentos –, possuindo, em agosto de 2017, mais de 1,5 milhão de seguidores. 72 As audiências públicas estão previstas nos artigos 6º, § 1º, da Lei 9.882/99 e 9º, 1º, da Lei 9.868/99, possibilitando que, em caso de necessidade de esclareci- mento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insufi ciência das informa- ções existentes nos autos, o presidente do Tribunal ou o relator do caso convoquem a audiência pública para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autori- dade na matéria. A nova redação do artigo 154º, III, paragrafo único, do Regimento Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil320 Bruno Sacramento 321 e é admitida a participação de terceiros (amicus curiae)73, bem como a manifestação oral dos advogados; c) No que se refere ao encaminhamento a julgamento e ao procedimento de formação das decisões, o processo é distribuído por sorteio ao relator, a quem cabe elaborar seu relatório, distribuir aos demais ministros e solicitar à presidência a designação de dia para julgamento74. À presidência, cabe a escolha dos processos que integrarão a pauta de julgamento. Não há discussão prévia, os votos são apresentados na sessão de julgamento e a maioria é a formada pela soma dos votos com relação apenas ao dispositivo75, desconsiderando-se a fundamentação. (iii) O Supremo Tribunal Federal possui amplas competências que podem ser divididas em: competência originária (artigo 102º, I), quando o Tribunal processa e julga a matéria originariamente em única instância, recursal ordinária e recursal extraordinária. Do extenso rol exaustivo de competências originárias, destacam- se: as ações de controleconcentrado de constitucionalidade, as infrações penais envolvendo determinadas autoridades, as ações de habeas data, habeas corpus e mandados de segurança em situações específi cas, os confl itos entre entes federativos e entre estes e Estados estrangeiros, a reclamação constitucional, o pedido de extradição e o mandado de injunção. Em recurso ordinário (artigo 102º, II), julga o crime político e os remédios constitucionais decididos e denegados em instância única pelos Tribunais Superiores. Por fi m, o recurso extraordinário, nos casos já analisados de seu cabimento. Interno do Supremo, regulamentou e ampliou as hipóteses de cabimento, possibili- tando as audiências públicas sempre que necessárias ao esclarecimento de questões com repercussão geral ou de interesse público relevante. Diversas foram as audi- ências públicas já realizadas pelo Tribunal desde 2007, discutindo temas relevan- tes, como a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, a realização de aborto em caso de fetos anencéfalos, a judicialização da saúde e a proibição do uso do amianto. 73 A intervenção do amigo da corte possui base normativa no artigo 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, exigindo-se como requisitos que haja relevância da matéria e re- presentatividade dos postulantes e permitindo-se a prática de alguns atos, como apresentar memorais e sustentação oral (artigo 131º, § 3º, do Regimento Interno do Supremo). 74 Artigo 172º do Regimento Interno. 75 Artigo 173º, do Regimento Interno. Outra importante competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal é a de editar as súmulas vinculantes (artigo 103º-A, da Constituição). De ofício ou por provocação76 e mediante dois terços de seus membros, após reiteradas decisões em matéria constitucional, o Supremo pode aprovar súmulas com efeitos vinculantes com relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. A súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a efi cácia de normas controvertidas no âmbito do Judiciário ou entre este e a Administração, gerando insegurança jurídica e multiplicação de processos77. Contra ato administrativo ou decisão judicial que contrarie uma súmula vinculante, cabe reclamação ao Supremo Tribunal Federal (artigo 103º-A, § 3º). 2. OS DÉFICITS: AS POSSÍVEIS INSUFICIÊNCIAS DOS SISTEMAS Conhecidos os traços essenciais de ambos os sistemas, é possível iniciar a análise de seus principais problemas. Neste tópico, procura-se responder (i) se há e, em caso positivo, (ii) quais são as lacunas existentes nos sistemas de fi scalização de constitucionalidade. 2.1. O Sistema Português É possível responder afi rmativamente à primeira questão, porquanto o sistema português de fi scalização de constitucionalidade tem recebido diversas críticas por se revelar um sistema, em certa medida, limitado, não cumprindo adequadamente sua função. Com maior ou menor consenso doutrinário, destacam- se os seguintes problemas: (i) o défi cit de proteção dos direitos fundamentais; (ii) o tratamento da omissão inconstitucional; e (iii) o défi cit de proteção da autonomia das autarquias locais. 76 A Lei 11.417/2006, em seu artigo 3º, previu um amplo rol de legitimados, possibilitando a proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante por parte de todos aqueles que são legitimados para a ADI e mais o Defensor Pú- blico-Geral Federal, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Tribunais Militares e os Municípios. 77 Até agosto de 2017, foram aprovadas 56 súmulas vinculantes. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil322 Bruno Sacramento 323 2.1.1. A proteção dos direitos fundamentais Um dos principais papeis de um tribunal constitucional é a garantia da constituição, especialmente a defesa dos direitos fundamentais nela consagrados78. A Constituição portuguesa possui um amplo rol de direitos, liberdades e garantias79 e o sistema português, como visto, é dotado de um Tribunal Constitucional – um órgão especializado. Não prevê, todavia, a possibilidade desse Tribunal apreciar violações aos direitos fundamentais dos cidadãos quando não decorram de atos normativos. Não há, portanto, proteção pelo Tribunal Constitucional contra as chamadas intervenções restritivas80 aos direitos fundamentais. Segundo grande parte da doutrina, tal quadro confi gura um marcado défi cit do sistema81, leva a consequências danosas e demonstra que o Tribunal Constitucional português não pode ser considerado um tribunal dos direitos fundamentais82. Nesse sentido, o sistema português é voltado unicamente à fi scalização do legislador, por isso aprecia inconstitucionalidades presentes apenas nas normas. Além disso, não é dotado de mecanismos 78 BARROSO, 2012b, p. 14. 79 ALEXANDRINO, 2006, II, p. 481. 80 De forma simplifi cada, as intervenções restritivas são atos pontuais, indivi- duais e concretos que afetam negativamente uma posição jusfundamentalmente protegida. Elas diferem das restrições, em sentido estrito, que são afetações nega- tivas de um direito fundamental decorrentes de uma norma com vocação geral e abstrata. Sobre essa distinção, cf. NOVAIS, 2003, pp. 192 ss. 81 A questão já é há vários anos discutida na doutrina e permanece em pauta. Para Jorge Reis Novais, essa é a grande lacuna e maior contradição do sistema de fi scalização da constitucionalidade (NOVAIS, 2017, p. 88). Também aponta essa insufi ciência nos mecanismos de proteção dos direitos fundamentais, entre outros, ALEXANDRINO, 2006, II, pp. 482 e sgs, e 2010, pp. 42 ss. Em sentido contrário, entre outros, cf. MIRANDA e MEDEIROS, 2007, pp. 813-814 e MORAIS, 2011, pp. 1.044-1061. 82 Sobre essa última afi rmação, cf. ALEXANDRINO, 2010, p. 42 e NOVAIS, 2017, p. 88. Reconhece-se, assim, um desequilíbrio entre um rico catálogo de di- reitos fundamentais presentes na Constituição e uma inefi caz estrutura procedi- mental, com insufi ciência nos mecanismos de garantia desses direitos. Cf. ALE- XANDRINO, 2006, II, pp. 483-484. específi cos para defesa de direitos fundamentais, como ocorre em grande parte dos sistemas estrangeiros83. O resultado, portanto, é que as decisões e atos individuais e concretos praticados pelo poder político, pela administração pública, pelo poder judicial e pelos particulares84 que confi gurem agressões contra os direitos fundamentais dos cidadãos, por mais graves que sejam, fi cam de fora da fi scalização do Tribunal Constitucional85. 83 Há divergências e propostas de diferentes soluções no âmbito doutrinário. Há quem defenda, por essa e por outras razões, a completa reestruturação do sistema, com a migração do sistema híbrido para um sistema concentrado, com o reenvio prejudicial e a instituição do recurso de amparo ou queixa constitucional – por exemplo, NOVAIS, 2017, p. 174. Há defensores da inclusão de um mecanismo jurisdicional específi co (recurso de amparo, recurso extraordinário ou queixa cons- titucional) – entre outros, ALEXANDRINO, 2017, p. 278. Há quem seja contra a instituição do recurso de amparo – por exemplo, MORAIS, 2006, pp. 1002 ss. e MEDEIROS, 1999, pp. 352-359. Não é objetivo deste trabalho, entretanto, com re- lação esse e aos demais problemas, aprofundar a análise das propostas de solução que importem em revisão constitucional ou alteração legal, porquanto se encon- tram mais ligadas à perspectiva da política legislativa. 84 Jorge Reis Novais ressalta esse ponto, sublinhando que embora a Consti- tuição seja expressa ao afi rmar que os direitos fundamentais vinculam todos, incluindo entidades privadas (artigo 18º, nº 1), não possibilita que violações aos direitos fundamentais realizadaspor particulares sejam apreciadas pelo Tribunal Constitucional. As violações entre particulares certamente não são realizadas por meio de normas, por isso escapam à competência do Tribunal. O autor exemplifi ca com um caso em que um juiz comum não atende ou viola um direito fundamental numa relação entre particulares que envolva a ponderação entre o direito à honra e liberdade de imprensa. O particular pode submeter a questão ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas não ao Tribunal Constitucional português (NOVAIS, 2017, pp. 111-114). 85 É importante registrar que já há muitos anos a Comissão Constitucional e o próprio Tribunal Constitucional reconheceram essa insufi ciência da confi guração constitucional do sistema, na medida em que construíram a chamada concepção funcional de norma, ampliando e adotando um o conceito de norma funcionalmen- te adequado ao sistema de fi scalização português, alargando, assim, sua compe- tência para conhecer por via recursal a inconstitucionalidade da norma na concre- ta interpretação feita pelo juiz comum, incluindo as normas implícitas e virtuais. Amenizou-se, desse modo, a insufi ciência de proteção por meio da construção daquilo que foi chamado pela doutrina (cf. MOREIRA, 2003, p. 846) de quase- recurso de amparo. Para parte da doutrina, aliás, a construção e admissão do quase amparo supre as necessidades, sendo um argumento para negar a existência da insufi ciência de proteção dos direitos fundamentais. Nesse sentido, por exemplo, cf. BELEZA, 2016, p. 74. Na sequência do trabalho, serão analisados alguns pro- blemas ligados a essa construção de conceito funcional de norma. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil324 Bruno Sacramento 325 Além dessa proteção fragilizada, há ainda uma segunda consequência: a efetiva proteção acaba sendo realizada pela instância internacional por meio do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Além de ser um despropósito, considerando que é um país dotado de um Tribunal Constitucional, vem contribuindo para o aumento da quantidade de condenações que têm sido impostas ao Estado Português pelo TEDH, especialmente nos litígios que envolvem confl ito entre o direito à liberdade de expressão ou liberdade de imprensa e o direito ao bom nome ou à honra86 87. 2.1.2. As omissões inconstitucionais Um segundo ponto que suscita discussão na doutrina sobre eventual insufi ciência do sistema de fi scalização é o tratamento dado à inconstitucionalidade por omissão. Em primeiro lugar, há alargado consenso doutrinário no sentido de que o instituto da fi scalização abstrata por omissão é, em si mesmo, defi citário, no sentido de sua pouca efetividade, no papel secundário que vem desempenhando na jurisdição constitucional portuguesa. Por essa razão, é considerado o parente pobre do sistema88. A escassa efi cácia prática fi ca evidenciada pela análise dos números. Até hoje, apenas oito processos desta espécie foram dirigidos ao Tribunal Constitucional para que verifi casse a existência de omissão e somente em dois deles ela foi reconhecida89. 86 Cf. NOVAIS, 2017, pp. 115-125. Segundo o referido professor, a falta de intervenção do Tribunal Constitucional na análise das violações aos direitos funda- mentais e o consequente diálogo direto que se estabelece entre os tribunais comuns e o TEDH, acaba gerando uma menor autocontenção deste, especialmente em fun- ção de um critério marcadamente subjetivo utilizado pelo Tribunal Europeu. Nesse sentido, muitas vezes, a condenação de um Estado não decorreria da gravidade abstrata das restrições que impôs aos direitos fundamentais, mas em função de o TEDH reconhecer ou não aos Estados uma margem de apreciação quanto à neces- sidade de imposição da restrição nas condições concretas do país. 87 Conforme aponta o professor José de Melo Alexandrino, sob a perspectiva do prestígio das instituições do Estado, o deferimento da proteção às instâncias internacionais tem como consequência, além do aumento da frequência das conde- nações, a menorização do sistema interno de proteção (ALEXANDRINO, 2013, p. 46). Também sobre o tema, cf. ALEXANDRINO, 2006, II, p. 486. 88 MORAIS, II, 2011, p. 548. 89 Acórdãos nº 182/89 e nº 474/2002. Diversas razões têm sido apontadas para explicar esse escasso uso do instituto: circunstancialismos derivados da situação político- constitucional do país e a menor sensibilidade ao instituto por parte dos órgãos de iniciativa90; a existência de um especial melindre com relação a esta competência do Tribunal Constitucional e a difi culdade do convívio da fi gura da inconstitucionalidade por omissão com o princípio da separação de poderes91; limitações estruturais92 e o alcance demasiado modesto93 do modelo adotado na Constituição portuguesa. Sobre esse último ponto, como já se anotou, o Tribunal pode apenas apreciar a inconstitucionalidade de medidas legislativas necessárias a tornar exequíveis as normas constitucionais não exequíveis por si mesmas e desde que haja um dever específi co de legislar. O número de legitimados a requerer é reduzido e os efeitos da decisão limitam-se à mera comunicação da omissão ao órgão competente para supri-la94. Em segundo lugar, entretanto, há menor consenso se esse caráter reduzido e pouco efetivo do instituto confi gura de fato um défi cit do sistema de fi scalização português e uma desproteção frente às inconstitucionalidades omissivas95. 90 MIRANDA, 2012, I, p. 709. 91 CORREIA, 2016, p. 183. Aliás, a doutrina é sensível à tensão e aos limites do instituto com relação aos princípios democrático e da separação de poderes. Nesse sentido, cf. MORAIS, 2011, p. 551. 92 MIRANDA e MEDEIROS, 2007, p. 866. 93 NOVAIS, 2017, pp. 97-98. 94 Como já se referiu, há também o efeito de se reconhecer a ilicitude do com- portamento omissivo para fi ns de responsabilidade civil do Estado (artigo 15º, nºs 3 e 5, da Lei 67/2007). 95 Há interessante debate doutrinário sobre o ponto. Para Jorge Pereira da Silva, que reconhece uma insufi ciência no controle das omissões inconstitucionais, há uma atitude acomodada e resignada da doutrina e da jurisprudência com o uso exclusivo do limitado modelo do artigo 283º da Constituição para reação jurisdi- cional ao fenômeno da omissão inconstitucional (SILVA, 2003, p. 16). Em sentido semelhante, CASTRO, 2012b, p. 119. Por outro lado, Carlos Blanco de Morais en- tende que a realidade limitada do instituto «terá que ser imputada por todos aqueles que não se conformam com a situação, não à doutrina ou à jurisprudência, as quais se limitam a dar ao instituto um tratamento que seja proporcionado à sua real re- levância constitucional e dimensão processual, mas ao legislador constitucional» (MORAIS, 2011, p. 548). Em razão dos objetivos deste trabalho, optou-se por des- tacar algumas posições doutrinárias que apontam o défi cit e procuram alternativas de fortalecimento dentro do sistema vigente ou por meio de propostas de alteração. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil326 Bruno Sacramento 327 Jorge Reis Novais96 reconhece a existência de défi cit, pois também pela via da omissão há desproteção dos direitos fundamentais. Para o autor, tanto em razão da confi guração constitucional do instituto quanto pelo enquadramento doutrinário majoritário que lhe foi dado, o sistema português não é adequado à verifi cação das omissões constitucionais na área da garantia dos direitos fundamentais97. Jorge Pereira da Silva, por sua vez, partindo de uma perspectiva de análise orientada «pela necessidade de conferir aos direitos dos cidadãos adequada proteção contra as omissões inconstitucionais lesivas»98, considera que o artigo 283º da Constituição, como norma processual, não defi ne a fi gura material da omissão legislativa,mas se limita a estabelecer «um meio de controlo (...) de uma modalidade particular de omissão»99. Assim, procura expandir a forma de controle. Com base no já referido conceito funcional de norma utilizado pelo Tribunal Constitucional, defende que a omissão normativa equivaleria à existência de uma norma negativa ou de exclusão, podendo-se, assim, confi gurar uma norma implícita ou virtual fi scalizável no âmbito da inconstitucionalidade por ação100. Registra-se, contudo, a existência de diversos autores com posicionamento con- trário (BELEZA, 2016, p. 74) e que vêem no instituto mais inconvenientes do que vantagens (VAZ, BOTELHO, et al., 2015, p. 192). 96 NOVAIS, 2017, pp. 97-110. 97 O autor, mais uma vez, ressalta a limitação da fi scalização orientada apenas para a verifi cação de omissão de normas, inclusive só das necessárias para conferir exequibilidade às normas constitucionais, e não quaisquer outros atos ou normas, especialmente aqueles necessários para que as entidades públicas, incluindo os tri- bunais, cumpram os deveres estatais cabíveis para a realização dos direitos funda- mentais. Aponta também que a discussão da temática na doutrina portuguesa seria centrada exclusivamente na natureza das normas constitucionais (normas e princí- pios, normas programáticas e preceptivas, exequíveis e não exequíveis), o que não seria mais ajustado ao «tema essencial da normatividade dos direitos fundamentais no Estado de Direito dos nossos dias», pois se traduziriam, em parte, em «velhas distinções» oriundas de um tempo em que os direitos fundamentais constitucionais não eram vistos como verdadeiras normas vinculativas, e que não são capazes de dar conta do que verdadeiramente está em causa nos dias atuais: «a questão da efetividade das normas constitucionais de direitos fundamentais enquanto normas jurídicas» (NOVAIS, 2017, pp. 98-99). 98 SILVA, 2003, p. 10. 99 Ibidem, p. 14. 100 Cf. SILVA, 2003, p. 173. Jorge Miranda também identifi ca uma insufi ciência do sistema de controle da omissão. Em estudo recente, mostra-se favorável à uma interpretação extensiva do artigo 283º, possibilitando sua utilização para fi scalizar inconstitucionalidades não resultantes apenas do incumprimento do dever de concretização, isso porque, entre outras razões, o dispositivo (283º, nº 1) fala em não cumprimento da Constituição e a desproteção de direitos constantes de normas aparentemente exequíveis por si mesmas são igualmente graves101. Raquel Alexandra Castro igualmente entende que a proteção jurídica contra as omissões inconstitucionais não pode se reduzir ao mecanismo do artigo 283º da Constituição102, tampouco se traduz apenas no direito à legislação, mas, ao menos no que toca às omissões lesivas de direitos, liberdades e garantias, se refere à remoção do obstáculo ao exercício do direito fundamental, tarefa que pode caber a qualquer juiz por meio da interpretação e integração, aplicando-se as normas constitucionais independentemente das intervenções do legislador ou da administração103 104. 2.1.3. A proteção do poder local O terceiro défi cit destacado é o referente à proteção das autarquias locais contra atos lesivos à garantia constitucional da autonomia local. Autarquia local é a «forma específi ca de organização territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição 101 MIRANDA, 2016, 2, pp. 291-292. 102 CASTRO, 2012a, p. 260. 103 CASTRO, 2012, p. 264. 104 Vários dos autores defendem propostas de alteração do sistema, muitas ve- zes objetivando suprir uma possível insufi ciência em razão da falta de um meca- nismo de fi scalização concreta difusa das omissões. Nesse sentido, por exemplo, Jorge Pereira da Silva (SILVA, 2015, pp. 697 ss.) e Raquel Castro (CASTRO, 2012a, pp. 494-503). Jorge Miranda propõe a fi scalização concreta, mas por meio de um incidente suscitado pelo juiz comum, a ser apreciado pelo Tribunal Cons- titucional (MIRANDA, 2013, VI, pp. 394, 397 e 398). Jorge Reis Novais defende a instituição do recurso de amparo para tutelar também as violações por omissão aos direitos fundamentais (NOVAIS, 2017, p. 103). Contra a fi scalização difusa da inconstitucionalidade por omissão: Carlos Blanco de Morais (MORAIS, 2011, II, pp. 874 ss.). Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil328 Bruno Sacramento 329 territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autônomos»105. A autonomia das autarquias locais (autonomia local) é garantida pela Constituição portuguesa e, tendo em conta sua confi guração, representa «uma forma específi ca, constitucionalmente qualifi cada e assistida, de descentralização (que é territorial e democrática), envolvendo necessariamente a participação no exercício do poder político»»106. O princípio da autonomia local tem natureza de garantia institucional objetiva107, e seu conteúdo, ou âmbito de proteção, contém diversos elementos, incluindo um núcleo irrevisível, que se refere ao seu próprio direito de existência108, e o direito à organização e competências próprias, para que possam resguardar os interesses de suas populações por meio de seus próprios órgãos representativos109. Entretanto, embora a autonomia seja garantida pela Constituição, as autarquias locais não dispõem de nenhum mecanismo próprio de acesso ao Tribunal Constitucional para sua proteção contra atos legislativos que lhe sejam lesivos, ainda que tal quadro signifi que um incumprimento relativo do direito à tutela jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 11º da Carta Europeia de Autonomia Local110. Esse contexto, conforme identifi cou José de Melo Alexandrino, confi gura um défi cit de proteção do poder local no sistema português111. Tal défi cit foi, inclusive, reconhecido pelo Congresso 105 ALEXANDRINO, 2010b, p. 111. 106 ALEXANDRINO, 2009, p. 14. O artigo 3º, nº 1, da Carta Europeia de Au- tonomia Local defi ne a autonomia local como: o direito e a capacidade efectiva de as autarquias regulamentarem e gerirem, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos. 107 ALEXANDRINO, 2009, p. 18. 108 A autonomia das autarquias locais foi incluída no rol de limites materiais das leis de revisão constitucional (artigo 288º, alínea n, da Constituição). 109 Cf. ALEXANDRINO, 2009, pp. 15-16 e CANOTILHO, 2003, pp. 361 ss. 110 O artigo 11º da CEAL, ratifi cado por Portugal em 1990, dispõe que «As autarquias locais devem ter o direito de recorrer judicialmente, a fi m de assegurar o livre exercício das suas atribuições e o respeito pelos princípios de autonomia local que estão consagrados na Constituição ou na legislação interna». 111 ALEXANDRINO, 2009, pp. 12-27. Para o autor, que também apontou dé- fi cit de refl exão doutrinária e atenção jurisprudencial sobre a questão em Portugal, de Poderes Locais e Regionais112 e tem recebido alguma atenção doutrinária recente113. 2.2. O Sistema brasileiro A sumária descrição do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade já evidenciou que a amplitude é justamente uma de suas características. Nesse sentido, é considerado um dos mais abrangentes sistemas do mundo, pois dispõe de um acervo de meios de garantia da constitucionalidade quase sem paralelo em outros sistemas114. Possui um controle difuso e concreto com a possibilidade de interposição do Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal que, como já se mencionou, tem maior abrangência do que o sistema recursal português, porquanto não se limita a impugnar apenas atos normativos. É igualmente uma de suas principais características115 justamente a diversidade de mecanismos processuais para proteção dos direitos fundamentais, como omandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, a ação civil pública e a ação popular, que também são apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de sua competência originária e recursal116. diante da proteção insatisfatória da autonomia local, seria adequada a extensão às autarquias locais da legitimidade para requerer a fi scalização abstrata, conforme já sugerira Artur Maurício (MAURÍCIO, 2003, p. 628), possibilitando-se o acesso di- reto ao Tribunal Constitucional e, assim, ampliando-se as limitadas possibilidades das vias ordinárias de proteção atualmente disponíveis (as da jurisdição adminis- trativa e a possibilidade de suscitar o recurso de constitucionalidade). 112 Foi expedida recomendação a Portugal (Recomendação 323-2012 – La démocratie locale et régionale au Portugal), propondo (item 06.b.) que as asso- ciações que representem os interesses das autarquias locais tenham direito a um recurso direto para o Tribunal Constitucional. Texto disponível em: https://rm.coe. int/168071979a, acesso em 30/07/2017. 113 Cf., por exemplo, BATALHÃO, 2016, pp. 45-50. 114 MIRANDA, 2016, 2, p. 253. 115 MENDES, 2011, p. 1. 116 São inúmeras as decisões importantes do Supremo relativas aos direitos fun- damentais. Para citar alguns poucos exemplos: a constitucionalidade das políticas afi rmativas de cotas em universidades, a liberação das pesquisas com células-tron- co-embrionárias e a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil330 Bruno Sacramento 331 Conta, como se viu, com um amplo leque de ações diretas no controle concentrado. Deve-se destacar, nesse ponto, que a regulamentação da ação de descumprimento de preceito fundamental supriu as últimas lacunas do sistema concentrado, permitindo o controle de constitucionalidade do direito pré-constitucional e das leis municipais117. O controle da omissão é realizado tanto de forma abstrata, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que tem por objetivo coibir a omissão legislativa e a administrativa, quanto de forma concreta, por meio do mandado de injunção que, como se verá, ganhou novo protagonismo nos últimos anos, após a alteração jurisprudencial quanto aos seus efeitos e a sua nova regulamentação legal. Não é possível reconhecer, portanto, a existência de insufi ciências no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. 3. AS DISFUNÇÕES: OS PROBLEMAS NA CONFIGURAÇÃO E NO FUNCIONAMENTO DOS SISTEMAS DE FISCALIZAÇÃO Verifi cadas as possíveis insufi ciências dos sistemas, passa-se a analisar suas demais defi ciências e distorções. Serão abordados, separadamente, os problemas do sistema português e do brasileiro, iniciando-se com aqueles mais relacionados ao sistema de fi scalização em geral e passando-se aos mais vinculados à confi guração e ao funcionamento dos tribunais (Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Federal). 3.1. O sistema português Entre os inúmeros problemas existentes no sistema português, destacam-se os seguintes: (i) a possibilidade de confi rmação do diploma considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em fi scalização preventiva; (ii) a irracionalidade e o desequilíbrio estrutural do sistema de controle apenas normativo; (iii) a insufi ciência dos efeitos inter partes no controle concreto; (iv) o desequilíbrio e a anomalia das funções do Tribunal Constitucional; (v) a pouca transparência e abertura no funcionamento do Tribunal 117 MARTINS e MENDES, 2008, p. 105. Constitucional; e (vi) o uso de fórmulas abstratas na decisão de questões político-constitucionais controversas. 3.1.1. A confi rmação do diploma inconstitucional – o artigo 279º, nº 2, da Constituição portuguesa Conforme visto, o artigo 279º, nº 2, da Constituição portuguesa permite que a Assembleia da República118, por meio da maioria qualifi cada dos deputados, confi rme um diploma mesmo que o Tribunal Constitucional tenha se pronunciado por sua inconstitucionalidade, caso em que caberá ao Presidente da República promulgá-lo ou não. Dessa forma, possibilita a introdução no ordenamento jurídico de normas já consideradas inconstitucionais. Essa possibilidade de sobrepor um juízo político a um juízo jurídico manifestado pelo guardião da Constituição é extremamente criticada. Com efeito, considera-se uma inferiorização da justiça constitucional119 que se explica unicamente por circunstâncias históricas que já não subsistem120. Se no período em que o controle abstrato era exercido pelo Conselho da Revolução fazia sentido 118 O Tribunal Constitucional já entendeu que essa possibilidade poderia ser estendida às Assembleias Legislativas regionais (Acórdão nº 151/93), em posição que é criticada pela doutrina. Por exemplo, ALEXANDRINO, 2017, p. 282. 119 ANDRADE, 1995, p. 79. 120 Em apertada síntese, o instituto da fi scalização preventiva hoje vigente é, em grande parte, o mesmo modelo constante na redação original da Constituição de 1976. Assim como todo o sistema de fi scalização, foi criado em um período de grande instabilidade política da transição para a democracia. Refl ete, assim, a correlação de forças entre o Movimento das Forças Armadas, com legitimidade re- volucionária, e os partidos eleitos para a Constituinte, com legitimidade democrá- tica. Na redação originária da Constituição de 1976 até a revisão de 1982 (quando criado o Tribunal Constitucional), o órgão responsável por exercer a fi scalização de constitucionalidade abstrata (preventiva, por ação e por omissão) era o Conselho da Revolução. Se era interesse estratégico do Conselho da Revolução controlar a produção legislativa, intervindo mesmo antes da lei entrar em vigor, era do inte- resse dos partidos que o Conselho não gozasse de um poder de veto absoluto por inconstitucionalidade frente aos diplomas do Parlamento eleito. Nesse contexto, é prevista a fi scalização preventiva, mas também a possibilidade de confi rmação do diploma mesmo com a pronúncia de inconstitucionalidade. Nesse sentido, cf. VAZ, BOTELHO, et al., 2015, p. 184, MIRANDA, 2013, pp. 319-320 e AMA- RAL, 2016, pp. 414-422. Défi cits e disfunções no controle de constitucionalidade em Portugal e no Brasil332 Bruno Sacramento 333 deixar-se a última palavra sobre a constitucionalidade de um projeto para o Presidente eleito, após a criação e assunção do controle de constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional (1982), o instituto da confi rmação não se justifi ca121. É identifi cado, assim, como uma manifestação de esquizofrenia do Estado de direito democrático122, tratando-se de um desvio difi cilmente aceitável ao princípio do primado da Constituição e ao princípio da segurança jurídica123. Apesar de a Assembleia da República nunca ter utilizado essa prerrogativa, trata-se de evidente disfunção da confi guração do sistema português. 3.1.2. A irracionalidade e o desequilíbrio de um controle apenas normativo O segundo ponto destacado é uma crítica abrangente e estrutural sobre o sistema português de fi scalização concreta. Para Jorge Reis Novais, há uma irracionalidade sistêmica, do que decorre insegurança jurídica, desigualdade e utilização inapropriada124. Conforme já anotado125, reconhecendo-se a insufi ciência de um sistema de fi scalização cujo objeto são apenas as inconstitucionalidades normativas, direcionado apenas ao legislador, foi construída na jurisprudência a concepção funcional de norma126, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fi scalização, de modo a ampliar as possibilidades de fi scalização. Passou-se, assim, a fi scalizar quaisquer normas que pudessem ser pressupostas ou deduzidas intelectivamente das decisões judiciais individuais, ainda 121 VAZ, BOTELHO, et al., 2015, pp. 167-168. No mesmo
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