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3 2 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 3 0 • n º 1 80 B I O L O G I A M O L E C U L A R Conhecido há milênios, o câncer – termo que abrange muitas doenças cuja característica básica é a proliferação descontrolada de células – é hoje um dos principais males que afligem a humanidade. As descobertas que permitiram compreender a origem genética dessa patologia compõem um importante capítulo da história da ciência e da medicina. Nas últimas décadas, as pesquisas sobre as alterações genéticas que levam ao câncer avançaram muito, mas a doença ainda faz grande número de vítimas em todo o mundo. Agora, o conhecimento cada vez mais rápido do genoma humano poderá mudar esse quadro: a identificação dos genes mutantes das células tumorais facilitará o desenvolvimento de medicamentos e terapias. Lyria Mori Departamento de Biologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo 3 2 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 3 0 • n º 180 B I O L O G I A M O L E C U L A R m a r ç o d e 2 0 0 2 • C I Ê N C I A H O J E • 3 3 B I O L O G I A M O L E C U L A R ou uma patologia com chances crescentes de cura? As trŒs opçıes estªo corretas. Entªo, como o nome de um grupo de estrelas foi dado a um mal que atinge milhıes de pessoas a cada ano? Para entender isso, Ø preciso lembrar que a palavra latina cancer signi- fica caranguejo o símbolo do signo astrológico das pessoas nascidas entre 21 de junho e 21 de julho. Esse termo foi associado à doença porque o mØdico grego Hipócrates, por volta do ano 400 a.C., compa- rou as veias que irradiam a partir de alguns tumores de mama às pernas de um caranguejo. Ele deu à molØstia o nome de karkinoma (carcinoma), palavra grega que tambØm significa caranguejo, e a mesma associaçªo chegou ao latim. Embora isso mostre que a doen- ça jÆ era conhecida pelo chamado pai da medicina, a natureza dos cânceres estava muito longe de ser compreendida. Apenas nas œltimas dØcadas, mais de dois milŒnios depois, os mecanismos envolvidos no desenvolvimen- to dos tumores começaram a ser desvendados. Câncer Ø uma só doença e ao mesmo tempo mais de uma cen- tena de doenças. A característica que unifica todas essas patolo- gias Ø a proliferaçªo descontrola- da das cØlulas, levando a tecidos 4 Câncer é a quarta constelação do zodíaco, um signo astrológico Mutação câncere de aspecto desorganizado (os tumores). Sabemos hoje que as cØlulas de um tumor descendem de uma só cØlula que, em determinado momento, em funçªo de alteraçıes (mutaçıes) em seu material genØtico (DNA), passou a se reproduzir de modo descontro- lado, transmitindo essas modificaçıes às suas des- cendentes (as cØlulas-filhas). As primeiras teorias sobre o câncer Em 1663, o inglŒs Robert Hooke (1635-1703), um homem interessado em variadas Æreas da ciŒncia, da astronomia à biologia, descobriu que os tecidos vi- vos apresentavam agregados de pequenas estrutu- ras, que chamou de cØlulas. Mais de 200 anos depois, outros pes- quisadores, em especial o patolo- gista alemªo Rudolph Virchow (1821-1902), confirmaram essa descoberta. Virchow, depois de perceber a natureza herdÆvel de uma cØlula neoplÆsica (ou seja, de um câncer), estabeleceu a base da teoria celular em 1885, ao afir- mar, durante uma conferŒncia em latim: omnis cellula e cellula ou seja, toda cØlula surge de outra cØlula preexistente. Para explicar essa afirmativa, o cientista destacou que os com- ponentes celulares de um câncer FO TO A G ÊN C IA K EYS TO C K 34 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 3 0 • n º 1 80 B I O L O G I A M O L E C U L A R metastÆsico (capaz de liberar cØlulas que formarªo tumores em outras partes do organismo) asseme- lham-se aos do tumor primÆrio, como se fossem aparentados. Ele estava correto, e a partir daí foi fÆcil deduzir que as cØlulas tumorais surgem de cØ- lulas normais que de alguma forma sªo modifica- das e, alØm disso, conseguem transmitir essas modi- ficaçıes às cØlulas-filhas, de modo que elas tambØm serªo tumorais. Se o câncer começa como uma simples cØlula que eventualmente progride para a completa maligni- dade, o que inicia essa seqüŒncia mortal? Que modi- ficaçıes sªo essas e como elas acontecem? Duran- te pelo menos 200 anos de estudos, em busca de respostas para essas perguntas, o foco se manteve em causas externas. Em 1775, por exemplo, o mØdico inglŒs Percival Pott (1714-1788) descreveu a alta incidŒncia de cân- cer escrotal em homens que trabalharam como lim- padores de chaminØs quando crianças. Os holande- ses tinham problemas semelhantes com seus limpa- dores de chaminØs, parcialmente resolvidos pelo uso de roupas de proteçªo adequadas, no que ficou co- nhecido como o primeiro programa bem-sucedido de prevençªo de câncer. Em meados do sØculo 19, tam- bØm foi percebido um nœmero maior de mortes por um tipo raro de câncer de pulmªo em trabalhadores de minas de carvªo do leste da Alemanha. Esses relatos da associaçªo entre certos tipos de cânceres e ocupaçıes específicas tornaram-se cada vez mais numerosos, levando à idØia de que a causa desse tipo de mal poderia ser externa ao organismo. Levantada a suspeita, foram descritos muitos possí- veis agentes externos responsÆveis pelo surgimento do câncer, entre eles vÆrias substâncias químicas e agentes infecciosos (bactØrias, por exemplo), alØm da irritaçªo mecânica crônica dos tecidos (uso de cachimbo, dente quebrado etc). A hipótese de que a irritaçªo do tecido representa um precursor essencial recebeu forte impulso após 1895, quando o físico alemªo Wilhelm Röntgen (1845-1923) descobriu os raios X, que passaram a ser utilizados quase de imediato em diagnósticos e terapias. Logo ficou evidente que a exposiçªo direta por algumas horas aos raios X resultava em verme- lhidªo e queimaduras. AlØm disso, a exposiçªo crônica das mªos dos tØcnicos provocava câncer de pele localizado. A semente para o crescimento explosivo no co- nhecimento do câncer foi plantada em 1911, quan- do o patologista norte-americano Peyton Rous (1879-1970) descobriu que extratos celulares filtra- dos (sem cØlulas) obtidos de tumores de galinhas podiam causar novos tumores quando inoculados em aves sadias. Rous, porØm, acabou abandonando as pesquisas com o vírus, convencido pelos dados epidemiológicos que a grande maioria dos tumo- res humanos nªo se comporta como doença conta- giosa. Mesmo assim, suas pesquisas sobre a induçªo do câncer em animais por vírus lhe deram o prŒmio Nobel de medicina em 1966, dividido com o mØdico canadense Charles B. Huggins (1901-1997). A maioria dos vírus mata a cØlula infectada. No caso dos vírus tumorais, porØm, as cØlulas nªo só sobrevivem como tambØm crescem e proliferam mais rÆpido que as cØlulas normais. A questªo, portanto, era: como esses vírus marca permanen- temente as cØlulas que infectam e como essa mar- ca Ø transmitida para todas as cØlulas-filhas? A des- coberta de que todas as cØlulas de um tumor huma- no descendem de apenas uma cØlula tumoral (ou seja, sªo clones dessa cØlula) mudou essa questªo. Como surge um tumor: ao sofrer uma mutação, uma célula (A) passa a se reproduzir de modo descontrolado (B); uma nova mutação cria células diferenciadas, ou seja, anormais (C); em seguida, outras mutações tornam o tumor ainda mais agressivo, mas ainda contido nos limites entre tecidos (D); finalmente, o tumor lança células no sangue (E), podendo gerar novos tumores em outros locais do organismo A B C D E A D A P TA D O D E R . A . W EIN B ER G , S C IEN TIFIC A M ER IC A N , S ETEM B R O D E 19 9 6 m a r ç o d e 2 0 0 2 • C I Ê N C I A H O J E • 3 5 B I O L O G I A M O L E C U L A R queeles continham o gene src completo. Isso indicou que tinham se tornado oncogŒnicos por ter captura- do (seqüestrado), da cØlula hospedeira, a porçªo que estava faltando desse gene. As descobertas de Bishop, Varmus e Hanafusa mostraram que os oncogenes dos retrovírus sªo genes celulares capturados dos geno- mas dos hospedeiros. Em 1981, pesquisadores de trŒs instituiçıes dos Estados Unidos o grupo do oncologista Michael Wigler, do Cold Spring Harbor Laboratory; o grupo do biólogo Robert A. Weinberg, do Massachusetts Institute of Technology, e o grupo do tambØm on- cologista Mariano Barbacid, do National Institute of Health anunciaram ter descoberto que a origem dos cânceres humanos estava no material genØtico. Em trabalhos independentes, empregando tØcni- cas de DNA recombinante, cada grupo isolou genes específicos que faziam com que cØlulas normais em cultura se tornassem malignas. Esses proto-oncogenes (ou oncogenes celulares) juntaram-se aos descobertos atravØs de vírus, pos- sibilitaram definir a maioria dos cânceres huma- nos como doenças genØticas, no sentido de que eles se originam a partir de mudanças no DNA. Isso le- vou a uma nova questªo: se os proto-oncogenes estªo presentes nas cØlulas normais, qual o papel dos produtos desses genes nessas cØlulas? Os tipos de genes ligados ao câncer Durante as œltimas dØcadas muita coisa foi desco- berta sobre o funcionamento dos proto-oncogenes (normais) presentes nas cØlulas. Sabe-se hoje que muitos codificam proteínas reguladoras essenciais para a proliferaçªo celular normal. Podemos, por- tanto, relacionar o câncer com a desregulaçªo dos genes envolvidos no controle da proliferaçªo celu- lar por isso sªo usadas, para designar a doença, as palavras neoplasia, que significa crescimento novo, e tumor, que quer dizer crescimento de massa. JÆ que eles atuam na proliferaçªo normal das cØlulas, o que ocorre para que tais genes celulares se descontrolem? Uma das possibilidades de rom- pimento do crescimento celular normal seria, apa- rentemente, a superexpressªo de um gene. De modo consistente com essa hipótese, Bishop e Varmus, em seu laboratório na Califórnia, verifi- caram que o gene c-src Ø expresso em quantida- des bem pequenas em cØlulas normais e em volu- me bem maior em cØlulas tumorais. Como jÆ havia acontecido com Muller (em 1946) e Rous (em 1966), Bishop e Varmus tambØm ganharam o Nobel, em 1989, por suaspesquisas sobre o câncer. Esses proto-oncogenes podem se transformar em oncogenes, por exemplo, por uma mutaçªo na se- Afinal, se o tumor fosse causado diretamente por uma infecçªo viral, que certamente atingiria muitas cØlulas, ele nªo seria clonal. Uma nova proposta é lançada Em 1927, o geneticista norte-americano Herman Muller (1890-1967) descobriu que os raios X indu- ziam mutaçıes no material genØtico das mos- cas-das-frutas (Drosophila melanogaster). Isso levou à hipótese de que o câncer poderia ser uma conse- qüŒncia do dano causado pelos raios X no mate- rial genØtico. Por essa descoberta e outras pesqui- sas sobre mutaçıes genØticas, Muller ganhou o Nobel de medicina em 1946. A mesma idØia a de que danos genØticos poderiam causar cânceres jÆ havia sido proposta em 1914 pelo biólogo alemªo Theodor Boveri (1862-1915), ao observar cro- mossomos anômalos em cØlulas tumorais. O crescimento da incidŒncia e os avanços na compreensªo da doença levaram, em dezembro de 1971, o entªo presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, a declarar guerra contra o câncer, que mata- va cerca de seis milhıes de pessoas por ano no mundo. Nos 10 anos seguintes o investimento do governo norte-americano em pesquisas relaciona- das ao câncer foi de cerca de US$ 7,5 bilhıes, o que permitiu intensificar os estudos sobre as bases moleculares da genØtica dos cânceres. As questıes sobre a participaçªo dos vírus na formaçªo de tumores só viriam a ser respondidas no final dos anos 70, quando se alcançou uma com- preensªo detalhada da origem evolutiva dos genes virais causadores de câncer (oncogŒnicos). Isso acon- teceu a partir dos estudos do gene oncogŒnico do vírus do sarcoma de Rous (batizado de v-src). Os biólogos J. Michael Bishop e Harold Varmus, da Universidade da Califórnia (em San Francisco), usa- ram uma cópia do v-src para pescar DNA celular de diferentes animais, e tiveram uma grande surpresa ao encontrar genes celulares homólogos (c-src) aos genes v-src no DNA de diferentes animais (galinha, peixes, mamíferos e mesmo a mosca Drosophila). Logo depois, foram encontrados genes celulares homólogos de outros genes virais oncogŒnicos. Es- ses genes seqüŒncias conservadas durante a evolu- çªo das espØcies, passando dos animais primitivos para os seus sucessores foram denominados proto- oncogenes ou oncogenes celulares (c-onc). No início dos anos 80, o pesquisador japonŒs Hidesaburo Hanafusa descobriu, em pesquisas na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), que re- trovírus (vírus de RNA) com seu genoma incompleto (defectivo) podiam produzir tumores em animais. Esses vírus foram isolados dos tumores e verificou-se 4 3 6 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 3 0 • n º 1 80 B I O L O G I A M O L E C U L A R qüŒncia do DNA, pela transferŒncia (translocaçªo) do gene para outro local do genoma (aproximando- o de uma seqüŒncia promotora forte), ou por am- plificaçªo do gene (a formaçªo de cópias mœltiplas desse gene). Resumindo, podemos dizer que de al- guma maneira o gene passa a ser expresso de forma tumor infantil, o retinoblastoma, que se forma a partir da mutaçªo de cØlulas da retina. Nesse cân- cer, a malignidade resulta da ausŒncia de qual- quer cópia funcional do gene retinoblastoma (Rb). JÆ que apenas uma cópia funcional seria capaz de inibir a formaçªo do câncer, o gene foi entªo cha- mado de antioncogene. Posteriormente, muitos oncogenes que atuam de modo semelhante foram descritos. Hoje, os antioncogenes sªo mais conhe- cidos como genes supressores de tumor. O retinoblastoma ilustra tambØm o chamado mo- delo de dois passos de mutaçªo para o desenvol- vimento do tumor. As crianças que desenvolvem a forma familial da doença herdam uma cópia nor- mal do gene Rb de um dos pais e uma cópia defeitu- osa do outro. Depois, uma mutaçªo espontânea na cópia normal, durante o desenvolvimento das cØlu- las da retina, resulta em cØlulas tumorais, com ausŒn- cia total de genes Rb funcionais nesse caso, a doença geralmente se manifesta nos dois olhos. O retinoblas- toma pode ocorrer tambØm na forma esporÆdica alterada, em maior quantidade ou em um mo- mento em que nªo deveria estar sendo expresso. Dentro dos esforços para tentar entender o cân- cer, muitas pesquisas envolvendo a fusªo de cØlu- las normais com cØlulas cancerosas foram realiza- das. Em 1960, por exemplo, o geneticista australia- no Henry Harris, trabalhando na Universidade de Oxford Brookes (Inglaterra) fundiu cØlulas normais e tumorais de camundongo e nªo observou forma- çªo de tumores quando tais cØlulas foram inocula- das em animais sadios. Com ba- se nesse resultado, ele sugeriu que cØlulas normais contŒm ge- nes cujos produtos tŒm a habili- dade de suprimir a proliferaçªo descontrolada das cØlulas. A idØia de Harris foi compro- vada em 1987, quando se desco- briu um tipo diferente de on- cogene, envolvido em um raro Uma diferença fundamental entre os dois tipos da doença está nas células germinativas: na for- ma esporádica (5), tais células terão duas có- pias normais do gene Rb, enquanto na forma familial (10) elas apresentarão uma cópia mutada desse gene. São herdadas dos pais uma có- pia normal e outra mutada do gene Rb (6 e 7), e nesse caso uma eventual mutação na outra cópia desse gene em uma célula da re- tina em formação (8) levará ao surgimento de células tumorais (9), com a doença se manifestan- do em geral nos dois olhos. Duas cópias normaisdo gene Rb são herdadas dos pais (1 e 2), e a primeira mutação (XXXXX) inativa uma das cópias em uma célula da retina em formação (3); uma mutação da outra cópia do gene (4) leva à perda do controle sobre o crescimento celular, resultando em células tumorais, com a doença se manifestando em geral em apenas um dos olhos. Figura 1. Mutações no gene Rb em retinoblastoma esporádico e familial Figura 2. O acúmulo de mutações no material genético pode levar uma célula normal a se tornar cancerosa: uma célula sadia pode sofrer mutação (XXXXX) em um proto-oncogene (1), proliferando de forma não controlada, gerando células pré-cancerosas, e estas podem sofrer mutações em outros proto-oncogenes (2) e em genes supressores de tumor (3), originando células cancerosas, com potencial de formar tumores m a r ç o d e 2 0 0 2 • C I Ê N C I A H O J E • 3 7 B I O L O G I A M O L E C U L A R (nªo familial). Nesse caso, a criança herda duas có- pias normais do gene Rb, e durante a formaçªo das retinas uma cØlula sofre mutaçªo em uma das có- pias e, mais tarde, uma cØlula descendente dessa tambØm tem a outra cópia mutada (figura 1). Nesse caso, a doença se manifesta, em geral, em apenas um olho, jÆ que a probabilidade de os dois eventos de mutaçªo acontecerem na mesma cØlula Ø baixa. A existŒncia de proto-oncogenes e de genes supressores de tumor sugere um elaborado sistema de controles positivo e negativo que mantØm a multiplicaçªo celular dentro dos limites normais. Uma terceira categoria de genes tem sido ainda apontada como capaz de originar cânceres: os genes de reparo. Tais genes tambØm sªo classificados co- mo supressores de tumor, uma vez que os dois ale- los (as duas cópias do gene) tŒm que estar mutados para que o tumor seja ativado. Os genes de reparo sªo os responsÆveis pelo conserto de eventuais da- nos no DNA. Portanto, quando eles nªo estªo atuan- do, devido a mutaçıes, qualquer lesªo ocorrida em proto-oncogenes e em genes supressores de tumor tem maior chance de nªo ser corrigida, o que darÆ origem, nos dois casos, a cØlulas potencialmente tu- morais. Essas mutaçıes genØticas acumulam-se nas cØlulas atØ que estas perdem o controle sobre sua proliferaçªo, originando um tumor (figura 2). Crescente possibilidade de cura A cØlula trilha caminhos que podem levar a pelo menos trŒs destinos: a proliferaçªo, a nªo-prolifera- çªo (diferenciaçªo) ou a morte celular programada (apoptose). O equilíbrio entre as trŒs categorias de genes jÆ citadas Ø que comanda a escolha que a cØlula farÆ. Para explicar o processo, resumidamente, pode- mos usar como exemplo o papel do gene supressor de tumor p53 nessa escolha. O gene p53 tem esse nome porque produz uma proteína (tambØm deno- minada p53) com peso molecular de 53 kilodÆltons (kDa) o dalton Ø uma unidade de massa, equivalen- te a 1/12 da massa do carbono-12, usada em biologia molecular. Mutaçıes no gene p53 parecem estar envolvidas em cerca de 50% dos tumores, incluindo câncer de mama, cØrebro, fígado, pulmªo, bexiga e sangue, alØm do câncer colorretal. O produto protØico normal do gene p53 reprime a proliferaçªo celular, que por sua vez Ø ativada pelos proto-oncogenes. Quando ocorrem lesıes no DNA, esse gene ativa o sistema de morte celular programada, caso os genes de reparo nªo tenham funcionado de modo adequado, consertando o er- ro. No entanto, na ausŒncia de pelo menos uma cópia normal de p53, a cØlula nªo entra em apopto- se e poderÆ eventualmente transmitir a alteraçªo genØtica que sofre para as cØlulas-filhas e dar iní- cio à formaçªo de um tumor (figura 3). Os avanços das pesquisas sobre a natureza genØ- tica do câncer foram enormes nas œltimas dØcadas, mas as terapias gŒnicas ainda nªo sªo uma realida- de acessível para a maioria. A possibilidade de cura, ou seja, de erradicaçªo da doença, Ø crescente hoje em dia, mas ainda depende principalmente do diag- nóstico precoce, aliado aos tratamentos (cirœrgicos, químicos e radiológicos) cada vez mais eficazes. Esse quadro poderÆ mudar muito nos próximos anos, pois o conhecimento do genoma humano possibili- tarÆ a identificaçªo rÆpida e eficiente de todos os ge- nes mutantes das cØlulas tumorais, abrindo caminho para a identificaçªo do potencial oncogŒnico antes que este se manifeste e para terapias mais diretas e específicas contra as cØlulas mutantes. n Sugestões para leitura GRIFFITHS, J. F.; MILLER, J. H.; SUSUKI, D. T. & LEWONTIN, R. C. ‘Cancer as a genetic disease’, in An introduction to genetic analysis, Nova York, W. H. Freeman, 2000. VARMUS, H. & WEINBERG, R. A. Genes and the biology of cancer, Nova York, W. H. Freeman (Scientific American Library), 1993. WEINBERG, R. A. ‘How cancer arises’, in Scientific American, 275(3), p. 32, 1996. WEINBERG, R. A. Uma célula renegada – como o câncer começa, Rio de Janeiro, Ciência Atual Rocco, 2000. Figura 3. Papel do gene supressor de tumor p53 no equilíbrio da célula entre proliferação, não-proliferação e morte celular Se a lesão no DNA ocorre em uma célula com o gene p53 mutado, não funcional, a morte celular não é induzida e a célula pode se mul- tiplicar, transmitindo essa lesão. Isso pode originar células cance- rosas, levando à formação de um tumor. A ocorrência de lesões no DNA ativa o gene p53, que induz a apoptose, ou morte celular progra- mada, impedindo a pro- liferação.
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