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Mutacao_e_cancer

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Conhecido há milênios,
o câncer – termo que
abrange muitas doenças
cuja característica básica
é a proliferação
descontrolada
de células – é hoje um dos
principais males que
afligem a humanidade.
As descobertas que
permitiram compreender
a origem genética dessa
patologia compõem
um importante capítulo
da história da ciência
e da medicina.
Nas últimas décadas,
as pesquisas sobre as
alterações genéticas que
levam ao câncer avançaram
muito, mas a doença
ainda faz grande número
de vítimas em todo
o mundo. Agora,
o conhecimento cada vez
mais rápido do genoma
humano poderá mudar
esse quadro:
a identificação dos genes
mutantes das células
tumorais facilitará
o desenvolvimento de
medicamentos
e terapias.
Lyria Mori
Departamento de Biologia,
Instituto de Biociências,
Universidade de São Paulo
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ou uma patologia com chances crescentes de cura?
As trŒs opçıes estªo corretas. Entªo, como o nome
de um grupo de estrelas foi dado a um mal que atinge
milhıes de pessoas a cada ano? Para entender isso,
Ø preciso lembrar que a palavra latina cancer signi-
fica caranguejo – o símbolo do signo astrológico das
pessoas nascidas entre 21 de junho e 21 de julho.
Esse termo foi associado à doença porque o mØdico
grego Hipócrates, por volta do ano 400 a.C., compa-
rou as veias que irradiam a partir de alguns tumores
de mama às pernas de um caranguejo. Ele deu à
molØstia o nome de karkinoma (carcinoma), palavra
grega que tambØm significa caranguejo, e a mesma
associaçªo chegou ao latim.
Embora isso mostre que a doen-
ça jÆ era conhecida pelo chamado
‘pai da medicina’, a natureza dos
cânceres estava muito longe de
ser compreendida. Apenas nas
œltimas dØcadas, mais de dois
milŒnios depois, os mecanismos
envolvidos no desenvolvimen-
to dos tumores começaram a ser
desvendados.
Câncer Ø uma só doença e ao
mesmo tempo mais de uma cen-
tena de doenças. A característica
que unifica todas essas patolo-
gias Ø a proliferaçªo descontrola-
da das cØlulas, levando a tecidos 4
Câncer é a quarta constelação do zodíaco, um signo astrológico
Mutação
 câncere
de aspecto desorganizado (os tumores). Sabemos
hoje que as cØlulas de um tumor descendem de uma
só cØlula que, em determinado momento, em funçªo
de alteraçıes (mutaçıes) em seu material genØtico
(DNA), passou a se reproduzir de modo descontro-
lado, transmitindo essas modificaçıes às suas des-
cendentes (as cØlulas-filhas).
As primeiras teorias sobre o câncer
Em 1663, o inglŒs Robert Hooke (1635-1703), um
homem interessado em variadas Æreas da ciŒncia, da
astronomia à biologia, descobriu que os tecidos vi-
vos apresentavam agregados de pequenas estrutu-
ras, que chamou de ‘cØlulas’. Mais
de 200 anos depois, outros pes-
quisadores, em especial o patolo-
gista alemªo Rudolph Virchow
(1821-1902), confirmaram essa
descoberta. Virchow, depois de
perceber a natureza herdÆvel de
uma cØlula neoplÆsica (ou seja,
de um câncer), estabeleceu a base
da teoria celular em 1885, ao afir-
mar, durante uma conferŒncia
em latim: “omnis cellula e cellula”
– ou seja, toda cØlula surge de
outra cØlula preexistente.
Para explicar essa afirmativa,
o cientista destacou que os com-
ponentes celulares de um câncer
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metastÆsico (capaz de liberar cØlulas que formarªo
tumores em outras partes do organismo) asseme-
lham-se aos do tumor primÆrio, como se fossem
‘aparentados’. Ele estava correto, e a partir daí foi
fÆcil deduzir que as cØlulas tumorais surgem de cØ-
lulas normais que de alguma forma sªo modifica-
das e, alØm disso, conseguem transmitir essas modi-
ficaçıes às cØlulas-filhas, de modo que elas tambØm
serªo tumorais.
Se o câncer começa como uma simples cØlula que
eventualmente progride para a completa maligni-
dade, o que inicia essa seqüŒncia mortal? Que modi-
ficaçıes sªo essas e como elas acontecem? Duran-
te pelo menos 200 anos de estudos, em busca de
respostas para essas perguntas, o foco se manteve
em causas externas.
Em 1775, por exemplo, o mØdico inglŒs Percival
Pott (1714-1788) descreveu a alta incidŒncia de cân-
cer escrotal em homens que trabalharam como lim-
padores de chaminØs quando crianças. Os holande-
ses tinham problemas semelhantes com seus limpa-
dores de chaminØs, parcialmente resolvidos pelo uso
de roupas de proteçªo adequadas, no que ficou co-
nhecido como o primeiro programa bem-sucedido de
prevençªo de câncer. Em meados do sØculo 19, tam-
bØm foi percebido um nœmero maior de mortes por
um tipo raro de câncer de pulmªo em trabalhadores
de minas de carvªo do leste da Alemanha.
Esses relatos da associaçªo entre certos tipos de
cânceres e ocupaçıes específicas tornaram-se cada
vez mais numerosos, levando à idØia de que a causa
desse tipo de mal poderia ser externa ao organismo.
Levantada a suspeita, foram descritos muitos possí-
veis agentes externos responsÆveis pelo surgimento
do câncer, entre eles vÆrias substâncias químicas e
agentes infecciosos (bactØrias, por exemplo), alØm
da irritaçªo mecânica crônica dos tecidos (uso de
cachimbo, dente quebrado etc).
A hipótese de que a irritaçªo do tecido representa
um precursor essencial recebeu forte impulso após
1895, quando o físico alemªo Wilhelm Röntgen
(1845-1923) descobriu os raios X, que passaram a
ser utilizados quase de imediato em diagnósticos e
terapias. Logo ficou evidente que a exposiçªo direta
por algumas horas aos raios X resultava em verme-
lhidªo e queimaduras. AlØm disso, a exposiçªo
crônica das mªos dos tØcnicos provocava câncer de
pele localizado.
A semente para o crescimento explosivo no co-
nhecimento do câncer foi plantada em 1911, quan-
do o patologista norte-americano Peyton Rous
(1879-1970) descobriu que extratos celulares filtra-
dos (sem cØlulas) obtidos de tumores de galinhas
podiam causar novos tumores quando inoculados
em aves sadias. Rous, porØm, acabou abandonando
as pesquisas com o vírus, convencido – pelos dados
epidemiológicos – que a grande maioria dos tumo-
res humanos nªo se comporta como doença conta-
giosa. Mesmo assim, suas pesquisas sobre a induçªo
do câncer em animais por vírus lhe deram o prŒmio
Nobel de medicina em 1966, dividido com o mØdico
canadense Charles B. Huggins (1901-1997).
A maioria dos vírus mata a cØlula infectada. No
caso dos vírus tumorais, porØm, as cØlulas nªo só
sobrevivem como tambØm crescem e proliferam
mais rÆpido que as cØlulas normais. A questªo,
portanto, era: como esses vírus marca permanen-
temente as cØlulas que infectam e como essa ‘mar-
ca’ Ø transmitida para todas as cØlulas-filhas? A des-
coberta de que todas as cØlulas de um tumor huma-
no descendem de apenas uma cØlula tumoral (ou
seja, sªo ‘clones’ dessa cØlula) mudou essa questªo.
Como surge um tumor: ao sofrer uma mutação, uma célula (A) passa a se reproduzir de modo descontrolado (B);
uma nova mutação cria células diferenciadas, ou seja, anormais (C); em seguida, outras mutações tornam o tumor ainda
mais agressivo, mas ainda contido nos limites entre tecidos (D); finalmente, o tumor lança células no sangue (E),
podendo gerar novos tumores em outros locais do organismo
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queeles continham o gene src completo. Isso indicou
que tinham se tornado oncogŒnicos por ter captura-
do (seqüestrado), da cØlula hospedeira, a porçªo que
estava faltando desse gene. As descobertas de Bishop,
Varmus e Hanafusa mostraram que os oncogenes dos
retrovírus sªo genes celulares capturados dos geno-
mas dos hospedeiros.
Em 1981, pesquisadores de trŒs instituiçıes dos
Estados Unidos – o grupo do oncologista Michael
Wigler, do Cold Spring Harbor Laboratory; o grupo
do biólogo Robert A. Weinberg, do Massachusetts
Institute of Technology, e o grupo do tambØm on-
cologista Mariano Barbacid, do National Institute of
Health – anunciaram ter descoberto que a origem
dos cânceres humanos estava no material genØtico.
Em trabalhos independentes, empregando tØcni-
cas de DNA recombinante, cada grupo isolou genes
específicos que faziam com que cØlulas normais em
cultura se tornassem malignas.
Esses proto-oncogenes (ou oncogenes celulares)
juntaram-se aos descobertos atravØs de vírus, pos-
sibilitaram definir a maioria dos cânceres huma-
nos como doenças genØticas, no sentido de que eles
se originam a partir de mudanças no DNA. Isso le-
vou a uma nova questªo: se os proto-oncogenes
estªo presentes nas cØlulas normais, qual o papel
dos produtos desses genes nessas cØlulas?
Os tipos de genes ligados ao câncer
Durante as œltimas dØcadas muita coisa foi desco-
berta sobre o funcionamento dos proto-oncogenes
(normais) presentes nas cØlulas. Sabe-se hoje que
muitos codificam proteínas reguladoras essenciais
para a proliferaçªo celular normal. Podemos, por-
tanto, relacionar o câncer com a desregulaçªo dos
genes envolvidos no controle da proliferaçªo celu-
lar – por isso sªo usadas, para designar a doença, as
palavras ‘neoplasia’, que significa crescimento novo,
e ‘tumor’, que quer dizer crescimento de massa.
JÆ que eles atuam na proliferaçªo normal das
cØlulas, o que ocorre para que tais genes celulares
se descontrolem? Uma das possibilidades de rom-
pimento do crescimento celular normal seria, apa-
rentemente, a superexpressªo de um gene. De
modo consistente com essa hipótese, Bishop e
Varmus, em seu laboratório na Califórnia, verifi-
caram que o gene c-src Ø expresso em quantida-
des bem pequenas em cØlulas normais e em volu-
me bem maior em cØlulas tumorais. Como jÆ havia
acontecido com Muller (em 1946) e Rous (em 1966),
Bishop e Varmus tambØm ganharam o Nobel, em
1989, por suaspesquisas sobre o câncer.
Esses proto-oncogenes podem se transformar em
oncogenes, por exemplo, por uma mutaçªo na se-
Afinal, se o tumor fosse causado diretamente por
uma infecçªo viral, que certamente atingiria muitas
cØlulas, ele nªo seria clonal.
Uma nova proposta é lançada
Em 1927, o geneticista norte-americano Herman
Muller (1890-1967) descobriu que os raios X indu-
ziam mutaçıes no material genØtico das mos-
cas-das-frutas (Drosophila melanogaster). Isso levou
à hipótese de que o câncer poderia ser uma conse-
qüŒncia do dano causado pelos raios X no mate-
rial genØtico. Por essa descoberta e outras pesqui-
sas sobre mutaçıes genØticas, Muller ganhou o
Nobel de medicina em 1946. A mesma idØia – a de
que danos genØticos poderiam causar cânceres – jÆ
havia sido proposta em 1914 pelo biólogo alemªo
Theodor Boveri (1862-1915), ao observar cro-
mossomos anômalos em cØlulas tumorais.
O crescimento da incidŒncia e os avanços na
compreensªo da doença levaram, em dezembro de
1971, o entªo presidente dos Estados Unidos, Richard
Nixon, a declarar guerra contra o câncer, que mata-
va cerca de seis milhıes de pessoas por ano no
mundo. Nos 10 anos seguintes o investimento do
governo norte-americano em pesquisas relaciona-
das ao câncer foi de cerca de US$ 7,5 bilhıes, o que
permitiu intensificar os estudos sobre as bases
moleculares da genØtica dos cânceres.
As questıes sobre a participaçªo dos vírus na
formaçªo de tumores só viriam a ser respondidas no
final dos anos 70, quando se alcançou uma com-
preensªo detalhada da origem evolutiva dos genes
virais causadores de câncer (oncogŒnicos). Isso acon-
teceu a partir dos estudos do gene oncogŒnico do
vírus do sarcoma de Rous (batizado de v-src). Os
biólogos J. Michael Bishop e Harold Varmus, da
Universidade da Califórnia (em San Francisco), usa-
ram uma cópia do v-src para ‘pescar’ DNA celular de
diferentes animais, e tiveram uma grande surpresa ao
encontrar genes celulares homólogos (c-src) aos genes
v-src no DNA de diferentes animais (galinha, peixes,
mamíferos e mesmo a mosca Drosophila).
Logo depois, foram encontrados genes celulares
homólogos de outros genes virais oncogŒnicos. Es-
ses genes – seqüŒncias conservadas durante a evolu-
çªo das espØcies, passando dos animais primitivos
para os seus sucessores – foram denominados proto-
oncogenes ou oncogenes celulares (c-onc).
No início dos anos 80, o pesquisador japonŒs
Hidesaburo Hanafusa descobriu, em pesquisas na
Universidade Rockefeller (Estados Unidos), que re-
trovírus (vírus de RNA) com seu genoma incompleto
(defectivo) podiam produzir tumores em animais.
Esses vírus foram isolados dos tumores e verificou-se 4
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qüŒncia do DNA, pela transferŒncia (translocaçªo)
do gene para outro local do genoma (aproximando-
o de uma seqüŒncia promotora forte), ou por am-
plificaçªo do gene (a formaçªo de cópias mœltiplas
desse gene). Resumindo, podemos dizer que de al-
guma maneira o gene passa a ser expresso de forma
tumor infantil, o retinoblastoma, que se forma a
partir da mutaçªo de cØlulas da retina. Nesse cân-
cer, a malignidade resulta da ausŒncia de qual-
quer cópia funcional do gene retinoblastoma (Rb).
JÆ que apenas uma cópia funcional seria capaz de
inibir a formaçªo do câncer, o gene foi entªo cha-
mado de antioncogene. Posteriormente, muitos
oncogenes que atuam de modo semelhante foram
descritos. Hoje, os antioncogenes sªo mais conhe-
cidos como genes supressores de tumor.
O retinoblastoma ilustra tambØm o chamado mo-
delo de dois passos de mutaçªo para o desenvol-
vimento do tumor. As crianças que desenvolvem a
forma familial da doença herdam uma cópia nor-
mal do gene Rb de um dos pais e uma cópia defeitu-
osa do outro. Depois, uma mutaçªo espontânea na
cópia normal, durante o desenvolvimento das cØlu-
las da retina, resulta em cØlulas tumorais, com ausŒn-
cia total de genes Rb funcionais – nesse caso, a doença
geralmente se manifesta nos dois olhos. O retinoblas-
toma pode ocorrer tambØm na forma esporÆdica
alterada, em maior quantidade ou em um mo-
mento em que nªo deveria estar sendo expresso.
Dentro dos esforços para tentar entender o cân-
cer, muitas pesquisas envolvendo a fusªo de cØlu-
las normais com cØlulas cancerosas foram realiza-
das. Em 1960, por exemplo, o geneticista australia-
no Henry Harris, trabalhando na Universidade de
Oxford Brookes (Inglaterra) fundiu cØlulas normais
e tumorais de camundongo e nªo observou forma-
çªo de tumores quando tais cØlulas foram inocula-
das em animais sadios. Com ba-
se nesse resultado, ele sugeriu
que cØlulas normais contŒm ge-
nes cujos produtos tŒm a habili-
dade de suprimir a proliferaçªo
descontrolada das cØlulas.
A idØia de Harris foi compro-
vada em 1987, quando se desco-
briu um tipo diferente de on-
cogene, envolvido em um raro
Uma diferença fundamental entre os dois tipos
da doença está nas células germinativas: na for-
ma esporádica (5), tais células terão duas có-
pias normais do gene Rb, enquanto na forma
familial (10) elas apresentarão uma cópia
mutada desse gene.
São herdadas dos pais uma có-
pia normal e outra mutada do
gene Rb (6 e 7), e nesse caso uma
eventual mutação na outra cópia
desse gene em uma célula da re-
tina em formação (8) levará ao
surgimento de células tumorais
(9), com a doença se manifestan-
do em geral nos dois olhos.
Duas cópias normaisdo gene Rb são herdadas dos pais (1 e 2), e a
primeira mutação (XXXXX) inativa uma das cópias em uma célula da retina
em formação (3); uma mutação da outra cópia do gene (4) leva à perda
do controle sobre o crescimento celular, resultando em células tumorais,
com a doença se manifestando em geral em apenas um dos olhos.
Figura 1. Mutações no gene Rb em retinoblastoma esporádico e familial
Figura 2. O acúmulo de mutações no material genético pode levar uma célula normal a se tornar cancerosa:
uma célula sadia pode sofrer mutação (XXXXX) em um proto-oncogene (1), proliferando de forma não controlada,
gerando células pré-cancerosas, e estas podem sofrer mutações em outros proto-oncogenes (2) e em genes
supressores de tumor (3), originando células cancerosas, com potencial de formar tumores
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(nªo familial). Nesse caso, a criança herda duas có-
pias normais do gene Rb, e durante a formaçªo das
retinas uma cØlula sofre mutaçªo em uma das có-
pias e, mais tarde, uma cØlula descendente dessa
tambØm tem a outra cópia mutada (figura 1). Nesse
caso, a doença se manifesta, em geral, em apenas
um olho, jÆ que a probabilidade de os dois eventos
de mutaçªo acontecerem na mesma cØlula Ø baixa.
A existŒncia de proto-oncogenes e de genes
supressores de tumor sugere um elaborado sistema
de controles positivo e negativo que mantØm a
multiplicaçªo celular dentro dos limites normais.
Uma terceira categoria de genes tem sido ainda
apontada como capaz de originar cânceres: os genes
de reparo. Tais genes tambØm sªo classificados co-
mo supressores de tumor, uma vez que os dois ale-
los (as duas cópias do gene) tŒm que estar mutados
para que o tumor seja ativado. Os genes de reparo
sªo os responsÆveis pelo conserto de eventuais da-
nos no DNA. Portanto, quando eles nªo estªo atuan-
do, devido a mutaçıes, qualquer lesªo ocorrida em
proto-oncogenes e em genes supressores de tumor
tem maior chance de nªo ser corrigida, o que darÆ
origem, nos dois casos, a cØlulas potencialmente tu-
morais. Essas mutaçıes genØticas acumulam-se nas
cØlulas atØ que estas perdem o controle sobre sua
proliferaçªo, originando um tumor (figura 2).
Crescente possibilidade de cura
A cØlula trilha caminhos que podem levar a pelo
menos trŒs destinos: a proliferaçªo, a nªo-prolifera-
çªo (diferenciaçªo) ou a morte celular programada
(apoptose). O equilíbrio entre as trŒs categorias de
genes jÆ citadas Ø que comanda a escolha que a
cØlula farÆ.
Para explicar o processo, resumidamente, pode-
mos usar como exemplo o papel do gene supressor
de tumor p53 nessa escolha. O gene p53 tem esse
nome porque produz uma proteína (tambØm deno-
minada p53) com peso molecular de 53 kilodÆltons
(kDa) – o dalton Ø uma unidade de massa, equivalen-
te a 1/12 da massa do carbono-12, usada em biologia
molecular. Mutaçıes no gene p53 parecem estar
envolvidas em cerca de 50% dos tumores, incluindo
câncer de mama, cØrebro, fígado, pulmªo, bexiga e
sangue, alØm do câncer colorretal.
O produto protØico normal do gene p53 reprime
a proliferaçªo celular, que por sua vez Ø ativada
pelos proto-oncogenes. Quando ocorrem lesıes no
DNA, esse gene ativa o sistema de morte celular
programada, caso os genes de reparo nªo tenham
funcionado de modo adequado, consertando o er-
ro. No entanto, na ausŒncia de pelo menos uma
cópia normal de p53, a cØlula nªo entra em apopto-
se e poderÆ eventualmente transmitir a alteraçªo
genØtica que sofre para as cØlulas-filhas e dar iní-
cio à formaçªo de um tumor (figura 3).
Os avanços das pesquisas sobre a natureza genØ-
tica do câncer foram enormes nas œltimas dØcadas,
mas as terapias gŒnicas ainda nªo sªo uma realida-
de acessível para a maioria. A possibilidade de cura,
ou seja, de erradicaçªo da doença, Ø crescente hoje
em dia, mas ainda depende principalmente do diag-
nóstico precoce, aliado aos tratamentos (cirœrgicos,
químicos e radiológicos) cada vez mais eficazes.
Esse quadro poderÆ mudar muito nos próximos anos,
pois o conhecimento do genoma humano possibili-
tarÆ a identificaçªo rÆpida e eficiente de todos os ge-
nes mutantes das cØlulas tumorais, abrindo caminho
para a identificaçªo do potencial oncogŒnico antes
que este se manifeste e para terapias mais diretas e
específicas contra as cØlulas mutantes. 
 n
Sugestões
para leitura
GRIFFITHS, J. F.;
MILLER, J. H.;
SUSUKI, D. T. &
LEWONTIN, R. C.
‘Cancer as a genetic
disease’, in An
introduction to
genetic analysis,
Nova York, W. H.
Freeman, 2000.
VARMUS, H. &
WEINBERG, R. A.
Genes and the
biology of cancer,
Nova York,
W. H. Freeman
(Scientific American
Library), 1993.
WEINBERG, R. A.
‘How cancer arises’,
in Scientific American,
275(3), p. 32,
1996.
WEINBERG, R. A.
Uma célula renegada
– como o câncer
começa,
Rio de Janeiro,
Ciência Atual Rocco,
2000.
Figura 3. Papel do gene supressor de tumor p53 no equilíbrio da célula entre proliferação,
não-proliferação e morte celular
Se a lesão no DNA ocorre em uma
célula com o gene p53 mutado,
não funcional, a morte celular não
é induzida e a célula pode se mul-
tiplicar, transmitindo essa lesão.
Isso pode originar células cance-
rosas, levando à formação de um
tumor.
A ocorrência de lesões
no DNA ativa o gene p53,
que induz a apoptose,
ou morte celular progra-
mada, impedindo a pro-
liferação.

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