Buscar

Mitocondria_(ATP_calor_e_morte_celular)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

16 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 34 • nº 199
F I S I O P A T O L O G I A
O papel da mitocôndria no metabolismo e na produção de energia pelas
células está bem definido, embora muitas reações
envolvidas nos processos de conversão energética e
de transporte de elétrons ainda não estejam esclare-
cidas em nível molecular. Há cerca de três décadas,
acreditava-se que as funções da mitocôndria (figura
1) se limitavam a algumas vias metabólicas, como a
cadeia respiratória (a série de reações bioquímicas
que libera a energia necessária para sintetizar ade-
nosina-trifosfato, ou ATP, a molécula de energia da
célula), a fosforilação oxidativa (a própria síntese de
ATP) e a termogênese (a geração extra de calor) – es-
ta última no chamado tecido adiposo marrom.
A demonstração de que a respiração promove uma
diferença na concentração de prótons (um gradiente
F I S I O P A T O L O G I A
As mitocôndrias são conhecidas
como as ‘usinas de energia’
das células, e seu papel
no metabolismo celular está bem definido.
Estudos recentes vêm demonstrando
a importância da impermeabilidade
da membrana mitocondrial interna
para suas funções (como produzir ATP,
gerar calor em animais hibernantes
e regular a morte celular).
Falhas na permeabilidade seletiva
dessa membrana podem originar
diversas doenças e levar as células à morte,
o que vem atraindo cada vez mais atenção
para essas organelas.
Anibal Eugênio Vercesi
Departamento de Patologia Clínica,
Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas
anibal@unicamp.br
novembro de 2003 • C I Ê N C I A H O J E • 17
F I S I O P A T O L O G I A
�
de prótons) entre o interior da mitocôndria e o espa-
ço que separa suas membranas interna e externa –
gerando um potencial elétrico-químico que a célula
usa como fonte de energia para fosforilar a adenosina-
difosfato (ADP), sintetizando ATP – revelou a impor-
tância da impermeabilidade da membrana interna.
Mesmo prótons só atravessam essa membrana se
transportados por moléculas específicas, e essa ca-
racterística é essencial para a integridade da síntese
de ATP e também para a saúde da célula.
Constatou-se em seguida que a perda dessa
impermeabilidade constitui, em muitas condições
patológicas, um evento-chave no processo de mor-
te celular programada ou acidental – o que fez da
mitocôndria um centro de atenções em estudos de
Figura 1. As mitocôndrias, organelas com DNA próprio,
são as ‘usinas de energia’ das células
fisioatologia. Além disso, as reações de oxidação-
redução (reações redox) envolvidas no transporte de
elétrons durante a respiração celular geram, como
subproduto, espécies reativas de oxigênio, tóxicas a
praticamente todos os componentes das células,
em especial às próprias mitocôndrias, quando a ca-
pacidade antioxidante da célula é deficiente. Tais
espécies (também chamadas de radicais livres)
parecem contribuir para o declínio na capacidade
de produção de energia das mitocôndrias duran-
te o processo de envelhecimento.
No reino animal, a mitocôndria é a única organela
que contém seu próprio DNA, com genes que codi-
ficam para várias moléculas integrantes da cadeia
respiratória e genes que codificam RNA ribossomal
F I S I O P A T O L O G I A
18 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 34 • nº 199
F I S I O P A T O L O G I A
e RNA transportador (tRNA). Mutações nesse DNA
podem induzir doenças mitocondriais com herança
materna que se expressam durante diferentes fases
da vida e que envolvem predominantemente os
músculos e o sistema nervoso, por serem os tecidos
que mais precisam de energia.
Respiração e fosforilação
oxidativa
A cadeia respiratória mitocondrial é composta de
várias proteínas que catalisam (promovem) reações
redox de transferência de elétrons a partir de duas
coenzimas (nicotinamida-adenina-dinucleotídeo, ou
NADH, e flavina-adenina-dinucleotídeo, ou FADH2)
até o oxigênio molecular (figura 2). Grande parte da
energia liberada nessas reações é utilizada para a
fosforilação oxidativa – a síntese de ATP a partir de
ADP e fosfato. Em 1949, logo após o desenvolvimento
de técnicas que permitiram o fracionamento de cé-
lulas, os bioquímicos norte-americanos Eugene
Kennedy e Albert Lehninger (1917-1986) isolaram
mitocôndrias hepáticas e demonstraram que essa
organela é o sítio celular responsável pela síntese de
ATP, associada à oxidação dessas coenzimas.
Essa observação deu origem à fase moderna da
investigação sobre os mecanismos de conversão de
energia em sistemas que consomem oxigênio. Du-
rante cerca de 20 anos houve uma busca infrutífera
por um suposto intermediário químico que seria
responsável pelo acoplamento entre os dois proces-
sos: a respiração e a síntese de ATP. Apesar de evi-
dências crescentes, o papel funcional da membrana
mitocondrial foi ignorado por muitos pesquisado-
res durante essa ‘procura pelo intermediário’.
Em 1961, o bioquímico inglês Peter Mitchell
(1920-1992), baseado na constatação de que a redu-
ção de oxigênio (O2) a água (H2O) pela cadeia respi-
ratória gera um gradiente de prótons (H+) entre o
meio interno (matriz) da mitocôndria e o espaço
entre suas membranas interna e externa, propôs a
teoria quimiosmótica da fosforilação oxidativa. Se-
gundo Mitchell, a passagem de elétrons pela série de
moléculas envolvidas na cadeia respiratória induz
um fluxo de H+ da matriz para o espaço intermem-
branas, desequilibrando a concentração de prótons
nos dois espaços. Esse gradiente (ou potencial)
eletroquímico de H+ seria o ‘intermediário’ rico em
energia que acoplaria a respiração à fosforilação.
Assim, o fluxo de H+ de volta ao interior da mito-
côndria, visando restabelecer o equilíbrio, fornece-
ria a energia necessária para a fosforilação do ADP.
Esse potencial eletroquímico de H+ (�µH+) tem
um componente elétrico (��, mais negativo interna-
mente) que atinge cerca de 180 milivolts (mV) no
estado de repouso, e um componente químico (�pH,
mais alcalino internamente) que oscila de zero a 0,5
unidade de potencial hidrogeniônico (pH). A enzima
ATP-sintetase promove o retorno dos H+ à matriz e
aproveita a energia liberada do potencial protônico
para fosforilar o ADP. Essa proteína é formada por
Figura 2. Esquema simplificado da cadeia respiratória,
sistema de transporte de elétrons (e-) que ocorre
nas mitocôndrias: os prótons (H+) levados da matriz
para o espaço intermembranas pelas chamadas
‘bombas redox’ situadas na membrana interna,
fornecem — quando retornam à matriz — energia
para a produção de ATP, a molécula armazenadora
de energia das células
Espaço entre
as membranas
Membrana
interna
Matriz
2e-
2e-
2e-
2e-
2e-
2e-
2e-
NADH-
NAD+
4H+
4H+
2H+
FAD
2
NADH
FADH
2
2
H O
deidrogenase
Citocromo -c-
Citocromo -c-
Citocromo c
redutase
oxidase
Ubiquinona
(coenzima Q)
+O + 2H1 2
novembro de 2003 • C I Ê N C I A H O J E • 1 9
F I S I O P A T O L O G I A
duas regiões bem distintas: o fator F1 (solúvel, loca-
lizado na matriz) e o fator F0 (hidrofóbico, que atra-
vessa a membrana interna da mitocôndria, onde
também se situam os componentes da cadeia respi-
ratória). O fator F1 contém os sítios ativos (locais de
ligação com as moléculas participantes de uma rea-
ção – nesse caso, ADP e fosfato inorgânico) e é com-
posto por trechos distintos: três subunidades �, três
�, uma �, uma � e uma �. As três últimas estão en-
volvidas na interação entre F1 e F0 e os três sítios ativos
são formados por aminoácidos das subunidades � e
�. O fator F0 constitui o canal para a passagem de H
+
e é composto por três tipos de subunidades(figura 3).
Um gradiente eletroquímico entre os dois lados de
uma membrana é um elemento central no aprovei-
tamento de energia em sistemas biológicos. Esse
mecanismo é fundamental na evolução dos seres
vivos, já que ocorre tanto na fosforilação oxidativa em
mitocôndrias (seres aeróbicos) quanto na síntese
fotossintética de ATP em cloroplastos (vegetais e
cianobactérias, por exemplo). Além disso, esse gra-
diente pode ser usado diretamente para processos
mitocondriais que requerem energia, como o trans-
porte de vários cátions (íons positivos), por exemplo,
que penetram na mitocôndria em resposta ao poten-
cial negativo interno.
O gradiente eletroquímico de H+ pode também
ser consumido, sem síntese de ATP, dissipando sua
energia na forma de calor. Isso caracteriza o que é
chamado de ‘desacoplamento’ entre a respiração e a
fosforilação oxidativa: os prótons ejetados do meio
interno da mitocôndria pela respiração retornam a
ele sem passar pelo canal F0 da ATP-sintetase, passo
essencial para a fosforilação do ADP. Um ‘curto-
circuito’ desse tipo foi evidenciado por estudos do
biólogo inglês David Nicholls e seu grupo em mi-
tocôndrias de tecido adiposo marrom, existente em
animais hibernantes e mamíferos recém-nascidos, e
responsável pela geração de calor (termogênese) por
mecanismo independente de tremor. Em animais
com termogênese estimulada por exposição ao frio,
o tecido adiposo marrom respira a uma velocidade
até 50 vezes maior que a de uma massa equivalente
de tecido hepático.
A elucidação das bases moleculares dessa alta
velocidade respiratória começou com a identifica-
ção de uma proteína de 32 kilodaltons (kDa), presen-
te na membrana mitocondrial interna, que promove
o retorno de H+ à matriz. A quantidade dessa proteína
desacopladora (uncoupling protein, UCP) nas mito-
côndrias do tecido adiposo marrom pode dobrar,
dependendo do estresse térmico a que o animal é
submetido cronicamente. O retorno de prótons à
matriz mitocondrial, através da UCP, estimula a
respiração e gera calor, dando a esse tecido a capaci-
dade de termogênese.
Proteínas
desacopladoras (UCPs)
A UCP é ativa em mitocôndrias recém-isoladas, mas
sua atividade é inibida pela adição de nucleotídeos
derivados de guanina ou adenina, como guanosina-
difosfato ou trifosfato (GDP ou GTP) e adenosina-
difosfato ou trifosfato (ADP ou ATP). Estes se ligam
à UCP com alta afinidade, reacoplando a respiração
à fosforilação. Assim, tais nucleotídeos atuam como
reguladores fisiológicos do processo de termogênese.
A regulação da atividade da UCP é complexa.
Além de ser inibida por nucleotídeos de guanina e
adenina, essa proteína é ativada por ácidos graxos
livres, que também participam do processo de termo-
gênese. Assim, o desacoplamento depende da pre-
sença simultânea de níveis significativos de UCP e
de ácidos graxos livres. Tais ácidos graxos exercem
duplo papel na bioenergética: atuam como substra-
tos para a respiração e ainda como reguladores do
acoplamento entre respiração e a fosforilação.
Esse duplo efeito de ácidos graxos sobre a ter-
mogênese permite que animais como os ursos man-
tenham sua temperatura em cerca de 35oC durante
os vários meses de hibernação. No período anterior
à hibernação, os ursos armazenam ácidos graxos,
na forma de gordura. Sob estímulo do frio, eles são �
Figura 3. Componentes estruturais da enzima ATP-sintetase,
situada na membrana interna da mitocôndria e responsável
pela síntese de adenosina-trifosfato (ATP), usando
para isso a energia dos prótons (H+) que a atravessam
F1
H+
H+
F0
Matriz
Espaço entre
as membranas
Membrana interna
da mitocôndria
ATP
ADP + P1
�
� �
�
�
�
20 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 34 • nº 199
F I S I O P A T O L O G I A
empregados como combustíveis na respiração e co-
mo ativadores da UCP na hibernação. Nesse perío-
do, também ocorre aumento dos níveis de UCP por
indução hormonal.
Até meados dos anos 90, a UCP só havia sido
identificada no tecido adiposo marrom. Por isso, foi
proposto que ela seria uma aquisição evolutiva tar-
dia e especializada dos mamíferos. Entretanto, aná-
lises detalhadas do controle respiratório em mito-
côndrias de plantas, bem como o efeito acoplador de
albumina de soro bovino (BSA) e ATP, levaram o
bioquímico inglês Andrew Beavis e o autor deste
artigo a propor a existência de um fator semelhante
à UCP em plantas. Em seguida, uma proteína de cerca
de 32 kDa foi isolada de mitocôndrias de batata no
laboratório do autor, com o mesmo procedimento
usado para isolar a proteína desacopladora de tecido
adiposo marrom.
Outros estudos do autor, em colaboração com os
bioquímicos Iolanda Cuccovia e Herman Chaimovich,
da Universidade de São Paulo, demonstraram que
essa proteína, batizada pelos autores como plant
uncoupling mitochondrial protein (PUMP), aumenta
a condutividade a prótons em vesículas artificiais
(lipossomas) e em todas as mitocôndrias de plantas
estudadas até o momento, tal qual a UCP das mitocôn-
drias de mamíferos. No laboratório do biólogo Paulo
Arruda, na Universidade Estadual de Campinas, essa
proteína foi clonada e expressa em Escherichia coli.
A proteína recombinante isolada de E. coli foi incor-
porada em lipossomas, onde apresentou as mesmas
propriedades da proteína natural de batata.
A descoberta da PUMP derrubou a tese de que
uma proteína desacopladora seria uma aquisição
evolutiva de mamíferos, só expressa em tecido
adiposo marrom, e estimulou a procura de outras.
Hoje, são conhecidas cinco proteínas desse tipo em
mamíferos (UCPs 1 a 5), seis em plantas e outras em
fungos, tripanossomas, amebas, peixes e aves. Até o
momento, a única com função termogênica es-
tabelecida é a UCP1, nome atual da proteína desa-
copladora do tecido adiposo marrom.
A UCP2 é expressa em mitocôndrias de vários
tecidos humanos, em especial os ricos em macrófa-
gos (células do sistema imune), e estudos indicam
que exerce um papel importante no diabetes melli-
tus. O gene que a codifica situa-se no cromossomo
11 do homem e no cromossomo 7 de camundongos,
em regiões associadas com a hiperinsulinemia (ex-
cesso de insulina no sangue) e obesidade. A UCP3
é expressa em mitocôndrias de músculo esqueléti-
co. Sua superexpressão induz emagrecimento e
hiperfagia (estado de fome permanente) em ca-
mundongos normais. As UCPs 4 e 5 são expressas
no cérebro e suas funções ainda são pouco conhe-
cidas. O estudo bioquímico e funcional dessas UCPs
é dificultado pela pequena quantidade encontra-
da nos tecidos onde são expressas.
Ativação das UCPs
por ácidos graxos
A estrutura da UCP1 sugere que ela não poderia
transportar prótons através da membrana da mito-
côndria, por não conter grupos carboxila COO2- (on-
de os prótons se ligam). Assim, esse transporte exi-
ge a participação de outra molécula que contenha
tais grupos. O modelo proposto pelo bioquímico
alemão Martin Klingenberg diz que esses ‘auxiliares’
seriam ácidos graxos, que se ligariam às UCPs e
disponibilizariam seus grupos carboxila ao longo
Figura 4. Modelo do retorno de prótons (H+) para a matriz
mitocondrial, com a ajuda de ácidos graxos (wwwwwCOO-) que se ligariam
à proteína desacopladora (UCP), representada como um retângulo
na membrana interna da mitocôndria
Figura 5. Modelo do transporte de prótons em que o ácido graxo ligado
ao próton (wwwwwCOOH) atravessa livremente a membrana da mitocôndria
para a matriz, onde perde o próton e retorna ao espaço intermembranas
na forma aniônica (wwwwwCOO-) através da UCP
2CO
2CO
2CO
Membrana
interna
Espaço
intermembranas+
UCP UCP Membrana
interna
+H
+H
His His
MatrizCOOH
COOH
COOH
Membrana
interna
Espaço
intermembranas+
Matriz
UCP UCP Membrana
interna
+
+
H
H
COO
COO
COOH
COOH
novembro de 2003 • C I Ê N C I A H O J E • 2 1
F I S I O P A T O L O G I A
�
do trajeto dos prótons (figura 4).
Outro modelo, proposto pelo bio-
químico Keith Garlid, sugere
que as UCPs não transportam di-
retamente os H+, mas sim ânions
de ácidos graxos. Essa proposta te-
ve como base estudos do bioquí-
mico russo Vladimir Skulachev,
em que foi demonstrado que os
ácidos graxos protonados pe-
netram rapidamente através da
membrana mitocondrial, sem a
ajuda de um transportador. Após
dissociação do H+ na matriz alca-
lina, os ânions (que, por ter car-
ga, não passam diretamente pe-
la membrana) retornam ao meio
externo com a ajuda do carreador
de nucleotídeos de adenina (ADP
e ATP) presente na membrana
mitocondrial interna.
Esse carreador, na ausência de
seus substratos específicos (ADP
e ATP), transporta ácidos graxos
UCPs pode estimular de forma significativa a res-
piração e em conseqüência o catabolismo (degra-
dação de nutrientes, como proteínas, ácidos gra-
xos, glicose etc.). Essa talvez seja uma das funções
das UCPs 2, 3 e 4, bem como das UCPs de plantas,
muito menos abundantes que a termogênica UCP1.
O desacoplamento (redução do gradiente de pró-
tons sem síntese de ATP) pode também diminuir
a produção mitocondrial de oxigênio reativo, como
descrito a seguir.
Produção de oxigênio
reativo pela mitocôndria
Na cadeia respiratória, o oxigênio é normalmente
reduzido a água em quatro passos consecutivos de um
elétron. A citocromo-c-oxidase, enzima altamente
especializada nesse processo, liga-se fortemente ao
oxigênio parcialmente reduzido e não o libera an-
tes de sua redução total. Assim, a produção do tóxi-
co radical superóxido (O2
.-) por essa redução do O2
é praticamente nula. No entanto, de 1% a 2% do
oxigênio consumido pela mitocôndria é convertido
‘indevidamente’ a O2
.- em passos intermediários da
cadeia respiratória (na altura da NADH-desidro-
genase ou da coenzima-Q).
Como esse processo gera O2
.- continuamente, a
mitocôndria possui um eficiente sistema antioxi-
dante, que envolve várias enzimas e outros com-
Figura 6.
No sistema
antioxidante
mitocondrial,
os radicais
tóxicos O
2
.-
gerados
na cadeia
respiratória são
neutralizados
por uma série
de reações
de oxidação-
redução,
que têm como
resultantes
moléculas
de água
e o composto
NAD+
negativamente carregados (ânions) para fora da
matriz mitocondrial, onde o meio é mais ácido e eles
se protonam novamente. A saída dos ânions ocor-
re devido à atração exercida pelo potencial positivo
de prótons no espaço intermembranas (transporte
eletroforético). Os ácidos graxos, novamente pro-
tonados, voltam ao interior da mitocôndria (atra-
vessando diretamente a membrana) atraídos pelo
pH alcalino da matriz. Cada um desses ciclos de
entrada do ácido graxo protonado e saída do ânion,
deixando o H+ na matriz, resulta no transporte de um
próton (H+) para a matriz mitocondrial. Baseando-se
nesses dados, Keith Garlid e colaboradores testaram
e comprovaram a hipótese de que as UCPs, análogos
estruturais do carreador de ATP e ADP, são verdadei-
ros transportadores de ânions de ácidos graxos, e pro-
movem o desacoplamento entre a respiração e a fos-
forilação oxidativa ao fazer o transporte indireto de
H+ para o interior da mitocôndria através do movi-
mento de entrada/saída de ácidos graxos (figura 5).
O aumento da passagem de H+ através da mem-
brana mitocondrial interna, mediado pelas UCPs,
reduz o potencial de membrana apenas o suficiente
para que possa haver ao mesmo tempo produção de
ATP e de calor. Na verdade, a eficiência da fosfori-
lação oxidativa diminui (menor número de molé-
culas de ADP fosforiladas, em relação ao de molé-
culas de oxigênio consumidas). A quantidade de
calor liberado depende da quantidade de UCPs e
de mitocôndrias nos tecidos e pode não ser o bas-
tante para caracterizar termogênese. No entanto,
uma leve redução do potencial de membrana pelas
Espaço
intermembranas
Matriz
Membrana
interna
1P
2+Ca
+NADP
NADH +NAD
NADPH
2 2H O
+H
Cadeia
respiratória
TH
Transidro-
genase
MnSO
D
2H O
2H O 2O+
Catalase
GPx / TPx
GR / TR
2GSH/TSH GSSG/TSST
2O
•
22 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 34 • nº 199
F I S I O P A T O L O G I A
postos (vitaminas C e E, por exemplo). Nesse sistema,
o O2
.- é ‘capturado’ pela superóxido-dismutase
(MnSOD) e usado para formar peróxido de hidro-
gênio (H2O2). Também tóxico, o H2O2 é detoxificado
pela glutationa-peroxidase (GPx) e pela tioredoxi-
na-peroxidase (TPx), ou pela catalase (esta só em
mitocôndrias do coração). As formas da glutationa
(GSH) e da tioredoxina (TSH) oxidadas nessa reação
(GSSG e TSST, respectivamente), são novamente
reduzidas por suas respectivas redutases (GR e TR),
às custas da conversão de NADPH a NADP+ (forma
fosforilada da coenzima NADH). O NADP+ resultan-
te é regenerado pela NAD(P)-transidrogenase (si-
tuada na membrana da mitocôndria), às custas da
oxidação da NADH (figura 6), que também é substra-
to inicial da cadeia respiratória, gerando NAD+. Este
último é regenerado novamente a NADH por várias
reações que ocorrem na matriz mitocondrial (prin-
cipalmente reações do chamado ciclo de Krebs).
Quando a geração mitocondrial de O2
.- está au-
mentada, ou o sistema antioxidante está enfraque-
cido, o H2O2 pode se acumular, levando a um estres-
se oxidativo. Nessa situação, o H2O2 pode reagir
com íons ferro (Fe2+) presentes na matriz, levando à
formação do radical hidroxil (HO·). Todas as pro-
teínas desacopladoras inibem essa geração de es-
pécies reativas de oxigênio nas mitocôndrias, por-
que, ao desacoplar a fosforilação da respiração, a
velocidade desta última aumenta. Com isso, a uti-
lização da coenzima-Q (ubiquinona) e do oxigênio
molecular é mais rápida, reduzindo a chance de a
primeira doar um elétron diretamente ao segundo,
gerando O2
-.
De fato, folhas de plantas transgênicas de tabaco
que superexpressam a proteína PUMP mostraram-se
mais resistentes que as de plantas-controle ao estres-
se oxidativo induzido pela exposição a H2O2. Tais
resultados estão de acordo com a constatação, em
outros estudos, de que tanto a UCP3 quanto a PUMP
são estimuladas em condições de estresse oxidati-
vo. Esse possível papel das proteínas desacoplado-
ras na regulação da produção de radicais de oxigê-
nio em mitocôndrias levou, nos últimos anos, a uma
intensa busca de evidências sobre sua participação
nos mecanismos de proteção contra a morte celular
associada ao estresse oxidativo.
Estresse oxidativo
mitocondrial
O íon cálcio (Ca2+) parece ser o principal agente
estimulador da geração de radicais livres de oxigê-
nio em mitocôndrias, acumulando-se no interior
destas por um processo eletroforético: o íon, positivo,
é atraído pelo potencial interno negativo (devido à
saída de prótons). Quando atinge alta concentração,
o Ca2+ liga-se, na face da membrana interna voltada
para a matriz, ao fosfolipídeo cardiolipina (respon-
sável pela fixação de várias proteínas da cadeia
respiratória nessa membrana). Essa ligação causa al-
terações da cadeia respiratória que facilitam a pro-
dução de O2
.-, e portanto de H2O2. Ao mesmo tempo,
o Ca2+ disponibiliza outro íon (Fe2+) na matriz (ao
tomar o lugar dele em certos compostos), e o Fe2+
estimula a produção do radical hidroxil (HO·), capaz
de destruir proteínas, lipídeos e DNA mitocondriais.
Os radicais de oxigênio peroxidam ácidosgraxos
poliinsaturados, componentes da membrana mito-
condrial. O fosfato inorgânico, quando em altas con-
centrações, realimenta o processo, pois estimula a
formação de espécies reativas a partir de aldeídos
resultantes da peroxidação dos ácidos graxos poliin-
saturados, e essas espécies multiplicam os danos à
membrana. Assim, a mitocôndria constitui o princi-
pal sítio de produção de oxigênio reativo e, em con-
dições de estresse oxidativo, pode ser também o prin-
Figura 7. O poro de transição de permeabilidade surge
na membrana quando cresce a geração de superóxido (O
2
.-),
induzida pelo íon cálcio (Ca2+) e por fosfato inorgânico (P
i
),
causando acúmulo (não controlado) de peróxido de
hidrogênio (H
2
O
2
) – este, na presença do íon ferro (Fe2+),
gera o hidroxil (OH.), que oxida grupos protéicos tiólicos
(-SH) e leva à abertura do poro (e que também pode
permeabilizar a membrana pela peroxidação dos lipídeos
que a compõem, sob estímulo do fosfato inorgânico)
Espaço
intermembranas
Mecanismos
antioxidantes
enfraquecidos
Poro de transição
de permeabilidade (TPM)
Oxidação de lipídios
(permeabilização
da membrana)
Matriz
Membrana
interna
Pi
Pi
2+
2+
Ca
Fe
HS
SH
HO
•
Cadeia
respiratória 2O
• MnSOD
2 2H O
novembro de 2003 • C I Ê N C I A H O J E • 23
F I S I O P A T O L O G I A
Sugestões
para leitura
DEMEIS, L.
(Ed. científico)
& Rangel, D.
(Ed. artístico).
A mitocôndria
em 3 atos
(CD-Rom),
Rio de Janeiro,
Universidade
Federal do Rio
de Janeiro, 2000.
KOWALTOWSKI, A.;
CASTILHO, R.F.
& VERCESI, A.E.
‘Mitochondrial
permeability
transition and
oxidative stress’,
in Federation
of European
Biochemical
Societies Letters,
v. 495 (1-2),
p. 12, 2001.
KROEMER, G. & REED,
J. C. ‘Mitochondrial
control of cell
death’, in Nature
Medicine, v. 6,
p. 513, 2000.
NELSON, D.L. & COX,
M.M. Lehninger
Principles of
Biochemistry
(3ª Edição),
Nova York, Worth
Publishers, 2000.
cipal alvo dos danos causados por esses radicais.
Como a membrana mitocondrial interna é rica em
proteínas, estas se tornam um dos principais alvos
das espécies reativas geradas. O radical hidroxil,
principalmente, oxida resíduos SH de aminoácidos
cisteína de proteínas vizinhas, formando ligações
dissulfeto (S-S) entre essas proteínas. Isso leva à pro-
dução de agregados protéicos de alto peso molecular
que provocam uma permeabilização não específica
dessa membrana (figura 7), conhecida como ‘transi-
ção de permeabilidade mitocondrial’ (TPM). Nesse
caso, a membrana interna torna-se aos poucos per-
meável a prótons, íons e até a pequenas proteínas.
Essa permeabilização depende da presença de
Ca2+ no espaço intramitocondrial e é inibida pelo
imunossupressor ciclosporina A, que se liga à pro-
teína ciclofilina, componente essencial do agregado
protéico que forma o poro da TPM, e previne a aber-
tura deste. O termo ‘transição’ é usado porque a per-
meabilização pode ser parcialmente revertida, logo
após o início do processo, pela adição de quelantes
de Ca2+ (compostos que se ligam fortemente a esse
íon) ou de redutores que evitam a oxidação de gru-
pos protéicos tiólicos (-SH). A formação do poro po-
de ser estimulada por compostos capazes de aumen-
tar o estresse oxidativo mitocondrial: fosfato inor-
gânico, oxidantes de nucleotídeos de piridina e de
grupamentos tiólicos, protonóforos (carreadores de
prótons) e outros.
Há evidências experimentais de que a TPM seria
um evento essencial no processo de morte celular,
por apoptose ou por necrose. O aumento prolonga-
do da concentração de Ca2+ no citossol (meio líquido
do espaço intermembranas e extramitocondrial) e
na matriz mitocondrial pode induzir essa permeabi-
lização. Na morte celular por necrose, o teor de Ca2+
aumenta no citossol por falência dos mecanismos
que promovem a retirada desse íon e a TPM gene-
ralizada leva à falta de ATP, seguida de morte celu-
lar. Na morte por apoptose, a TPM seria um evento
restrito a locais de aumento do Ca2+ liberado de for-
ma regulada pelo retículo sarco-endoplásmico (or-
ganela celular). Nesse caso, a produção do ATP ne-
cessário para esse tipo de morte seria garantida por
outras mitocôndrias não atingidas.
Trabalho recente do biólogo italiano Luca Scor-
rano e colaboradores sugere que a razão entre as
quantidades das proteínas Bcl-2 (antiapoptótica) e
Bax e Bak (pró-apoptóticas) expressas na mitocôn-
dria e no retículo pode decidir a quantidade de
Ca2+ transferida do retículo para a mitocôndria,
explicando a tendência de certas células a sofrer
apoptose. A abertura do poro de TPM facilitaria a
liberação pela mitocôndria de fatores pró-apoptóticos.
A presença desses fatores no citossol ativa protea-
ses (enzimas que degradam proteínas) denomina-
das caspases, que promovem a morte ‘limpa’. Nesse
caso, as células encolhem e se fragmentam, for-
mando os ‘corpos apoptóticos’. No núcleo, a cromati-
na se condensa e o DNA se fragmenta, e esses restos
são absorvidos por células vizinhas. A apoptose é
necessária para a vida de seres multicelulares, pois
elimina células desnecessárias ou disfuncionais,
sem iniciar um processo inflamatório.
Patologia mitocondrial
Em termos genéticos ou fisiológicos, a mitocôndria
é uma organela semi-autônoma. Ela tem seu pró-
prio genoma, que no homem apresenta 37 genes:
dois codificam RNAs ribossomais, 22 codificam
RNAs transportadores e 13 codificam polipeptídeos
que integram alguns componentes da cadeia respi-
ratória e da ATP-sintetase. O DNA mitocondrial
(DNAmt) está ligado à membrana interna e é muito
sensível a lesões oxidativas devido à falta de histo-
nas (proteínas associadas ao DNA ‘normal’ das cé-
lulas) e a mecanismos de reparo incompletos. De fa-
to, a fragmentação desse DNA parece estar associa-
da ao dano mitocondrial que ocorre durante o en-
velhecimento e às condições de estresse oxidativo
descritas acima. Como o DNAmt codifica proteínas
essenciais para a respiração e a fosforilação oxida-
tiva, sua fragmentação leva também a disfunções
e a diversas alterações nessa organela, que resultam
em complexas patologias.
A cadeia respiratória também contém subuni-
dades codificadas pelo DNA do núcleo da célula.
Por isso, patologias mitocondriais também resultam
de erros ou mutações no genoma nuclear. A mito-
côndria e seus genes são sempre herdados da mãe,
através do óvulo (o espermatozóide contribui ape-
nas com seu núcleo para formar o zigoto). Assim, a
mãe pode transmitir mutações do DNAmt a todos os
filhos, mas só as filhas podem repassá-las à sua prole.
Por ter inúmeras mitocôndrias, uma célula pode
conter simultaneamente DNAmt mutado e normal.
Assim, o DNAmt mutado apresenta concentração e
distribuição variável e se expressa diferentemente
de tecido para tecido – as doenças mitocondriais são
mais freqüentes nos músculos e o cérebro, tecidos
com maior demanda bioenergética.
As manifestações clínicas podem aparecer em
diferentes idades, de acordo com a dinâmica das
divisões celulares. Doenças degenerativas do sis-
tema nervoso – como Huntington, Parkinson e
Alzheimer – podem ter seu desenvolvimento deri-
vado de associações entre mutações no DNAmt e
maior produção de espécies reativas de oxigênio
nessas organelas. ■

Outros materiais