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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA - PPGECIM CLAUDIMARA DA SILVA PFIFFER JOGOS COM CONTEÚDOS MATEMÁTICOS PARA OS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL BLUMENAU 2014 CLAUDIMARA DA SILVA PFIFFER JOGOS COM CONTEÚDOS MATEMÁTICOS PARA OS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, pelo Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática do Centro de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Regional de Blumenau. Profª. Drª. TÂNIA BAIER - Orientadora BLUMENAU 2014 Dedico este trabalho a todos os professores amantes dos jogos em aulas de matemática. AGRADECIMENTOS A minha pequena grande família – Maurício, meu esposo, e Letícia, minha filha amada –, pela paciência e dedicação e por compreenderem muitos momentos de minha ausência. Ao meu pai Hélio (in memoriam), responsável pela minha paixão por matemática; e a minha mãe Zeni, pelo carinho, exemplo de vida e torcida por meu sucesso. A minha irmã Lais e aos meus colegas de mestrado, pelo incentivo, conselhos e apoio em todos os momentos. Aos professores Ivan Álvaro dos Santos e Noelly Susana Goedert de Souza, pelo incentivo, confiança e espaço cedido em suas aulas para aplicação dos jogos. À minha amiga Sandra B. Puff, pelas contribuições. Em especial, à professora Drª Tânia Baier, muito mais que orientadora, uma amiga, pela confiança, ensinamentos e compreensão nos momentos difíceis. Agradeço imensamente sua paciência, dedicação e sabedoria que tanto admiro. O homem só é completo quando brinca. Schiller PFIFFER, Claudimara da Silva. Jogos com conteúdos matemáticos para os anos finais do ensino fundamental. Blumenau, 2014. 115F. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemática) – Universidade Regional de Blumenau. RESUMO Esta dissertação apresenta uma pesquisa que se relaciona com o uso de jogos didáticos em aulas de matemática. O jogo é um recurso metodológico proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, podendo ser escolhido pelo professor como uma possibilidade de auxiliar sua prática em sala de aula e na aprendizagem de um conceito novo ou quando há necessidade da revisão de algum conteúdo. A pesquisa teve, como objetivo, apontar a importância do uso de jogos com conteúdo matemático para o Ensino Fundamental. Foram aplicadas a estudantes do Ensino Fundamental de escolas públicas da cidade de Blumenau e a estudantes de Licenciatura em Matemática da FURB, oito atividades elaboradas em forma de tabuleiro, trilha e cartas, para facilitar sua aplicação em espaços pequenos que, por sua vez, constituíram o produto educacional. Os resultados obtidos destacam a importância do ensino de conceitos matemáticos de uma forma mais dinâmica, no caso, por meio de jogos, possibilitando um elo entre estudantes e professor. Constatou-se que os jogos permitem controle da ansiedade, desenvolvimento da autonomia e superação de frustrações causadas pelo erro. Da mesma forma, auxiliam na organização espacial, melhoram a concentração, estimulam o cálculo mental, possibilitam o exercício do cumprimento de regras, proporcionando prazer funcional, socialização e interação entre estudantes e professor. Tais possibilidades pedagógicas podem contribuir para a ação de professores e pesquisadores que atuam em aulas de matemática. Palavras-chave: Jogos Didáticos. Ensino Fundamental. Conceitos Matemáticos. PFIFFER, Claudimara da Silva. Games with math subjects from elementar school. Blumenau, 2014. 115F. Essay (Master in Education of Natural Sciences and Mathematics) – Universidade Regional de Blumenau. ABSTRACT This dissertation is related to the use of didactic games in Math classes. The game is a methodological resourse suggested in the National Curricular Parameters. It could be selected by the teachers as a work possibility, helping them during their classes. The games help the students to learn new concepts and review some subjects. The goal of this research was to point out the importance of the use of games with math subjects from elementary school. Eight games, in the form of board, track and card, were applied to students from Public High Schools in Blumenau and Math Graduation at FURB, in order to facilitate their use in small spaces which, in turn, formed the educational product. The results obtained from the research emphasize the importance of teaching math concepts in a dynamical way, in this case, through games, permitting a link among students and teacher. It was remarked that games can promote anxiety control, development of autonomy and overcoming of the frustrations caused by mistakes. Similarly, they provide aid in the spatial organization, improve concentration, stimulate mental calculation, enable the exercise of compliance with rules and provide functional pleasure, socialization and interaction between students and teacher. Such pedagogical possibilities may contribute to the action of teachers and researchers in Math classes. Key words: Didactic Games. Basic Teaching. Concepts Mathematical. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Jogos aplicados e respectivos conteúdos matemáticos ...........................................36 Figura 2 - Jogo Baralho do discriminante: suas cartas com fórmulas e respostas..................37 Figura 3 - Jogo Baralho do discriminante: estudantes jogando com rascunho.......................42 Figura 4 - Jogo Baralho do discriminante: estudantes jogando sem rascunho........................42 Figura 5 - Jogo Caixinha dos números inteiros ......................................................................46 Figura 6 - Jogo Caixinha dos números inteiros: molde...........................................................47 Figura 7 - Tabela com frações ................................................................................................ 52 Figura 8 - Jogo Pescaria de frações: molde do baralho ......................................................... 53 Figura 9 - Jogo Jogando com critérios de divisibilidade: tabuleiro ....................................... 57 Figura 10 - Jogo Embaralhando potências: aplicação ........................................................... 60 Figura 11 - Jogo Embaralhando potências ............................................................................ 61 Figura 12 - Jogo Embaralhando potências: cartas com as respostas.......................................62 Figura 13 - Jogo Funções de 1º grau e seus gráficos ............................................................. 64 Figura 14 - Jogo Baralho de equação do 2º grau com as respostas........................................70 Figura 15 - Jogo Encontrando o produtonotável....................................................................75 Figura 16 - Jogo Encontrando o produto notável: respostas...................................................75 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 2 A IMPORTÂNCIA DO USO DE JOGOS EM SALA DE AULA .................................. 16 2.1 O SIGNIFICADO DA PALAVRA JOGO NOS DICIONÁRIOS ..................................... 16 2.2 UM BREVE HISTÓRICO DOS JOGOS NA EDUCAÇÃO ............................................. 16 2.3 O USO DE JOGOS: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS .............................................. 18 2.3.1 Rever os limites ............................................................................................................... 19 2.3.2 Controlar a ansiedade ...................................................................................................... 19 2.3.3 Auxiliar na tomada de decisões ...................................................................................... 20 2.3.4 Superar frustrações causadas pelo erro ........................................................................... 20 2.3.5 Auxiliar a organização espacial ...................................................................................... 22 2.3.6 Melhorar a concentração ................................................................................................. 22 2.3.7 Estimular o cálculo mental .............................................................................................. 23 2.3.8 Cumprir regras ................................................................................................................ 24 2.3.9 Prazer funcional .............................................................................................................. 26 2.3.10 Promover a sociabilidade e interação com colegas e professor .................................... 27 2.3.11 Fixação ou revisão de conceitos .................................................................................... 28 2.4 PROFESSOR NO PAPEL DE OBSERVADOR E ORGANIZADOR DOS JOGOS........ 30 3 ATIVIDADES PEDAGÓGICAS: JOGOS PARA AULAS DE MATEMÁTICA ........ 35 3.1 JOGO BARALHO DO DISCRIMINANTE ....................................................................... 36 3.2 JOGO CAIXINHA DOS NÚMEROS INTEIROS ............................................................. 36 3.3 JOGO PESCARIA DE FRAÇÕES ..................................................................................... 51 3.4 JOGO JOGANDO COM CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE ........................................ 56 3.5 JOGO EMBARALHANDO POTÊNCIAS ........................................................................ 59 3.6 JOGO FUNÇÕES DE 1º GRAU E SEUS GRÁFICOS ..................................................... 62 3.7 JOGO BARALHO DE EQUAÇÃO DO 2º GRAU ........................................................... 69 3.8 JOGO ENCONTRANDO O PRODUTO NOTÁVEL......................................................73 3.9 ANÁLISE E RESULTADOS ............................................................................................. 76 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 81 APÊNDICE A ........................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. PRODUTO EDUCACIONAL: CADERNO DO PROFESSORERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 12 INTRODUÇÃO Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), alguns caminhos facilitam o ensino de matemática, além de que “[...] conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é fundamental para que o professor construa sua prática” (BRASIL, 1998, p. 42). Entre essas possibilidades, destacam-se os jogos, foco da pesquisa apresentada nesta dissertação. As atividades com jogos, um dos recursos pedagógicos recomendados nos PCN, estimulam a aprendizagem de conteúdos matemáticos de uma forma mais atrativa e ainda contribuem para ações do cotidiano dos estudantes. Os jogos também oferecem situações por meio das quais os estudantes explicitam com mais naturalidade as suas dificuldades ante conteúdos novos ou conteúdos que necessitam ser revistos pelo professor. Os PCN (BRASIL, 1998, p. 46) apontam o uso de jogos para “[...] a construção de uma atitude positiva perante os erros, uma vez que as situações sucedem-se rapidamente e podem ser corrigidas de forma natural, no decorrer da ação, sem deixar marcas negativas”. No sentido apontado pelos PCN, os jogos são atividades que possibilitam repetir a ação, e o estudante aprende desde cedo a lidar com o êxito ou derrota durante ou ao final de um jogo: Os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de atitudes – enfrentar desafios, lançar-se à busca de soluções, desenvolvimento da crítica, da intuição, da criação de estratégias e da possibilidade de alterá-las quando o resultado não é satisfatório – necessárias para aprendizagem da Matemática. (BRASIL, 1998, p.47). Igualmente os PCN recomendam a utilização de jogos, visto que auxiliam o aprendizado da matemática como linguagem e também a formação cognitiva, emocional, moral e social do estudante. Segundo esse documento, os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas de modo atrativo, oportunizando o exercício da criatividade, a elaboração de estratégias de resolução e a busca de soluções. Além disso, possibilitam a formação de atitude positiva em relação aos erros, uma vez que as situações podem ser corrigidas de forma natural sem deixar marcas negativas. A realização de provas e exercícios, por exemplo, segue um critério definido previamente sobre o certo e o errado, muitas vezes frustrando o estudante. Nos jogos, regras podem ser definidas pelos participantes, 13 ficando a critério do grupo a possibilidade de debate e reorganização, bem como a criação de explicações diversas acerca do porquê de determinada regra. A utilização de jogos permite ao professor avaliar o entendimento do estudante em relação ao processo do jogo, assim como o autocontrole e o bom relacionamento com os colegas, sua facilidade de construir uma estratégia potencialmente vencedora, sua capacidade de descrever o procedimento seguido e a maneira de atuar e também avaliar sua capacidade de comparar suas previsões ou hipóteses (BRASIL, 1998). Há, porém, professores que criticam a utilização de jogos como ferramenta de ensino, talvez pela crença equivocada de que o ensino matemático apenas possa acontecer mediante a realização de exercícios repetitivos. Igualmente há aqueles que, para o entendimento de conceitos e fórmulas, utilizam diversos recursos disponíveis, como, por exemplo, laboratório de informática, resolução de problemas, projetos educacionais e história da matemática. Há outros, ainda, que, em relação ao aprendizado de conteúdos matemáticos, manifestam insatisfação a qual, por sua vez, os leva a investigar recursos didáticos diferenciados, como, por exemplo, os jogos. Para aprender, o estudante precisa desenvolver ações tais como: relacionar, classificar, conhecer, experimentar, ordenar, comparar, agir e visualizar. Diante dessas ações e do exposto, surgiu a seguinte questão: Como trabalhar os conteúdos matemáticos de modo lúdico? Esse questionamento, juntamente com a participação que se teve em uma Feira de Matemática no município de Blumenau, com jogos sobre números inteiros, todos confeccionados na cor preta e vermelha para simbolizar os números positivos e negativos,foi um dos fatores que levou à escolha do tema da pesquisa ora apresentada: uso de jogos em aulas de matemática. Sobre a Feira de Matemática, se constatou que as crianças que visitaram o estande onde estavam sendo apresentados os jogos possuíam dúvidas em relação ao entendimento do conteúdo, e muitas queriam conhecer as regras dos jogos. Além disso, alguns professores e diretores de escolas que visitavam a Feira solicitaram o arquivo dos jogos, pois tinham interesse em colocar à disposição das crianças que frequentavam as escolas nas quais atuavam. A pesquisa, caracterizada como sendo de abordagem qualitativa, teve como objetivo apontar importância do uso de jogos com conteúdo matemático na revisão de algum conteúdo ou como atividade de reforço. 14 O jogo é considerado uma atividade lúdica e, se planejada e mediada pelo professor, auxilia na compreensão de conceitos matemáticos. O uso de jogos é adequado quando o professor necessita revisar algum conteúdo e não pretende elaborar longas listas de exercícios. Moura (1992, p. 53) define “[...] o jogo pedagógico como aquele adotado intencionalmente de modo a permitir tanto o desenvolvimento de um conceito matemático novo como a aplicação de outro já dominado”. Dessa forma, o professor pode perceber a importância do jogo, o momento em que deve ser realizado e o tempo gasto, como também analisar quais foram as situações vivenciadas pelos estudantes e, ainda, promover o debate sobre as dificuldades que surgiram. Os PCN (1998, p. 46) indicam que “[...] a prática do debate permite o exercício da argumentação e a organização do pensamento”, podendo, consequentemente, auxiliar o aprendizado do conteúdo proposto. Em síntese, vários jogos contribuem em diversos aspectos: respeito às regras, concentração, socialização, desafio, possibilidades de erro e repetição. No caso desta pesquisa, visando melhorar a prática em sala de aula, conforme esclarecimentos de Tripp (2005), aplicaram-se oito atividades pedagógicas a estudantes do Ensino Fundamental de duas escolas públicas do município de Blumenau, Santa Catarina e a alguns licenciandos em Matemática, da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Os registros referentes à aplicação do produto educacional foram realizados através de depoimentos dos licenciandos e das crianças que avaliaram os jogos e foram denominados nesta pesquisa, de A1, A2, A3 e assim sucessivamente. As atividades encontram-se no Apêndice A, sugeridas no produto educacional, e sua aplicação foi acompanhada pelos bolsistas do subprojeto Matemática/edital 2010/Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID FURB), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Estruturou-se a pesquisa realizada nesta dissertação em mais dois capítulos, além desta Introdução. O segundo capítulo traz o conceito de jogo em dicionários e uma breve introdução da história dos jogos conforme Elkonin (1998), Alves (2001), Almeida (1995) e Teixeira (1998), que relatam a realização dos jogos na educação desde a Grécia antiga. Apontam-se as possibilidades pedagógicas do uso de jogos, tendo como suporte teórico as análises de Kamii e Declark (1986), Friedmann (1996), Macedo (1997), 15 Lopes (1999), Grando (2000), Alves (2001), Silva (2005), Macedo, Petty e Passos (2005), Kimura (2005), Smole, Diniz e Milani (2007), Bôas (2007), Teixeira (2008), Starepravo (2009), Raupp (2009) e Lacanallo (2011). Tais estudos mostram a importância do uso de jogos como recurso pedagógico para auxiliar na revisão de algum conteúdo ou como atividade de reforço, motivando professores e estudantes a trabalharem juntos, enriquecendo o ensino e a aprendizagem de conteúdos matemáticos. As reflexões dos autores revelam que o aspecto lúdico dos jogos pode ser associado ao ensino de conceitos matemáticos e contribuir para: controlar a ansiedade, desenvolver a autonomia, superar frustrações causadas pelo erro, auxiliar na organização espacial, melhorar a concentração, estimular o cálculo mental, cumprir regras, proporcionar prazer funcional, promover a socialização e interação entre estudantes e professor. Para os PCN (1998, p. 47, grifo nosso), o jogo auxilia o professor a analisar e avaliar os seguintes aspectos: compreensão: facilidade para entender o processo do jogo assim como o auto-controle (sic) e o respeito a si próprio; facilidade: possibilidade de construir uma estratégia vencedora; possibilidade de descrição: capacidade de comunicar o procedimento seguido e da maneira de atuar; estratégia utilizada: capacidade de comparar com as previsões ou hipóteses. No terceiro capítulo, se encontra a coleção de jogos sugeridos no produto educacional, o relato e a análise da sua aplicação a crianças e a licenciandos em Matemática. Priorizaram-se os formatos de tabuleiros, trilha e cartas para que os jogos pudessem ser aplicados em sala de aula sobre as carteiras com pouco espaço. Cada jogo sugerido no produto educacional está acompanhado de considerações didáticas, além de que se encontra descrito o material necessário para a sua construção e explicitado o conteúdo matemático, juntamente com o objetivo do jogo. 16 2 A IMPORTÂNCIA DO USO DE JOGOS EM SALA DE AULA Neste capítulo, traz-se o significado da palavra jogo de acordo com dicionários da língua portuguesa, apresenta-se um breve histórico dos jogos na educação e mostram-se as possibilidades pedagógicas do jogo no ensino de matemática, apontando sua importância, bem como as dificuldades encontradas em sua aplicação. 2.1 O SIGNIFICADO DA PALAVRA JOGO NOS DICIONÁRIOS De acordo com o dicionário Houaiss (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2009, p. 1134), a palavra jogo significa “atividade cuja natureza ou finalidade [...] a diversão, o entretenimento, submetida a regras que estabelecem quem vence e quem perde”, e o verbo jogar significa “[...] divertir-se, entreter-se com [um jogo] [...] xadrez, cartas [...]”. Ferreira (1999, p. 1162-1163), por sua vez, define jogo como “[...] atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que define a perda ou ganho”, e jogar como o ato de “executar as diversas combinações de [um jogo]”. Dessa forma, nos dicionários, o jogo está associado com a diversão. Entretanto, este não é o foco da pesquisa apresentada nesta dissertação, ou seja, não se trata de promover um momento de descontração nas aulas de matemática, mas, sim, de trazer o lúdico aliado ao estudo de conteúdos matemáticos. 2.2 UM BREVE HISTÓRICO DOS JOGOS NA EDUCAÇÃO Na Antiguidade, a palavra jogo era compreendida de formas divergentes: para os gregos, significava as ações próprias das crianças de fazer traquinices; os judeus a entendiam como gracejo e riso; e, para os povos romanos, o ludo significava alegria, regozijo, festa buliçosa. Na Alemanha, a palavra arcaica spilan designava um movimento rápido e suave que, semelhante a um pêndulo, produzia prazer (ELKONIN, 1998). Segundo o mesmo autor, o jogo foi criado por muitos povos, significando uma ação que não requer trabalho árduo, que proporciona alegria e que foi, ao longo da história, usado pelos adultos para ensinar valores, conhecimentos e padrões de vida para os mais jovens, como é o caso dos povos maias, romanos e egípcios. 17 Para Platão, na antiga Grécia, o jogo era um meio de fazer a criança estudar brincando, sendo que todas as crianças, nos primeiros anos, deveriam se ocupar com jogos educativos (ELKONIN, 1998). Ainda na visão de Platão, “[...] todas as crianças devem estudar a matemática, pelo menos no grau elementar, introduzindo desde o início, algo atrativo,em forma de jogo”. (ALMEIDA, 1995, p.16). Platão considerava que o mais importante era a criança aprender brincando, e não com repressão e violência. Teixeira (2008) relata que, na Idade Média, o jogo não ocupava lugar na educação, dominada pelo catolicismo num ensino rígido e disciplinador, mas que, na cultura medieval, fazia-se presente em atividades populares, tornando-se pura brincadeira. No fim da Idade Média, com o aparecimento da burguesia, surgiram novas concepções pedagógicas e ocorreram mudanças no modo de pensar, ancoradas por ações didáticas que visavam ao conhecimento por meio dos jogos. Em 1534, na Companhia de Jesus, os jesuítas reconheciam a importância dos jogos como forma didática, pois significavam grandes aliados no processo de ensino. A partir dessa contribuição, outros educadores, teóricos e pesquisadores desenvolveram e aceitaram os jogos para melhorar o ensino. No século XVI, Rabelais, teórico precursor de novos métodos ativos da educação, criticou o ensino formal na Europa, sugeriu que o ensino fosse estimulado por meio de jogos, mesmo os de cartas e fichas, e frisou a importância do processo lúdico na educação. Nesse sentido, o jogo surgiu com o objetivo de ancorar ações didáticas para a aquisição de conhecimentos (ALVES, 2001). Na visão do pedagogo Pestalozzi, que investigou o desenvolvimento psicológico das crianças, o jogo apresenta-se como fator decisivo para o senso de responsabilidade e cooperação. Seu discípulo Froebel (pedagogo), no século XVIII, teve papel de destaque ao utilizar o jogo vinculado a uma função pedagógica, como um instrumento para promover a educação e a socialização (ALMEIDA, 1995). Alves (2001) relata que, já no século XX, o filósofo norte-americano John Dewey propôs a aprendizagem por meio de atividades pessoais, considerando o jogo um elemento fértil ao aprendizado, pois impulsiona a criança a manter disciplina, facilitando o aprendizado. Assim, propôs uma aprendizagem por meio de atividades lúdicas, por considerar que, além de essas atividades manterem a disciplina, fazem com que as crianças que vão à escola com alegria aprendam mais facilmente. 18 2.3 O USO DE JOGOS: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS Ao discutir as dificuldades e a importância encontradas na aplicação de jogos em aulas de matemática, algumas recomendações devem ser consideradas pelo professor. É fundamental, por exemplo, escolher jogos com regras que promovam interação entre os estudantes e que envolvam conteúdos matemáticos. Para Starepravo (2009, p. 21), o importante é que o jogo “[...] realmente constitua desafios”, para que o estudante construa estratégias próprias e não fique tentando resolver exercícios copiando do modelo apresentado pelo professor ou trazido pelo livro didático. Kamii e DeVries (apud ALVES, 2001) caracterizam e classificam os jogos conforme a faixa etária, número de estudantes envolvidos, local de realização, objetivos a serem alcançados, instrumentos, força física ou mental, entre outros. Assim, todas essas características auxiliam no desenvolvimento e no comportamento dos estudantes, contribuindo para o aprendizado. Tais elementos classificatórios se fundamentam no objetivo do jogo, seja ele a motivação para uma nova aprendizagem ou a fixação de conceitos já conhecidos, mas que necessitam de revisão. O jogo promove situações desafiadoras, desenvolve a linguagem e a interação social. Ademais, enquanto é realizado, o estudante precisa pensar, estruturar-se cognitivamente, elaborar estratégias, explorar seu conhecimento em relação ao conteúdo e, em consequência, desenvolver ações para alcançar seu objetivo que é ganhar o jogo. Grando (1995, p. 77) explica: A ação no jogo, tanto quanto no problema, envolve um objetivo único que é vencer o jogo ou resolver o problema e, em ambos os casos, o indivíduo se sente desafiado e motivado a cumprir tal objetivo. Atingir o objetivo implica em dominar, em conhecer, em compreender todos os aspectos envolvidos na ação e, portanto, produzir conhecimento. Apesar de os PCN (BRASIL, 1998) recomendarem a utilização de jogos no ensino de matemática, não orientam o professor em relação ao modo como pode ser encaminhado o trabalho pedagógico antes ou após o jogo, como também não elucidam as contribuições que podem trazer para o ambiente escolar nem as habilidades que podem desenvolver nos alunos. A seguir, elencam-se algumas possibilidades pedagógicas estabelecidas por pesquisadores que investigaram o uso de jogos objetivando o ensino da matemática. 19 2.3.1 Rever os limites É comum crianças e adolescentes se sentirem desorientados, por desconhecerem seus limites e não saberem o que podem e o que não podem fazer em determinados momentos. Nesse aspecto, Lopes (1999, p. 40) acredita que o jogo de regra auxilia as crianças a “[...] aprender conceitos básicos da vida”, como serem “[...] obrigadas a se enquadrar em determinadas regras para realizar algo” e “[...] a respeitar para ser respeitado”, ou seja, desenvolvem a confiança básica em si e no colega, criando hábitos de obediência e respeito. Da mesma forma, o jogo pode auxiliar o estudante na autodisciplina em sala de aula. Nesse sentido, Macedo, Petty e Passos (2005, p. 31) esclarecem que o estudante “[...] precisa desenvolver sistemas de controles internos, o que implica aprender a esperar a vez, observar o que o outro está fazendo e obedecer às regras”. Esse processo envolve o controle de suas ações e pode melhorar a cada nova partida ou a cada novo jogo, pois percebe que esse controle pode auxiliá-lo a ganhar o jogo. O jogo se destaca pelo seu aspecto pedagógico, pois, após uma derrota, o estudante avalia o que errou e o que precisa ser trabalhado, podendo ocorrer o aprimoramento dos seus conhecimentos. Para que isso aconteça de forma natural, é necessário que o professor passe orientações sobre a possibilidade de derrota e que há sempre a oportunidade de outra partida. Durante a realização de um jogo, [...] as crianças (adversários) se ajudam durante as jogadas, esclarecendo regras e, até mesmo, apontando melhores jogadas (estratégias). A competição fica minimizada. O objetivo torna-se a socialização do conhecimento do jogo. Além disso, nesse processo de socialização no jogo, a criança ouve o colega e discute, identificando diferentes perspectivas e se justificando. Ao se justificar, argumenta e reflete sobre os seus próprios procedimentos. (GRANDO, 2000, p. 29). Além disso, o estudante observa e, quando percebe que seu oponente já desenvolveu estratégias que possibilitam vencer o jogo, sabe que precisa trabalhar em suas dificuldades. 2.3.2 Controlar a ansiedade A ansiedade é uma característica encontrada em muitas pessoas, provocada pelas pressões diárias e pela falta de concentração, de autoestima e de relacionamentos saudáveis. Numa sala de aula com estudantes ansiosos, inquietos e falantes e que se movimentam o tempo todo, há prejuízo no trabalho do professor e no aprendizado de 20 alguns que necessitam de mais concentração. Para Lopes (1999, p. 39), o jogo cria “[...] novos hábitos salutares” que, “[...] incorporados à vida da criança”, “[...] pode recriar sua visão de mundo e sua atuação nele”, gerando controle de ansiedade, conferindo-lhe uma sensação de capacidade e de realização. 2.3.3 Auxiliar na tomada de decisões O desenvolvimento da autonomia é um aspecto fundamental para que o estudante atividades que demandem tomadas de decisões. Segundo Lopes (1999, p. 41), “[...] alguns jogos têm como objetivo o desenvolvimento da autonomia da criança: poder arriscar-se, ter de fazer a sua parte sozinhae ser responsável por suas escolhas”. Isso possibilita o erro ou o acerto nas jogadas, tornando a criança responsável por muitos atos e escolhas. Smole, Diniz e Milani (2007, p.10) constataram que “[...] o aspecto lúdico faz do jogo um contexto natural para o surgimento de situações-problema cuja superação exige do jogador alguma aprendizagem e certo esforço para busca de solução”. Essa superação e autonomia auxiliam o estudante a vencer seus próprios obstáculos, como controlar seus pontos e os do seu adversário. Nesse contexto, o professor deve assumir o papel de mediador e desenvolver a autonomia dos estudantes no aprendizado, incentivando-os a pensar e a tomar decisões sozinhos. Diferente do que ocorre com o jogo, “Folhas de exercícios apresentam problemas pouco originais, bem organizados e numa forma pura. O professor explica para os alunos quais são os problemas e se acha responsável por ensinar a eles como resolvê-los” (KAMII; DECLARK, 1986 p. 169). Ainda segundo as autoras, o jogo em grupo auxilia os estudantes a pensar mais detalhadamente sobre suas dúvidas e desenvolver argumentos próprios de sua realidade. 2.3.4 Superar frustrações causadas pelo erro Durante a realização de um jogo, pode ocorrer que estudantes encontrem dificuldades, podendo, contudo, facilmente verificar o resultado encontrado. No estudo de Macedo (1997), encontrou-se que o jogo auxilia o professor a reconhecer os erros cometidos e as estratégias utilizadas pelos estudantes no decorrer da partida. Não acontecendo uma jogada favorável, o estudante revê a estratégia utilizada, percebe o que deve ser diferente ou constata apenas a falta de atenção. Com a repetição do jogo, 21 corrige seus erros e aprende a observar com mais atenção os seus procedimentos e os do seu adversário. De acordo com Macedo (1994, p. 39), “[...] os jogos são úteis para evidenciar um erro, torná-lo observável”, além de que o estudante se sente mais questionador e observa mais detalhadamente algum conceito ou questão não percebida anteriormente. Os jogos devem ser desafiadores para que os estudantes permaneçam ativos enquanto jogam, pensando mais em suas jogadas e acompanhando as jogadas de seu adversário. Além de revelar diferentes pontos de vista, o jogo, segundo Bôas (2007, p. 55), “[...] torna o erro [...] observável, propõe uma situação-problema, gera dados para análise e reflexão”. Bôas (2007) explicita que essa ação do estudante, bem como sua fala e seus erros, contribui para enfrentar um erro de maneira mais curiosa e ativa. Kishimoto (1994, p. 21, grifo nosso) aponta o benefício gerado pelo uso de jogos no que se refere à ocorrência de erros: O jogo favorece o aprendizado pelo erro e estimula a exploração e a resolução de problemas. O jogo, por ser livre de pressões e avaliações, cria um clima adequado para a investigação e a busca de soluções. O benefício do jogo está nessa possibilidade de estimular a exploração em busca de respostas, em não se constranger quando se erra. O erro, na concepção de Grando (2000), auxilia o professor a perceber quais os conceitos assimilados, as relações e as observações percebidas pelo estudante e a constatar as hipóteses utilizadas durante o jogo. Para Grando (2000, p. 41), “[...] é durante esse processo que são garantidas algumas estruturas matemáticas, desejadas numa situação de intervenção com jogos”. O processo de sistematizar os conceitos e as habilidades surge durante o jogo e deve ser desencadeado e trabalhado pelo professor. Evidencia-se que, no jogo, mesmo que o estudante perca a partida, reavalia o que precisa ser melhorado, para ganhar a próxima. Grando (2000, p. 28) afirma que “[...] é na ação do jogo que o sujeito, mesmo que venha a ser derrotado, pode conhecer- se, estabelecer o limite de sua competência enquanto jogador e reavaliar o que precisa ser trabalhado, desenvolvendo suas potencialidades”. Assim, o jogo aumenta a capacidade do estudante de refletir, analisar e compreender conceitos matemáticos que, às vezes, não são totalmente entendidos quando são ensinados no quadro pelo professor ou por meio de exercícios no caderno. Quando o estudante perde ou ganha uma partida, o professor tem a possibilidade de perceber se entendeu as regras e compreendeu o conteúdo. Teixeira 22 (2008, p. 66) considera que “[...] a análise do erro e do acerto pelo aluno se dá de maneira dinâmica e efetiva, proporcionando a reflexão e a re(criação) de conceitos matemáticos que estão sendo discutidos”, além de possibilitar ao professor analisar e compreender o desenvolvimento do raciocínio do estudante e melhorar a relação entre ensino e aprendizagem. A autora ainda defende que, no trabalho com jogos, o objetivo do professor é valorizar o papel pedagógico do jogo, explorando conceitos e aplicações no ensino e na aprendizagem. 2.3.5 Auxiliar a organização espacial A desorganização espacial é uma dificuldade que alguns estudantes apresentam quando é solicitada a realização de cálculo mental num determinado espaço externo. Lopes (1999, p. 42) considera que alguns jogos “[...] proporcionam oportunidades para a criança perceber, relacionar e organizar espaços externos, possibilitando a introjeção dessa organização”. É o que ocorre, por exemplo, quando é necessária a avaliação de distâncias no cotidiano, e o estudante não consegue chegar a uma estimativa aproximada. Na solução de problemas apresentados pelos jogos, os estudantes levantam hipóteses, testam sua validade, modificam seus esquemas, mobilizando-os para o planejamento do jogo. Desse modo, tomam decisões para solucionar seus problemas e, com isso, desenvolvem habilidades necessárias ao real conhecimento do conteúdo trabalhado no jogo, ou seja, se organizam sem perceber que estão envolvidos com conteúdos matemáticos (LACANALLO, 2011). 2.3.6 Melhorar a concentração Em sala de aula, um desafio é promover atividades que despertem a concentração dos estudantes e que exijam um grau maior de atenção. Para que isso ocorra, é importante trabalhar com atividades minuciosas, como a visualização de objetos diferentes dentro de um conjunto, prática que pode auxiliar no desenvolvimento da atenção (LOPES, 1990). Segundo Kimura (2005, p. 135, grifo nosso), o jogo de regra possibilita que o estudante seja “[...] capaz de fazer antecipações, prognosticar, coordenar situações, criar estratégias, ser habilidoso, ter boa memória, estar atento e concentrado, saber abstrair, relacionar jogada durante todo o jogo”. Para a autora, a repetição exigida no jogo 23 apresenta um aspecto interessante, pois, ao jogar, o estudante precisa analisar diferentes pontos de vista para atingir o melhor resultado, ou seja, as descobertas percebidas são constantemente compartilhadas com seus colegas e, quando as discute, o estudante aprende a defender suas ideias. 2.3.7 Estimular o cálculo mental Lopes (1999, p. 45) pontua que os estudantes “[...] preferem não pensar para solucionar problemas e vêm com as famosas perguntas: Que conta é? É de mais ou de menos?”. Nesses casos, os estudantes preferem, em vez de pensar, perguntar ao professor a resposta ou pedir dicas para a solução. É importante que o professor trabalhe sempre com o objetivo de desenvolver o raciocínio lógico de seus estudantes, possibilitando que eles próprios façam as reflexões necessárias. Igualmente é relevante que o professor estimule o uso do cálculo mental para que aprendam a solucionar problemas e não fiquem memorizando ou operando mecanicamente. Destaca-se que, para estimular o raciocínio, é preciso que o estudante realize cálculo mental e que, em situaçõesde multiplicação, é comum que os estudantes calculem usando o algoritmo convencional. A respeito do cálculo mental, Starepravo (2009) defende que deve ser um cálculo pensado, não mecânico e que estabeleça a compreensão das relações envolvidas. O jogo implica em tomar decisões e explorar a noção matemática. Grando (2000, p. 57) explicita que “[...] trabalhar com o conceito matemático no jogo significa compreender tais ações e reestruturá-las em um nível mental”, estabelecendo relações e estratégias, interpretando e observando o seu adversário. Raupp (2009, p. 29, grifo nosso) considera que: O jogo, principalmente aos pares, tem seu valor pedagógico ao propiciar uma ampla interação entre os participantes, conduzindo a utilizar ou formar novos conceitos, que proporcionem ao educando desenvolver o raciocínio e outras habilidades, além das que possui, e realmente desafiando a inteligência. Quando joga, o estudante movimenta as peças diversas vezes na tentativa de acerto ou erro. É importante que o professor solicite o uso da linguagem oral justificando a estratégia usada na movimentação das peças, de modo que o estudante possa expressar o seu pensamento e seu conhecimento do jogo. Segundo Lacanallo (2011, p. 107), o jogo deve “[...] promover condições que levem o sujeito a pensar, num primeiro momento, 24 em voz alta e depois internamente, sobre suas jogadas” e, para que isso ocorra, necessita de determinado tempo para que a linguagem mental se organize e se expresse externamente. Nesse sentido, Kamii e DeVries (apud ALVES, 2001, p. 33) defendem que os jogos “[...] são importantes, não pelo simples fato de a criança aprender a jogar determinados jogos, mas, sim, porque o jogo proporciona e estimula as atividades mentais e a sua capacidade de cooperação”. A interação e a cooperação possibilitam a elaboração de procedimentos mentais e de linguagens. Na elaboração de procedimentos, os estudantes expõem seus argumentos, discutem a melhor jogada, e a linguagem permite a troca de opiniões, mesmo que a ideia de um jogador não seja aceita como possibilidade de jogada. 2.3.8 Cumprir regras O jogo de regras resulta numa organização lúdica que necessita de controle mútuo. Nos jogos, as regras são aceitas de maneira natural, mas são cobradas pelo grupo quando é constatada a sua violação. Para Friedmann (1996, p.35), “[...] a regra é considerada como uma lei imposta pelo consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório, permitindo-se transformá-la desde que haja consenso geral”. Nesse caso, é a regra que organiza o jogo e torna o estudante mais autônomo em suas decisões. Para Kimura (2005, p. 22), há, durante a realização de um jogo, “[...] um conjunto de leis imposto pelo grupo, sendo seu descumprimento normalmente penalizado, e há uma forte competição entre os indivíduos”. A ação intencional do jogo deve se refletir sobre alguns aspectos e, segundo Teixeira (2008, p. 25, grifo nosso), aplica-se “[...] o exercício da decisão, relação com a regra, ação na incerteza, riso e possibilidade de tentativas”. Com essas atitudes, o estudante estará jogando e aprendendo a lidar com vários aspectos e, entre eles, com o cumprimento de regras. Smole, Diniz e Milani (2007), ao discutirem o respeito às regras, apontam que, durante o jogo, os estudantes aprendem as diversas possibilidades de reciprocidade, admiração e de confiança com seus pares e professor. As autoras propõem a discussão de suas jogadas e que o professor esclareça as dúvidas dos jogadores. Quando o professor apresenta um novo jogo, a leitura das regras pode ser realizada pelo professor e, se ainda houver necessidade, pode ser realizada uma partida para auxiliar na compreensão das regras. Segundo Smole, Diniz e Milani (2007, p.16), “[...] a leitura 25 pode ser coletiva, a partir de uma exposição das regras por um meio audiovisual”, facilitando a leitura em grupo. Raupp (2009, p. 27) orienta “[...] a leitura em voz alta por uma colega ou pelo professor, que dá a devida entonação ao texto”, pois, nesse caso, o estudante consegue se organizar mentalmente para compreender as regras, podendo, se houver dúvidas, promover a discussão. Para Friedmann (1996), o jogo auxilia no desenvolvimento social, moral e cognitivo, bem como político e emocional. O cumprimento das regras de um jogo expressa respeito pelo adversário e constitui a condição básica de sua existência. Cabe ao professor orientar os estudantes para que as cumpram na íntegra, exercendo seu papel de orientador e juiz em sala de aula. Existem várias maneiras de abordar as regras de um jogo: podem ser lidas pelo professor ou por um estudante em voz alta para o grupo, ou por meio de partidas-modelo. Nesse caso, quando são utilizadas partidas-modelo, o professor joga algumas partidas só com um estudante e os demais assistem, promovendo um tempo para conhecer as regras e discutir as dúvidas. Grando (2000, p. 44) enfatiza a relevância do entendimento das regras do jogo: Este é o momento do jogo pelo jogo, do jogo espontâneo simplesmente, em que se possibilita ao aluno jogar para garantir a compreensão das regras. Neste momento, são exploradas as noções matemáticas contidas no jogo. O importante é a internalização das regras, pelos alunos. Joga-se para garantir que as regras tenham sido compreendidas e que vão sendo cumpridas. Para Teixeira (2008, p. 62), o cumprimento de regras em situações de jogo implica “[...] em sanções previstas no próprio regulamento do jogo”. É importante que o estudante saiba o que tem que fazer e aonde quer chegar, sendo que, nesse momento, são reveladas as habilidades de cada um. De acordo com Teixeira (2008, p. 63), é na atividade que “[...] o aluno pode compreender que, em seu futuro profissional, a interação e troca de idéias serão relevantes para poder bem desempenhar seu papel na sociedade”. Essa troca de informações, de acordo com o cumprimento das regras, expõe o que cada adversário pensa e que estratégias são usadas durante o jogo. Melo e Sardinha (2009) argumentam que o uso de jogo forma atitudes, como o respeito mútuo, demonstrando que o essencial para a vida de uma criança é conhecer seus limites para seu desenvolvimento na vida adulta. Assim, enquanto as crianças realizam um jogo, a troca de ideias e o cumprimento de regras podem ser um exercício imaginário das atividades que exercerão em sua vida adulta. 26 2.3.9 Prazer funcional O prazer funcional do jogo é a alegria que proporciona, mesmo exigindo esforços e enfrentamento de desafios. Na concepção de Macedo, Petty e Passos (2005, p.17): as crianças jogam, “[...] não se perdem em conversas paralelas permanecendo interessadas e envolvidas nas atividades [...] se não agirem assim, certamente seus colegas irão cobrar-lhes isso, sob pena de serem excluídas”. O jogo é um momento lúdico que desperta interesse, e muitos estudantes gostam desse momento por não temerem o erro, por terem a oportunidade de compartilhar suas dúvidas com seus pares e pelo simples prazer de jogar. Ressaltam Smole, Diniz e Milani (2007, p. 10) que “[...] todo jogo por natureza desafia, encanta, traz movimento, barulho e certa alegria para o espaço no qual normalmente entram apenas o livro, o caderno e o lápis” e que, mesmo que a intenção seja trabalhar conceitos matemáticos, o jogo ainda atrai os estudantes pela sua dimensão lúdica. Para Friedmann (1996, p. 56), é importante “[...] resgatar a atividade lúdica, sua espontaneidade e, junto com ela, sua importância no desenvolvimento integral das crianças”, pois, mesmo que seja visto por elas como uma brincadeira, o jogo se torna uma atividade séria quandose pretende saber quem vai ganhar o jogo. Quando um professor pretende trabalhar com jogos, se organiza e planeja para que os estudantes tenham prazer em aprender. Kishimoto (2007, p. 84) considera que: o professor vivencia a unicidade do significado de jogo e de material pedagógico, na elaboração da atividade de ensino, ao considerar nos planos afetivos e cognitivos, os objetivos, a capacidade do aluno, os elementos culturais e os instrumentos (materiais e psicológicos) capazes de colocar o pensamento criança em ação. Segundo Grando (2004, p. 8), “[...] a necessidade do homem em desenvolver atividades lúdicas, ou seja, atividades cujo fim seja o prazer que a própria atividade pode oferecer, determina a criação de jogos e brincadeiras”, sendo que a sua importância é definida pelo professor. O jogo gera situações em que o estudante necessita coordenar seus conflitos, estabelecer uma ordem e expressar suas dúvidas em relação ao conteúdo ministrado. Para Rizzo (1996, p. 40, grifo do autor), “O jogo motiva e por isso é um instrumento muito poderoso na estimulação da construção de esquemas de raciocínio, através da ativação”. Segundo a autora: “O desafio por ele proporcionado mobiliza o indivíduo na busca de soluções ou de formas de adaptação a situações problemáticas e, 27 gradativamente, o conduz ao esforço voluntário”. O jogo pode ser considerado um recurso que auxilia o professor no sentido de possibilitar aulas mais dinâmicas e desafiadoras, bem como de mobilizar o estudante ao aprendizado mais prazeroso, e que ocorre principalmente mediante a troca com outros. 2.3.10 Promover a sociabilidade e interação com colegas e professor Pelo seu aspecto lúdico, o jogo cria um ambiente de maior interação entre os estudantes, motivados pela possibilidade de vencer ou de querer jogar de novo e, ainda, de controlar os seus resultados e de seus colegas. Segundo Smole, Diniz e Milani (2007, p.10), “[...] a dimensão lúdica envolve desafio, surpresa, possibilidade de fazer de novo, de querer superar seus obstáculos iniciais e o incômodo por não controlar seus resultados”. Diante dessas situações, surge a necessidade da troca de experiências, de modo que o estudante, falando e agindo com mais coerência, possa ser compreendido. Não há troca de ideias quando o estudante realiza exercícios escritos, agindo à sua maneira, sem a oportunidade de socializar resultados obtidos. O jogo também tem o propósito de cooperação, considerando o ponto de vista de cada jogador, e é nesse processo de interação que se organizam novos significados, o que contribui para novas aprendizagens. Alves (2001, p. 27-28) destaca que o professor, ao aplicar um jogo, “[...] além dos aspectos cognitivos relevantes para a sua aplicação, não deve ignorar ou menosprezar o aspecto afetivo desencadeado”. Considerando a análise de Raupp (2009, p. 29), os jogos “[...] estimulam a ampliação de significados, que podem permitir avançar no conhecimento, e assim, despertar processos internos que promoverão o desenvolvimento”. O uso de jogos didáticos traz diferentes possibilidades aos estudantes de interagir e, consequentemente, de aprender juntos. Enquanto se organizam para jogar, baixar cartas ou lançar dados, os estudantes se observam mais, havendo maior interação entre eles. Sem perceber, os jogadores discutem conteúdos muitas vezes ditos “difíceis” por eles, como é o caso da álgebra. O professor esclarece as dúvidas à medida que surgem, de modo que, enquanto movimentam as peças do jogo, passam a agir de forma mais coerente. Para Teixeira (2008, p.14), “[...] o jogo educativo é a intenção explícita de provocar aprendizagem”, além de promover mais autoconfiança e incentivar os estudantes para a correção de suas ações. 28 Ao manusear peças de um jogo, os estudantes as relacionam com um brinquedo, e o que determina a sua diferença é o cumprimento de regras cobradas pelos jogadores, a qual os motiva a jogar. Na análise de Grando (2000, p.28), “[...] a socialização propiciada por tal atividade não pode ser negligenciada, na medida em que a criação e o cumprimento de regras envolvem o se relacionar com o outro que pensa, age e cria estratégias diferenciadas”. Mesmo na derrota, cada jogador analisa seus erros e avalia o que precisa ser trabalhado. Melo e Sardinha (2009, p. 6) apontam a importância do “[...] raciocínio lógico de uma maneira mais divertida, na interação com os que estão a sua volta, numa aproximação maior entre aluno/professor, aluno/aluno”, considerando que os jogos podem despertar emoções e aprimorar a sociabilidade. Refletindo sobre essa citação, se percebe a importância da interação entre estudante-estudante e estudante-professor em sala de aula, sendo que depende exclusivamente do interesse do professor promover essa interação, pois é ele quem escolhe qual jogo, quando e como será realizado em sala de aula. Supostamente os estudantes esperam do professor que as atividades trabalhadas em sala gerem aprendizado. Segundo Rizzo (1996, p. 40): “O interesse despertado por qualquer atividade lúdica produz como resposta o empenho das forças, ação intencional em alguma direção ou propósito”. Nesse caso, observam Kamii e Declark (1986, p. 171) que “[...] muitos adultos, inclusive professores, falham no conhecimento da importância dos jogos”. 2.3.11 Fixação ou revisão de conceitos Para Kimura (2005, p. 136), “[...] ao utilizarmos o jogo como objeto, como ferramenta de ensino, deve-se ter em mente a sua adequação ao conteúdo [...]”, devendo o jogo “[...] propiciar o engajamento do aluno no processo ensino-aprendizagem na construção de conceitos matemáticos”. Considera-se, porém, a relevância de o professor estar ciente do objetivo de cada jogo. Para Grando e Marco (2007, p. 102, grifos nossos), [...] a utilização de jogos no ensino da Matemática, quando intencionalmente definidos, pode não apenas promover um contexto estimulador e desafiante para o movimento de formação do pensamento do ser humano, de sua capacidade de cooperação, mas também tornar-se um auxiliar didático na produção de conhecimentos matemáticos. Entendemos que o jogo é um facilitador da aprendizagem, pois mobiliza a dimensão lúdica para a 29 resolução de problemas, disponibilizando ao aluno a aprendizagem, mesmo que a formalização do conceito seja a posteriori ao jogo. Grando e Marco (2007) avaliam o jogo como auxiliar didático e relatam que algumas ações devem ser realizadas pelo professor, como, por exemplo, aplicar o jogo sempre que achar necessário ou trabalhar mais com aqueles estudantes que apresentam maiores dificuldades no entendimento de determinado conteúdo. O ideal seria que, após o término do jogo, cada estudante analisasse suas jogadas e apontasse se houve a apropriação dos conceitos por meio de discussões com seu professor e com seus colegas de classe ou de registros sugeridos pelo professor. De acordo com Lacanallo (2011, p. 109), o jogo auxilia na explicação de um conceito: “[...] quando conhecemos os jogos, em sua natureza histórica e social, o trabalho com o sistema de conceitos é possível e enriquece a aprendizagem dos escolares”. Para a autora, o jogo apresenta diversos aspectos motivadores para aprendizagem e é sempre recomendável conhecer a história, a linguagem, a cultura e as crenças do povo que o criou e saber explicar a relação entre o jogo proposto e o conceito novo apresentado. Bôas (2007, p. 53) defende o uso de jogo, pois o fato de “[...] alguns perpetuarem-se através dos séculos e de os homens continuarem inventando outro a cada dia, é um indicador de sua importância”. Para a autora,é jogando que o estudante questiona, demonstra suas angústias, constrói respostas pessoais. Além disso, pode auxiliar seus colegas nos momentos de dúvidas, tornando-se uma atividade prazerosa e envolvente, geradora de interesse e discussões acaloradas. No entanto, para que o jogo se torne um recurso importante relacionado a um conteúdo, deve ser bem planejado e demonstrar a sua funcionalidade: O Jogo na Educação Matemática tem uma intencionalidade; ele deve estar carregado de conteúdo. É um conteúdo que não pode ser apreendido pela criança apenas ao manipular livremente objetos. É preciso jogar. E ao fazê-lo é que se constrói o objetivo a que se quer chegar. [...] O jogo tem um desenvolvimento próprio. Ele não pode ser a matemática transmitida de brincadeira. Deve ser a brincadeira que evolui até o conteúdo sistematizado. (MOURA apud BÔAS, 2007, p. 65, grifo nosso). Bôas (2007, p. 55) explica que “[...] não se trata de oferecer situações para que a criança enfrente com mais facilidade conteúdos escolares considerados ávidos pelo professor, mas sim de utilizar situações desafiadoras em que ele possa [...] produzir novos conhecimentos”. Para Silva e Scartazzini (2006, p. 26), “[...] deve-se levar em 30 conta que o jogo precisa ser capaz de despertar o interesse do aluno e integrá-lo na sua execução de modo satisfatório e desafiador, para que ele se empenhe ao máximo na sua solução”. É recomendável que, ao final da aplicação de cada jogo, seja realizada uma análise da atividade pelo professor e seus estudantes. Desse modo, ocorre um momento propício para esclarecer inclusive os conceitos matemáticos intrínsecos ao jogo, ou seja, essa é uma oportunidade que o professor tem de conhecer e esclarecer as dúvidas ou dificuldades encontradas pelos estudantes. Os jogos podem ser repetidos com o objetivo de contribuir para a fixação ou revisão de conceitos. 2.4 PROFESSOR NO PAPEL DE OBSERVADOR E ORGANIZADOR DOS JOGOS Durante a realização de um jogo, cada estudante tem que analisar diversas possibilidades, para que cartas ou peças sejam descartadas ou mantidas num jogo. É nesse momento que os estudantes devem saber decidir sobre suas ações. Considera-se fundamental que o trabalho do professor, ao aplicar um jogo em sala de aula, seja a observação cuidadosa das partidas. Grando (2000) relata, em seus estudos, que o professor deve intervir auxiliando e identificando as jogadas equivocadas. Para tanto, é fundamental que o professor observe atentamente seus alunos jogando e volte sua atenção para os questionamentos e observações apontados por eles. Da mesma forma, é essencial que a intervenção do professor enfoque o aprendizado dos conceitos matemáticos, bem como que ele assuma o papel de organizador e observador para que o estudante se aproprie dos conceitos e que se cumpra o objetivo previamente estabelecido: o conhecimento do conteúdo matemático. Ao utilizar o jogo como objeto pedagógico, o professor já tem eleita (ou deveria ter) uma concepção de como se dá o conhecimento. Esta concepção tem como elementos principais o papel reservado à interação como fator de desenvolvimento e as idéias de que o conhecimento evolui, de que o ensino deve ser lúdico e de que o objetivo final é o conceito científico (MOURA apud RAUPP, 1991, p. 12). O jogo pode ser considerado pelo professor um instrumento facilitador de aprendizagem de estruturas matemáticas. Conforme Grando (2000, p. 28), os jogos servem, em aulas de Matemática, como “[...] suporte metodológico”, sendo importante que alcance os objetivos propostos pelo professor e seja desafiador para o estudante. 31 Para Teixeira (2008, p. 25), o professor deve intervir “[...] na organização do espaço, na seleção dos jogos e na interação com as crianças”, não se tratando, porém, de uma regra que o regule, mas que organize e limite o uso de jogos para que as aulas não se tornem repetitivas e para que o jogo alcance seu valor pedagógico. Em qualquer momento do jogo, o professor, como mediador, pode verificar se está acontecendo o cumprimento das regras e administrar eventuais conflitos. Teixeira (2008, p. 62) explica que “[...] cada aluno pode descobrir as qualidades dos demais, algumas vezes ocultas pela rotina [...]” e considera “[...] importante a ocasião para a percepção de que os demais são em geral diferentes dele próprio”. Quando estão em grupo, os estudantes refletem, trocam ideias sobre a sua jogada e a do adversário. Assim, buscam uma melhor jogada e encontram soluções mais interessantes. No jogo, o importante não é apenas a sua característica lúdica, mas também o envolvimento e a mobilização decorrentes do desejo de jogar. Segundo Rizzo (1996, p. 41): “O jogo em grupo é diferente, pois ele obriga a criança a descentralizar, a sair do seu próprio egocentrismo, a antecipar a ação do outro jogador e as suas próprias, como hipóteses, numa jogada mais complexa”. Cabe ao professor organizar e acompanhar as ações dos estudantes durante as partidas, observar, controlar os procedimentos realizados, perceber as maiores dificuldades de entendimento e quais estudantes não alcançam o resultado esperado. Lacanallo (2011) discute a importância da ação do professor para auxiliar os estudantes a vencer as dificuldades até que todos aprendam e realizem com independência os cálculos propostos no jogo. Para que esse momento ocorra de maneira prazerosa, é fundamental que o professor reconheça as potencialidades do jogo, goste de jogar e saiba fazê-lo, pois organizar atividades com jogos não é tarefa fácil. O jogo pode ocasionar indisciplina, agitação e briga entre ganhador e perdedor. Entre as dificuldades para aplicação de jogos em sala de aula, podem-se citar espaço físico, tempo suficiente para o entendimento do jogo, como também tempo e disponibilidade financeira para a confecção dos materiais. Para Lacanallo (2011, p. 196), “[...] a ação lúdica e seus efeitos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento não é natural e imediata” e o jogo, como recurso metodológico, pode ser explorado pelo professor, em suas diferentes possibilidades, desde o material utilizado para jogar até o correto uso de suas regras. Teixeira (2008) avalia que um jogo bem organizado e desafiador dificilmente deixará de ensinar alguma coisa. Antes de apresentá-lo aos estudantes, são fundamentais 32 o planejamento didático-pedagógico e o conhecimento das suas características e suas funcionalidades pelo professor. Para Teixeira (2008, p. 25), “[...] esse planejamento requer do profissional atitude de disponibilidade para a atualização, abertura de espírito, empenho, responsabilidade e flexibilidade para mudanças”, ou seja, é o que se espera de um profissional da educação diante de um mundo moderno e em constante transformação. Teixeira (2008, p. 63) elucida que “[...] mediação acarreta possibilidades ao professor porque exige uma reflexão conjunta com os alunos que, por sua vez, passam a pensar, a buscar informações e a construir os elementos do conhecimento, capazes de conduzir a autonomia”. Em outras palavras, o professor exerce, em sala de aula, o papel de técnico de time ou juiz de uma partida que orienta e organiza em prol de objetivos previamente planejados. Para a autora, nesse papel de mediador, o professor deve sempre estar atento para auxiliar os estudantes na organização do conhecimento, exigindo reflexão das jogadas e incentivando-os na autonomia da aprendizagem. Nessa situação, o professor deixa de ser um detentor do saber e, em conjunto com seus alunos, os motiva para a pesquisa. O professor, segundo Bôas (2007, p. 55), deve “[...] ler suas regras,jogá-lo com outras pessoas para apropriar-se dele, analisá-lo com relação ao material, adequação para a faixa etária, o tempo que ele requer e as possíveis dificuldades”, o que facilitará seu trabalho ao propor o jogo como atividade de aprendizagem. Para o autor, no uso de jogos, o papel pedagógico do professor é estimular o crescimento de seu aluno, avaliar seu potencial, guiá-lo e ajudá-lo a compreender o processo que envolve um jogo. Contudo, antes de apresentar um jogo a um grupo, o professor precisa conhecê-lo, observando os procedimentos adequados e as dificuldades que o material produzido pode apresentar. Avaliando o papel do professor, Bianchini, Gerhard e Dullius (2010, p. 4) esclarecem: “Ao optar pelo jogo como estratégia de ensino, seu desejo é propiciar a aprendizagem” e que “O jogo, nesse contexto, deve cumprir o papel de auxiliar”. Os mesmos autores ainda explicam que, para que aconteça a aprendizagem do conceito matemático, a ação não deve ser isolada, isto é, professor e estudante devem agir em conjunto. O professor deve agir como observador e identificar se todos estão envolvidos e compreendendo as estratégias e as regras para que possa ocorrer o entendimento ou revisão do conteúdo proposto na atividade. 33 O jogo é uma atividade dinâmica, desencadeada pelo prazer do próprio movimento. Para Raupp (2009, p. 40), “[...] se não houver o momento lúdico, provavelmente o jogo não despertará interesse e será visto como mais uma atividade, sem razão de ser”. O jogo é um recurso que pode ser usado como exercício de fixação, e seu valor pedagógico é mostrado quando o trabalho é bem conduzido pelo professor. Considerando os estudos de Lacanallo (2011), três importantes aspectos são apontados para a apropriação de conceitos matemáticos num jogo: (a) a preparação para o jogo, (b) a ação de jogar e (c) as estratégias e relações desenvolvidas ao longo da atividade. A autora aponta para a importância de o professor conhecer seus estudantes, identificando quais são suas organizações físicas e psíquicas antes de aplicar um jogo. Alerta, igualmente, para a relevância de o professor observar e organizar as mesas e cadeiras para que estejam bem posicionadas e facilitem a visualização das peças pelos jogadores. Da mesma forma, é essencial que o número de peças de um jogo, as cores dos baralhos e quem são os adversários sejam considerados em situações de jogo em sala de aula. Teixeira (2008, p. 67) explica que “[...] o objetivo do professor no trabalho com jogos é valorizar o papel pedagógico do jogo, ou seja, o desencadeamento de um trabalho de exploração e/ou aplicação de conceitos matemáticos”. Ao refletir sobre sua prática em sala de aula, o professor tem a oportunidade de ponderar que o jogo auxilia o estudante a construir seu próprio conhecimento. Sobre o jogo, Teixeira (2008, p. 72) elucida: [...] o jogo está no centro do paradigma que destaca a aprendizagem ao invés do ensino, colocando parte do controle do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz. Daí pode auxiliar o professor a entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo no qual o professor tem seu papel fundamental, de mediação, na construção do conhecimento pelo aluno, como produto do seu próprio engajamento docente. Levando em conta o que foi exposto por Teixeira, sugere-se que o jogo seja planejado para ser executado em mais de uma aula, e não em uma única aula, e que o professor considere o tempo para execução do jogo a partir da organização do espaço, da apresentação das regras, das partidas-modelo e da execução propriamente dita. Portanto, recomenda-se repeti-lo diversas vezes para que o professor possa alcançar os objetivos que foram previamente planejados. Quando a atividade é repetida diversas vezes, o estudante tem a oportunidade de se apropriar melhor das estratégias do jogo e melhorar o seu raciocínio com relação ao conteúdo e às regras propostas. Para alcançar 34 os objetivos, é necessário reflexão, discussão e até mesmo o registro dos cálculos realizados e as dúvidas que surgem durante o jogo. Smole, Diniz e Milani (2007, p. 17), em função das pesquisas que realizaram “[...] observando e investigando o uso de jogos diretamente junto aos alunos”, nas escolas que tiveram a oportunidade de acompanhar, defendem a repetição dos jogos. É importante que, para o professor, a ação do jogo seja propícia ao desenvolvimento da imaginação dos estudantes, que criam diferentes formas de se expressar, com naturalidade, com atitudes diferentes do permitido em aulas tradicionais. É relevante também, dentro das possibilidades de cada jogo, que seja mantido um diálogo entre os estudantes e professor, o que enriquecerá o aprendizado. Grando (2000, p. 36), em relação ao papel do professor, tece as seguintes considerações: Deve-se lembrar ainda que o professor não se isole do processo, mas que seja elemento integrante, ora como observador, juiz e organizador, ora como questionador, enriquecendo o jogo, mas evitando interferir “muito” no seu desenrolar. Portanto, como um elemento mediador entre os alunos e o conhecimento, via a ação no jogo. Cabe ao professor decidir sobre a adequação de um jogo ao estudo de um determinado conteúdo matemático. Para Kishimoto (2007, p. 84), “[...] a dúvida sobre se o jogo é ou não educativo, se deve ou não ser usado para fins didáticos poderia ser solucionada se o educador tomasse para si o papel de organizador do ensino”. A autora esclarece que a importância dada ao entendimento ou à revisão de um conteúdo e à interação fomentada na aplicação de um jogo demonstra que uma criança ou adolescente não aprende de forma fragmentada, mas em um todo. A atividade lúdica a coloca constantemente em situações favoráveis ao avanço do conhecimento por promover o desafio e, consequentemente, a construção de conceitos matemáticos. Apresentaram-se, neste capítulo, algumas possibilidades pedagógicas que podem surgir no decorrer das partidas, as quais demonstram que o jogo é um recurso que pode ser utilizado pelo professor para fixar ou revisar conteúdos, sendo primordial que possibilite ao estudante reflexão sobre suas jogadas e, ao mesmo tempo, promova o desafio. Por sua vez, no capítulo a seguir, explicam-se detalhadamente os jogos aplicados, bem como se faz o relato da aplicação desses jogos e se tecem considerações didáticas a respeito. 35 3 ATIVIDADES PEDAGÓGICAS: JOGOS PARA AULAS DE MATEMÁTICA Neste capítulo, apresentam-se oito atividades pedagógicas que constituem o produto educacional desta dissertação, algumas aplicadas em duas escolas públicas de Ensino Fundamental de Blumenau e outras, a alunos do curso de Licenciatura em Matemática da FURB. De cada atividade, encontram-se explicitados o conteúdo matemático envolvido, os objetivos, o material utilizado para a sua construção, o tempo recomendado para a realização, algumas considerações didáticas sobre a sua aplicação e a sua descrição, bem como o relato da aplicação e o depoimento de alguns estudantes. Os jogos aplicados e os respectivos conteúdos matemáticos podem ser visualizados na Figura 1. Figura 1 - Jogos aplicados e respectivos conteúdos matemáticos Fonte: Dados da pesquisa (2013) A seguir, apresentam-se os jogos aplicados e, no Apêndice A, os mesmos jogos, mas no formato sugerido para impressão. Destaca-se que as denominações dos jogos informam qual é o conteúdo matemático envolvido e que os jogos estão em formato de baralhos, tabuleiros e trilhas para facilitar sua aplicação em carteiras com pouco espaço. JOGOS CONTEÚDOSMATEMÁTICOS Baralho do discriminante Equação do 2º grau Caixinha dos números inteiros Somas algébricas Pescaria de frações Frações Jogando com critérios de divisibilidade Múltiplos e divisores de um número Embaralhando potências Potenciação Funções de 1º grau e seus gráficos Funções de 1º grau Baralho de equação do 2º grau Equação do 2º grau Encontrando o produto notável Produtos notáveis 36 3.1 JOGO BARALHO DO DISCRIMINANTE Conteúdo matemático: Fórmula do Discriminante Objetivos do Jogo: Identificar os coeficientes (a, b, c) na fórmula do discriminante. Resolver expressões com potenciação, subtração e multiplicação. Material: Cartolinas coloridas Tesoura Considerações didáticas: O Jogo do discriminante tem como objetivo auxiliar no entendimento da fórmula de resolução de equações do 2º grau e conhecer seus coeficientes. Com regras e concentração, o jogo permite que o estudante reflita, ouse e assuma a posição de jogador, ao mesmo tempo em que identifique os coeficientes na fórmula. O cálculo do discriminante é muito importante, pois, por meio desse valor, se pode determinar o número de raízes de uma equação do 2º grau. Como base, utilizou-se o jogo Sequência de Cartas, do livro Criatividade e Jogos Didáticos, das autoras Mello e Flemming (2003). Descrição do jogo: O jogo consiste em cartas em forma de baralho com a fórmula do discriminante e valores diferenciados para os coeficientes a, b, c. Essa fórmula se encontra em todas as cartas na quais é solicitado um cálculo para facilitar a ação do estudante no sentido de entender a substituição correta de cada coeficiente. Podem participar dois ou mais jogadores, sendo que cada estudante recebe determinado número de cartas com desafios. Sobre a mesa ficam dispostas todas as cartas contendo as respostas dos cálculos, sempre com as faces voltadas para baixo. Antes do início do jogo, o jogador retira uma carta do monte e verifica se essa carta é o resultado esperado. Caso positivo, o estudante coloca ao seu lado, na carteira, as duas cartas correspondentes: a carta com a fórmula e a carta com o resultado. Caso a carta comprada não seja a resposta esperada, o estudante fica com ela e passa a vez a outro jogador. Outra possibilidade é adotar a seguinte regra: a carta pode ser descartada na mesa, ficando à disposição de qualquer jogador para comprá-la quando chegar sua vez. Ganhará o jogo o estudante que tiver mais pares baixados na mesa. As cartas desse jogo podem ser observadas na Figura 2. 37 Figura 2 - Jogo Baralho do discriminante: suas cartas com fórmulas e respostas Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac a = 1 b = 8 c = 7 a = 1 b = 7 c = 6 a = 2 b = 9 c = 4 a = 1 b = 0 c = -9 a = 1 b = 0 c = -4 a = 1 b = -2 c = 0 a = 1 b = -4 c = 3 a = 1 b = 6 c= 5 a = -2 b = 1 c = 10 38 Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac Discriminante: ∆ = b²- 4ac a = 1 b = -1 c = -12 a = 1 b = 8 c = 15 a = 1 b = 4 c = -3 a = 1 b = 6 c = 8 a = -1 b = 3 c = 4 a = -1 b = -1 c= 2 a = -1 b = 4 c = 0 a = 1 b = 5 c = 0 a = 1 b = -5 c= 0 39 81 16 25 36 49 16 36 4 4 40 Fonte: Dados da pesquisa (2013). 16 25 4 49 28 25 4 9 25 41 Relato da aplicação do jogo: Aplicou-se o jogo em duas aulas, a 25 estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Blumenau. Depois de realizada a revisão do conteúdo, a pedido de alguns estudantes, solicitou-se que se organizassem em duplas (um estudante de frente para o outro) para iniciar o jogo. Procedeu-se dessa forma, pois, segundo Kishimoto (2007, p. 85): “Por tratar-se de ação educativa, ao professor cabe organizá-la de forma que se torne atividade que estimule auto-estruturação do aluno”. Alguns estudantes solicitaram rascunhos para fazer os cálculos, alegando que o registro facilitaria a resolução da fórmula. Em seguida, se fez a entrega de rascunhos e de um jogo de baralho para cada dupla, bem como se explicou que todas as cartas deveriam estar voltadas para cima para que todos tivessem a oportunidade de conhecer o jogo e familiarizar- se com as cartas. Depois de ocorrida a análise, distribuíram-se três cartas com fórmula para cada jogador o qual, por sua vez, realizou os cálculos secretamente sem que seu oponente observasse os resultados. Houve estudantes que demonstraram insegurança com relação ao conhecimento da tabuada. Nesse sentido, alguns deles solicitaram constantemente o auxílio da pesquisadora em voz baixa, talvez com receio de que seu oponente os ouvisse e outros escreveram a tabuada completa no rascunho. A respeito dessa situação, encontrou-se a seguinte indagação de Macedo, Petty e Passos (2000, p. 78): são os erros “[...] resultados de problemas com a compreensão das regras ou decorrem das limitações correspondentes ao nível de desenvolvimento do próprio jogador?”. Para obter a resposta para essa indagação, observou-se atentamente como os estudantes desenvolveram os cálculos com o auxílio dos registros. A Figura 3 mostra a situação de jogo e os estudantes registrando seus cálculos num rascunho pequeno. Já na Figura 4, dois estudantes jogam sem usar rascunhos, fazendo o uso do cálculo mental. Nessa dupla, observou-se explicitamente um conhecimento satisfatório do conteúdo. 42 Figura 3 - Jogo Baralho do discriminante: estudantes jogando com rascunho Fonte: Dados da pesquisa (2013). Figura 4 - Jogo Baralho do discriminante: estudantes jogando sem rascunho Fonte: Dados da pesquisa (2013). 43 Constatou-se, também, que, aos poucos, os mais tímidos passaram a participar da atividade, realizaram os cálculos sozinhos e buscaram encontrar o resultado em cada carta comprada. Percebeu-se a total concentração dos estudantes para comprar as cartas, calcular o resultado e baixar o par, como também que cada par de cartas baixado na mesa representava uma conquista e que isso não acontecia quando efetuavam os cálculos no caderno. Após o jogo, questionou-se a ação dos estudantes com relação às partidas para verificar qual era a opinião que possuíam sobre os cálculos executados. Apesar de algumas discussões acaloradas, pequenos grupos tiveram interesse em saber como as outras duplas haviam jogado e quem ganhara a partida. Diante disso, houve estudantes que relataram suas conquistas e dúvidas, sendo que alguns, para isso, ficaram de pé. Um estudante do fundo da sala que observava as discussões se manifestou dizendo
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