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Pro-Posiçóes- vol.13.N.1(37)- Jan/abr.2002 A Relação Social de Sexo Da Reprodução das Relações Sociais à sua Subversão * DanleleKergoaf1 Resumo: Análisedasespecificidadesetensõespresentesnasrelaçõessociaisdeuma formageralenasrelaçõessociaisdesexodeformaparticular,localizandoumgrande desafioparamelhorcompreendê-Ias- o universodo trabalho,enquanto"produção devivência", alémmesmodo assalariamentoou profissionalização.O conceitode qualificaçãoé tomadocomo temadediscussãoparamelhorelucidarastensõesnos processosde legitimação no trabalho,observadasnos universos masculinos e femininos. Palavras-chave: Relaçõesdegênero,trabalho,qualificação,relaçõessociais. Abstract: Analysisof thespecificsandtensionspresentin socialrelationsof ageneral formandin thesocialrelationsof Sexinparticular,localizedagreatchallengeforabetter compreension. Key-words: Relationof gender,work,qualification,socialrelations. Falardas"relaçõessociaisdesexo""emsi" comportaumriscodesolipsismo,poisé grandeo perigode seerigirum edifícioconceitualperfeitamenteisoladonapaisagem sociológica,desconsiderandooutrasrelaçõessociaisquetecem,comasrelaçõessociais desexo,a tramadasociedadee impulsionamsuadinâmica. Por sinal,os grupose os indivíduosresistemaessatentaçãoanalíticae suasprá- ticasnos chamaminsistentementeà ordem:os sereshumanosnãoagem-e nunca vivem- sobo prismadeumaúnicarelaçãosocial;restringirsuaspráticasaumaúnica perspectiva,qualquerqueseja,significaprivar-sedaschavesdeacessoa todoe qual- querentendimentodasriquezas,isto édasambivalênciaseambigüidadesdaspráticas sociais.Em outraspalavras,ébuscarum princípioderepetiçãoondeháabundância, complexidadee inventividade. * TraduçãodeAIainFrançois 1. DirectricedeRechercheGERs-Grouped'ÉtudessurIaDMsionSócialeetSexuelleduTravoU.IrescoICNRS 47 Pro-Posiçóes- vol.13,N.1(37)- Jan/abr.2002 Não será'possível,nos limitesdeum artigo,passarmospelodesvioepistemológico que,entretanto,teriasidonecessárioparaesseconceitoderelaçãosocial.Essanoçãoé nãoapenaspoucotrabalhadaemsociologiacomotambémrestrita,commuitafreqüência, àsrelaçõessociaisdeproduçãotomadasnaconotaçãomaiseconomicistapossível.Logo, apenasnosescoraremosrapidamenteemalgunsautoresfranceses. Apenasnumsegundotempo,portanto,abordaremosasrelaçõessociaisdesexo- no plural,pararetomaraexpressãoconsagradaemlínguafrancesaemborativessesidomais correto,pelomenosnaperspectivaqueadotamos,recorreraosingular:arelaçãosocialde sexo.Tentaremosprecisarseuscontornose sobretudoseusdesafios2,modalizadaem tornodo conceitodedivisãosexualdo trabalho. Num terceirotempo,voltaremosàprópriadefiniçãoderelaçãosocialparaabordaro problemadodeslocamentodosdesafiose,emúltimainstância,dasubversãodasrelações sociais.Paratanto,tomaremoso exemploda qualificação,peçachavedo conceitode trabalhoederelaçãosalarial,paramostrarcomoelaseconstróidemodoradicalmente diferente,tantonarelaçãoaosoutrosquantonarelaçãoa si mesmoe naconfrontação como material,no casodoshomenseno dasmulheres. Tentaremosmostrarquea construçãodesta,nasuatríplicedimensão,fazpartedo mínimode condiçõesmateriaise simbólicasnecessáriasparanãoapenasresistir,mas tambémconstruircoletivosde lutae assimreformularo queestáemjogo nareferida relaçãosocialemaisaindadesestruturá/reestruturá-Ia.Parailustraressaquestão,voltare- mosaoquetemoschamadode"paradigmadaenfermeiracoordenada". Essepercursoanalíticoemformadeespiraltentarámostrarnãoapenasos mecanis- mosdereproduçãosocialcomotambémosdaslutaslarvadasouabertascontraadomi- nação,umaespiralquedesembocará,portanto,nautopia. DoConceitode RelaçãoSocialàsRelaçõesSociaisde Sexo Começaremoscomdoiscorporadepropostas.Primeiroo deMauriceGodelier,para quem"oshomensnãoapenasvivememsociedade,masproduzemsociedadeparaviver; nodecorrerdesuaexistênciainventamnovasmaneirasdepensareagirsobresimesmos assimcomosobreanaturezaquemoscerca."(1984).No entanto,M. Godelierinteressa- semenospeladefiniçãodarelaçãosocialdoquepelasrelaçõessociaisdeprodução"do- minantes":"relaçõessociaisdominamquandofuncionamaomesmotempocomorela- çõessociaisde produçãoe como âmbitoe suportesocialdo processomaterialde apropriaçãodanatureza".PhilippeZarifian,por suavez,falaem"produçãosocialdo viverhumano"(1997)epropõeaseguintedefinição:"arelaçãosocialéumaconfronta- çãosocializante.A socializaçãosempretemdoislados:elaéaomesmotempoprodução depertencimentosegeraçãodeseparações" Essassãoasindagaçõesdaregulaçãoedaintegraçãosocialque,atualmente,domi- namno pensamentosociológico.Entretanto,asrelaçõesentrehomense mulheres- independentementeda terminologiaempregada:relaçõessociaisde sexo,gêneroou relaçõesdegênero- nãoentram,anãosermarginalmente,nessecampoepistemológico. 2. Desafiofoiapalavraescolhidaparatraduzirofrancês"enjeu",quenãotemequivalenteemlíng~ portuguesa(Notadotradutor) 48 Pro-Posiçóes- vol. 13.N. 1 (37) - Jan/abr.2002 Homensemulherescoexistemcontinuamente,vivemjuntose "produzemviver" jun- tos3.Contudo,a teoriado laçosocialestálongedeconseguirdarconta,por si só,do realobservável:asviolências(físicasesimbólicas)sãocotidianas,o grupodoshomens legisla,em nomedo universal,a vidado grupo dasmulheres,exploraseutrabalho profissionale aindaextorquedelastrabalhoextra(o trabalhodoméstico).O fatode que,nesseúltimoponto,muitasmulherescedam"por amor"nadamudaàdurarealida- dedosfatos. No entanto,sãotambémgruposprodutoresdepertencimento,desolidariedade,de reconhecimentomútuo,mesmoseos processosdessaproduçãosãomuitodiferentes segundoseestánogrupodosdominadosounodosdominantes(Mathieu,1991).Volta- remosaessepontomaisabaixo. Lembramosrapidamenteessepanodefundoteóricoparachegarmaisfacilmentea umconjuntode propostasquedelineiamos contornosde nossadefiniçãode relação social:a relaçãosocialpodeserassimiladaa uma"tensão"queperpassaa sociedade; tensãoestaquesecristaliza,paulatinamente,emdesafiosemtornodosquais,paraprodu- zir sociedade,parareproduzi-Iaou "inventarnovosmodosdepensare agir",os seres humanosestãoemconfrontopermanente.Essessãoosdesafiosconstituintesdosgrupos sociais.Estesúltimosnãosãodadosdeantemão,criam-seemtornodessesdesafiospela dinâmicadasrelaçõessociais.Finalmente,asrelaçõessociaissãomúltiplase nenhuma delasdeterminaatotalidadedo campoqueestrutura.Juntastecematramadasociedade eimpulsionamsuadinâmica:elassãoconsubstanciais. Logo,anoçãoderelaçãosocialremeteaomesmotempoaumprincípiodegeração(as relaçõessociaisproduzemereproduzem,pelamediaçãodosdesafios,aspráticassociais que,por suavez,agemsobreas tensõesquesãoasrelaçõessociais)e a um princípio heurístico(asrelaçõessociaisservemparacompreenderaspráticasobservadas). Ao passarmosparao níveldasrelaçõessociaisdesexo,encontramosasmesmascarac- terísticas:osgrupossexuadosnãosãooprodutodedestinosbiológicos4masantesconstructos sociais;essesgruposconstroem-sepor tensão,oposição,antagonismo,emtornodeum desafio,o do trabalho.As relaçõessociaisdesexotêmumabasematerialemboratenham, também,umabaseideativa:qualquerpoder,diziaFoucault,precisadeumsaber;nestecaso, o naturalismoservedeideologiadelegitimação,de"doxadesexo"comodiriaMonique Haicault(2000).Elaspodemserperiodizadas,fazemaHistóriaassimcomoasoutrasrela- çõessociais.Essasrelaçõessociaissefundamentamprimeiroeantesdemaisnadasobre umarelaçãohierárquicaentreos sexos;trata-semesmodeumarelaçãodepoder,deuma relaçãode"classe"(Guillaumin,1992)-enãodeumsimplesprincípiode"classificação". Entretanto,emboraa relaçãosocialde sexotenhaa mesmanaturezaqueasoutras relaçõessociais(elassãoconsubstanciais),elatemsuascaracterísticaspróprias:perpassa 3. É.porsinal.umadasespecificidadesdessarelaçãosocial:asmulheresnãosãosegregadas.comoos outrosgruposdominados;elasestãoinscritasnoconjuntodossistemassociaisdeidade.declasse.de raça.Ver.ostrabalhosdeGoffmanaesserespeito.In:Winkin(1995).Essasituaçãotemumasériede conseqüênciasentreasquaisofatodeasmulheresnãopoderem.comoosoutrosoprimidos.reservar- seumespaçopróprio.coletivoouindividual. 4. A esserespeito.é precisoremetera todaa literaturaanglo-saxãe francesaquedesconstruiuabipolarldadedossexosmasculinoefeminino.Sobrearelaçãoentresexobiológicoesexosocial.ver. emparticular.Peyre.Wielse Fonton(1991)assimcomoPeyreeWiels(1997)e Mathieu(2000). 49 pro-posiçóes-vel.13.N.1(37)- Jan/abr.2002 atotalidadedo espaço-tempoconhecidoeassegregaçõesqueoperatêmformasparticu- lares(vernota1),etc. A DivisãoSexualdo Trabalhos o trabalhoé, a nossover,o desafiodasrelaçõessociaisdesexo.Não setrataaqui apenasdotrabalhoassalariadooumesmoprofissionalmasdetrabalhoenquanto"produ- çãodevivência"6.Ele tem,nessetexto,umduploestatuto: -No planocoletivo,esseconceitodetrabalhoincluinãoapenaso trabalhoprofissional(quer sejaassalariadoounão,comercialounão,formalounão)comotambémo trabalhodoméstico (queexcedeemmuitoastarefasdomésticasparaincluiroscuidadoscorporaiseafetivospara comosfilhos,o acompanhamentodesuaescolaridadeeatésuaproduçãofisica~.Estenãose caracterizaporumaacréscimodetarefasmasquercomo"mododeproduçãodoméstica"(Delphy, 1998),quercomouma"relaçãodeserviço"-adisponibilidadepermanentedotempodasmu- lheresparao serviçodafamíliaemaisamplamentedosparentes-, relaçãoconsideradacomo característicadoprocessodetrabalhodoméstico(Fougeyrollas-Schwebel,2000): - No planoindividual,recuperamosaidéiadequeaatividadedetrabalhoéprodução desi:''Trabalhar,nãoéapenastransformaro mundo,étambémtransformarasimesmo, produzirasimesmo."(Dejours,1998).O queimplicaquenãosepodepensaro trabalho, inclusivesociologicamente,semlevaremcontaasubjetividade8. Vemosbem,então,como,pelofio do"trabalho"assimredeftnido,consegue-seapre- endernasmalhasdaanálisecampostãotradicionalmenteafastadosdo assalariadocomo, porexemplo,anormadaheterossexualidade. A divisãosexualdotrabalhocaracteriza-sepeladesignaçãoprioritáriadoshomensàesfera produtivaedasmulheresàesferareprodutivaassimcomo,aomesmotempo,acaptaçãopelos homensdasfunçõescomfortevalorsocialagregado(políticas,religiosas,militares,etc). Essaformadedivisãosocialtemdoisprincípiosorganizadores: -o princípiodeseparação(hátrabalhosdehomense trabalhosdemulheres) -oprincipiohierárquico(umtrabalhodehomem"vale"maisdoqueumtrabalhodemulher). O fatodessesdoisprincípiosorganizadoresseencontrarememtodasassociedadesconhe- cidasedeseremlegitimadospelaideologianaturalista,nãoquerdizer,contudo,queadivisão sexualdotrabalhosejaumdadoimãtável.Pelocontrário,suasmodalidadesconcretasvariam muitonotempoenoespaçocomodemostrarametnólogos/asehistoriadores/as. o DeslocamentodosDesafios A extremavariabilidadedasmodalidadesda divisãosexualdo trabalhoé essencial paranossopropósitopois,assim,pode-sepensare estudarao mesmotempotantoos. 5. Paraumaapresentaçãomaisexaustiva.ver.emparticular.Kergoat(1998) 6. Segundoa expressãoempregadaporHiratae Zarifian(2000) 7. Nesteponto.ver1aOOt(1998) 8. Desdeseusprimórdios.os trabalhosem termosde relaçõessociaisde sexoinsistiramsobrea transdisciplinaridade.quedeveindispensavelmenteserimplementadaporaconstruirmosnossosobjetos de pesquisa.Evocamosaquia psicologia,masé sempreprecisoconvocartambéma história.a filosofia,aergonomia.a economia,etc. 50 Pro-Posiçóes- vol.13,N.1(37)-JanJabr. 2002 fenômenosdereproduçãosocialquantoosdeslocamentoserupturasdestae,portanto,a emergênciadenovasconfiguraçõesquepodemtenderaquestionaraprópriaexistência dessadivisão. Dessemodo,conseguimossairdo faceafacegrupodoshomens/grupodasmulheres (facea faceteorizadopor meioda"complementaridadedospapéis"versus"a guerrados sexos"),tensãoque,postanestestermos,nãopodesenãoenclausurar-nosnumaproble- máticadadominação,dareproduçãoidênticadasrelaçõessociaisedesuasmodalidades. Por sinal,independentementedo pontodevistaqueadotarmos,pensaremtermosde "guerrados sexos" não faz sentido:os dominantes- os homens,no caso- não "lutam" (emboraisto tenhaacontecido)contraasmulheres;o quefazem,é dirigir,remodular incessantemente,emfavordeseusinteresses,asrelaçõessociaisdesexopormeiodeseu desafio,adivisãosexualdo trabalho(comoatestamamplamente,emboraistoseriamaté- riaparaumoutroartigo,osreajustesconstantes,aolongodahistória,daspolíticassociais e familiares). É portantopreciso,agora,vercomoastensõesvinculadasàsrelaçõessociaispodem sedeslocareemquecondições. UmDeslocamentoDifícil Comoexemplo,nosapoiaremos,aqui,sobreumconceitoprimeiroemsociologiado trabalho,o dequalificação.Esteexemploofereceavantagemderemetera umanoção muitoexpressivaparatodosetodas,equeépercebidacomobemconhecidaedominada, tantopelosmilitantesquantopelosintelectuais,mesmoseelacontinuasendoobjetode debatesacalorados,sendoacontrovérsiaqualificação/competênciaumailustraçãodisto. Entretanto,suadesconstruçãopelaproblemáticadasrelaçõessociaisdesexotornaesse problemasingularmenteopacoaorevelarqueaconstruçãoindividualecoletivadarelaçãoà qualificaçãoocorredemodoradicalmentediferentenocasosdoshomensenodasmulheres, queelanãopodesercompreendidasemaintervençãodasubjetividade9equeelaimplodea distinçãopolíticaentreprivadoepúblico.Em suma,essaabordagemimplicaumareviravolta radicaldasfronteirasdisciplinaresedascategoriastradicionaisdopensamentopolítico. Paraoshomens,o trabalhoassalariadoé"natural",coextensivodavirilidade.Ou,emoutras palavras,o conceitodetrabalhofoipensadodemodocoextensivoaodevirilidade.Então(e estamosesquematizandoaomáximo),o trabalhoemgeraleaqualificaçãoemparticularpodem desembocarnaconstituiçãodecoletivos.Nãodizemosaquiqueistosejafácilmasapenasque nãohásoluçãodecontinuidadeentregrupodoshomens/trabalho/qualificação/virilidadetO. No gruposocialdasmulheres,ascoisassãobemdiferentes.No casosdestas,autodefinir- seemostrar-se,individualecoletivamente,como"qualificadas"éumprocessoextrema- 9. Nesteúltimoponto.verasegundaediçãode"Travai!,usurementale"(Dejours.1993)quearticulaos desafiossubjetivoseotrabalhoemtomodostrêspólosdotriângulo"ego,real.outrem".Vertambém HirataetKergoat(1988) 10.Eé issomesmoqueexplicaa configuraçãomuitoparticular.deumpontodevistodegênero,do movimentooperárioe desuahistória."Avirilidadedesignaa expressãocoletivae individualda dominaçãomasculina"(MoIinier,2000).Pode-se"desdobrar"esseconceitoaqui.Oleitorpoderáconferir oartigodeDejours(1988)que.numaperspectivapsicanalítica,distinguemasculinidadeevirilidade. assimcomoaobradeMosse(1997). 51 Pro-Posiçóes- vol.13.N.1 (37) - Jan/abr.2002 mentecomplexo.Parademonstraristo,tomaremosdois exemplos:o dasenfermeiras (exemplotípicodeofício feminino)e,nabasedostrabalhosdeLivia Scheller(1996),o dasmotoristasdeônibus(ofícioconsideradocomomasculino). As qualificaçõesexercidaspelasmulheressãoraramentereconhecidasenquantotais. Comodissemos,o valoratribuídoao trabalhodeumamulheré sempreinferioràquele atribuídoaotrabalhodeumhomem.Ora,ePierreNaville(1956)insistianisto,éo valor socialmenteatribuídoaumtrabalhoque,emparte,fundamentaaqualificação:Obviamen- te)quantomaisotrabalhofor resultadodeumaaquisição)maisaparececomoqualijicado.Quantomais elefor o efeitodecapacidadesquepodemoschamardenaturais,menoséqualijicado.Precisamos aprofundaresseraciocínioeenfatizardoispontos: 1°)Essasqualidadesditas"naturais"sãodisparesemfunçãodossexos,umavezqueumas sãomuitomaisvalorizadas(sensodacompetição,agressividade,vontadedepoder,força fisica...)doqueoutras(sensodasrelações,meiguice,"instinto"materno,dedicação,minúcia...). 2°)É precisooporqualidadesequalificação;alémdo mais,àessaprimeiraoposição, éprecisoacresceraseguinte:aqualificaçãomasculina,individualecoletiva,éconstruída socialmente;asqualidadesfemininasremetemaoindivíduoou aogênerofeminino(ou antesaogênerotalcomoseincarnaemcada"indivídua"),esãoadquiridaspor meiode umaprendizadoerroneamentevivenciadocomoindividual,porocorrernaesferaditado privadoll;assim,elasnãosãovalorizadassocialmente.Daí umarelaçãodeforçaemsua desvantagemcomos empregadores,e sabemosqueédestestambémqueaqualificação vairesultar. É, portanto,um verdadeiro"desaprendizado"queasmulheresdevemempreender parapoderemreivindicarcoletivamenteo reconhecimentodesuaqualificaçãoe,eventu- almente,entraremluta. A LongaMarcha:das"QualidadesFemininas" à ReivindicaçãodeQualificação Primeiroexemplo:o dasmotoristasdeônibus Estamosaquinumuniversoconstruídohistoricamenteporeparaoshomens.Nele,o protocolodecontrataçãoéomesmoparatodos;unseoutrostêmportanto,formalmente, umaqualificaçãoequivalente.Contudo,nadafeitoquantoà admissãodemulheresno grupo;emoutraspalavras,nadafeitoquantoàigualdade: Logo)tem(iSdeprovar quesomoscomoeles)emboratenhamoscursadonasmesmasescolas)passa- donosmesmosconcursos)tiradoa mesmacarteirademotorista:entretanto)éprecisoconseguirque nosaceiteme)alémdomais,ficarmos umpoucodominadas)istoé,fazer comqueacreditemque nosdominam)logorepresentartudoisto.Mas um dia ou outrovemo estresse:eujá passeipor isto.Surgeo estresseedepoisvema deprê. 11.Obviamente.paraapoiaresseraciocínio.tertasidopreciso.aqui.mostrarcomoeleseaplica.embora segundomodalidadesdiferentesemcadacaso.àeducação.aodiplomaeàexperiênciaprofissional. Éo entrelaçamentodessastrêsdimensõesquereproduz(estamosfalando.aqui.do mercadode trabalho)o nãoreconhecimentomaciçodasqualificaçõesfemininas. 52 Pro-Posições- vaI.13.N.1(37) - Jan/abr. 2002 Conseguirse,.aceitopelogrupoéumaoperaçãodiftcilnaqual,por sinal,muitasdelasfracassam, operaçãoqueUvia Schellerchamade "estratégiada artedorespondedor'~ Poispossodizerque5 anosatrás,noprimeirodiaquechegueiàgaragem...bem,agentechegae sótemhomens,fá...eéumamulherquechega,alémdomaisjovem...Quandoeuchegueinasala dosmotoristasàs6 damanhã(...)bem,todomundoolha,quandoagenteentra:já,nãosefica muitoà vontade;depoistemsempredoisou trêscarasquesoltamumasbrincadeiras...No começo,agentenuncasabecomolevarasbrincadeiras.E eupossodizerquesentimuitomedo:no primeirodia,eumepergunteio queia serdemim...Depois,maistarde...entendi.(...)Já era casada,maselesnãoseincomodavam:casada,filhos,istonãoosdetém...Portanto,épreciso mantê-Iosà distância,masdelicadamente,porqueseformosbruscasdemais...porqlleelesfalam entresi,oshomens,edepois,seficarmoscoma reputaçãostda,elesdizem'aquelaéumababaca~ etc.É precisoaceitara brincadeira,claro,masistoéumaqllestãodeíndoletambém..." (trabalhaem turno, 5 anos de empresa,casada,2 f1lhos). Portanto,essa"artedo respondedor"seresumea aceitaro desafiodaprovocação sexualretirando-lhe,com humor,suacargaagressiva.Isto faz com queas mulheres finalmentese tornemcolegas,acontecimentoquevai submetê-Iasàs mesmasregras queoshomens. Masser"aceito"pelogruponãoquerdizerentrarnocoletivo.Poisesteseconstruiu emtorno de "regrasde ofício", duaspedrasangularesdasquaissãoa aceitaçãode horáriosflexíveiseo deverdefazerrespeitaro regulamentopelospassageiros.Quanto aessesdoispontos,homensemulheresestãoemcompletodescompasso:os horários emturnoacarretamparaestascontradiçõesacercade suavidafamiliar,contradições quesomentepodemcalar;quantoaorespeitoaoregulamento,todossabemosatéque pontoa violênciafaz partedo cotidianodo ofício, em certaslinhas.Diantedessas transgressões,os motoristasreagemdemodomuitodiferentesegundoo sexo:os ho- mensquer,apósfazerde tudoparamanterem-secalmos,respondemàviolênciapela violência,queracabamimplementando11mmecanismoparaevitarradicalmentetodocontatocom osusuários.oqualacabamarcandoporinteiroa suarelaçãoaotrabalho;as motoristas,pelo menosboapartedelas,fazemmostra,por suaparte,de umacapacidadeparatolheros comportamentosagressivosdecertosIIsuáriosdoobjetodesuaviolência:seomotQristasabepassarileso pelaprovocação,a agressividadepodeserdistanciada011pelomenosdeslocada.O desafioconsisteem nãosentir-sealmdadopessoalmentepor essaviolência,a nãoserCOlHOentidadesimbólica.O que revela,segundoLivia Scheller, "as formas sexuadasde uma subjetividadeque atuana atividadede trabalho".Mas as motoristas não verbalizam essasestratégias,entretanto eficientesem muitos casos. Sell silênciosedeveaofato delassaberemmais oumenosconscientemente,por URllado, queesses atuaçõesestãomenosvinculadosa um know-howprescritiveldo quea 11111'hábito'feminino de contençãodooutroe,por outrolado,queseuscolegashomensnãosllportarimHmuitoouvirquese podedesmontarcomuma brincadeira01111111sorrisoqlledesarmaos comportamentosagressivos 011ameaçadoresdecertosjovens.Portanto,Sei(silêncioéofmto deumaescolhadenãocompetitividade comoshomensa respeitodosconteúdosdeoficio. 53 Pro-Posiçóes-vol.13,N.1(37)- Jan/abr.2002 Sereinsenrmosesseestudodentrode nossopropósito,veremos,entretanto,queo problemadaqualificaçãonãofoimesmoresolvido,umavezqueo queasmulheresreali- zampara"bem"fazerseuofício(conduzire transportarpassageiros)é,nessecaso,tam- bémreduzidoa"qualidades"femininas.Fazercomqueestasalcancemo graudenovos critériosdequalificação,aseusolhoseaosolhosdesuascolegasfemininas,suporiatodo umtrabalhodeclivagemsimbólica(sersocialmenteumamulher/serumamotoristade ônibus)queelasnãopodemefetuardemodosolitário(L. Schellernotaquenãoexiste coletivofemininol~.E mesmoseessetrabalhofosserealizado,restariaentraremconflito comseuscolegasmasculinosparafazercomqueadmitamqueos conteúdosdo ofício sãomaisamplosdo queelessupõem,quesedeveintegrarà"qualificação"os saberesde queo grupodasmotoristaséportador. Segundoexemplo:o dasenfermeiras13 O movimentodasenfermeirassustentou-sepelareivindicaçãodoreconhecimentode suaqualificação.Poissea representaçãosocialdestaémuitomaisvalorizadorado quea demuitasoutrasmulheres,muitasambigüidadespermanecem,contudo,tantoarespeito dasqualidades/qualificaçõesexigidasdelasquantoacercadamaneiracomoaspróprias enfermeirasvivemsuaqualificação. A fontedessaambigüidaderesidena históriadaprofissão:quemfalaemreligiosas falaemvocação,aqualpostulaumarelaçãoimediata,quasevisceral,comaprofissão. A primeirarupturaquesedeveoperaré,portanto,comavocação.Emboraistotenha ocorridohámuitotempo,essaideologiaperdura,atualmente,naformaçãoounostextos jurídicosquedefinemo exercícioprofissional. Logo,estamosdiantedeumaprofissãomaciçamentefeminizadana qualos papéis sociaispedidosàstrabalhadorassão:papéisfemininosqueremetem,comoparaaimensa maioriadamãodeobrafeminina,aqualidadesmaisdo queaqualificações;epapéisque remetem, alémdo mais,a qualidadesindividuais,àpessoadatrabalhadora. Isto,consequentemente,dificultamuitoaconstruçãodanoçãodequalificaçãol4.De fato:nãosecodificamvaloresmorais:estesnãopodemserretribuídos,assimcomonão seretribuemas"qualidadesfemininas";enfim,anoçãodequalificaçãoapenaspodeesco- rar-senumcoletivo,o qual,nocaso,temcomopontodeorigemmeras"pessoas"quetêm ounãoqualidadesindividuais,e não"trabalhadoras". Portanto,durantemuitotempopermaneceu-seno campodaessência,daeducação moral,emsuma,do individual.E tudoisto nãoé negociável:está-sefora da relação salarial,aopassoqueaqualificaçãoé,aocontrário,aexpressãodarelaçãocapital/traba- lhonumdadomomentoeédaordemdocoletivo. Chegamos,assim,à segundarupturaquesedeveoperar:ahipóteseé que,desaída, essaprofissãofoi contestadapor constituir-seemtornodapessoaenfermeiradefinida porpapéisprescritos,masqueessacontestação,paraterêxito,devia,numprimeirotem- po,inscreveraprofissãonocampodarelaçãosalarialantesdepoder,numsegundotem- 12."AdMsãosorrateiraque afetaas mulheresé a divisãoem indivíduos:(Collin,1978) 13.Nossabase,aqui,é umestudosobrea Coordenação Enfermeira(Kergoatet alii,1992) 14.Essasituação,a nossover,explicaque asenfermeirastenhamusadomaisa palavra"competência" do que"qualificação'e, maisainda,que elastenhamfaladomuitoem termosde "identidade". 54 Pro-Posiçóes- vol.13.N.1(37)- Jan/abr. 2002 po,pensá-Iaemtermosdequalificação.Em outraspalavras:a relaçãoà salarizaçãoé a passagemobrigatóriaparaquehajaconstruçãodeumarelaçãoàqualificação,sendoesta acondiçãonecessáriaparapodernegociarsalárioeestatuto. A dissociaçãovidaprivada/vidaprofissionalfoi aexigêncianecessáriaparaingressar subjetivamente(coletivae individualmente)narelaçãosalarial: Seria bomsesepudesseaprendera serumaprf!fissional Se a genteconseguissesepararo queé prf!fissionaldoqueépessoal..(entrevistacoletivanumserviçodenoiteemoncologia) Contudo,haviaum obstáculodepesoqueperduravamasfoi derrubadopelaterceira ruptura:adissociaçãoentreamulhereatrabalhadora. No início,enquantoenfermeira,eulevavamuitoa mal as reflexõesdoshomens,do tipo:a senhora tema mãodoce,coisasassim.Eu levavaistomuitoa malporquenãoqueriamisturar,queriaser reconhecidaenquantoenfermeira,não enquantomulher(...).Antes, eusempretinha medo.Sabe, quandovocêémina,sempresentemedodoscontatosporqueospercebecomoumaagressãofisica: não sedevetocaremmimporquesignificaquequerempegaro meucorpoeistonãosuporto.Isto numa épocaemqueainda sentianecessidadede me afirmar enquantopro.ftssiona~enquantomulher também.Mas agora,quandomedizemisto,umavezqueseiquemsounoplanopro.ftssiona~num planopuramenteindividua~euacreditoque nãomechocomais (...). p.4gora),o intuitoé queo pacientediga:sim, istomefaz bem,essecontatomefaz bem(...) (enfermeiraemserviçodereanimação,35anos). Portanto,asseguintesdisjunçõesocorreramsucessivamente:negaçãodavocação,se- paraçãoclara"vidaprivada"/vida profissional,separaçãoentrepapelfemininoe papel profissional. Somenteapósisto,elaspuderamreivindicarumaqualificação,umofício,quesesitu- emnocampoestritodarelaçãosalarial.E umofíciocujadimensãorelacional,que,àseus olhos,constituio própriosentidodesuaprofissão,éconstruídaindividualecoletivamen- tecomoumaqualificação. UmaReformulaçãodo Desafioda Relação Social:"O Paradigmada EnfermeiraCoordenada" Esseproblemadaqualificaçãoéportantoumobstáculoàpassagemdogrupo(definido aquicomoreuniãodeindivíduos)aocoletivo.Ora,essapassageméacondiçãosinequanon deumamobilizaçãoemtornodosdesafiosdasrelaçõessociais(aqui,o trabalho),mobilização coletiva,aúnicaquepossadeslocaranaturezaeaconfiguraçãodessesdesafios. Restarefletiracercada subversãodasrelaçõessociais,isto é a saídado facea face homens/mulheresquepodeapenasnosenclausurarnumaproblemáticadadominação. Sendoasociologia(também)umaciênciaempírica,cabebuscarexemplosconcretos, analisarcomoequandoascoisasocorrem,paraverqueformasessasubversãotomae quedeslocamentos(mesmopotenciaisou limitadosno tempo)elaoperanasrelações sociaisdesexo,parao ondeelaasremete,quenovoespaçoelaabre. 55 Pro-Posições- vol.13.N.1(37)- Jan/abr.2002 Dessemodo,asenfermeirascoordenadastêmdemonstradoa capacidadedo grupo socialmulheres,emcertascondiçõesbemprecisas,dedaraodesafio-trabalho(nadefini- çãoquelhedemosaqui)um conteúdoquedeslocaasrelaçõessociaisdesexoemsuas formasatuais:com sualuta,elasdelinearamos contornosdeumanovafigurasalarial femininaquequestionoutantoos mecanismosdarelaçãosalarialquantoos darelação entreossexos.É esseúltimopontoqueevocaremosagorapormeiodaanálisedosrecur- sosdequelançarammão. As"RegrasdasRelaçõesde Gênero" Pode-sedistinguirtrêstemposnahistóriadomovimento. Primeirotempo:nosprimórdiosdomovimento,asmulhereserammajoritárias(lem- bramosqueaprofissãoera80%femininaem1990)masoshomensestavamonipresentes. Entreeles,muitossãoatuaisou ex-militantessindicaise/ou políticos:sabemredigir umpanfleto,implementarcomissõesdetrabalho,tomarapalavra,organizarumamani- festação.A imensamaioriadasmulheresnadasabedistotudoque,alémdo mais,lhes infundepavor. Estavaclaro, portanto,que se deixassemas coisasassim,todas essastarefas continuariam,logicamente,cabendoaoshomenseaaçãocoletivaseriadirigidapor eles. Segundotempo:muitorapidamente,houveumareaçãoporpartedealgunshomens massobretudodasmulheres.Cito: No fim dessa(primeira)assembléiagera4lembroquea genteseolhoucom(a amigaqueestava pertodemim)edissemos:'tnasnãoépossíve4vocêviu o queaconteceuhoje?Temosuma Coorde- naçãoEnfermeira, temosprojetos,somos80% de mulheresnessaprq/issão, e hojesó homens tomarama palavra !' Estávamosinteiramentegratasporque nossabíamosincapazesdefalar (.,,) masafina4 a gentepensou: 'nãoépossíve4a genteprensafazer algo! Um aprendizadovoluntarista,coletivoe aceleradodo trabalhomilitantese iniciou entãoentreasenfermeiras. Terceirotempo:implementaçãode"regrasdegestãodamixitt'(aexpressãoénossa). Decide-sequemulheresassumirão:a presidênciade todasasAssembléiasGerais;as responsabilidadesoficiaisexigidaspelaforma"associação1901"15daCoordenação(pre- sidência,secretariado,tesouraria);aanimaçãodasmanifestações(sonorização,tomadade palavra);eadireçãodosserviçosdesegurança;finalmente,serãomulheresqueaparece- rãodemodoprioritárionasmídias. Portanto,foramimplementadasregrasqueformavamumsistema,regrasquetendiam a substituir-seao jogo livreda divisãosexualdo trabalhomilitantee dasrelaçõesde dominação.E istofuncionou,umavezqueasmulheresnãoforamexpulsasamedidaque subiramnapirâmideorganizacional(oquevainacontramãodoconstatadoemtodosos outroslugares);eatépelocontrário:énoDiretórioNacionalqueelasestãomaisnumero- 15.A leide 1901rege.na França.as associaçõessemfinslucrativos(Notado tradutor) 56 Pro-Posiçóes- vol.13.N.1 (37)- Jan/abr.2002 sas.Finalmente,elasimpuseram,emtodosos níveisdo movimentoo quepoderíamos chamardeformasfemininasdeconvívioecontribuíramassimparaaintegraçãodo mo- vimento. Logo,sãomesmoasrelaçõesdesexo(através,maisparticularmente,dadivisãosexual do trabalhomilitante)quepassaramporumraioX numespaço-tempoparticulare isto graçasàinstauraçãovoluntaristade"regrasdasrelaçõesdogênero"aplicáveisaqualquer momentoelugardomovimento.É graçasaelasquemulheresexerceramopoderdurante omovimento. Um Poder no Feminino Entretanto,esse"poder"éparticular.Quatroobservaçõesseimpõem. Primeiraobservação:trata-seaomesmotempodeumpoderconquistadoeatribuído. Atribuídopois sãosobretudohomensqueasajudarama apropriar-sedos recursosde conhecimentoeação;istonãoénovidadenomovimentooperário,masessapassaçãodos saberese práticassempreocorriaentrehomens.Contudo,o essencialaqui,é queesse poderfoi atribuídocoletivamenteàsmulherese não individualmentea umaou algumas mulher(es)particularmentebrilhante(s)ou"meritória(s)". Segundaobservação:amistidadesurgeaquicomoacondiçãonecessáriaparao exer- cíciodopoderpormulheresecomoinstrumentoparatransformarasrelaçõesdepoder. Daío postuladodeque,pelomenosnoâmbitodaslutas,acondiçãonecessária(masnão suficiente)paraumarelativaigualdadedeacessoaopodersupõequeasmulheressejam quantitativamentemuitomajoritárias. Terceiraobservação:asmulheresnãoseserviramdarelaçãode forçasquelhesera f\?vorávelparainterpelarasinstânciasmasculinas(sindicaisemparticular);emmomento algumisto foi umamáquinadeguerradirigidacontraos homense suaspráticas.Pelo contrário,esseacessoaopoderserviuparafazerfloresceraatuaçãodasprópriasmulhe- resepermitiraexistênciadessaação.Simultaneamente,elelhespossibilitousairdo rela- tivo(i.e.:pensar-seemrelaçãoaoshomens)e,dessemodo,seuacessoaouniversalcomo atestama formulação,por essas'mulheres,de reivindicaçõesnasquaisos homensse reconheceramplenamenteequeretomaramparasi. Quartaobservação:o poderdequesetrataaquiéumpodercujoexercícionãoestá relacionadoàdominação.Antes,trata-sedeumpoderdifuso,nãoconcentrado,coletivoe, entretanto,essepoderpluralfoi operacionaleserviueficientementeaação. A mistidadetemmesmo,ao queparece,um podersubversivo.Contudo,faltaainda definirdeque"mistidade"estamosfalando:nãosetratadasimplesco-presençadegru- possexuadosmasdeuma"verdadeira"mistidadenaqualasmulheresnãosãomais- tantoobjetivaquantosubjetivamente- na ilegitimidadeemrelaçãoao poder.O que supõequeasmulheressejamnelaquantitativamentemuitomajoritárias;pois istopassa pelainstauraçãodeumrelaçãodeforça.E estanãodecorremecanicamentedecotasou deparidade:eladeveserconstruída. O movimentodasenfermeirasmostrouqueerapossível. FrançoiseCollin (1978,op.cit.)dizia,maisou menosnestestermos,queasrelações sociaisdesexocriaramuma"identidadefeminina"quedispensaeatéimpedeasmulhe- 57 Pro-Posiçóes- vol. 13,N. 1 (37) - Jan/abr.2002 resdeinventarsuaspráticas,deinventar-se.Bloquearacapacidadeindividuale coletiva deinvençãodesi,significasujeitaro grupodominado.No casodasmulheres,esteestado dosfatosremontatãolongenotempoeétãodifundidonoplanetaqueédifícilimaginar, pensarqueumoutromundosejapossível. Entretanto,pelomenospor um tempo,asenfermeiraspassaramdo "eu" ao "nós". Elassetornaramumsujeitocoletivoprodutordesentido,atordesuaprópriahistória.Aofazeremisto,elassaíramdafiguradafeminidadeimpostaparasetornaremmulheresque têmo poderdeagirsobreaconstruçãoeodesenvolvimentodasrelaçõessociais.Através delas,o gruposocialmulheresapropriou-sedeoutrasmaneirasdepensaredefazer,de outrasformasde"produçãosocialdaexistênciahumana". Elasnosajudaramapensarautopia. Referências Bibliográficas Collin,Françoise(1978).No man'sland:Réflexionssur"l'esclavagevolontaire"desfemmes. In: MacchiochiMaria(dir.),Lesfemmesetleursma/Ires.Paris:ChristianBourgois,p.261- 278. Dejours,Christophe(1988).Lemasculinentresexualitéetsociété.In:Adolescence,t.6,nOl, p. 89-116. . (1998).'Travailler'n'estpas'déroger'.In: Travailler,nOl,p.5-12. Delphy,Christine(1998).L'ennemiprincipal,1:Economiepolitiquedupatriarcat.Paris:Syllepse (rééd.d'articlespubliésdepuis1970). 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