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A relação social de sexo Danìele Kergoat

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Pro-Posiçóes- vol.13.N.1(37)- Jan/abr.2002
A Relação Social de Sexo
Da Reprodução das Relações Sociais
à sua Subversão *
DanleleKergoaf1
Resumo: Análisedasespecificidadesetensõespresentesnasrelaçõessociaisdeuma
formageralenasrelaçõessociaisdesexodeformaparticular,localizandoumgrande
desafioparamelhorcompreendê-Ias- o universodo trabalho,enquanto"produção
devivência", alémmesmodo assalariamentoou profissionalização.O conceitode
qualificaçãoé tomadocomo temadediscussãoparamelhorelucidarastensõesnos
processosde legitimação no trabalho,observadasnos universos masculinos e
femininos.
Palavras-chave: Relaçõesdegênero,trabalho,qualificação,relaçõessociais.
Abstract: Analysisof thespecificsandtensionspresentin socialrelationsof ageneral
formandin thesocialrelationsof Sexinparticular,localizedagreatchallengeforabetter
compreension.
Key-words: Relationof gender,work,qualification,socialrelations.
Falardas"relaçõessociaisdesexo""emsi" comportaumriscodesolipsismo,poisé
grandeo perigode seerigirum edifícioconceitualperfeitamenteisoladonapaisagem
sociológica,desconsiderandooutrasrelaçõessociaisquetecem,comasrelaçõessociais
desexo,a tramadasociedadee impulsionamsuadinâmica.
Por sinal,os grupose os indivíduosresistemaessatentaçãoanalíticae suasprá-
ticasnos chamaminsistentementeà ordem:os sereshumanosnãoagem-e nunca
vivem- sobo prismadeumaúnicarelaçãosocial;restringirsuaspráticasaumaúnica
perspectiva,qualquerqueseja,significaprivar-sedaschavesdeacessoa todoe qual-
querentendimentodasriquezas,isto édasambivalênciaseambigüidadesdaspráticas
sociais.Em outraspalavras,ébuscarum princípioderepetiçãoondeháabundância,
complexidadee inventividade.
* TraduçãodeAIainFrançois
1. DirectricedeRechercheGERs-Grouped'ÉtudessurIaDMsionSócialeetSexuelleduTravoU.IrescoICNRS
47
Pro-Posiçóes- vol.13,N.1(37)- Jan/abr.2002
Não será'possível,nos limitesdeum artigo,passarmospelodesvioepistemológico
que,entretanto,teriasidonecessárioparaesseconceitoderelaçãosocial.Essanoçãoé
nãoapenaspoucotrabalhadaemsociologiacomotambémrestrita,commuitafreqüência,
àsrelaçõessociaisdeproduçãotomadasnaconotaçãomaiseconomicistapossível.Logo,
apenasnosescoraremosrapidamenteemalgunsautoresfranceses.
Apenasnumsegundotempo,portanto,abordaremosasrelaçõessociaisdesexo- no
plural,pararetomaraexpressãoconsagradaemlínguafrancesaemborativessesidomais
correto,pelomenosnaperspectivaqueadotamos,recorreraosingular:arelaçãosocialde
sexo.Tentaremosprecisarseuscontornose sobretudoseusdesafios2,modalizadaem
tornodo conceitodedivisãosexualdo trabalho.
Num terceirotempo,voltaremosàprópriadefiniçãoderelaçãosocialparaabordaro
problemadodeslocamentodosdesafiose,emúltimainstância,dasubversãodasrelações
sociais.Paratanto,tomaremoso exemploda qualificação,peçachavedo conceitode
trabalhoederelaçãosalarial,paramostrarcomoelaseconstróidemodoradicalmente
diferente,tantonarelaçãoaosoutrosquantonarelaçãoa si mesmoe naconfrontação
como material,no casodoshomenseno dasmulheres.
Tentaremosmostrarquea construçãodesta,nasuatríplicedimensão,fazpartedo
mínimode condiçõesmateriaise simbólicasnecessáriasparanãoapenasresistir,mas
tambémconstruircoletivosde lutae assimreformularo queestáemjogo nareferida
relaçãosocialemaisaindadesestruturá/reestruturá-Ia.Parailustraressaquestão,voltare-
mosaoquetemoschamadode"paradigmadaenfermeiracoordenada".
Essepercursoanalíticoemformadeespiraltentarámostrarnãoapenasos mecanis-
mosdereproduçãosocialcomotambémosdaslutaslarvadasouabertascontraadomi-
nação,umaespiralquedesembocará,portanto,nautopia.
DoConceitode RelaçãoSocialàsRelaçõesSociaisde Sexo
Começaremoscomdoiscorporadepropostas.Primeiroo deMauriceGodelier,para
quem"oshomensnãoapenasvivememsociedade,masproduzemsociedadeparaviver;
nodecorrerdesuaexistênciainventamnovasmaneirasdepensareagirsobresimesmos
assimcomosobreanaturezaquemoscerca."(1984).No entanto,M. Godelierinteressa-
semenospeladefiniçãodarelaçãosocialdoquepelasrelaçõessociaisdeprodução"do-
minantes":"relaçõessociaisdominamquandofuncionamaomesmotempocomorela-
çõessociaisde produçãoe como âmbitoe suportesocialdo processomaterialde
apropriaçãodanatureza".PhilippeZarifian,por suavez,falaem"produçãosocialdo
viverhumano"(1997)epropõeaseguintedefinição:"arelaçãosocialéumaconfronta-
çãosocializante.A socializaçãosempretemdoislados:elaéaomesmotempoprodução
depertencimentosegeraçãodeseparações"
Essassãoasindagaçõesdaregulaçãoedaintegraçãosocialque,atualmente,domi-
namno pensamentosociológico.Entretanto,asrelaçõesentrehomense mulheres-
independentementeda terminologiaempregada:relaçõessociaisde sexo,gêneroou
relaçõesdegênero- nãoentram,anãosermarginalmente,nessecampoepistemológico.
2. Desafiofoiapalavraescolhidaparatraduzirofrancês"enjeu",quenãotemequivalenteemlíng~
portuguesa(Notadotradutor)
48
Pro-Posiçóes- vol. 13.N. 1 (37) - Jan/abr.2002
Homensemulherescoexistemcontinuamente,vivemjuntose "produzemviver" jun-
tos3.Contudo,a teoriado laçosocialestálongedeconseguirdarconta,por si só,do
realobservável:asviolências(físicasesimbólicas)sãocotidianas,o grupodoshomens
legisla,em nomedo universal,a vidado grupo dasmulheres,exploraseutrabalho
profissionale aindaextorquedelastrabalhoextra(o trabalhodoméstico).O fatode
que,nesseúltimoponto,muitasmulherescedam"por amor"nadamudaàdurarealida-
dedosfatos.
No entanto,sãotambémgruposprodutoresdepertencimento,desolidariedade,de
reconhecimentomútuo,mesmoseos processosdessaproduçãosãomuitodiferentes
segundoseestánogrupodosdominadosounodosdominantes(Mathieu,1991).Volta-
remosaessepontomaisabaixo.
Lembramosrapidamenteessepanodefundoteóricoparachegarmaisfacilmentea
umconjuntode propostasquedelineiamos contornosde nossadefiniçãode relação
social:a relaçãosocialpodeserassimiladaa uma"tensão"queperpassaa sociedade;
tensãoestaquesecristaliza,paulatinamente,emdesafiosemtornodosquais,paraprodu-
zir sociedade,parareproduzi-Iaou "inventarnovosmodosdepensare agir",os seres
humanosestãoemconfrontopermanente.Essessãoosdesafiosconstituintesdosgrupos
sociais.Estesúltimosnãosãodadosdeantemão,criam-seemtornodessesdesafiospela
dinâmicadasrelaçõessociais.Finalmente,asrelaçõessociaissãomúltiplase nenhuma
delasdeterminaatotalidadedo campoqueestrutura.Juntastecematramadasociedade
eimpulsionamsuadinâmica:elassãoconsubstanciais.
Logo,anoçãoderelaçãosocialremeteaomesmotempoaumprincípiodegeração(as
relaçõessociaisproduzemereproduzem,pelamediaçãodosdesafios,aspráticassociais
que,por suavez,agemsobreas tensõesquesãoasrelaçõessociais)e a um princípio
heurístico(asrelaçõessociaisservemparacompreenderaspráticasobservadas).
Ao passarmosparao níveldasrelaçõessociaisdesexo,encontramosasmesmascarac-
terísticas:osgrupossexuadosnãosãooprodutodedestinosbiológicos4masantesconstructos
sociais;essesgruposconstroem-sepor tensão,oposição,antagonismo,emtornodeum
desafio,o do trabalho.As relaçõessociaisdesexotêmumabasematerialemboratenham,
também,umabaseideativa:qualquerpoder,diziaFoucault,precisadeumsaber;nestecaso,
o naturalismoservedeideologiadelegitimação,de"doxadesexo"comodiriaMonique
Haicault(2000).Elaspodemserperiodizadas,fazemaHistóriaassimcomoasoutrasrela-
çõessociais.Essasrelaçõessociaissefundamentamprimeiroeantesdemaisnadasobre
umarelaçãohierárquicaentreos sexos;trata-semesmodeumarelaçãodepoder,deuma
relaçãode"classe"(Guillaumin,1992)-enãodeumsimplesprincípiode"classificação".
Entretanto,emboraa relaçãosocialde sexotenhaa mesmanaturezaqueasoutras
relaçõessociais(elassãoconsubstanciais),elatemsuascaracterísticaspróprias:perpassa
3. É.porsinal.umadasespecificidadesdessarelaçãosocial:asmulheresnãosãosegregadas.comoos
outrosgruposdominados;elasestãoinscritasnoconjuntodossistemassociaisdeidade.declasse.de
raça.Ver.ostrabalhosdeGoffmanaesserespeito.In:Winkin(1995).Essasituaçãotemumasériede
conseqüênciasentreasquaisofatodeasmulheresnãopoderem.comoosoutrosoprimidos.reservar-
seumespaçopróprio.coletivoouindividual.
4. A esserespeito.é precisoremetera todaa literaturaanglo-saxãe francesaquedesconstruiuabipolarldadedossexosmasculinoefeminino.Sobrearelaçãoentresexobiológicoesexosocial.ver.
emparticular.Peyre.Wielse Fonton(1991)assimcomoPeyreeWiels(1997)e Mathieu(2000).
49
pro-posiçóes-vel.13.N.1(37)- Jan/abr.2002
atotalidadedo espaço-tempoconhecidoeassegregaçõesqueoperatêmformasparticu-
lares(vernota1),etc.
A DivisãoSexualdo Trabalhos
o trabalhoé, a nossover,o desafiodasrelaçõessociaisdesexo.Não setrataaqui
apenasdotrabalhoassalariadooumesmoprofissionalmasdetrabalhoenquanto"produ-
çãodevivência"6.Ele tem,nessetexto,umduploestatuto:
-No planocoletivo,esseconceitodetrabalhoincluinãoapenaso trabalhoprofissional(quer
sejaassalariadoounão,comercialounão,formalounão)comotambémo trabalhodoméstico
(queexcedeemmuitoastarefasdomésticasparaincluiroscuidadoscorporaiseafetivospara
comosfilhos,o acompanhamentodesuaescolaridadeeatésuaproduçãofisica~.Estenãose
caracterizaporumaacréscimodetarefasmasquercomo"mododeproduçãodoméstica"(Delphy,
1998),quercomouma"relaçãodeserviço"-adisponibilidadepermanentedotempodasmu-
lheresparao serviçodafamíliaemaisamplamentedosparentes-, relaçãoconsideradacomo
característicadoprocessodetrabalhodoméstico(Fougeyrollas-Schwebel,2000):
- No planoindividual,recuperamosaidéiadequeaatividadedetrabalhoéprodução
desi:''Trabalhar,nãoéapenastransformaro mundo,étambémtransformarasimesmo,
produzirasimesmo."(Dejours,1998).O queimplicaquenãosepodepensaro trabalho,
inclusivesociologicamente,semlevaremcontaasubjetividade8.
Vemosbem,então,como,pelofio do"trabalho"assimredeftnido,consegue-seapre-
endernasmalhasdaanálisecampostãotradicionalmenteafastadosdo assalariadocomo,
porexemplo,anormadaheterossexualidade.
A divisãosexualdotrabalhocaracteriza-sepeladesignaçãoprioritáriadoshomensàesfera
produtivaedasmulheresàesferareprodutivaassimcomo,aomesmotempo,acaptaçãopelos
homensdasfunçõescomfortevalorsocialagregado(políticas,religiosas,militares,etc).
Essaformadedivisãosocialtemdoisprincípiosorganizadores:
-o princípiodeseparação(hátrabalhosdehomense trabalhosdemulheres)
-oprincipiohierárquico(umtrabalhodehomem"vale"maisdoqueumtrabalhodemulher).
O fatodessesdoisprincípiosorganizadoresseencontrarememtodasassociedadesconhe-
cidasedeseremlegitimadospelaideologianaturalista,nãoquerdizer,contudo,queadivisão
sexualdotrabalhosejaumdadoimãtável.Pelocontrário,suasmodalidadesconcretasvariam
muitonotempoenoespaçocomodemostrarametnólogos/asehistoriadores/as.
o DeslocamentodosDesafios
A extremavariabilidadedasmodalidadesda divisãosexualdo trabalhoé essencial
paranossopropósitopois,assim,pode-sepensare estudarao mesmotempotantoos.
5. Paraumaapresentaçãomaisexaustiva.ver.emparticular.Kergoat(1998)
6. Segundoa expressãoempregadaporHiratae Zarifian(2000)
7. Nesteponto.ver1aOOt(1998)
8. Desdeseusprimórdios.os trabalhosem termosde relaçõessociaisde sexoinsistiramsobrea
transdisciplinaridade.quedeveindispensavelmenteserimplementadaporaconstruirmosnossosobjetos
de pesquisa.Evocamosaquia psicologia,masé sempreprecisoconvocartambéma história.a
filosofia,aergonomia.a economia,etc.
50
Pro-Posiçóes- vol.13,N.1(37)-JanJabr. 2002
fenômenosdereproduçãosocialquantoosdeslocamentoserupturasdestae,portanto,a
emergênciadenovasconfiguraçõesquepodemtenderaquestionaraprópriaexistência
dessadivisão.
Dessemodo,conseguimossairdo faceafacegrupodoshomens/grupodasmulheres
(facea faceteorizadopor meioda"complementaridadedospapéis"versus"a guerrados
sexos"),tensãoque,postanestestermos,nãopodesenãoenclausurar-nosnumaproble-
máticadadominação,dareproduçãoidênticadasrelaçõessociaisedesuasmodalidades.
Por sinal,independentementedo pontodevistaqueadotarmos,pensaremtermosde
"guerrados sexos" não faz sentido:os dominantes- os homens,no caso- não "lutam"
(emboraisto tenhaacontecido)contraasmulheres;o quefazem,é dirigir,remodular
incessantemente,emfavordeseusinteresses,asrelaçõessociaisdesexopormeiodeseu
desafio,adivisãosexualdo trabalho(comoatestamamplamente,emboraistoseriamaté-
riaparaumoutroartigo,osreajustesconstantes,aolongodahistória,daspolíticassociais
e familiares).
É portantopreciso,agora,vercomoastensõesvinculadasàsrelaçõessociaispodem
sedeslocareemquecondições.
UmDeslocamentoDifícil
Comoexemplo,nosapoiaremos,aqui,sobreumconceitoprimeiroemsociologiado
trabalho,o dequalificação.Esteexemploofereceavantagemderemetera umanoção
muitoexpressivaparatodosetodas,equeépercebidacomobemconhecidaedominada,
tantopelosmilitantesquantopelosintelectuais,mesmoseelacontinuasendoobjetode
debatesacalorados,sendoacontrovérsiaqualificação/competênciaumailustraçãodisto.
Entretanto,suadesconstruçãopelaproblemáticadasrelaçõessociaisdesexotornaesse
problemasingularmenteopacoaorevelarqueaconstruçãoindividualecoletivadarelaçãoà
qualificaçãoocorredemodoradicalmentediferentenocasosdoshomensenodasmulheres,
queelanãopodesercompreendidasemaintervençãodasubjetividade9equeelaimplodea
distinçãopolíticaentreprivadoepúblico.Em suma,essaabordagemimplicaumareviravolta
radicaldasfronteirasdisciplinaresedascategoriastradicionaisdopensamentopolítico.
Paraoshomens,o trabalhoassalariadoé"natural",coextensivodavirilidade.Ou,emoutras
palavras,o conceitodetrabalhofoipensadodemodocoextensivoaodevirilidade.Então(e
estamosesquematizandoaomáximo),o trabalhoemgeraleaqualificaçãoemparticularpodem
desembocarnaconstituiçãodecoletivos.Nãodizemosaquiqueistosejafácilmasapenasque
nãohásoluçãodecontinuidadeentregrupodoshomens/trabalho/qualificação/virilidadetO.
No gruposocialdasmulheres,ascoisassãobemdiferentes.No casosdestas,autodefinir-
seemostrar-se,individualecoletivamente,como"qualificadas"éumprocessoextrema-
9. Nesteúltimoponto.verasegundaediçãode"Travai!,usurementale"(Dejours.1993)quearticulaos
desafiossubjetivoseotrabalhoemtomodostrêspólosdotriângulo"ego,real.outrem".Vertambém
HirataetKergoat(1988)
10.Eé issomesmoqueexplicaa configuraçãomuitoparticular.deumpontodevistodegênero,do
movimentooperárioe desuahistória."Avirilidadedesignaa expressãocoletivae individualda
dominaçãomasculina"(MoIinier,2000).Pode-se"desdobrar"esseconceitoaqui.Oleitorpoderáconferir
oartigodeDejours(1988)que.numaperspectivapsicanalítica,distinguemasculinidadeevirilidade.
assimcomoaobradeMosse(1997).
51
Pro-Posiçóes- vol.13.N.1 (37) - Jan/abr.2002
mentecomplexo.Parademonstraristo,tomaremosdois exemplos:o dasenfermeiras
(exemplotípicodeofício feminino)e,nabasedostrabalhosdeLivia Scheller(1996),o
dasmotoristasdeônibus(ofícioconsideradocomomasculino).
As qualificaçõesexercidaspelasmulheressãoraramentereconhecidasenquantotais.
Comodissemos,o valoratribuídoao trabalhodeumamulheré sempreinferioràquele
atribuídoaotrabalhodeumhomem.Ora,ePierreNaville(1956)insistianisto,éo valor
socialmenteatribuídoaumtrabalhoque,emparte,fundamentaaqualificação:Obviamen-
te)quantomaisotrabalhofor resultadodeumaaquisição)maisaparececomoqualijicado.Quantomais
elefor o efeitodecapacidadesquepodemoschamardenaturais,menoséqualijicado.Precisamos
aprofundaresseraciocínioeenfatizardoispontos:
1°)Essasqualidadesditas"naturais"sãodisparesemfunçãodossexos,umavezqueumas
sãomuitomaisvalorizadas(sensodacompetição,agressividade,vontadedepoder,força
fisica...)doqueoutras(sensodasrelações,meiguice,"instinto"materno,dedicação,minúcia...).
2°)É precisooporqualidadesequalificação;alémdo mais,àessaprimeiraoposição,
éprecisoacresceraseguinte:aqualificaçãomasculina,individualecoletiva,éconstruída
socialmente;asqualidadesfemininasremetemaoindivíduoou aogênerofeminino(ou
antesaogênerotalcomoseincarnaemcada"indivídua"),esãoadquiridaspor meiode
umaprendizadoerroneamentevivenciadocomoindividual,porocorrernaesferaditado
privadoll;assim,elasnãosãovalorizadassocialmente.Daí umarelaçãodeforçaemsua
desvantagemcomos empregadores,e sabemosqueédestestambémqueaqualificação
vairesultar.
É, portanto,um verdadeiro"desaprendizado"queasmulheresdevemempreender
parapoderemreivindicarcoletivamenteo reconhecimentodesuaqualificaçãoe,eventu-
almente,entraremluta.
A LongaMarcha:das"QualidadesFemininas"
à ReivindicaçãodeQualificação
Primeiroexemplo:o dasmotoristasdeônibus
Estamosaquinumuniversoconstruídohistoricamenteporeparaoshomens.Nele,o
protocolodecontrataçãoéomesmoparatodos;unseoutrostêmportanto,formalmente,
umaqualificaçãoequivalente.Contudo,nadafeitoquantoà admissãodemulheresno
grupo;emoutraspalavras,nadafeitoquantoàigualdade:
Logo)tem(iSdeprovar quesomoscomoeles)emboratenhamoscursadonasmesmasescolas)passa-
donosmesmosconcursos)tiradoa mesmacarteirademotorista:entretanto)éprecisoconseguirque
nosaceiteme)alémdomais,ficarmos umpoucodominadas)istoé,fazer comqueacreditemque
nosdominam)logorepresentartudoisto.Mas um dia ou outrovemo estresse:eujá passeipor
isto.Surgeo estresseedepoisvema deprê.
11.Obviamente.paraapoiaresseraciocínio.tertasidopreciso.aqui.mostrarcomoeleseaplica.embora
segundomodalidadesdiferentesemcadacaso.àeducação.aodiplomaeàexperiênciaprofissional.
Éo entrelaçamentodessastrêsdimensõesquereproduz(estamosfalando.aqui.do mercadode
trabalho)o nãoreconhecimentomaciçodasqualificaçõesfemininas.
52
Pro-Posições- vaI.13.N.1(37) - Jan/abr. 2002
Conseguirse,.aceitopelogrupoéumaoperaçãodiftcilnaqual,por sinal,muitasdelasfracassam,
operaçãoqueUvia Schellerchamade "estratégiada artedorespondedor'~
Poispossodizerque5 anosatrás,noprimeirodiaquechegueiàgaragem...bem,agentechegae
sótemhomens,fá...eéumamulherquechega,alémdomaisjovem...Quandoeuchegueinasala
dosmotoristasàs6 damanhã(...)bem,todomundoolha,quandoagenteentra:já,nãosefica
muitoà vontade;depoistemsempredoisou trêscarasquesoltamumasbrincadeiras...No
começo,agentenuncasabecomolevarasbrincadeiras.E eupossodizerquesentimuitomedo:no
primeirodia,eumepergunteio queia serdemim...Depois,maistarde...entendi.(...)Já era
casada,maselesnãoseincomodavam:casada,filhos,istonãoosdetém...Portanto,épreciso
mantê-Iosà distância,masdelicadamente,porqueseformosbruscasdemais...porqlleelesfalam
entresi,oshomens,edepois,seficarmoscoma reputaçãostda,elesdizem'aquelaéumababaca~
etc.É precisoaceitara brincadeira,claro,masistoéumaqllestãodeíndoletambém..."
(trabalhaem turno, 5 anos de empresa,casada,2 f1lhos).
Portanto,essa"artedo respondedor"seresumea aceitaro desafiodaprovocação
sexualretirando-lhe,com humor,suacargaagressiva.Isto faz com queas mulheres
finalmentese tornemcolegas,acontecimentoquevai submetê-Iasàs mesmasregras
queoshomens.
Masser"aceito"pelogruponãoquerdizerentrarnocoletivo.Poisesteseconstruiu
emtorno de "regrasde ofício", duaspedrasangularesdasquaissãoa aceitaçãode
horáriosflexíveiseo deverdefazerrespeitaro regulamentopelospassageiros.Quanto
aessesdoispontos,homensemulheresestãoemcompletodescompasso:os horários
emturnoacarretamparaestascontradiçõesacercade suavidafamiliar,contradições
quesomentepodemcalar;quantoaorespeitoaoregulamento,todossabemosatéque
pontoa violênciafaz partedo cotidianodo ofício, em certaslinhas.Diantedessas
transgressões,os motoristasreagemdemodomuitodiferentesegundoo sexo:os ho-
mensquer,apósfazerde tudoparamanterem-secalmos,respondemàviolênciapela
violência,queracabamimplementando11mmecanismoparaevitarradicalmentetodocontatocom
osusuários.oqualacabamarcandoporinteiroa suarelaçãoaotrabalho;as motoristas,pelo
menosboapartedelas,fazemmostra,por suaparte,de umacapacidadeparatolheros
comportamentosagressivosdecertosIIsuáriosdoobjetodesuaviolência:seomotQristasabepassarileso
pelaprovocação,a agressividadepodeserdistanciada011pelomenosdeslocada.O desafioconsisteem
nãosentir-sealmdadopessoalmentepor essaviolência,a nãoserCOlHOentidadesimbólica.O que
revela,segundoLivia Scheller, "as formas sexuadasde uma subjetividadeque atuana
atividadede trabalho".Mas as motoristas não verbalizam essasestratégias,entretanto
eficientesem muitos casos.
Sell silênciosedeveaofato delassaberemmais oumenosconscientemente,por URllado, queesses
atuaçõesestãomenosvinculadosa um know-howprescritiveldo quea 11111'hábito'feminino de
contençãodooutroe,por outrolado,queseuscolegashomensnãosllportarimHmuitoouvirquese
podedesmontarcomuma brincadeira01111111sorrisoqlledesarmaos comportamentosagressivos
011ameaçadoresdecertosjovens.Portanto,Sei(silêncioéofmto deumaescolhadenãocompetitividade
comoshomensa respeitodosconteúdosdeoficio.
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Pro-Posiçóes-vol.13,N.1(37)- Jan/abr.2002
Sereinsenrmosesseestudodentrode nossopropósito,veremos,entretanto,queo
problemadaqualificaçãonãofoimesmoresolvido,umavezqueo queasmulheresreali-
zampara"bem"fazerseuofício(conduzire transportarpassageiros)é,nessecaso,tam-
bémreduzidoa"qualidades"femininas.Fazercomqueestasalcancemo graudenovos
critériosdequalificação,aseusolhoseaosolhosdesuascolegasfemininas,suporiatodo
umtrabalhodeclivagemsimbólica(sersocialmenteumamulher/serumamotoristade
ônibus)queelasnãopodemefetuardemodosolitário(L. Schellernotaquenãoexiste
coletivofemininol~.E mesmoseessetrabalhofosserealizado,restariaentraremconflito
comseuscolegasmasculinosparafazercomqueadmitamqueos conteúdosdo ofício
sãomaisamplosdo queelessupõem,quesedeveintegrarà"qualificação"os saberesde
queo grupodasmotoristaséportador.
Segundoexemplo:o dasenfermeiras13
O movimentodasenfermeirassustentou-sepelareivindicaçãodoreconhecimentode
suaqualificação.Poissea representaçãosocialdestaémuitomaisvalorizadorado quea
demuitasoutrasmulheres,muitasambigüidadespermanecem,contudo,tantoarespeito
dasqualidades/qualificaçõesexigidasdelasquantoacercadamaneiracomoaspróprias
enfermeirasvivemsuaqualificação.
A fontedessaambigüidaderesidena históriadaprofissão:quemfalaemreligiosas
falaemvocação,aqualpostulaumarelaçãoimediata,quasevisceral,comaprofissão.
A primeirarupturaquesedeveoperaré,portanto,comavocação.Emboraistotenha
ocorridohámuitotempo,essaideologiaperdura,atualmente,naformaçãoounostextos
jurídicosquedefinemo exercícioprofissional.
Logo,estamosdiantedeumaprofissãomaciçamentefeminizadana qualos papéis
sociaispedidosàstrabalhadorassão:papéisfemininosqueremetem,comoparaaimensa
maioriadamãodeobrafeminina,aqualidadesmaisdo queaqualificações;epapéisque
remetem, alémdo mais,a qualidadesindividuais,àpessoadatrabalhadora.
Isto,consequentemente,dificultamuitoaconstruçãodanoçãodequalificaçãol4.De
fato:nãosecodificamvaloresmorais:estesnãopodemserretribuídos,assimcomonão
seretribuemas"qualidadesfemininas";enfim,anoçãodequalificaçãoapenaspodeesco-
rar-senumcoletivo,o qual,nocaso,temcomopontodeorigemmeras"pessoas"quetêm
ounãoqualidadesindividuais,e não"trabalhadoras".
Portanto,durantemuitotempopermaneceu-seno campodaessência,daeducação
moral,emsuma,do individual.E tudoisto nãoé negociável:está-sefora da relação
salarial,aopassoqueaqualificaçãoé,aocontrário,aexpressãodarelaçãocapital/traba-
lhonumdadomomentoeédaordemdocoletivo.
Chegamos,assim,à segundarupturaquesedeveoperar:ahipóteseé que,desaída,
essaprofissãofoi contestadapor constituir-seemtornodapessoaenfermeiradefinida
porpapéisprescritos,masqueessacontestação,paraterêxito,devia,numprimeirotem-
po,inscreveraprofissãonocampodarelaçãosalarialantesdepoder,numsegundotem-
12."AdMsãosorrateiraque afetaas mulheresé a divisãoem indivíduos:(Collin,1978)
13.Nossabase,aqui,é umestudosobrea Coordenação Enfermeira(Kergoatet alii,1992)
14.Essasituação,a nossover,explicaque asenfermeirastenhamusadomaisa palavra"competência"
do que"qualificação'e, maisainda,que elastenhamfaladomuitoem termosde "identidade".
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po,pensá-Iaemtermosdequalificação.Em outraspalavras:a relaçãoà salarizaçãoé a
passagemobrigatóriaparaquehajaconstruçãodeumarelaçãoàqualificação,sendoesta
acondiçãonecessáriaparapodernegociarsalárioeestatuto.
A dissociaçãovidaprivada/vidaprofissionalfoi aexigêncianecessáriaparaingressar
subjetivamente(coletivae individualmente)narelaçãosalarial:
Seria bomsesepudesseaprendera serumaprf!fissional Se a genteconseguissesepararo queé
prf!fissionaldoqueépessoal..(entrevistacoletivanumserviçodenoiteemoncologia)
Contudo,haviaum obstáculodepesoqueperduravamasfoi derrubadopelaterceira
ruptura:adissociaçãoentreamulhereatrabalhadora.
No início,enquantoenfermeira,eulevavamuitoa mal as reflexõesdoshomens,do tipo:a senhora
tema mãodoce,coisasassim.Eu levavaistomuitoa malporquenãoqueriamisturar,queriaser
reconhecidaenquantoenfermeira,não enquantomulher(...).Antes, eusempretinha medo.Sabe,
quandovocêémina,sempresentemedodoscontatosporqueospercebecomoumaagressãofisica: não
sedevetocaremmimporquesignificaquequerempegaro meucorpoeistonãosuporto.Isto numa
épocaemqueainda sentianecessidadede me afirmar enquantopro.ftssiona~enquantomulher
também.Mas agora,quandomedizemisto,umavezqueseiquemsounoplanopro.ftssiona~num
planopuramenteindividua~euacreditoque nãomechocomais (...). p.4gora),o intuitoé queo
pacientediga:sim, istomefaz bem,essecontatomefaz bem(...)
(enfermeiraemserviçodereanimação,35anos).
Portanto,asseguintesdisjunçõesocorreramsucessivamente:negaçãodavocação,se-
paraçãoclara"vidaprivada"/vida profissional,separaçãoentrepapelfemininoe papel
profissional.
Somenteapósisto,elaspuderamreivindicarumaqualificação,umofício,quesesitu-
emnocampoestritodarelaçãosalarial.E umofíciocujadimensãorelacional,que,àseus
olhos,constituio própriosentidodesuaprofissão,éconstruídaindividualecoletivamen-
tecomoumaqualificação.
UmaReformulaçãodo Desafioda Relação Social:"O Paradigmada
EnfermeiraCoordenada"
Esseproblemadaqualificaçãoéportantoumobstáculoàpassagemdogrupo(definido
aquicomoreuniãodeindivíduos)aocoletivo.Ora,essapassageméacondiçãosinequanon
deumamobilizaçãoemtornodosdesafiosdasrelaçõessociais(aqui,o trabalho),mobilização
coletiva,aúnicaquepossadeslocaranaturezaeaconfiguraçãodessesdesafios.
Restarefletiracercada subversãodasrelaçõessociais,isto é a saídado facea face
homens/mulheresquepodeapenasnosenclausurarnumaproblemáticadadominação.
Sendoasociologia(também)umaciênciaempírica,cabebuscarexemplosconcretos,
analisarcomoequandoascoisasocorrem,paraverqueformasessasubversãotomae
quedeslocamentos(mesmopotenciaisou limitadosno tempo)elaoperanasrelações
sociaisdesexo,parao ondeelaasremete,quenovoespaçoelaabre.
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Dessemodo,asenfermeirascoordenadastêmdemonstradoa capacidadedo grupo
socialmulheres,emcertascondiçõesbemprecisas,dedaraodesafio-trabalho(nadefini-
çãoquelhedemosaqui)um conteúdoquedeslocaasrelaçõessociaisdesexoemsuas
formasatuais:com sualuta,elasdelinearamos contornosdeumanovafigurasalarial
femininaquequestionoutantoos mecanismosdarelaçãosalarialquantoos darelação
entreossexos.É esseúltimopontoqueevocaremosagorapormeiodaanálisedosrecur-
sosdequelançarammão.
As"RegrasdasRelaçõesde Gênero"
Pode-sedistinguirtrêstemposnahistóriadomovimento.
Primeirotempo:nosprimórdiosdomovimento,asmulhereserammajoritárias(lem-
bramosqueaprofissãoera80%femininaem1990)masoshomensestavamonipresentes.
Entreeles,muitossãoatuaisou ex-militantessindicaise/ou políticos:sabemredigir
umpanfleto,implementarcomissõesdetrabalho,tomarapalavra,organizarumamani-
festação.A imensamaioriadasmulheresnadasabedistotudoque,alémdo mais,lhes
infundepavor.
Estavaclaro, portanto,que se deixassemas coisasassim,todas essastarefas
continuariam,logicamente,cabendoaoshomenseaaçãocoletivaseriadirigidapor
eles.
Segundotempo:muitorapidamente,houveumareaçãoporpartedealgunshomens
massobretudodasmulheres.Cito:
No fim dessa(primeira)assembléiagera4lembroquea genteseolhoucom(a amigaqueestava
pertodemim)edissemos:'tnasnãoépossíve4vocêviu o queaconteceuhoje?Temosuma Coorde-
naçãoEnfermeira, temosprojetos,somos80% de mulheresnessaprq/issão, e hojesó homens
tomarama palavra !' Estávamosinteiramentegratasporque nossabíamosincapazesdefalar
(.,,) masafina4 a gentepensou: 'nãoépossíve4a genteprensafazer algo!
Um aprendizadovoluntarista,coletivoe aceleradodo trabalhomilitantese iniciou
entãoentreasenfermeiras.
Terceirotempo:implementaçãode"regrasdegestãodamixitt'(aexpressãoénossa).
Decide-sequemulheresassumirão:a presidênciade todasasAssembléiasGerais;as
responsabilidadesoficiaisexigidaspelaforma"associação1901"15daCoordenação(pre-
sidência,secretariado,tesouraria);aanimaçãodasmanifestações(sonorização,tomadade
palavra);eadireçãodosserviçosdesegurança;finalmente,serãomulheresqueaparece-
rãodemodoprioritárionasmídias.
Portanto,foramimplementadasregrasqueformavamumsistema,regrasquetendiam
a substituir-seao jogo livreda divisãosexualdo trabalhomilitantee dasrelaçõesde
dominação.E istofuncionou,umavezqueasmulheresnãoforamexpulsasamedidaque
subiramnapirâmideorganizacional(oquevainacontramãodoconstatadoemtodosos
outroslugares);eatépelocontrário:énoDiretórioNacionalqueelasestãomaisnumero-
15.A leide 1901rege.na França.as associaçõessemfinslucrativos(Notado tradutor)
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sas.Finalmente,elasimpuseram,emtodosos níveisdo movimentoo quepoderíamos
chamardeformasfemininasdeconvívioecontribuíramassimparaaintegraçãodo mo-
vimento.
Logo,sãomesmoasrelaçõesdesexo(através,maisparticularmente,dadivisãosexual
do trabalhomilitante)quepassaramporumraioX numespaço-tempoparticulare isto
graçasàinstauraçãovoluntaristade"regrasdasrelaçõesdogênero"aplicáveisaqualquer
momentoelugardomovimento.É graçasaelasquemulheresexerceramopoderdurante
omovimento.
Um Poder no Feminino
Entretanto,esse"poder"éparticular.Quatroobservaçõesseimpõem.
Primeiraobservação:trata-seaomesmotempodeumpoderconquistadoeatribuído.
Atribuídopois sãosobretudohomensqueasajudarama apropriar-sedos recursosde
conhecimentoeação;istonãoénovidadenomovimentooperário,masessapassaçãodos
saberese práticassempreocorriaentrehomens.Contudo,o essencialaqui,é queesse
poderfoi atribuídocoletivamenteàsmulherese não individualmentea umaou algumas
mulher(es)particularmentebrilhante(s)ou"meritória(s)".
Segundaobservação:amistidadesurgeaquicomoacondiçãonecessáriaparao exer-
cíciodopoderpormulheresecomoinstrumentoparatransformarasrelaçõesdepoder.
Daío postuladodeque,pelomenosnoâmbitodaslutas,acondiçãonecessária(masnão
suficiente)paraumarelativaigualdadedeacessoaopodersupõequeasmulheressejam
quantitativamentemuitomajoritárias.
Terceiraobservação:asmulheresnãoseserviramdarelaçãode forçasquelhesera
f\?vorávelparainterpelarasinstânciasmasculinas(sindicaisemparticular);emmomento
algumisto foi umamáquinadeguerradirigidacontraos homense suaspráticas.Pelo
contrário,esseacessoaopoderserviuparafazerfloresceraatuaçãodasprópriasmulhe-
resepermitiraexistênciadessaação.Simultaneamente,elelhespossibilitousairdo rela-
tivo(i.e.:pensar-seemrelaçãoaoshomens)e,dessemodo,seuacessoaouniversalcomo
atestama formulação,por essas'mulheres,de reivindicaçõesnasquaisos homensse
reconheceramplenamenteequeretomaramparasi.
Quartaobservação:o poderdequesetrataaquiéumpodercujoexercícionãoestá
relacionadoàdominação.Antes,trata-sedeumpoderdifuso,nãoconcentrado,coletivoe,
entretanto,essepoderpluralfoi operacionaleserviueficientementeaação.
A mistidadetemmesmo,ao queparece,um podersubversivo.Contudo,faltaainda
definirdeque"mistidade"estamosfalando:nãosetratadasimplesco-presençadegru-
possexuadosmasdeuma"verdadeira"mistidadenaqualasmulheresnãosãomais-
tantoobjetivaquantosubjetivamente- na ilegitimidadeemrelaçãoao poder.O que
supõequeasmulheressejamnelaquantitativamentemuitomajoritárias;pois istopassa
pelainstauraçãodeumrelaçãodeforça.E estanãodecorremecanicamentedecotasou
deparidade:eladeveserconstruída.
O movimentodasenfermeirasmostrouqueerapossível.
FrançoiseCollin (1978,op.cit.)dizia,maisou menosnestestermos,queasrelações
sociaisdesexocriaramuma"identidadefeminina"quedispensaeatéimpedeasmulhe-
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resdeinventarsuaspráticas,deinventar-se.Bloquearacapacidadeindividuale coletiva
deinvençãodesi,significasujeitaro grupodominado.No casodasmulheres,esteestado
dosfatosremontatãolongenotempoeétãodifundidonoplanetaqueédifícilimaginar,
pensarqueumoutromundosejapossível.
Entretanto,pelomenospor um tempo,asenfermeiraspassaramdo "eu" ao "nós".
Elassetornaramumsujeitocoletivoprodutordesentido,atordesuaprópriahistória.Aofazeremisto,elassaíramdafiguradafeminidadeimpostaparasetornaremmulheresque
têmo poderdeagirsobreaconstruçãoeodesenvolvimentodasrelaçõessociais.Através
delas,o gruposocialmulheresapropriou-sedeoutrasmaneirasdepensaredefazer,de
outrasformasde"produçãosocialdaexistênciahumana".
Elasnosajudaramapensarautopia.
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