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Transtornos relacionados ao uso de substancias

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Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias
INTRODUÇÃO
As drogas psicoativas são substâncias que agem no sistema nervoso central (SNC), provocam mudanças no humor, no comportamento, na percepção/consciência e podem causar dependência. 
Apesar de nenhum uso dessas substâncias ser considerado seguro, os riscos e prejuízos aumentam com a progressão do consumo
INTRODUÇÃO
Padrões de Uso:
Experimental: uso inicial, infrequente e esporádico de determinada droga;
Recreativo: uso de determinada droga, em geral, em situações sociais ou de relaxamento, sem consequências negativas;
Uso frequente: consumo regular, não compulsivo, que não traz prejuízos significativos para o funcionamento do indivíduo;
Uso abusivo/uso nocivo: consumo continuado ou recorrente que traz algum prejuízo ao usuário, como problemas legais, físicos ou mentais;
Dependência: uso continuado, caracterizado por tolerância, sintomas de abstinência, compulsão, etc. 
INTRODUÇÃO
Conceitos:
Intoxicação: síndrome reversível específica à substância, causada pela sua recente ingestão. É caracterizada por alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e mal adaptativas devido ao efeito da substância sobre o SNC (por ex., beligerância, instabilidade do humor, prejuízo cognitivo, comprometimento da memória, prejuízo no funcionamento social ou ocupacional) e outros sistemas do organismo.
Abstinência: desenvolvimento de uma síndrome específica à substância devido à cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado. Essa síndrome causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 
NEUROBIOLOGIA
 A dependência química é considerada uma doença do cérebro, crônica e recidivante, caracterizada pelo comportamento de busca da substância, desejo e consumo intensos desta, apesar das consequências negativas. Esse uso produz mudanças estruturais e de funcionamento do cérebro.
Todas as substâncias que podem levar à adição aumentam a dopamina (DA) no estriado ventral, também conhecido como nucleus accumbens. Esta região é considerada o centro de recompensa e prazer do cérebro e, também está relacionada aos sintomas positivos na esquizofrenia (via dopaminérgica mesolímbica). 
NEUROBIOLOGIA
“Baratos naturais”: existem muitas maneiras naturais de desencadear os neurônios dopaminérgicos mesolímbicos para liberar dopamina, desde realizações intelectuais, esportivas, até a comida e o orgasmo. 
Os impulsos que chegam à via mesolímbica e que medeiam esses baratos naturais possuem um “farmácia” de substâncias endógenas como as endorfinas (assemelham-se à morfina e à heroína); a anandamida (similar à maconha); a acetilcolina (com ação parecida com a nicotina) e a dopamina (similar a vários estimulantes, como a cocaína). 
NEUROBIOLOGIA
Apesar de as drogas psicoativas terem diferentes mecanismos de ação, quase todas levam a um aumento de dopamina na via mesolímbica, de maneira direta (elevação da liberação de dopamina ou inibição de sua recaptação, como no uso de cocaína e metanfetamina) ou indireta (modulação de outros sistemas de neurotransmissores, como no uso de opioides, álcool e cannabis). A quantidade e intensidade de dopamina liberadas pelo uso de drogas de abuso são significativamente maiores as aquelas liberadas por "recompensadores naturais" como sexo ou comida.
NEUROBIOLOGIA
A ativação do sistema de recompensa e liberação de dopamina repetidamente leva ao aprendizado do comportamento de obtenção e uso da droga.
 Além disso, esse comportamento passa a ser associado a diversos estímulos que antes eram neutros, ou seja, não associados à droga. Como exemplo, um fumante que fica com muita vontade de fumar quando passa na frente do estabelecimento em que compra o cigarro.
Na persistência do consumo, um fenômeno de sensibilização acontece nas vias mesolímbicas por plasticidade sináptica, levando a um consumo mais intenso e persistente. 
NEUROBIOLOGIA
A dopamina está associada à motivação, e a motivação para buscar a substância constitui a característica básica da adição. A busca e o uso da substância passam a constituir o principal impulso motivacional do adicto e, portanto, o indivíduo fica estimulado e motivado quando busca obter a substância, porém retraído e apático quando exposto a atividades que não estejam relacionadas com ela. 
O que começa com o aumento da liberação de dopamina no nucleus accumbens, resultando no efeito de recompensa, pode terminar em um impulso compulsivo com aumentos em escaladas das doses, na tentativa de obter maior estimulação da recompensa a fim de restaurar a deficiência resultante de dopamina. 
NEUROBIOLOGIA
ESTIMULANTES
Cocaína:
 É um poderoso estimulante do sistema nervoso central, derivada das folhas da planta erythroxylon coca. O hidrocloreto de cocaína é a substância na forma de sal, comumente vendida como pó. O crack é a cocaína na forma de base, consumido por via pulmonar; ele chega rapidamente à via pulmonar, o que produz rápida absorção e efeito mais intenso quando comparado com o consumo de cocaína pelas vias nasal e endovenosa. 
ESTIMULANTES
Cocaína:
A cocaína liga-se ao receptor dopaminérgico e diminui a recaptação da dopamina. A maior disponibilidade de dopamina na fenda sináptica está associada aos efeitos agudos e às propriedades geradoras de dependência da substância.
Os efeitos da cocaína aparecem imediatamente após uma única dose e desaparecem em poucos minutos ou em até uma hora. As vias endovenosas e pulmonares produzem efeito imediato com duração de cinco a dez minutos, e a via nasal apresenta efeito mais lento, com duração de quinze a trinta minutos. Pequenas doses de cocaína propiciam aos usuários sensação de euforia, energia, fluência verbal, maior sensibilidade para visão, tato e audição e podem diminuir temporariamente a necessidade de comer e dormir. 
ESTIMULANTES
Cocaína:
Os efeitos físicos incluem vasoconstricção, dilatação pupilar, aumento da temperatura corporal, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial. Doses maiores podem intensificar o efeito e também produzir comportamento bizarro, agitado e violento. Alguns usuários relatam inquietação, irritabilidade, ansiedade, tremores, vertigens, contrações musculares e paranoia.
As complicações médicas mais frequentes incluem as cardiovasculares, como arritmias e infarto agudo do miocárdio; as neurológicas, como cefaleia, convulsões, acidentes vasculares cerebrais e coma; e as gastrointestinais, como dor abdominal e náusea.
ESTIMULANTES
Cocaína:
As vias de administração pulmonar e endovenosa produzem aumento abrupto da dopamina extracelular e têm efeito reforçador maior quando comparadas às vias nasal e oral. Com isso, o crack representa alto risco de o usuário desenvolver abuso e dependência.
 Após a cessação do uso de cocaína, é comum o aparecimento de anedonia e fissura. A descrição da abstinência, assim como sua duração, ainda é controversa. Em geral, são descritas depressão intensa, fadiga, ideação suicida eventual, disforia e dificuldade de sono com início em algumas horas a dias da interrupção ou da redução do uso e duração de até dez semanas. 
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ESTIMULANTES
Cocaína:
Até o momento, não existem medicações aprovadas para o tratamento da dependência de cocaína. Entretanto, algumas medicações têm sido utilizadas: (1) dissulfiram – promove a inibição da β-hidroxilase, enzima responsável pela conversão da dopamina em noradrenalina; (2) modafinil – bloqueia o transporte e aumenta a dopamina no cérebro, inclusive no nucleus accumbens; (3) topiramato – assim como outros anti-convulsivantes, vem sendo utilizado no tratamento da dependência em cocaína, porém ainda sem comprovação de eficácia. 
ESTIMULANTES
OPIOIDES
Atualmente, o conceito de opioides inclui todas as substâncias naturais, semissintéticas ou sintéticas que reagem com os receptores opioides, quer como agonista, quer como antagonista. 
Os opioides mais sujeitos a abuso são: o ópio (geralmenteé fumado e está presente em culturas orientais); heroína (pode ser utilizada por via intravenosa, intramuscular, fumada ou via oral); opioides prescritos (codeína, morfina, hidrocodona e oxicodona). 
OPIOIDES
Os opioides atuam em receptores localizados no sistema nervoso central e em órgãos periféricos. 
Os principais receptores opioides são: (1) Mu: subtipo 1 (euforia, analgesia e depressão respiratória) e subtipo 2 (gastrointestinal); (2) Kappa: analgesia, sedação, miose, sintomas psicomiméticos, desrealização, despersonalização; (3) Delta: analgesia; (4) Épsilon: sedação; (5) Sigma: ação antitussígena, alteração de humor e quadros alucinógenos. 
 A intoxicação por uma substância opioide pode levar aos seguintes sintomas: analgesia, euforia ou disforia, calor, rubor facial, coceira na face, boca seca, miose, constipação, sonolência, depressão respiratória, arreflexia, hipotensão e taquicardia.
OPIOIDES
A dependência física de opioides se desenvolve rapidamente e sua interrupção abrupta pode causar sinais e sintomas que em geral correspondem ao efeito oposto dos agonistas. Os sintomas podem aparecer após o uso regular de um opioide por somente alguns dias.
Sinais e sintomas de abstinência: perda de apetite, ansiedade, fissura, disforia, fadiga, dores de cabeça, aumento da frequência respiratória, irritabilidade, lacrimejamento, midríase, sudorese, piloereção, rinorreia, bocejos, dores abdominais, sono perturbado, ímpetos de frio e calor, aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca, febre baixa, dores musculares, espasmos musculares, náuseas e vômitos. 
OPIOIDES
Entre as medicações disponíveis no Brasil, pode-se optar por usar agonistas opioides (metadona), antagonistas opioides (naltrexona) ou a clonidina. Os antagonistas impedem o usuário de experimentar o efeito prazeroso e reforçador do uso de opioide. Já os agonistas, suprimem melhor a fissura e os sintomas de abstinência.
Metadona: trata-se de um opioide de meia-vida longa, sintético, utilizado para tratamento da dor e da dependência de opioide – bloqueia a euforia provocada pela heroína. 
Naltrexona: é um antagonista opioide que se liga aos receptores com alta afinidade, impedindo que agonistas produzam seu efeito. Pode causar sintomas imediatos de abstinência se iniciada antes da desintoxicação. Deve-se esperar cerca de 7 a 10 dias após o último uso de opioide para iniciar o tratamento com naltrexona. 
OPIOIDES
MACONHA
O THC (delta-9-tetrahidrocannabiol) é a substância presente na maconha mais associada aos seus efeitos psicoativos. 
Os receptores canabinoides presentes no SNC encontram-se nas seguintes regiões cerebrais: hipocampo, cerebelo, gânglios da base e neocortex.
Os ligantes endógenos desses receptores são a anandamida e o 2-arachidonoylglycerol (2-AG). Essas substâncias são relacionadas aos efeitos endógenos do sistema canabinoide sobre a modulação de funções diversas e complexas como cognição, dor, emoções e funções neurovegetativas, como sono e apetite. 
MACONHA
A intoxicação pela maconha é associada à sensação de bem-estar, relaxamento, euforia, aumento da fluência verbal, exacerbação de sentidos como o tato, olfato e paladar, aumento da acuidade e relevância a estímulos visuais, sensação de lentificação do tempo e risos.
Sintomas ansiosos, prejuízos da atenção, da memória de curto prazo e da concentração, redução da força muscular e perda de coordenação motora fina, ideação delirante paranoide, alucinações auditivas, conjuntivas congestas e aumento do apetite são os possíveis efeitos adversos. 
MACONHA
Alguns estudos clínicos recentes evidenciaram que a interrupção do uso frequente da maconha pode desencadear síndrome de abstinência, caracterizada por alterações emocionais, mudança do padrão de apetite, perda de peso, alterações do sono e desconforto físico. 
Não há medicações aprovadas em nenhum país para o tratamento da dependência da maconha.
MACONHA
ÁLCOOL
O etanol é uma molécula simples que se move facilmente através das membranas celulares, equilibrando-se rapidamente entre o sangue e os tecidos.
 Os níveis máximos de concentração de álcool no sangue ocorrem aproximadamente após meia hora do consumo e o organismo metaboliza e excreta aproximadamente uma dose por hora. 
Por ser altamente solúvel em água, o etanol é rapidamente absorvido e distribuído para a maioria dos órgãos e sistemas. A absorção ocorre nas membranas mucosas da boca e do esôfago (em pequenas quantidades), do estômago e do intestino grosso (em quantidades moderadas) e principalmente na porção proximal do intestino delgado.
ÁLCOOL
A taxa de absorção é aumentada quando o esvaziamento gástrico está acelerado, na ausência de proteínas, gorduras ou carboidratos e na presença de gás carbônico (p. ex., champanhe).
Entre 2 e 10% do etanol são excretados diretamente pelos pulmões, pela urina ou pelo suor, mas a maior parte é metabolizada no fígado.
No fígado, o etanol é metabolizado pela enzima álcool desidrogenase, presente no citosol da célula hepática, produzindo o acetaldeído. Essa substância produzida é rapidamente destruída pela enzima aldeído desidrogenase (ALDH) no citosol e na mitocôndria do hepatócito. 
ÁLCOOL
Os sinais e sintomas da intoxicação alcoólica caracterizam -se por níveis crescentes de depressão do sistema nervoso central. Inicialmente há sintomas de euforia, evoluindo para tontura, voz pastosa, ataxia e incoordenação motora, confusão e desorientação, podendo chegar ao coma. A intensidade da sintomatologia da intoxicação tem relação direta com a alcoolemia.
O diagnóstico clínico de abuso ou dependência de álcool baseia-se na verificação dos problemas decorrentes do seu uso. Informação sobre dificuldades conjugais ou no trabalho, pendências legais e financeiras, histórias de acidentes, ocorrências médicas, evidências de tolerância ou sintomas de abstinência, entre outros, são problemas comuns. 
ÁLCOOL
Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA): uma vez que o cérebro foi exposto repetidamente a altas doses de álcool, qualquer diminuição repentina ou interrupção do uso pode produzir os sintomas de abstinência. Os sintomas e sinais mais comuns são tremores, agitação, ansiedade, hiperestimulação do sistema nervoso autônomo ( taquicardia, taquipneia e aumento na temperatura corpórea), alterações de humor, náuseas, vômitos e insônia. Os sintomas de abstinência se iniciam dentro de cinco a dez horas após a interrupção/diminuição da ingestão do etanol, com pico de intensidade no segundo ou terceiro dia, e melhoram a partir do quarto dia. 
ÁLCOOL
Delirium tremens: caracteriza-se por confusão mental, tremores e hiperatividade autonômica. Essa é uma complicação grave e potencialmente letal da síndrome de abstinência alcoólica. É mais comum em pacientes com outros distúrbios orgânicos e, habitualmente, se inicia até 72 horas após a abstinência. Os sinais e sintomas são variados, cursando com confusão mental, alucinações, tremores, febre (com ou sem sinais de infecção) e hiper-responsividade autonômica, com hipertensão, taquicardia e sudorese. São comuns as alucinações visuais, especialmente as microzoopsias (pequenos animais). Delírios também são frequentes, em geral persecutórios e relacionados à desorientação têmporo-espacial; a presença de alterações no ciclo sono-vigília é frequente. 
ÁLCOOL
 Síndrome de Wernicke-Korsakoff (SWK) – é descrita como duas entidades distintas: encefalopatia de Wernicke e síndrome de Korsakoff, que estão ligadas a deficiências vitamínicas, em especial de tiamina e outras vitaminas do complexo B. 
A encefalopatia de Wernicke é uma complicação potencialmente fatal composta de uma tríade: oftalmoplegia, ataxia e confusão mental. 
 Korsakoff é um quadro caracterizado por amnésia retrógrada e anterógrada, desorientação e comprometimento da memória recente.
ÁLCOOL
O tratamento da dependência de álcool caracteriza-se pela combinação de estratégias farmacológicas e psicoterápicas.
Dissulfiram (DSF): é um inibidor irreversível e inespecífico da enzimaaldeído desidrogenase (ALDH). Ao inibir essa enzima, ocorre um acúmulo de acetaldeído no organismo, o que causa uma série de sinais e sintomas desagradáveis, potencialmente perigosos. Os pacientes devem abster-se totalmente do álcool e possuir um completo entendimento acerca dos riscos e princípios do tratamento. O DSF oral supervisionado é eficaz quando incorporado a um tratamento de abordagem psicossocial. 
ÁLCOOL
Naltrexona: é um antagonista do receptor opioide muito utilizado no tratamento do alcoolismo devido à sua atuação como atenuante dos efeitos prazerosos do álcool. O álcool estimularia indiretamente a atividade opioide endógena ao promover a liberação dos peptídeos endógenos (encefalinas e β-endorfinas) na fenda sináptica; esses efeitos seriam inibidos pela naltrexona.
Topiramato: possui ação sobre o sistema mesolímbico-mesocortical dopaminérgico, facilitando a via do GABA e atuando como antagonista dos receptores glutamatérgicos. O aumento do GABA diminui a liberação de dopamina induzida pelo álcool no núcleo accumbens, rompendo o agonismo glutamatérgico excitatório característico da dependência alcoólica e diminuindo a atividade dopaminérgica. Isso atenuaria os efeitos do álcool nos mecanismos de recompensa. 
REFERÊNCIAS 
MIGUEL, Euripedes Constantino; GENTIL, Valentim; GATTAZ, Wagner Farid (Editores). Clínica Psiquiátrica I. Barueri, SP: Manole, 2011.
Stahl, Stephen M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas / Stephen M. Stahl; tradução Patricia Lydie Voeux; revisão técnica Irismar Reis de Oliveira – 4.ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

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