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MÓDULO – FUNDAMENTOS DE SAÚDE DISCIPLINA - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO SUS PROFESSORA – TANIA MARIA SANTOS PIRES AULA 01 – O SUS: PROPOSTA SOCIAL E DEMOCRÁTICA Introdução: O sistema Único de Saúde (SUS) faz parte da vida de todos os brasileiros, sobretudo daqueles que são trabalhadores da saúde em suas diversas áreas de atuação. Vamos discutir nesta aula a construção histórica deste sistema, destacando alguns momentos, principalmente a Reforma Sanitária, a VIII Conferencia Nacional de Saúde, e a criação do SUS. Contextualizando: Com frequência vemos nos noticiários situações que nos entristecem com relação a situação de saúde de vários municípios e capitais. As notícias frequentes sobre a superlotação nos hospitais e o sub-financiamento da saúde, nos levam a pensar que o sistema de saúde publico brasileiro é um caos sem solução . No entanto, antes de desenharmos um prognostico caótico e pessimista, devemos analisar a evolução histórica da saúde pública no Brasil, entender de onde partimos , a trajetória seguida e planejar um rumo no futuro que possa ser mais efetivo e atender as necessidades de saúde da população brasileira. Você já parou para pensar o que significava adoecer no inicio do século XX no Brasil? E nos anos 70? O contexto social, demográfico e politico do país era muito diferente de hoje. A população brasileira era predominantemente rural e com pouca estrutura social de apoio. As ações de saúde pública eram restritas e direcionadas às grandes endemias. A mortalidade materno infantil elevadíssima e a estimativa de vida das pessoas era de 50 anos. Os nossos: tataravós, bisavós e avós tiveram que sobreviver ao parto, porque se tivessem necessitado de cesariana, possivelmente teriam morrido. Não passaram por pré-natal, nem receberam as vacinas, por isso tiveram as doenças que eram identificadas como “doenças da quadra infantil” : sarampo, coqueluche, difteria, varicela, rubéola, varíola , paralisia infantil, entre outras e tinham seu desenvolvimento prejudicado por infestação de vermes, chegando até a morrer por obstrução intestinal por Ascaris lumbricoides. Os adultos morriam por complicações de sífilis , gonorreia, febre amarela, dengue, tuberculose. Quando depois de tudo, aqueles que chegavam à idade adulta e conseguiam um posto de trabalho numa ferrovia, nos portos ou numa grande fábrica de centros urbanos, teriam que torcer para continuar com saúde, porque se adoecessem seriam deixados de lado ao desamparo, como também suas famílias, porque não havia uma estrutura social de amparo ao trabalhador. Diante deste cenário, as primeiras ações de saúde foram focadas no combate às doenças endêmicas e epidêmicas, que traziam sérios prejuízos à economia do país ao acometerem nossos trabalhadores. Esta análise na época, levou o país a investir nas grandes campanhas de vacinação, ganho muito importante que até hoje repercute positivamente na saúde publica do país. Esta etapa ficou conhecida como SANITARISMO CAMPANHISTA e sua marca são as ações de vacinação e o foco sanitarista, com o combate as endemias Os trabalhadores rurais, que se constituíam em maioria no país , não tinham muito poder de organização, mas os trabalhadores urbanos, ao perceberem a situação de risco a que estavam submetidos, iniciaram um sistema de apoio previdenciário e de saúde através de seus sindicatos. Havia um desconto mensal em seus salários para que pudesse ser utilizado em caso de doença ou de invalidez. Em caso de morte, suas viúvas ficariam amparadas. Desse modo, estes trabalhadores teriam acesso à assistência médica e hospitalar. Este modelo ficou conhecido como MÉDICO ASSISTENCIAL PRIVATISTA e se manteve no país por longo tempo, desde a década de 20 até os anos 70, passando apenas por diferenças na gestão, que antes era feita pelos sindicatos das categorias e depois na década de 30 passou a ser feita pelo governo sob o comando do presidente Getúlio Vargas. O país passava por várias transformações politicas e sociais. O crescimento da população urbana , as aglomerações populacionais nos grandes centros geradores de empregos, o inicio das grandes indústrias no ramo da siderurgia no país, além da crônica falta de estrutura de apoio social nas áreas rurais, foram motivadores do êxodo rural. Não era mais possível tratar-se a questão da saúde como um apêndice da questão social , portanto para melhor agir neste sentido, foi criado o Ministério da Saúde em 1953, porém este permaneceu com o seu foco voltado para a epidemiologia e não teve ações na assistência à saúde diretamente. Aproximadamente 10 anos mais tarde, as mudanças politicas trazem nova reviravolta no quadro da gestão da saúde, desta vez alinhada às ideologias de extrema direita com a implantação do regime militar em 1964. O sistema de saúde foi modificado seguindo o modelo ideológico da extrema direita, dentro de um contexto mundial de dicotomia politica que dividia o mundo em duas grandes facções : a extrema direita capitalista, liderada pelos Estados unidos, com total influencia na América latina (exceto Cuba), apoiada pelos militares, e a extrema esquerda, socialista, liderada pela Rússia, que comandava o bloco soviético, com sua forte influencia nos países da Europa oriental, parte da Ásia, China e Cuba. Estas duas ideologias políticas tiveram grande influencia na construção dos sistemas de saúde em todo o mundo, criando modos de pensar que direcionavam modelos de assistência com foco socialista ou capitalista. Nesta linha, o Brasil sob regime militar, segue a rota capitalista criando o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). O INAMPS era um braço do setor da previdência social que prestava assistência médica. Funcionava com uma rede de hospitais privados e conveniados ao sistema. A sua gestão era centralizada em Brasília, no governo federal, que era responsável pelos pagamentos a toda a rede hospitalar conveniada e prestadores de serviço. Os médicos e outros profissionais atuantes nos ambulatórios eram concursados e recebiam diretamente do governo federal. Com esta centralização, os estados e municípios ficavam com poucos recursos para investir em saúde. O ministério da saúde continuava restrito à vigilância epidemiológica e sanitária. O INAMPS não pode ser considerado de fato um sistema público de saúde porque não era abrangente. A sua assistência era restrita aos contribuintes do sistema, ou seja, era restrita aqueles que de alguma forma pagavam por ela, através da sua contribuição previdenciária com desconto em folha de pagamento, ou como autônomo. O restante da população não tinha direito a esta assistência, restando contar com a assistência da caridade. Eram os chamados “indigentes”, que eram atendidos nas Santas Casas de Misericórdia e outros hospitais filantrópicos. Quero que você pare um pouco para refletir nos últimos dados do IBGE sobre o emprego formal, com carteira assinada. Os últimos dados publicados, de 2012, comemoram um grande crescimento do emprego formal no país, e isto significa que 49.2% da população economicamente ativa tem um emprego com carteira assinada, sendo contribuinte da previdência social. Imagine então a realidade do emprego formal na década de 70 ! O contingente populacional assistido pelo INAMPS era muito pequeno e ainda assim, a assistência prestada era muito aquém em qualidade daquela que hoje é prestada. Entre os problemas mais destacados do INAMPS, apontam-se : As Fraudes - Devido a centralização no governo federal, a ausência de um sistema informatizado que cruzasse os dados e ausência de auditoria efetiva, as fraudes eram tão frequentese descaradas, que algumas são muito simbólicas do que acontecia. Ex: Cesariana em homens , retirada do apêndice 3 vezes em um mesmo paciente. Ausência de ações de proteção e promoção à saúde – a assistência era restrita aos eventos agudos, na lógica de pronto atendimento, sem qualquer ação de acompanhamento e seguimento de situações crônicas. Exclusão e discriminação da assistência – esta situação além de injusta, era cruel, porque negava assistência a um imenso contingente de cidadãos, sobretudo os menos favorecidos, que sofriam duplamente, por estarem fora do emprego formal e por consequência, fora do sistema de assistência à saúde. Esta situação de flagrante injustiça social , acrescida ao cenário de repressão do livre pensamento e expressão, deu forma a um movimento reacionário que teve como nichos iniciais as universidades, linhas religiosas de esquerda, como as conhecidas comunidades eclesiais de base e o movimento sindical. As reivindicações alinhavam-se às ideologias de esquerda que defendiam o acesso à saúde como um direito do cidadão e dever do estado. Suas principais reivindicações focavam-se em ter politicas de saúde democráticas, de acesso universal, com gestão descentralizada e mais próxima dos cidadãos e que se baseassem na justiça social. Este movimento ficou conhecido como “REFORMA SANITÁRIA”. Estas discussões relacionadas as politicas públicas de saúde não estavam restritas ao Brasil. No ano de 1978, em Alma Ata , no Cazaquistão, país da antiga União Soviética, a Organização Mundial de Saúde - OMS realizou a conferência internacional de Atenção primária à Saúde, cuja temática indicava a mudança ideológica que se iniciava no mundo : “Saúde para todos no ano 2000”. No Brasil, um movimento nascido no voluntariadoreligioso católico, incluído nas pastorais, trouxe uma metodologia que impactou a qualidade de vida e saúde de muitas famílias. A pastoral da criança, idealizada e dirigida pela Dra Zilda Arns (1934-2010), médica pediatra e sanitarista, provou que estratégias de vigilância e cuidado eram capazes de mudar indicadores de saúde, como a mortalidade infantil e os índices de morbidade por doenças imunopreveníveis. A estratégia era muito simples em sua essência. As voluntárias eram pessoas da comunidade, que visitavam as famílias com crianças até 5 anos, para verificar se estas estavam com as vacinas em dia, se haviam ganho peso e crescido, se estavam amamentando, se haviam adoecido naquele mês. Acompanhavam também as nutrizes e gestantes, detectando assim situações de risco. A pastoral da criança conseguiu mostrar que ações simples que priorizam a vigilância e o cuidado podem ser mais efetivas que ações curativas de alto custo e que não puderam modificar os indicadores de saúde. Neste cenário de inquietudes politicas e sociais, transição do regime militar para um sistema democrático, onde encontram-se fatos históricos como anistia total e irrestrita, diretas já, o movimento pela “saúde como direito” toma forma, sendo amplamente discutido com os segmentos sociais organizados. Era a preparação para a VIII Conferência nacional de Saúde. Dentro da historia da saúde este movimento é considerado o momento de maior mobilização social já visto no país, de tal importância que influenciou a reforma constitucional de 1988. As declarações contidas nos artigos: 6º e 196º da Constituição Federal de 1988 são resultados das discussões da VIII Conferência e demonstram a linha social e democrática que direcionava o movimento sanitário brasileiro. - Artigo 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição “ . - Artigo 196 “A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação “ (BRASIL. Constituição, 1988). O SUS foi criado dentro da inspiração social e democrática, no contexto ideológico da esquerda e suas principais ações são definidas no texto constitucional que deseja que sejam abrangentes na realização da PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO da saúde. A proposta do novo modelo de atenção à saúde deseja atender a todos, fazer de tudo, ou seja, todas as ações de saúde que envolvam a assistência e as ações de promoção, além dos focos epidemiológicos e sanitários, atender em todos os lugares, diminuir as desigualdades e com uma estrutura legal que permita a gestão próxima do cidadão, ou seja no município para que a população possa se manifestar, seja reclamando, opinando e contribuindo. Esta proposta foi aprovada pela constituinte de 1988 e criou o Sistema Único de Saúde. Pesquisa Estamos falando de sistemas públicos de saúde e suas ideologias, como já vimos, esta não é uma discussão apenas do Brasil. Pesquise como funcionam outros sistemas e ideologias de saúde em outros países. Recomendo que você assista agora um pequeno filme de 8 minutos sobre os sistemas de saúde da Inglaterra, Canadá e EUA denominado “sistemas socializados de saúde “ www.youtube.com/watch?v=dgQ_kGZeTcM Você também pode acessar a biblioteca virtual da Fio Cruz e saber mais sobre os movimentos sociais históricos pela saúde em vários países da América Latina e aprofundar sobre o movimento histórico pela saúde brasileiro. http://bvsfiocruz.fiocruz.br/php/index.php Trocando Ideias Apesar de ser considerado histórico, tudo o que você viu na aula de hoje é muito recente no Brasil. Converse com os seus pais, avós e alguns amigos que tenham acima de 40 anos. É possível que algum deles tenha ainda a antiga carteirinha do INAMPS. Pergunte-lhes como era o atendimento na década de 70. É provável que você conheça alguém que não tenha um trabalho com carteira assinada e que tenha sido assistido pelo SUS nos últimos anos. Pergunte-lhe como foi o atendimento e quais seriam suas sugestões para melhorar o sistema. Depois disso, troque opiniões com os seus colegas. Síntese Estudamos sobre a evolução histórica do sistema público de saúde brasileiro, com foco principal nas discussões que inspiraram a mudança na constituição e a criação do SUS. Vimos que passamos pela fase do sanitarismo-campanhista, com foco epidemiológico, e depois o sistema assistencial privatista, pago pelos próprios trabalhadores . Este modelo tem uma forte ideologia de extrema direita. Os movimentos sociais que originaram a criação do sistema único de saúde tiveram inspiração nas ideologias sociais de esquerda e tiveram apoio e embasamento teórico nos movimentos internacionais como a conferencia de Alma Ata da OMS. As principais ações do SUS estão definidas na própria letra constitucional como “PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE”. Compartilhando Após as reflexões provocadas pela aula de hoje, convido-o a fazer uma análise critica sobre o sistema público de saúde que temos no Brasil, considerando a proposta de atender a todos e executar todas as ações propostas, mesmo com os conhecidos entraves políticos e sociais. Pense de onde partimos e projete um futuro possível, discutindo e compartilhando com seus colegas e amigos.
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