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2017 - 01 - 27 Revista de Arbitragem e Mediação 2016 RARB VOL. 49 (ABRIL - JUNHO2016) ARBITRAGEM E NOVO CPC Arbitragem e Novo CPC 1. O impacto do novo código de processo civil na arbitragem The impact of the new code of civil procedure in the arbitration (Autor) LEONARDO DE FARIA BERALDO Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. Especialista em Processo Civil. Professor em cursos de graduação e pós- graduação de Processo Civil, Arbitragem, Direito Civil e Societário. Ex-Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Ex-Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Ex-Presidente da Comissão Especial da OAB/MG encarregada do estudo do projeto de lei de novo Código de Processo Civil (2010-2014). Ex-Diretor e Membro do Conselho Deliberativo da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil Camarb. Autor do livro Curso de arbitragem, publicado pela Editora Atlas, no ano de 2014. Advogado. Sumário: 1 Considerações iniciais 2 Da diferença entre regras de natureza processual e procedimental no Código de Processo Civil 3 Os princípios da boa-fé objetiva processual e do contraditório (arts. 5.º, 9.º e 10) 4 Novas hipóteses de impedimento e de suspeição (arts. 144 e 145) 5 Segredo de Justiça (art. 189, IV) 6 Negócios jurídicos processuais (arts. 190 e 191) 7 Prazos em dias úteis (art. 219) 8 Carta arbitral (art. 260 e seu § 3.º) 9 Tutela provisória (art. 294) 10 Procedimento especial do art. 7.º da Lei 9.307/1996 e a audiência de conciliação ou mediação (art. 334) 11 Preliminar na contestação de convenção de arbitragem (art. 337, X) e a forma de se atacar a decisão do juiz sobre ela (arts. 1.009 e 1.015, III) 12 Sentença arbitral estrangeira parcial e a sua forma de homologação (arts. 356, § 5.º, 515, IX e 960, caput e § 1.º) 13 Direito probatório (arts. 369 a 484) 14 Sentença sem resolução de mérito (arts. 485, VII e 486, § 1.º) 15 Dever de fundamentação das decisões (art. 489, § 1.º) 16 Coisa julgada e prejudicial (art. 503, § 1.º) 17 Os precedentes vincularão os árbitros? (arts. 926 a 928) 18 Efeito suspensivo na apelação que julga procedente o pedido de instituição de arbitragem (art. 1.012, § 3.º) 19 Considerações finais Referências bibliográficas Área do Direito: Processual Resumo: A partir do dia 18/03/2016 passará a vigorar no Brasil o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015). Como essa lei não é fonte supletiva da Lei n. 9.307/96 (lei de arbitragem), tende-se a acreditar que nada mudará nas arbitragens. Como isso não é totalmente verdade, certamente será preciso esclarecer alguns pontos nessa seara. Assim, o escopo do presente artigo científico é justamente o de mostrar quais regras são aplicáveis às arbitragens e quais não serão. Abstract: From day 03/18/2016 will be effective in Brazil the new Civil Procedure Code (Law no. 13.105/2015). As this law is not supplementary source of Law. 9.307/96 (Arbitration Act), we tend to believe that nothing will change in arbitrations. Since this is not entirely true, it will certainly need to clarify some points in this harvest. Thus, the scope of this scientific paper is just to show what rules apply to arbitrations and which will not. Palavra Chave: novo Código de Processo Civil - novo CPC - impacto - reflexo - efeitos - arbitragem - procedimento arbitral. Keywords: new Code of Civil Procedure - new CPC - impact - reflex - effects - arbitration - arbitral procedure 1. Considerações iniciais Conforme já previamente explanado no resumo deste artigo científico, 1 pretendemos demonstrar qual será o impacto do novo Código de Processo Civil ( CPC) no processo arbitral. Isso porque, se por um lado é consenso que o Código de Processo Civil não é fonte subsidiária da Lei 9.307/1996 (LA), 2 por outro é sabido que há algumas regras do Código de Processo Civil devem ser utilizadas pelo árbitro ao exercer a sua função, 3 sendo incorreta a assertiva de que o Código de Processo Civil nunca é aplicado nos procedimentos arbitrais. Infelizmente, não poderemos nos deter o tanto que gostaríamos e achamos ser preciso, em cada um dos itens que escolhemos para constar desse trabalho, haja vista o grande número de temas e o curto espaço de linhas. No entanto, o objetivo de um artigo não é o de esgotar um assunto, mas, sim, de lançar uma ideia e esperar que ela seja difundida entre as pessoas interessadas e possa ser objeto de um debate mais amplo. É isso, portanto, que esperamos que ocorra com as propostas aqui apresentadas. 2. Da diferença entre regras de natureza processual e procedimental no Código de Processo Civil Para que possamos seguir adiante e compreendermos quais dispositivos do novo Código de Processo Civil deverão ser empregados nas arbitragens, bem como aqueles que não serão, é imprescindível que entendamos a natureza jurídica das regras constantes do novo Código de Processo Civil. Algumas tem natureza processual e outras natureza procedimental. Essas não precisam ser aplicadas nas arbitragens, já, aquelas, devem ser aproveitadas sempre que possível e compatível com o sistema arbitral. Dito isso, o que certamente precisa ser esclarecido é o critério para se distinguir as normas de cunho processual das de natureza procedimental. Para tanto, vamos ver o que é que diz a doutrina. Fernando da Fonseca Gajardoni ensina que, "em síntese, tem-se que enquanto o processo é um instrumento de atuação da Jurisdição, para o exercício do direito de ação e de defesa, composto, como regra, de inúmeros atos processuais que o levam do pedido inicial ao final provimento, o procedimento é o modo, a maneira como estes diversos atos processuais se combinam em contraditório (sua ordem, forma, prazo e tempo)". 4 Esse autor cita como exemplos de atos procedimentais: (i) as normas que regulamentam os procedimentos comum e especiais; (ii) as que ordenam a sequência dos atos que devem ser praticados pelo juiz em audiência; (iii) a ordem de produção de provas na audiência; (iv) a forma como deve ser apresentada a petição inicial, as espécies de resposta do réu e os recursos; (v) os prazos para a prática dos atos processuais, dentre outros. Segundo Gustavo Dall'ollio, "se a norma legal versar algum aspecto, direto ou indireto, dos institutos fundamentais do direito processual (ação, defesa, jurisdição e processo), estar-se-ia diante de norma de processo, composta de elementos abstratos, insensíveis e interiores do contraditório, inserida, conseguintemente, no âmbito de competência privativa da União (art. 22, I, da CF/1988). A norma de procedimento, composta por elementos sensíveis, palpáveis e exteriores do contraditório, deve ser enfocada de duas maneiras. A primeira de fácil percepção corresponde àquilo que se denomina rito, marcha ou sucessão ordenada e coordenada de atos tendentes à preparação e formatação do ato decisório do Estado-juiz. A segunda de difícil percepção corresponde à movimentação de atos de natureza processual, que adquirem forma por circunstâncias de três ordens: (a) lugar; (b) tempo; e (c) modo". 5 Outra pessoa que escreveu sobre esse árduo tema foi Maria Carolina Silveira Beraldo. A autora considera que "a norma processual diz com os preceitos jurídicos reguladores do exercício da jurisdição pelo Estado, dado que o processo é o meio pelo qual o Estado atua no exercício da jurisdição. Não são as normas processuais, entretanto, que disciplinam ação e defesa, atividades estas desenvolvidas no processo, mas reguladas por meio de normas próprias, as procedimentais. As normas procedimentais são tributárias do provimento final e regulamentam todos os atos a serem exercidos até a sua concretização". 6 Dando seguimento ao seu trabalho, escritora traz vários exemplos de normasprocessuais constitucionais 7 e infraconstitucionais. 8 Retoma o tema e o finaliza no seguinte sentido: "e quais seriam, então, os institutos procedimentais? Partindo-se das premissas fixadas na segunda parte deste trabalho, em que se identificaram o processo como método de atuação estatal e as normas processuais como conformadoras do exercício do poder estatal em abstrato, têm- se como procedimentais: a ação e a forma como apresentadas a petição inicial e a reconvenção em juízo; as citações e intimações (em suas previsões na condição de institutos e forma); a defesa e as formas como apresentadas a contestação, as exceções e a impugnação ao valor da causa, os recursos, a capacidade e legitimação das partes (aqui incluída a intervenção de terceiros); a disciplina da prova e sua forma; das audiências e sua forma, dos prazos e sua forma". 9 Por fim, é preciso registrar o ponto de vista dissidente de Paula Sarno Braga: "mas essa norma processual assim definida não foi considerada suscetível de classificação útil e tecnicamente justificável. Isso porque a norma de organização judiciária não é processual, mas, sim, administrativa, sendo responsável pela disciplina da estrutura, organização e administração da justiça. E as normas ditas processuais em sentido estrito e procedimentais são indissociáveis entre si. Normas processuais e procedimentais têm o mesmo conteúdo e papel, acima já expostos, que é a disciplina do exercício procedimental da jurisdição em contraditório, abrangendo todos os seus atos e fatos, em sua existência, validade e eficácia. Assim, ambas compõem o "direito processual" (art. 22, I, da CF/1988) e pertencem ao fenômeno do "procedimento em matéria processual" (art. 24, XI, da CF/1988), não havendo distinção entre elas que sirva de critério para repartir a competência legislativa". 10 Consideramos que seja até possível, em alguns casos, que haja uma zona acinzentada e, por isso, não seja tão simples afirmar se se trata de norma processual ou procedimental, contudo, na maioria dos casos é possível distingui-las, como assim o fizeram e muito bem os doutrinadores supra citados. Além disso, é fato que a Constituição Federal de 1988 deixou bem nítida a existência das duas espécies, 11 logo, cabe à doutrina o papel de distingui-las, de modo a permitir um trabalho legislativo de qualidade, e, no nosso caso, que saibamos o que deve ou não ser aplicado nas arbitragens; sempre que possível e compatível, claro. Enfim, feitas essas considerações, passemos à análise dos dispositivos legais do novo Código de Processo Civil que mais nos chamaram a atenção. 3. Os princípios da boa-fé objetiva processual e do contraditório (arts. 5.º, 9.º e 10) O novo Código de Processo Civil enalteceu sobremaneira os princípios da boa-fé objetiva processual 12 e do contraditório. 13 Esse consta expressamente no § 2.º do art. 21 da LA; aquele sempre foi aplicado na prática e já chegou até a ser chamado por alguns como sendo um dos pilares da arbitragem. 14 Quanto ao princípio da boa-fé objetiva processual, da forma como foi colocado no novo Código de Processo Civil, não há a menor dúvida de que os árbitros e as partes deverão continuar a observá-lo no dia a dia. Um exemplo muito interessante sobre a sua aplicação no processo judicial pode ser encontrado na doutrina. 15 Trata-se de um juiz que indeferiu a produção de uma determinada prova pelo demandante ao argumento de que aquilo que se pretendia provar com a referida prova já se encontrava devidamente provado nos autos, graças a um documento. Ocorre que, ao sentenciar, o juiz julgou o pedido improcedente, ao fundamento de que o já mencionado fato não estava provado. Essa conduta contraditória é vedada pelo princípio da boa-fé objetiva: isso é claro exemplo de venire contra factum proprium. É importante, antes de seguirmos adiante, tecermos breves palavras sobre o dever de cooperação trazido, de forma expressa, pelo art. 6.º do novo CPC. 16 Como é sabido, o princípio da boa-fé objetiva é dividido pela doutrina em três funções: interpretativa, integradora e limitadora. A teoria dos atos próprios, por exemplo, encontra-se dentro dessa última. Já a segunda é aquela que cria os deveres anexos de conduta para as partes, tais como o da lealdade, o de informação e o da cooperação. Em livro de coautoria, os autores elencam vários deveres que decorrem do modelo cooperativo de processo, tais como o dever de prevenção, o dever de esclarecimento, o dever de assistência e o dever de consulta às partes. 17 O interessante é que eles traçam, para cada um desses deveres, exemplos de como devem ser aplicados na prática. Esses deveres, no nosso sentir, devem ser igualmente cumpridos pelos árbitros. Outro importante destaque que cabe nessa parte diz respeito a uma classificação oriunda do direito português acerca do lá denominado princípio da cooperação: o seu sentido formal e o sentido material. 18 Esse está ligado, primordialmente, à descoberta da verdade no processo. Aquele gera no juiz um dever de auxiliar as partes a obter uma informação ou documento para a eventual necessidade de se praticar algum ato processual naquele momento ou no futuro. Com isso reiteramos a necessidade para que os árbitros cumpram, conforme explica a melhor doutrina, esse dever de cooperação. Passando a régua para mudar de assunto, é preciso discorrermos brevemente sobre a nova exigência, do ponto de vista do direito positivo infraconstitucional, ao princípio do contraditório. O novo Código de Processo Civil simplesmente positivou aquilo que já estava assentado nos bancos das faculdades de direito, entretanto, é bastante perceptível a resistência que alguns ainda têm em relação a esse contraditório mais efetivo. Nas arbitragens já era mais fácil verificar a incidência mais moderna e correta do princípio do contraditório, e que, ratificamos, é a que deverá prevalecer no processo arbitral. O verdadeiro sentido do contraditório é esse do novo Código de Processo Civil, e, não, aquele, de visão antiga e ultrapassada, que coloca as partes num segundo e nada importante plano de participação no processo. E qual é a importância disso? É justamente a de se permitir que as partes possam, de fato, participar (não decidir ou determinar) da construção de todas as decisões arbitrais, e, ao mesmo tempo, nunca serem surpreendidas com algo novo, pois, afinal de contas, o processo é das partes e o árbitro é apenas o gestor qualificado desse processo. 4. Novas hipóteses de impedimento e de suspeição (arts. 144 e 145) Nos termos do art. 14 da LA, "estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil". Como o que nos interessa são as novidades do novo Código de Processo Civil nessa seara, cumpri-nos informar que há novas espécies de impedimento e de suspeição. As hipóteses de impedimento estão elencadas no art. 144 do novo CPC. 19 Boa parte dessas hipóteses são iguais àquelas do art. 134 do CPC/1973. Algumas poucas foram criadas. Uma delas deixou de existir, haja vista a sua obviedade. Nos termos do inc. I do art. 134 do CPC/1973, o juiz era impedido de exercer as suas funções no processo em que fosse parte. Esse inciso não foi repetido no novo Código de Processo Civil. Quais são as novidades? Elas estão nos incs. VI a IX, sendo que a do inc. VI era hipótese de suspeição no CPC/1973 (art. 135, III), e, agora, passaa ser causa de impedimento. Todas as inovações são bem simples e não justifica a interpretação de uma a uma. Dentre as novidades, certamente, para a arbitragem, o inciso mais importante é o VIII, 20 na medida em que a situação da pessoa indicada a ser árbitro ficará muito complicada e difícil. Imaginem essa pessoa, ao cumprir o seu dever de revelação e ao preencher o questionário da instituição de arbitragem, de modo a se verificar a existência de conflito de interesses? Como é que ela vai saber quem são os clientes do escritório em que trabalha o seu sobrinho? Entendemos ser necessário que a pessoa indicada, por intermédio de seu sobrinho, indague o escritório de advocacia, por escrito, sobre a possibilidade de qualquer uma das partes ser ou já ter sido cliente da banca. E é prudente que a resposta seja, igualmente, por escrito. 21 Enfim, já imaginaram se a pessoa indicada a árbitro tiver três filhos, seis netos, 10 irmãos e 30 sobrinhos? Certamente, em casos extremos, necessitará de pedir à instituição de arbitragem dilação de prazo para responder a todos os questionamentos de praxe. Não bastasse toda essa dificuldade, imaginem se uma das partes da arbitragem, durante o processo em questão, passa a ter uma ou mais causas no escritório de advocacia de uma das pessoas elencadas no inc. VIII. Quid iuris? Talvez, repita-se, talvez, a resposta esteja no § 2.º do art. 144: "é vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz". Enfim, são problemas que poderão surgir e que a comunidade arbitral, bem como o próprio Judiciário, terão de encontrar a melhor solução. Com efeito, gostaríamos de esclarecer que, para os fins do inc. VIII do art. 144, pouco importa se o cônjuge, companheiro ou parente é sócio, associado, empregado ou estagiário do escritório. Em qualquer uma das quatro hipóteses haverá o impedimento, uma vez ser vedada a interpretação restritiva para algo tão sério. As hipóteses de suspeição estão elencadas no art. 145 do novo CPC. 22 Todas as hipóteses de suspeição que existiam no art. 135 do CPC/1973 foram repetidas, com exceção de uma delas (inc. III do art. 135 do CPC/1973) que, conforme já informado anteriormente, passa a ser causa de impedimento do magistrado (inc. VI do art. 144 do novo CPC). Merece destaque apenas o fato de que houve uma importante alteração em face da antiga realidade. Na era do Código de Processo Civil de 1973, o magistrado que fosse amigo íntimo ou inimigo do advogado de uma das partes não era considerado impedido e nem suspeito. Doutrina e jurisprudência sempre defenderam esse posicionamento. No entanto, o novo Código de Processo Civil alterou essa diretriz no inc. I do art. 145. Agora, esse tipo de sentimento dá azo à suspeição do julgador. Diante disso, o advogado amigo íntimo ou inimigo do magistrado que já atua na causa não pode pretender ingressar no feito, nem mesmo o escritório do qual faz parte, pois isso causaria a suspeição do juiz. Aplica-se, aqui, o disposto no inc. I do § 2.º do art. 145, ou, ainda, os §§ 1.º a 3.º do art. 144. Destarte, não poderá ser árbitro pessoa que seja amiga íntima ou inimiga de qualquer das partes, ou seja, pouco importando, para esse fim, se ele foi indicado pelo amigo íntimo, pela parte contrária ou mesmo para ser o árbitro presidente do Tribunal Arbitral. Ele, simplesmente, não poderá prestar seus serviços de árbitro se estiver presente, no feito, parte ou advogado que se enquadre nos ditames do inc. I do art. 145 (e dos outros incisos também, claro). Finalmente, queremos enfatizar que, tanto para os casos de impedimento, como de suspeição, podem as partes, de comum acordo, anuir com a permanência da pessoa indicada a ser árbitro que esteja impedida ou suspeita para laborar. 5. Segredo de Justiça (art. 189, IV) Como é cediço, os processos judiciais são públicos, por força do art. 93, IX, da CF/1988 e do art. 189 do novo CPC. Sob a éxide do Código de Processo Civil de 1973, e antes da reforma da Lei da Arbitragem, a doutrina brasileira sustentava a impossibilidade de haver sigilo nas ações judiciais que versavam ou guardavam relação com arbitragens, ao argumento de que estaria havendo transferência "para as partes, sem base legal, o poder de determinar o alcance da publicidade externa". 23 Segundo o parágrafo único do art. 22-C da LA, "no cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de Justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem". Mais completo ainda é o art. 189, IV, do novo CPC, ao elencar uma preciosa exceção à regra geral de publicidade do processo: "os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de Justiça os processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo". Desse modo, nos parece estar bastante claro que as ações que versem sobre arbitragem deverão tramitar sob segredo de Justiça, mas desde que uma das partes comprove a existência de estipulação prevendo a confidencialidade da arbitragem. Sabendo-se disso, o ideal é que seja inserida, no momento da celebração do contrato, cláusula prevendo que a arbitragem deverá ser sigilosa ou confidencial. 24 Isso, por si só, já será suficiente para que o art. 189, IV, do novo CPC possa incidir no caso concreto. Não existindo tal cláusula, e sabendo as partes que o ajuizamento de ação de instituição de arbitragem será inevitável, podem, pelo menos, de comum acordo, assinarem algum aditivo contratual no sentido de que a arbitragem deverá ser sigilosa ou confidencial. Outra hipótese que dará azo à concessão de segredo de Justiça será se na convenção de arbitragem já houver o nome da instituição arbitral, e, no regulamento desse órgão, existir previsão expressa quanto ao dever de sigilo. 25 Nesse caso, presumir-se-á que esse é o desejo das partes, salvo se elas tiverem acordado, por escrito, em sentido contrário. 6. Negócios jurídicos processuais (arts. 190 e 191) O novo Código de Processo Civil positivou a já existente 26 figura dos negócios jurídicos processuais. 27 O art. 190 28 é verdadeira cláusula geral enquanto que o art. 191 regula apenas a possibilidade de se calendarizar a prática e realização dos atos processuais até o fim do processo. Existem os negócios jurídicos processuais típicos e os atípicos. Esses são aqueles que não têm previsão legal expressa; aqueles possuem menção dentro da lei, v.g., a calendarização procedimental (art. 191), o saneamento compartilhado (art. 357, § 2.º) e escolha do perito (art. 474). Para aqueles que trabalham com arbitragem, não há a menor novidade nesse ponto, tendo em vista que, no procedimento arbitral, sempre foram celebrados numerosos negócios jurídicos processuais, inclusive aqueles três típicos supra mencionados. Sendo bastante pragmático, o que importa aclarar nesse ponto é que, independentemente da aplicabilidade cogente ou não do art. 190 às arbitragens, em especial o seu parágrafo único, temos que o árbitro, diante de seu dever legal de agir com competência e diligência, bem como de zelar pela preservação do princípio da igualdade das partes, deverá exercer o controle das convenções processuais celebradas no curso do processo arbitral. 29 Ora, se o árbitro tem como dever primordial prolatar uma sentença exequível e sem vícios, deverá ficar atento para que não haja violação a qualquer dos princípios da Lei de Arbitragem (explícitos e implícitos), e, claro, para que não haja violação à ordem pública. 7. Prazos em dias úteis (art. 219) O novo Código de Processo Civil, felizmente, inovou ao determinar que os prazos processuaisdeverão ser computados em dias úteis. 30 Atenção porque essa regra vale apenas para os prazos fixados em dias e desde que seja para a prática de atos processuais. Em outras palavras, não se aplica o art. 219 do novo CPC, por exemplo, na contagem do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória, 31 de prescrição intercorrente no processo de execução 32 ou no incidente de resolução de demandas repetitivas, 33 que têm sido chamados pela doutrina de prazos materiais. O dispositivo legal em comento, sem dúvida, tem natureza procedimental e, por isso, não se aplica ao processo arbitral. Aliás, os regulamentos das instituições de arbitragem já possuem regramento específico sobre o tema e, em todos aqueles que consultamos, 34 os prazos são contínuos, ou seja, conforme era à luz do Código de Processo Civil de 1973. A contagem dos prazos em dias úteis é salutar e, a nosso ver, não faz com que o procedimento arbitral fique muito mais longo. Desse modo, se for do interesse das partes, podem elas requerer aos árbitros que os prazos, no caso concreto, sejam contados em dias úteis. 8. Carta arbitral (art. 260 e seu § 3.º) A ausência da carta arbitral no nosso ordenamento jurídico é uma omissão que foi suprida, quase que ao mesmo tempo, por duas leis distintas: com a reforma da Lei de Arbitragem (art. 22-C) e com o novo Código de Processo Civil. Extrai-se do art. 237, IV, dessa Lei, que: "será expedida carta arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória". A participação do Judiciário é importante no decorrer da arbitragem porque o árbitro não tem poder de império, logo, há atos que ele, simplesmente, não pode concretizar, tais como: a intimação de pessoa para testemunhar sobre fatos perante o árbitro, a efetivação de tutela de urgência ou de evidência deferida pelo árbitro e a determinação para que um terceiro entregue documento ou coisa ao árbitro. O juiz deve cumprir aquilo que consta da carta arbitral, não podendo reapreciar aquilo já decidido e/ou definido pelo árbitro, uma vez que ele não tem poderes jurisdicionais para tanto. 9. Tutela provisória (art. 294) O art. 294 do novo CPC 35 disciplina a tutela provisória, que é gênero, e do qual são espécies, a tutela de evidência e a tutela de urgência. Essa, por sua vez, pode ter natureza antecipatória (satisfativa) ou cautelar (garantia), podendo ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. 36 A Lei de Arbitragem, por sua vez, fala, em seus arts. 22-A e 22-B, em "medida cautelar e de urgência". Não há nenhum mistério e basta que os profissionais do direito continuem a trabalhar normalmente. A medida cautelar, obviamente, é aquela que tem por finalidade garantir o sucesso do processo arbitral por meio de medidas conservativas, tais como o arresto, o sequestro e o arrolamento de bens. Já a medida de urgência ou, simplesmente, tutela antecipada, é a que tem por objeto a satisfatividade de um direito que, em princípio, somente poderia ser concedido na sentença arbitral. Como se pôde ver, os dois dispositivos da Lei de Arbitragem tratam expressamente daquilo que, no novo Código de Processo Civil, recebe a roupagem da tutela de urgência, conforme se extrai do parágrafo único do art. 294. Os requisitos para a sua concessão estão elencados no art. 300 do novo CPC: "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Podemos traduzir isso, simplesmente, em fumus boni iuris e periculum in mora. Ressalte-se que, em caso de tutela antecipatória, além desses dois requisitos, há ainda um terceiro, de cunho negativo: "a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão". 37 Como na Lei de Arbitragem nunca houve e continua não havendo qualquer menção aos pressupostos autorizadores para o deferimento de tutela de urgência, os árbitros e advogados sempre se valeram daqueles existentes na lei processual. A tutela da evidência poderá ser utilizada na arbitragem? Como se pode vislumbrar do art. 311 do novo CPC, 38 ela nada mais é do que uma tutela antecipada sem a necessidade de se ter de demonstrar o periculum in mora, porém, desde que o pedido para a sua concessão esteja lastreado em um dos incs. do art. 311. Sendo assim, não vemos qualquer óbice para a sua utilização, todavia, é prudente que isso seja previamente informado às partes, de modo a não surpreenda-las. Por fim, em relação à chamada estabilização da tutela antecipada, regulamentada pelo art. 304 do novo CPC, não obstante se tratar de antecipação qualificada dos efeitos da sentença, o que já vimos ser plenamente aplicável ao processo arbitral, temos que essa particularidade existente na regra em questão pode ser vista como incompatível à arbitragem. Mesmo que não fosse, a sua concretização seria extremamente rara, uma vez que a parte requerida quase sempre se opõe ao pedido formulado pelo requerente, sendo isso o suficiente para afastar a estabilização. 10. Procedimento especial do art. 7.º da Lei 9.307/1996 e a audiência de conciliação ou mediação (art. 334) O novo Código de Processo Civil alterou o momento da realização da audiência de conciliação ou mediação, não sendo mais após a apresentação da impugnação à contestação pelo autor (na fase de saneamento do processo), nos termos do art. 331 do CPC/1973, mas, sim, logo após a citação do réu (art. 334 do novo CPC). Trata-se de audiência obrigatória e que somente não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual, ou quando não se admitir a autocomposição, conforme se apreende do § 4.º do art. 334. As partes devem estar acompanhadas de advogado ou defensor público (§ 9.º do art. 334) e o não comparecimento injustificado será considerado ato atentatório à dignidade da Justiça, com aplicação de multa de até dois por cento (§ 8.º do art. 334). Feita essa introdução, pergunta-se: na ação para a instituição de arbitragem do art. 7.º da LA será obrigatória a realização de audiência de conciliação ou mediação? Não, pois o rito dessa ação é especial, na medida em que não se enquadra no comum do novo Código de Processo Civil, e nem no ordinário ou no sumário do Código de Processo Civil de 1973. Uma leitura perfunctória do art. 7.º, e seus parágrafos, da LA, nos permite concluir dessa maneira. Ademais, a demora que isso geraria é, sem dúvida, incompatível com a urgência das partes em relação ao desfecho almejado. Sem falar que não teria qualquer sentido em se ter duas audiências (a do art. 7.º da LA e a do art. 334) com o propósito quase igual. Desse modo, concluímos essa parte procedimental com arrimo em Carlos Alberto Carmona, para quem "a brevidade do procedimento previsto no art. 7.º da Lei é a chave do seu sucesso, não há dúvida. Mas caberá ao juiz temperar o desejo de celeridade manifestado claramente pelo legislador com os princípios do devido processo legal, a fim de evitar-se flagrante injustiça". 39 11. Preliminar na contestação de convenção de arbitragem (art. 337, X) e a forma de se atacar a decisão do juiz sobre ela (arts. 1.009 e 1.015, III) O art. 337 do novo CPC elenca as matérias que devem ser objeto de preliminar na contestação, e, no seu inc. X, consta o seguinte: "convenção de arbitragem". E, assim como ocorria no Código de ProcessoCivil de 1973, não pode o juiz, ex officio, arguir a existência de convenção de arbitragem, haja vista a vedação expressa constante do § 5.º do art. 337. A nossa preocupação e foi isso que justificou a elaboração desse item do presente artigo científico é que o momento processual para a apresentação da contestação será, como regra geral, após a audiência de conciliação ou mediação (art. 335, I, do novo CPC). Desse modo, para que o réu possa obter sentença terminativa o mais rápido possível em seu favor, seria prudente que fosse possível a apresentação de simples petição ao juiz, demonstrando-se a existência de convenção de arbitragem, e, com isso, ocorresse a extinção do processo sem resolução do mérito imediatamente, nos termos do art. 485, VII, do novo CPC. Todos sabemos que o ajuizamento de uma ação judicial por uma das partes contratantes, ignorando a existência de convenção de arbitragem, não impede que a outra requeira o início do procedimento arbitral, todavia, é possível que essa lide no Judiciário atrapalhe o bom andamento do feito extrajudicial. É por isso que a extinção do processo judicial, o quanto antes, é importante para as partes, em especial o réu da ação (requerente da arbitragem). Essa simples petição não poderá ser enquadrada como contestação pelo magistrado, no entanto, se se tratar de um juiz um pouco mais formalista, a ignorará em razão da obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação (art. 334 do novo CPC). Caso a parte tenha receio de que isso poderá gerar preclusão consumativa, nada impede que o réu apresente a sua contestação logo após a citação, não obstante o termo inicial do prazo seja aquele do art. 335 do novo CPC, uma vez que, nos termos do § 4.º do art. 218 do novo CPC, "será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo". É óbvio que tudo isso que escrevemos nesse item parte da premissa de que o autor demonstrou o seu interesse na realização da dita audiência, pois, do contrário (art. 319, VII, do novo CPC), bastaria que o réu protocolasse petição requerendo o cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação para configurar a hipótese de não realização do inc. I do art. 334 do novo CPC. Há também a possibilidade de as partes celebrarem negócio jurídico processual visando estabelecer prazos e formas distintas daquelas previstas no novo Código de Processo Civil para a alegação e apreciação da convenção de arbitragem pelo juiz, bem como pela não obrigatoriedade da audiência do art. 334 do novo CPC, com o intuito de imprimir maior celeridade e efetividade à lide. 40 Com efeito, cumpre-nos recordar que o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, em caso de não alegação desse vício na preliminar, é o da preclusão, mais ou menos como ocorre em casos de incompetência relativa. Presumir-se-á, assim, que ambas as partes desistiram de levar o litígio à arbitragem, uma vez que o autor ajuizou a ação e o réu não se opôs. Por fim, lembremo-nos de que a decisão interlocutória do juiz que rejeita a alegação de convenção de arbitragem deve ser atacada por meio de agravo de instrumento, conforme se extrai do inc. III do art. 1.015 do novo CPC. Por certo haverá discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possível ocorrência de preclusão temporal se tal decisão judicial não for atacada, imediatamente, por meio de agravo de instrumento. Em outras palavras, se a parte interessada não agravar no momento oportuno, poderá ser pedida a reforma, quanto a essa parte, num eventual recurso de apelação? A nosso ver, a resposta só pode ser negativa, justamente por ter ocorrido a preclusão temporal. Mesmo se existisse um argumento novo, não utilizado na preliminar da contestação, ainda assim acreditamos que não seria o caso de não se permitir, ao fundamento de ter ocorrido a preclusão consumativa. 41 Por outro lado, caso a convenção de arbitragem seja acolhida, teremos sentença terminativa, logo, desafia recurso de apelação, na forma do art. 1.009 do novo CPC. 12. Sentença arbitral estrangeira parcial e a sua forma de homologação (arts. 356, § 5.º, 515, IX e 960, caput e § 1.º) Antes de discorrermos sobre uma singela dúvida que poderá surgir, vamos estatuir algumas premissas básicas sobre alguns dispositivos legais do novo Código de Processo Civil: "1. Foi consagrada a ideia da sentença parcial 42 no art. 356, 43 e o seu § 5.º 44 informa que deverá ser impugnada por meio de agravo de instrumento. 2. De acordo com os incs. VIII e IX do art. 515, são títulos executivos judiciais, respectivamente, 'a sentença estrangeira homologada pelo STJ' e 'a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo STJ'. 3. Conforme se extrai do art. 960, 'a homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado', e o seu § 1.º estabelece que 'a decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória'". Dito isso, o que deverá a parte interessada fazer se tiver em mãos uma sentença arbitral estrangeira parcial? Diante da alteração redacional do art. 960 do novo CPC, 45 que fala em homologação de decisão estrangeira, parece-nos que deverá ser formulado requerimento de homologação da sentença arbitral estrangeira parcial, ou seja, não deverá ser feito pedido de concessão de exequatur à carta rogatória. 46 Pouco importa, portanto, que o julgamento antecipado parcial de mérito tenha, no Brasil, natureza de decisão interlocutória, até porque o § 1.º do art. 960 faculta a execução da interlocutória estrangeira por meio de rogatória, isto é, não obriga. 47 13. Direito probatório (arts. 369 a 484) O novo Código de Processo Civil inovou em diversos aspectos no tocante ao direito probatório, tais como a possibilidade de se inverter o ônus da prova em alguns casos (§ 1.º do art. 373), a possibilidade de as partes escolherem quem será o perito do juízo no caso concreto (art. 474), o modo de inquirição das testemunhas (art. 459), a positivação da ata notarial (art. 384) e assegurou o direito à prova (art. 381, II e III). A parte do novo Código de Processo Civil que diz respeito às provas é, basicamente, toda de natureza procedimental, logo, tem a sua aplicabilidade como mera faculdade do árbitro. Os regramentos específicos sobre provas variam de caso a caso, de árbitro para árbitro e de câmara a câmara. Nada impede, porém, que o árbitro possa aproveitar uma ou outra regra da nossa lei processual e aplicá-la no processo arbitral. Mas isso ocorrerá porque o árbitro achou melhor, e, não, porque se trata do Código de Processo Civil, pois, repita-se, não se trata de norma supletiva à Lei de Arbitragem. Não custa reforçar que na Lei de Arbitragem apenas os arts. 21 e 22 tratam dessa matéria. Salientamos, ainda, que algumas disposições sobre provas estão previstas nos regulamentos das instituições de arbitragem, que, assim como o faz a Lei de Arbitragem, outorgam poderes ao árbitro, 48 que sempre conversa com as partes previamente, para a fixação do procedimento probatório. 14. Sentença sem resolução de mérito (arts. 485, VII e 486, § 1.º) Reza o art. 485, VII, do novo CPC, "o juiz não resolverá o mérito quando acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência". Observem que há duas situações distintas. Na primeira, ainda sem a instituição 49 propriamente dita do processo arbitral, o juiz deixa de resolver o mérito porque reconhece a existência de convenção dearbitragem. O juiz não precisa e nem deve manifestar- se sobre a validade e a eficácia da convenção arbitral, sob pena de violação do art. 20, caput e § 2.º, da LA, salvo se se tratar de alguma nulidade prima facie. Na segunda, pode até ser que não tenha sido apresentada pelo réu a convenção de arbitragem por escrito, 50 no entanto, a arbitragem já foi instituída e o árbitro já se deu por competente. Isso insinua que não será possível existir conflito de competência entre juízo arbitral e juízo togado, pois este deverá respeitar a competência auto declarada por aquele. Outra conclusão que é possível tecer seria a da possibilidade de se iniciar uma arbitragem sem convenção arbitral escrita, bastando que exista, por exemplo, troca de e-mails, cartas ou mensagens. Finalmente, também é possível concluir que, caso o juízo arbitral já tenha reconhecido a sua competência, o juiz togado deverá extinguir o processo imediatamente, mesmo se as partes ainda estiverem aguardando a realização da audiência do art. 334 do novo CPC, salvo, claro, se ambas se manifestarem em sentido contrário. Esse fato pode ser comunicado por uma das partes ou até mesmo pelo próprio árbitro por meio de carta arbitral. De todo modo, havendo sentença sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, VII, ainda assim a parte autora poderá intentar novamente a ação, haja vista a inexistência de coisa julgada material. Porém, nos termos do § 1.º do art. 486 do novo CPC, "no caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incs. I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito". 15. Dever de fundamentação das decisões (art. 489, § 1.º) Um dos dispositivos mais polêmicos do novo Código de Processo Civil é o § 1.º do art. 489, 51 que disciplina, a contrario sensu e com detalhes, como é que o magistrado deve fundamentar a sua decisão judicial. Apesar de Maria Carolina Silveira Beraldo considerar os requisitos da sentença como regras de natureza processual, 52 entendemos que a aplicabilidade obrigatória dessa regra deva ser exigida apenas dos magistrados, e, não, dos árbitros. Por que? Porque o destinatário da regra é o juiz estatal. Dito isso, cabe aqui uma indagação: se a sentença é ato processual, e a própria autora acima afirma isso, e a doutrina majoritária parece entender que a forma ou o modo de se praticar o ato processual é regra de cunho procedimental, 53 por que é que os requisitos da sentença judicial devem ser classificados como regra de natureza processual? Com efeito, é importante salientar que, ao pensarmos sobre certas premissas básicas do sistema judicial, à luz da arbitragem, temos sempre que nos lembrarmos de um componente elementar dela, que é a autonomia privada das partes. Senão, vejamos: (i) diz a Constituição Federal de 1988 que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Judiciário, porém, as partes capazes podem levar seus litígios que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis para serem dirimidos por meio de arbitragem; (ii) também reza a Constituição Federal de 1988 que todos os processos judiciais e julgamentos, como regra, serão públicos, contudo, sabemos que o processo arbitral, em decorrência da vontade das partes (não da Lei de Arbitragem) é sigiloso; e, (iii) por fim, a Constituição Federal de 1988 exige que todas as decisões judiciais sejam motivadas, no entanto, enquanto o STF detinha competência para a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, homologava-se sentenças sem motivação, desde que as partes tenham concordado com isso, por escrito, na origem. Com base nas premissas acima, vê-se que não é possível dar tratamento idêntico aos processos judicial e arbitral, mesmo se estivermos diante de uma regra que tenha natureza processual. De todo modo, fica a nossa advertência de que a observância dos seus incisos denota que o árbitro está agindo com competência e diligência, deveres esses que constam expressamente do § 6.º do art. 13 da LA. E mais. Não custa recordar que a sentença sem a observância dos requisitos do art. 26 da LA (a fundamentação é um deles) pode ser objeto de ação anulatória, com fulcro no art. 32, III, da LA. Desse modo, apesar de o § 1.º do art. 489 do novo CPC não se tratar, no nosso sentir, de norma cogente para a arbitragem, é altamente recomendável que ele seja observado à risca pelo árbitro, de modo a evitar futuras alegações de sentença arbitral imotivada ou com fundamentação opaca. 16. Coisa julgada e prejudicial (art. 503, § 1.º) A coisa julgada, sem dúvida, é regra de natureza processual e por isso deve (já vem sendo) ser sempre aplicada às arbitragens. É claro que os seus limites subjetivos e objetivos também. Seria inimaginável que pudesse existir uma sentença arbitral que não fizesse coisa julgada. O novo Código de Processo Civil alterou uma sistemática que existia no Código de Processo Civil de 1973 que deve ser objeto de análise. Nos termos do § 1.º do art. 503 do novo CPC, 54 a questão prejudicial decidida expressa e incidentalmente no processo poderá ser afetada pela res iudicata, desde que observadas as condições para tanto. E como será isso na arbitragem? A nosso ver, como os poderes jurisdicionais do árbitro advêm da convenção de arbitragem, ele está terminantemente proibido de decidir fora dos limites dela. Diante de seu dever legal de agir com competência e diligência, pode até sugerir às partes que o autorizem a decidir questão prejudicial que surja no decorrer do processo. Um pouco mais complicado para responder seria se a prejudicial estivesse dentro do escopo da arbitragem, no entanto, mesmo nesse caso, consideramos que o árbitro deveria ater-se àquilo que foi expressamente pedido pelas partes. Ademais, lembremo-nos de que o § 1.º do art. 503 é uma determinação para o juiz, e, não, para o árbitro. 17. Os precedentes vincularão os árbitros? (arts. 926 a 928) Esse tema é tão tormentoso que poderia ser objeto de dissertação de mestrado. 55 Respondendo à indagação lançada, acreditamos que os árbitros não estarão vinculados às súmulas vinculantes e nem às teses fixadas em recursos sob o regime de repetitivos, em incidentes de resolução de demandas repetitivas e em incidentes de assunção de competência. O tema, todavia, é controvertido, conforme já demonstramos no passado. 56 O precedente vinculará o juiz, e, não, o árbitro, uma vez que o destinatário do precedente é o magistrado, e, não, o árbitro. Vejam, até acho que os arts. 926 a 928 do novo CPC possam ser classificados como regras de processo (não de procedimento), pois estão diretamente ligadas ao exercício da jurisdição, contudo, só isso não pode implicar numa aplicabilidade cogente da norma ao processo arbitral, que, por óbvio, tem as suas nuances e particularidades. No fundo, há bons argumentos para sustentar as duas posições, 57 e, para não dar substratos para a parte perdedora da demanda arbitral poder questionar a sua validade em juízo (não que acreditemos no sucesso dessa lide), recomendamos que já se estabeleça isso na convenção de arbitragem, 58 isto é, se os precedentes serão de aplicabilidade obrigatória ou facultativa pelo árbitro. 18. Efeito suspensivo na apelação que julga procedente o pedido de instituição de arbitragem (art. 1.012, § 3.º) Assim como já ocorria no Código de Processo Civil de 1973, no novo Código de Processo Civil a apelação contra a sentença que julga procedente o pedido de instituição de arbitragem será recebida apenas no seu efeito devolutivo, ex vi do disposto no art. 1.012,§ 1.º, IV. Será possível, ao apelante, requerer a concessão do efeito suspensivo ao recurso de apelação. Nos termos do § 3.º do art. 1.012 do novo CPC, esse pedido deverá ser dirigido ao: "I tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la; II relator, se já distribuída a apelação". E, nos termos do § 4.º do art. 1.012, "(...) a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação". Observem que há dois requisitos, alternativos, para a concessão do efeito suspensivo. O primeiro é a "demonstração da probabilidade de provimento do recurso". Assim, se o apelante conseguir comprovar nas suas razões recursais que a jurisprudência majoritária é em sentido contrário àquele exposado na sentença, deverá obter o efeito suspensivo. O segundo é composto, pois exige do apelante, ao mesmo tempo, a demonstração da "relevância a fundamentação" mais a existência de "risco de dano grave ou de difícil reparação". Em outras palavras, é preciso que sejam apresentados no recurso argumentos substanciosos e convincentes sobre o mérito e, ainda, que se prove o risco de dano grave ou de difícil reparação. A alteração legislativa é boa e guarda coerência com o novo sistema de admissibilidade do recurso de apelação, que, de acordo com o § 3.º do art. 1.010 do novo CPC, 59 será realizado apenas pelo tribunal. Maiores detalhes sobre o processamento desse pedido de efeito suspensivo ou ativo deverá ser feito pelos regimentos internos dos tribunais, 60 devendo sempre serem respeitados os princípios processuais do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a essência do novo Código de Processo Civil, em especial, o dever de cooperação, celeridade, efetividade e primazia do mérito. 19. Considerações finais As nossas considerações finais são no sentido de que é preciso haver coerência para aplicar o novo Código de Processo Civil no processo arbitral. Não se pode manter um discurso raso e horizontal de que essa Lei não é aplicável à arbitragem tão somente porque não consta, da Lei de Arbitragem, que o Código de Processo Civil é sua fonte subsidiária ou norma supletiva. De fato, não é mesmo, contudo, por que é que, no nosso dia a dia como profissionais da arbitragem, nos valemos de alguns institutos regulamentados apenas pela lei processual, e não nos valemos de outros? Por que é que a lei processual é sempre lembrada, por exemplo, quando se pensa nos requisitos para a concessão de tutela de urgência e na coisa julgada, e, não, para outros aspectos? Ora, não seria mais harmonioso que sempre fossem aplicadas as normas de natureza processual (e, não, procedimental) do Código de Processo Civil, desde que não houvesse qualquer ofensa às particularidades da arbitragem? Vejam, não estamos afirmando, de forma alguma, que a incoerência tem prevalecido atualmente. Não é isso. Trata-se apenas de uma ideia lançada para a reflexão geral daqueles que gostam e trabalham com arbitragem; nada além disso. Tanto o novo Código de Processo Civil, como o já revogado, são boas leis e não há nada de errado em se pretender utilizar esse ou aquele expediente da lei processual. É claro que a flexibilidade do procedimento arbitral é melhor, sendo essa, aliás, uma das razões pelas quais a arbitragem é tão interessante. Portanto, concluindo, podemos afirmar que a lei processual não é fonte supletiva ou subsidiária da Lei de Arbitragem, entretanto, as regras de natureza processual do novo Código de Processo Civil, na medida do possível, devem ser aplicadas ao processo arbitral. Evidentemente que se ficar constatada a existência de alguma particularidade da arbitragem que impeça de ser utilizado o novo Código de Processo Civil, deverá o árbitro, por meio de decisão fundamentada, explicitar as razões do seu convencimento. Por fim, é preciso aclarar que essa decisão do árbitro é soberana e não poderá, como regra, ser contestada no Poder Judiciário. 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