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Disciplina ESTUDO DE LIBRAS Raquel Elizabeth Saes Quiles Campo Grande, MS - 2010 CÂMARA EDITORIAL SÉRIE Angela Maria Zanon Dario de Oliveira Lima Filho Damaris Pereira Santana Lima Carina Elizabeth Maciel Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS - Resolução nº 00/10 CONSELHO EDITORIAL UFMS Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento Claudete Cameschi de Souza Edgar Aparecido da Costa. Edgar Cézar Nolasco Elcia Esnarriaga de Arruda Gilberto Maia José Francisco Ferrari Maria Rita Marques Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal Rosana Cristina Zanelatto Santos Sonia Regina Jurado Ynes da Silva Felix PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Carlos Eduardo Bielschowsky UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL REITORA Célia Maria da Silva Oliveira VICE-REITOR João Ricardo Filgueiras Tognini COORDENADORA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA - UFMS COORDENADORA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS Angela Maria Zanon COORDENADOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS João Ricardo Viola dos Santos COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS: PORTUGUÊS E ESPANHOL (MODALIDADE A DISTÂNCIA) Damaris Pereira Santana Lima Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil) APRESENTAÇÃO Caro(a) Acadêmico(a), Com certeza, você deve estar se perguntando: “LIBRAS? Como aprender uma Língua gestual/espacial na modalidade à distância?” De fato, temos um grande desafio à nossa fren- te. Todavia, na Apresentação deste Manual, quero esclarecer que nosso objetivo principal não é a aprendizagem da Lín- gua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em si, apesar de fazer parte da nossa proposta a aprendizagem de alguns sinais básicos, que subsidiem minimamente a comunicação entre você e seus futuros/as alunos/as surdos/as. Outra pergunta pode surgir, então: “Qual a função dessa Disciplina?” Alerto a você que nosso objetivo principal é discutir e aprofundar a importân- cia dessa Língua para o surdo, bem como a sua estrutura, de modo que você tenha condições de avaliar esse aluno, entendê-lo em suas especificidades e se sinta capaz de escolarizá-lo. Assim, faremos discussões teóricas sobre a edu- cação inclusiva, o aluno surdo no ensino regular, o professor intérprete e, claro, a LIBRAS como meio de comunicação que deve ser garantido em todo ambiente escolar. Penso que te- mos, também, como central em nossa discussão a sua imersão no mundo do silêncio, um mundo que fala por si só, através dos gestos, expressões, corpos, mãos... Um mundo encanta- dor. Convido a você para, juntos, trilharmos um caminho do conhecimento que é, no mínimo, impactante, pois enxergar “o outro” a partir da sua diferença é algo que mudará a nossa visão sobre nós mesmos. Raquel Elizabeth Saes Quiles A gaivota cresceu e voa com suas próprias asas. Olho do mesmo modo com que poderia escutar. Meus olhos são meus ouvidos. Escrevo do mesmo modo que me exprimo por sinais. Minhas mãos são bilíngues. Ofereço-lhes minha diferença. Meu coração não é surdo a nada neste duplo mundo... (Emmanuelle Laborrit) SUMÁRIO UNIDADE I Surdez e Linguagem 1.1 Apontamentos históricos sobre a educação de surdos e a Língua Brasileira de Sinais 9 1.2 Aspectos gerais sobre a surdez 24 1.3 Surdez e Linguagem 28 1.4 Interagindo com o texto 31 UNIDADE II Inclusão do aluno surdo no ensino regular 2.1 Pressupostos da educação inclusiva 36 2.2 Aspectos legais em destaque 39 2.3 O aluno surdo no ensino regular 41 2.4 Interagindo com o texto 50 UNIDADE III Libras (Língua Brasileira de Sinais) 3.1 O que é Libras 55 3.2 Estrutura da Língua: diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa 67 3.3 Escrita de Sinais 68 3.4 Interagindo com o texto 69 UNIDADE IV A Libras na sala de aula 4.1 Educação Bilíngue 73 4.2 Ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua 79 4.3 Atendimento Educacional Especializado (área da Surdez) 85 4.4 Interagindo com o texto 86 UNIDADE V Libras em Ação Palavras finais 125 Referências 126 EaD • UFMS6 ESTUDO DE LIBRAS OBJETIVOS O Guia de Estudo de LIBRAS tem como objetivos: • Discutir sobre aspectos relacionados à surdez e à aquisição da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. • Estudar os aspectos linguísticos da LIBRAS visando a compre- ensão da organização estrutural da Língua. • Refletir alguns conceitos relacionados aos surdos no âmbito da inclusão escolar, visando desfazer mitos, ideias discriminatórias e excludentes. • Propor redimensionamentos para a efetivação da prática inclusi- va do aluno surdo a partir da aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais. • Identificar as barreiras atitudinais frente ao processo de interação e comunicação com alunos surdos. • Discutir sobre a produção textual do aluno surdo na perspectiva do ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua. • Conhecer alguns sinais básicos da LIBRAS, visando o conheci- mento mínimo e inicial da Língua. EaD • UFMS 7Surdez e Linguagem Unidade 1 SURDEZ E LINGUAGEM ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS8 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS 9Surdez e Linguagem Unidade 1 SURDEZ E LINGUAGEM Nesta unidade, iremos tratar de um assunto que permeia a discussão da educação de surdos... refere-se à relação entre a sur- dez e a linguagem. Mas, para chegarmos nesse ponto de nossa dis- cussão, iremos refletir sobre alguns aspectos históricos da educa- ção de surdos, da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e algumas características específicas relacionadas à surdez. Então, teremos subsídios para fazer a relação entre surdez e linguagem. “Surdo é aquele que não tem tempo de ouvir o desabafo de um amigo ou o apelo de um irmão”... (Mário Quintana) OBJETIVOS DESTA UNIDADE Esta Unidade tem como objetivos: • Conhecer os caminhos percorridos pelos surdos com rela- ção à sua educação. • Visualizar o histórico da LIBRAS no Brasil, enfatizando seu espaço atual. • Identificar algumas especificidades da pessoa surda a partir de um olhar histórico, social, econômico e político. • Compreender a relação existente entre surdez e linguagem, reconhecendo a importância da Língua Brasileira de Sinais. 1.1. APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 1.1.1 EDUCAÇÃO DE SURDOS O primeiro aspecto que se faz necessário destacar, quando pensamos na educação do surdo, é que toda vivência educacional percorrida por esse aluno não aconteceu de uma forma neutra, TEXTO EaD • UFMS10 ESTUDO DE LIBRAS sem que ela não estivesse permeada por relações de poder e confli- tos sociais evidenciados em cada momento histórico. Assim, a sequência de fatos que se seguem, apesar de serem apresentados linearmente, não configuram uma perspectiva histórica linear, ou seja, acreditamos que cada momento histórico e as consequências educacionais advindas dele têm uma explicação nas relações soci- ais que os homens foram desenvolvendo, dando, portanto, à edu- cação dos surdos, um caráter e uma essência que estão atrelados às concepções e paradigmas de cada período subjacente. Para compor as informações abaixo, utilizamo-nos de três au- tores, especialmente. Dois que estudaram a fundo a Educação Es- pecial no Brasil (JANNUZZI, 2004; MAZZOTTA, 2005) e uma au- tora que dedicou seus estudos à educação do surdo, no Brasil (SO- ARES, 2005). Jannuzzi (2004) nos alerta que a história educacional brasilei- ra fornece elementos para o entendimento da história da educação do deficiente, pois a escola se encarrega de selecionar os “anor- mais”. Vale ressaltar que a educação do surdo se delineia, inicial- mente, no bojo da educação do aluno deficiente.Parece que, inicialmente, a educação das crianças deficientes encontrou pouca manifestação, no País. E apenas em 1835, é que se cria o cargo de professor de primeiras letras para o ensino de surdos-mudos (termo utilizado na época) no Rio de Janeiro e nas províncias. Antes disso, a atenção dada aos deficientes centrava- se nos aspectos médico e religioso. Mazzotta (2005) confirma isso, ao salientar que, durante todo o século XIX, as iniciativas em rela- ção à educação dos deficientes, de uma forma geral, foram isola- das. A inclusão da Educação Especial na política brasileira vem ocorrer somente no final dos anos 1950 e início da década de 1960. Em 1857, cria-se um Instituto importante, historicamente, que vai direcionar a educação dos surdos por várias décadas subsequentes – o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (Lei n. 839), no Rio de Janeiro, conhecido, hoje, como INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos). A proposta educacional do Instituto, na maioria das vezes, esteve em consonância com a proposta mundial para a educação de surdos. Assim, influenciado pelos dois Con- gressos Internacionais de Surdos-Mudos, que aconteceram em Paris, em 1878 e 1800, que defendiam que o melhor método de ensino para surdos é o que combina a articulação com a leitura da palavra nos lábios, o Instituto opta, por décadas, pela instrução a Como era, então, a educação do aluno deficiente? EaD • UFMS 11Surdez e Linguagem partir da oralização. O uso simultâneo de fala e gesto passa a ser desprezado. A grande questão, destacada por Soares (2005), é que, nesses Congressos e em outros que ocorreram, não houve a preocupação em fazer com que o surdo pudesse adquirir a instrução, tal como era compreendida para os “normais”. Eram discutidas melhores maneiras para a aquisição apenas da linguagem. Em 1883, realiza-se, no Brasil, o I Congresso de Instrução Pú- blica, convocado pelo Imperador, momento em que se sugere um currículo de formação de professores para cegos e surdos. Desta- ca-se que se tratava de um curso ministrado por médicos. De 1896 a 1900, pedagogos e médicos entraram em discordância. Segundo Soares (2005), os médicos aconselhavam que o ensino fosse de acor- do com o grau dos restos de audição e que o agrupamento dos alunos, por classe, seguisse o mesmo critério. Já os pedagogos con- sideravam que a classificação deveria ser feita de acordo com o grau de inteligência e que não se deveria levar em conta os resídu- os da audição. Constata-se que, durante o Império, o ensino era domiciliar e apenas para as elites, ou seja, os que tinham condições de contratar preceptores. O trabalho educacional direcionado aos surdos era fortemente influenciado pela França. E, como na educação dos “normais”, não era para todos, haja vista que não havia necessida- de dessa população para produzir mão-de-obra. Assim, conforme Jannuzzi (2004), ao final do Império, a educação do deficiente esta- va silenciada. No início da República, os surdos continuam sendo assistidos por Instituições, o que, de certa forma, os privilegia em relação ao atendimento às outras deficiências. Além disso, esses Institutos es- tavam ligados e subordinados ao poder central. Todavia, apesar da forte influência dos Institutos, a educação do surdo, no Brasil, so- freu influências de algumas obras, principalmente de educadores franceses, que se destacaram e se tornaram figuras importantes na história. Observemos alguns exemplos: Gerolano Cardano (1501-1576): Médico italiano, que se destaca por con- cluir que a a surdez não prejudicava a aprendizagem, uma vez que os surdos poderiam aprender a escrever e assim expressar seus pensamentos. Isto é, a surdez, em sua concepção, não modifi- cava a inteligência da criança. Foi um dos primeiros educadores de surdos; seu mé- Fonte: http://en.wikipedia.org EaD • UFMS12 ESTUDO DE LIBRAS todo de ensino era baseado na escrita, como um instrumento para se chegar ao uso da fala. Enfatizava a importância da visão no processo de aprendizagem. Pedro Ponce de Leon (1520-1584): Monge beneditino que ensinou dois surdos (filhos de aristocratas) a falar, es- crever, ler, fazer contas e executar pre- ceitos religiosos, como rezar e confes- sar. Utilizava-se de um tipo de alfabeto manual, que permitia ao estudante so- letrar (letra por letra) toda palavra. Ini- cialmente, ele ensinava a escrita, para, depois, passar para o ensino da fala. Foi considerado um educador de grande importância por seus contemporâneos, pois a maioria dos europeus acreditava que os surdos eram inca- pazes de serem educados. Juan Pablo Bonet (1560-1620): Um dos primeiros preceptores de surdos. Com ele apareceu o primeiro tratado de ensino de surdos-mudos (obra intitulada: “Redação das letras e arte de ensinar os mudos a falar”). Ele achava que o ensino deveria começar pelo alfabeto; depois, fa- zer uma ligação entre o alfabeto e a lín- gua escrita, para, enfim, ensinar a língua falada. Ou seja, Bonet proibia o uso da Linguagem gestual. Charles Miguel de L’Éppe (1712-1789): Fundou o Instituto de Surdos-Mudos em Paris, em 1770 e educou surdos por si- nais metódicos, que seguiam palavra por palavra a gramática da língua francesa. Apesar disso, ou seja, da ênfase na fala, L’Eppe acreditava na eficácia do método gestual, para possibilitar uma instrução rápida, que possibilitasse aos surdos transformarem-se em elementos úteis manualmente para a sociedade. Ele é o fundador da primeira escola para surdos. Fonte: http://en.wikipedia.org Fonte: http://en.wikipedia.org Fonte: http://www.jorwiki.usp.br EaD • UFMS 13Surdez e Linguagem Jacob Rodriguez Pereira (1715-1780): Pedagogo e investigador; trabalhou com surdos, na França. Começava seu tra- balho de “desmutização” por meio da visão e do tato. Ele dividiu a surdez em três níveis: surdez total, parcial profun- da e parcial média. Desenvolveu os pri- meiros esboços da Linguagem gestual, permitindo a comunicação com os sur- dos-mudos, até, então, considerados “doentes mentais” pelas doutrinas dominantes. Jean Marc Gaspard Itard (1775-1838): Médico e Psiquiatra, que, após alguns fracassos na cura da surdez, desenvol- veu um tratamento que visava a aqui- sição da fala e o aproveitamento dos restos auditivos. Especializou-se no ór- gão da audição e suas doenças e, por suas pesquisas nesse ramo da Medici- na, tornou-se famoso em toda Europa. Sua competência foi questionada quando não conseguiu fazer com que um menino achado em uma floresta conseguisse falar. O menino se chamava Victor e ficou conhecido como “Menino Selvagem”, ou “Menino Lobo”. Jannuzzi (2004) enfatiza que a educação dos deficientes, no Brasil, foi fortemente influenciada pelo campo médico e psicológi- co. Isso se manteve, segundo Soares (2005), até 1959. Baseados no desenvolvimento da ciência, em especial da anatomia, os médicos passaram a se dedicar ao estudo da fala dos surdos, bem como das suas possibilidades de aprendizagem. Isso significa que, na educa- ção de surdos, predominavam os procedimentos clínicos. Segun- do Soares (2005), possivelmente, era por isso que a questão da es- colaridade era colocada em segundo plano. Além disso, toda a formação de professores, para educar os deficientes, era fornecida por médicos. Alguns tinham certa tranquilidade de diagnóstico e prescrição pedagógica, baseada em critérios clínicos. Outros não tinham essa tranquilidade e apela- vam para o especialista, o aplicador de testes. É por esse viés do diagnóstico, que a Psicologia também influencia a educação do deficiente. Como a preocupação era voltada para os aspectos Fonte: http://ruadajudiaria.com Fonte: http://en.wikipedia.org EaD • UFMS14 ESTUDO DE LIBRAS intelectivos, aplicavam-se testes de inteligência como meio de or- ganizar classes homogêneas. No século XX, apresentou-se o seguinte panorama na educa- ção do deficiente e,especialmente, dos surdos. De 1930 a 1950, a educação, de uma forma geral, passa por algumas modificações devido à fase de incremento da industriali- zação, no Brasil, por ser um momento em que o País, morosamen- te, se organiza em órgãos mais específicos, sob influências mundi- ais. A educação do deficiente passa a configurar-se ora médica, moral, filantrópica, ora mais educativa. Com isso, a educação dos surdos continua tendo como centro aglutinador o Instituto Nacio- nal dos Surdos-Mudos, que passa a ser conhecido como INES (Ins- tituto Nacional de Educação de Surdos), a partir de 1957. O INES oficializa o método oral para todo alunado e utiliza informações baseadas no conhecimento terapêutico para desenvolver órgãos fonatórios: ritmo da respiração, ginástica respiratória, uso das cor- das vocais, exercícios de sopro etc. Apesar de ter havido, na década de 1930, mais precisamente em 1932, uma discussão em torno da educação, enfatizando a ne- cessidade de reformas, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, segundo Soares (2005), parece que não houve qualquer tipo de influência na proposta do Instituto. Percebe-se que a grande questão era que a instrução não fazia parte do universo de trabalho com os surdos, pelo menos, não como ela era concebida aos “normais”. Diversos fatores contribuíram para que a escola comum, gradativamente, definisse com maior preci- são aqueles que possuíam ou não capacidade para adquirir instru- ção. Com o auxílio da Psicologia, os testes de inteligência, apesar dos questionamentos feitos por diversos estudiosos, ainda vêm sen- do utilizados para esse fim. Observem bem, o que enfatiza Soares (2005): A capacidade verbal, como item de demonstração da inteligên- cia, foi, por muito tempo, considerada como pré-requisito para a aprendizagem da escrita. Mas, pelo visto, na educação de sur- dos, a avaliação da inteligência era realizada para verificar a sua aptidão para a fala. Isto significa uma mudança de enfoque. [...] Aos de fraca inteligência, restava o recurso de ensinar pela escri- ta (p. 66. Ainda, conforme Soares (2005), isso justifica por que o ensino profissional surge como alternativa para os excluídos do universo do ensino, do qual apenas os considerados inteligentes fazem par- EaD • UFMS 15Surdez e Linguagem te. Dessa forma, a comunicação era uma alternativa somente para que o surdo pudesse conseguir exercer uma ocupação profissio- nal. Essa ocupação estava vinculada à maneira como era percebida a sua deficiência dentro de diferentes contextos. Se a percepção que se tinha do surdo mudo era de elemento incapaz de gerar riqueza, inapto, portanto, para desempenhar um papel ativo na produção, restava oferecer-lhe o mínimo ne- cessário para o exercício da sua ocupação, o que bastaria para livrá-lo do ócio (SOARES, 2005, p. 68). Em 1951, Ana Rímoli de Faria Doria, diretora do Instituto de Surdos-Mudos, oferece o primeiro curso normal de professores surdos, equivalente ao grau médio, com três anos de duração e internato para os residentes nos diversos estados. Em 1954 e 1956, diplomaram-se as duas primeiras turmas. Na prática, ainda predo- minam os serviços privados, pagos e, portanto, mais acessíveis às camadas sociais bem situadas financeiramente. O que é preciso perceber, conforme destaque de Soares (2005), é que os problemas referentes à exclusão na educação, principal- mente na década de 1950, não dizem respeito somente aos surdos. Isso significa que esse grupo de pessoas estava inserido num con- texto de exclusão maior, que abarcava a sociedade como um todo. É por isso que a educação dos surdos, nesse momento, situa-se no âmbito da caridade, pois se eles não se encontravam entre os “elei- tos” para o ensino por sua situação econômica desfavorecida ou por uma fatalidade, caberia a eles apenas o fornecimento de assis- tência e cuidados. Em 1960, começa a haver interesse pela educação dos deficien- tes. E cada vez mais são envolvidos profissionais diversos para atendê- los, como fisioterapeutas, terapeutas educacionais e outros. Com ênfase ainda no método oral, a perspectiva era tornar o surdo uma pessoa útil a si mesma e à sociedade, pois nesse momento histórico, a instrução escolar passa a ser uma exigência para a participação social dos indivíduos “normais”, e, portanto, era necessário dar uma atenção maior à escolaridade do surdo. Segundo Soares (2005): [...] a adoção de um novo método de ensino, voltado prioritaria- mente para a aquisição e compreensão da fala, passou a ser a solução para a educação de surdos (p. 80). Ou seja, nesse momento, a aprendizagem da fala era algo que entusiasmava, pois era a forma de normalizar os surdos e escolarizá- EaD • UFMS16 ESTUDO DE LIBRAS los, para que eles se tornassem cidadãos iguais aos outros. Impor- tava que o surdo deixasse de ser mudo, para se tornar útil e produ- tivo. Com isso, a educação fica pautada meramente em aspectos técnicos. Além disso, a capacidade do surdo em desenvolver a lin- guagem oral estava subordinada à sua inteligência, à sua perda auditiva. Pouco importavam os conteúdos necessários à formação de um sujeito cidadão, isto é, a educação não era pensada do ponto de vista da instrução. Isso não acontece só em relação à educação dos surdos. De maneira geral, os deficientes, independente de qual seja a sua limi- tação, foram marginalizados, excluídos e privados do processo de ensino, ou pela deficiência mesmo, ou por serem desfavorecidos economicamente ou, ainda, por falta de conhecimento. É o que alerta Mazzotta (2005), ao considerar que: [...] de modo geral, as coisas e situações desconhecidas causam temor, a falta de conhecimento sobre as deficiências em muito contribuiu para que as pessoas portadoras de deficiência, “por serem diferentes”, fossem marginalizadas, ignoradas (p.16). Especificamente em relação aos surdos, Soares (2004) enfatiza que, de fato, outros aspectos, muitas vezes interligados, devem ser observados no âmbito de sua exclusão. A autora destaca que: Se atentarmos para o fato de que o sujeito surdo-mudo pode agregar, além da deficiência, outras discriminações, como a de raça e de classe social, o aspecto relacionado à escolaridade deve- ria ter sido encarado ainda com mais rigor (p. 86). A mudança desse quadro de exclusão (apesar de não se poder afirmar que ainda hoje isso esteja resolvido) só acontece quando há condições materiais para isso, dentro da perspectiva da socieda- de capitalista. Na educação geral, o ensino regular passa a ter importância para o desenvolvimento, fato que repercutirá na educação de alu- nos especiais a partir de 1970. De uma forma ainda tímida, a con- figuração da Educação Especial como uma área específica do ensi- no desperta a atenção governamental, que, sob a influência de ele- mentos do ensino especializado, de associações civis etc., vai pro- mover a área através de campanhas. A primeira que se designa para os surdos, denominada Campanha de Educação do Surdo Brasileiro, acontece um pouco antes dos anos 1960, em 1957, a partir do Decreto nº 42.728. EaD • UFMS 17Surdez e Linguagem Segundo Jannuzzi (2004), as Campanhas realizadas na área das deficiências provavelmente vão arregimentando mais pessoas, e, assim, de maneira tímida e precária, preparam terreno para que o governo crie, em 1973, o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), considerado um dos marcos na educação do deficien- te, por ser o órgão que passa a definir as metas governamentais específicas para a Educação Especial. Destacamos que, a partir da criação do CENESP, o INES passa a ser subordinado a esse órgão. Convém enfatizar que esse momento da história não aconteceu por si só, isto é, para que, na década de 1970, fosse importante a criação de um órgão com funções tão específicas, algumas Institui- ções que se fundaram no País foram relevantes nas discussões que historicamente foram acontecendo,como a Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos de Excepcionais, criada em 1963, e a Federação Nacional da Sociedade Pestalozzi, criada em 1971. Especificamente voltadas para o atendimento aos surdos, po- dem-se citar os seguintes estabelecimentos e Instituições: • Instituto Estadual de Educação Padre Anchieta, que atendia apenas deficientes auditivos, em São Paulo (1913). • Instituto Santa Terezinha, particular, especializado no aten- dimento a deficientes auditivos, em Campinas (1929). • Escola Estadual Instituto Pestalozzi, especializada em defici- entes auditivos e mentais, em Minas Gerais (1935). • Escola Municipal de Educação Infantil e de 1º grau para de- ficientes auditivos Helen Keller, em São Paulo, escola que foi a base para a criação, em 1988, de mais quatro escolas municipais em São Paulo (1951). • Instituto Educacional São Paulo, especializado no ensino de crianças deficientes da audição (1954). Destaque para... Helen Keller Helen Keller (1880-1968), cega e surda desde bebê, chama-nos a atenção para a apreciação de nossos sentidos. Apenas de posse do sentido do tato e uma perseve- rança inigualável, sob a orientação de Anne Sullivan Macy, Keller pôde apren- der a ler e a escrever pelo método Braille, chegando mesmo a falar, por imitação das vibrações da garganta de sua preceptora,Fonte: http://2.bp.blogspot.com EaD • UFMS18 ESTUDO DE LIBRAS as quais captava com as pontas dos dedos. O esforço de sua mente em procurar se comunicar com o exterior teve como resultado o afloramento de uma inteligência excepcional, considerada a maior vitória individual da história da educação. Ela foi uma educado- ra, escritora e advogada de cegos. Tinha muita ambição e grande poder de realização. Ao lado de Sullivan, percorreu vários países do mundo promovendo campanhas para melhorar a situação dos deficientes visuais e auditivos. A Srta. Helen alterou nossa percepção do deficiente. Voltando ao CENESP... A meta prioritária de ação do CENESP foi o apoio técnico à Educação Especial. Foram elaboradas diversas propostas curriculares, com adaptações de conteúdos e métodos para as di- versas “categorias” da excepcionalidade. Com um número maior de docentes treinados para atender as especificidades desse alunado, o número de excepcionais atendidos cresceu um pouco. Todavia, existe ainda nesse momento uma dificuldade de integração desses alunos no ensino regular. As práticas vão se concretizando através de classes especiais, classes comuns, Instituições especializadas, oficinas etc. É importante enfatizar que os anos 1980 foram significativos para a concretização de algumas mudanças e a realização de mais conquistas legais, inclusive, o ano de 1980 foi considerado o Ano internacional das Pessoas Deficientes. Especificamente, quanto aos surdos, em 1984, cria-se a Federação Nacional de Educação de Surdos (FENEIS), para somar às Associações Nacionais que come- çam a se movimentar em busca da preservação de seus direitos, inclusive o de opinar sobre os problemas referentes ao atendimen- to direcionado aos deficientes. E, aos poucos, esses movimentos vão se integrando a Instituições e organizações internacionais. A FENEIS, por exemplo, liga-se a World Federation of Deaf. Outras conquistas legais ainda continuam acontecendo. Em 1979, o MEC publica uma Proposta Curricular que forne- ce subsídios e apoio ao trabalho do professor de surdos. Todavia, destaca-se que a orientação dada ao professor estava bastante vol- tada a uma atuação clínica, como um terapeuta da fala. Em 1986, ocorre a criação da CORDE (Coordenadoria Nacio- nal para a Integração da Pessoa Deficiente), que traz em sua implementação a marca de alguma participação dos próprios defi- cientes, o que não acontecia anteriormente. Um exemplo disso é que no seu Conselho Consultivo, criado em 1987, participava o presidente da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos). EaD • UFMS 19Surdez e Linguagem Em 1988, há a promulgação da Constituição Federal, que vi- gora até os dias de hoje, no País. A partir de então, e principalmen- te na década de 1990, inúmeras conquistas legais foram aconte- cendo, garantindo aos surdos o direito à inserção no sistema regu- lar de ensino. Trataremos dessas questões mais adiante. Para encerramos este subitem, optamos por enfatizar os prin- cipais momentos evidenciados pelo Instituto Nacional de Educa- ção de Surdos (INES), por ser o Instituto que pautará as ações educacionais desenvolvidas em todo País por décadas, isto é, por ter sido uma Instituição que influenciou o pensamento educacio- nal voltado à pessoa surda. Segue abaixo a trajetória desse Insti- tuto. INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos • 26 de setembro de 1857: Fundação do Instituto. • 1884: Diretor Menezes Vieira – acreditava ser desnecessário que o surdo aprendesse a escrever, uma vez que, nas relações sociais, o surdo não utilizaria esse tipo de conhecimento. Des- tacava apenas a importância de o surdo aprender a falar. • 1868: Diretor Tobias Leite – entendia que a finalidade do Insti- tuto era a de dar ao surdo mudo instrução necessária literária e ensino profissional agrícola. Acreditava que a finalidade da educação de surdos-mudos não é o de formar homens letra- dos, já que eram privados da audição. • 1930: Diretor Armando Paiva Lacerda – conduziu seu trabalho adotando procedimentos bastante diversificados. Para ele, o ensino da linguagem era importante somente para os surdos que tivessem inteligência normal. Era favorável ao método oral, mas não puramente, pois achava que não eram todos que apre- sentavam aptidões para a aprendizagem do mesmo. Assim, Fonte: http://www.ines.gov.br/paginas/ines01.JPG EaD • UFMS20 ESTUDO DE LIBRAS para a seleção de alunos, realizava testes de capacidade men- tal, auditiva e capacidade linguística. • 1931: Criação do externato feminino, com oficinas de costura e bordado. Até esse momento, o Instituto atendia apenas meni- nos. • 1951: Diretora Ana Rímoli de Faria Doria – era favorável à uti- lização do método oral, inclusive, foi na sua gestão que o méto- do oral foi oficialmente adotado no Instituto. Ela enfatizava que as crianças surdas seriam muito mais felizes se aprendessem a falar e a compreender o que os outros dizem. Nesse mesmo ano, o Instituto recebeu a visita de Helen Keller. • 1952: Fundação do Jardim de Infância do Instituto. • 1957: Mudança do nome, de Instituto Nacional de Surdos- Mudos para Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. • 1970: Criação do Serviço de Estimulação Precoce. • 1980: Criação do Curso de Especialização para professores na área da surdez. • 1990: Criação do informativo técnico-científico “Espaço”, cujos artigos são voltados para a educação do aluno surdo. Após a criação do CENESP (Centro Nacional de Educação Espe- cial), o INES passou a ser vinculado diretamente ao Ministério da Educação. Isso influenciou as ações e gestão do Instituto. Atu- almente o INES atende em torno de 600 alunos, da Educação Infantil até o Ensino Médio. Valoriza a Língua Brasileira de Si- nais, e mesmo com o advento da inclusão, continua sendo uma escola referência na educação de surdos. 1.1.2 HISTÓRICO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS Após termos visualizado a educação do surdo, no Brasil, en- tendemos ser importante sabermos como a LIBRAS se delineou nesse processo. Para tanto, vamos buscar as raízes históricas relaci- onadas à Língua de Sinais no mundo e nos basearemos em Ramos (2003). Os primeiros relatos publicados sobre a Língua de Sinais da- tam de 1644, pelo autor Jhon Bulwer. Ele foi o primeiro a acreditar que a Língua de Sinais é um sistema complexo. No seu segundo livro, destaca que o surdo pode se expressar verdadeiramente por sinais. EaD • UFMS 21Surdez e Linguagem Quase dois séculos depois, em 1809, Watson descreve sobre um métodocombinado de sinais e desenvolvimento da fala. Em 1760, Charles Michel de L’Epée desenvolveu uma metodologia diferenciada, utilizando-se do Alfabeto Manual. Sua forma de en- sino foi amplamente reconhecida e assumida pelo Instituto de Sur- dos Mudos de Paris. Thomas Gallaudet, professor americano de surdos, visitou o Instituto, em 1815, com o objetivo de conhecer o trabalho realiza- do. Não obteve sucesso, pois os profissionais negaram-se a ensinar em poucos meses o que sabiam. Assim, ele convidou um dos me- lhores surdos da escola, Laurence Clerc, para acompanhá-lo de volta aos Estados Unidos e lá, em 1817, os dois fundaram a primeira escola permanente para surdos. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jbulwer.jpg EaD • UFMS22 ESTUDO DE LIBRAS A partir de 1821, todas as escolas americanas passaram a se mover em direção à Língua de Sinais. Isso não aconteceu apenas nos Estados Unidos, mas em vários outros países do mundo. As- sim, é bastante estranho que, no Congresso de Milão, o segundo, em 1800, O método gestualista tenha sido banido enquanto pro- posta de ensino, predominando o oralismo. Segundo Ramos (2003), essa é uma lacuna histórica que ainda precisa ser preenchida. Estudos científicos relacionados à Língua de Sinais só foram ocorrer no século XX. Destacamos o trabalho de William C. Stokoe, sobre a Língua de Sinais Americana, datados de 1957. Esse autor ressalta a importância linguística da Língua. Em 1965, ele publica o primeiro dicionário de Língua de Sinais. Conforme Ramos (2003), os Estados Unidos continuam sen- do, até hoje, o centro mundial mais importante de pesquisa linguística em Língua de Sinais, contando, atualmente, inclusive, com alguns pesquisadores surdos em suas equipes. No Brasil, Lucinda Brito inicia importantes estudos linguísticos, em 1982, sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor, da floresta amazônica brasileira. Mas... Já sabemos que o início oficial da educação de surdos, no Bra- sil, ocorre através da fundação do Instituto Nacional de Surdos- Mudos, no Rio de Janeiro, em 1857. Todavia, antes da fundação do Instituto, em 1855, já estava, no Brasil, um surdo francês, Ernest Huet, vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Gallaudet_University E a Língua Brasileira de Sinais, como surgiu? EaD • UFMS 23Surdez e Linguagem A LIBRAS, em consequência disso, foi bastante influenciada pela Língua Francesa de Sinais. Em 1881, conforme Ramos (2003), o atual diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, Tobias Lei- te, publica um compêndio para o ensino de surdos-mudos, em que se percebe a aceitação à Língua de Sinais e Alfabeto Manual. Ainda segundo Ramos (2003), ocorre, em 1873, a publicação do mais importante documento encontrado, até hoje, sobre a Lín- gua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mu- dos, de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, que contém ilustrações de sinais separados por categorias. Apesar de o Brasil ter sofrido influências do II Congresso de Milão, que proibia a divulgação e utilização da Língua de Sinais, Ramos (2003) assevera que, no Instituto Nacional de Surdos-Mu- dos, muitos professores, alunos e funcionários mantiveram o hábi- to de utilização da Língua de Sinais. Somente em 1957, por inicia- tiva da, então, diretora, Ana Rimoli de Faria Doria é que a Língua de Sinais foi oficialmente proibida em sala de aula. Em 1969, foi realizada uma primeira tentativa no sentido de registrar a Língua de Sinais usada no Brasil. Apenas a partir de 1970, é que pesquisas relativas à LIBRAS passaram a aumentar. Uma importante Instituição que se tornou referência no País foi a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos), fundada em 1987, citada anteriormente. O objetivo da Federação era o de promover, incentivar e assessorar a educação e a cultura dos surdos no Brasil. Por muitos anos a FENEIS foi a Instituição responsável também pela formação de intérpretes de LIBRAS, no País. Atualmente, não mais, porque, desde 2006, o MEC assumiu essa função, através do PROLIBRAS, um Exame Nacional de Proficiência em Libras e Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras – Língua Portuguesa, que ocorre uma vez por ano, em todas as capitais brasileiras, organizado pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Os exames visam avali- ar os intérpretes e instrutores de LIBRAS do País e autorizá-los a exercerem essas funções. A previsão é a de que o PROLIBRAS acon- teça por 10 anos, ou seja, até 2016. Após essa data, a pessoa que desejar se formar nessa área de atuação deverá procurar a graduação em Letra/LIBRAS, que é, hoje, uma formação oferecida também pela UFSC, na modalidade à dis- tância, em várias cidades do país. Por fim, destacamos o ano de 2002 como um marco na histó- ria, pois foi o ano em que a LIBRAS passou a ser reconhecida, no Brasil, podendo ser utilizada como meio de comunicação legal de todos os surdos brasileiros. Isso aconteceu com a promulgação da Lei nº 10.436, que será discutida com mais detalhes na próxima Unidade. EaD • UFMS24 ESTUDO DE LIBRAS 1.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A SURDEZ 1.2.1 DEFINIÇÃO Vimos no item anterior, que historicamente a tradição médi- co-terapêutica influenciou a definição da surdez, definindo-a como déficit auditivo, o que gerou diversas classificações ao longo dos anos. Assim, inicialmente o surdo era considerado surdo mudo (completo e incompleto, a depender de sua capacidade de adqui- rir a fala), semi-surdo ou semimudo. Alertamos para o fato de que essa nomenclatura (surdo-mudo), ainda usada até hoje, é equivocada, considerando que a surdez e a mudez são deficiências diferentes, não estão associadas nem interligadas. O fato de o surdo não ouvir e, consequentemente, não desenvolver a linguagem oral não significa que ele seja mudo. Na maioria das vezes, suas cordas vocais estão em pleno funcio- namento e com um tratamento fonoaudiológico ele pode desen- volver a oralidade como qualquer outra pessoa. Depois, com a influência da Fonoaudiologia, a audição passa a ser medida e descrita em decibéis (dB), que é uma medida relativa à intensidade do som. Quanto maior o número de decibéis ne- cessários para que uma pessoa possa ouvir, maior é a perda auditi- va. Isso altera a classificação de surdez, que passa a se subdividir em quatro grupos: surdez leve, surdez parcial, surdez severa e sur- dez profunda. Observe o quadro: TEXTO IMPORTANTE EaD • UFMS 25Surdez e Linguagem Conforme material produzido pelo MEC, em 1995 (Subsídios para a organização e funcionamento de serviços de Educação Es- pecial), esses quatro tipos de surdez podem ser explicadas da se- guinte maneira: • Surdez Leve – perda auditiva entre 26 a 40 dB nível de audi- ção. Essa perda impede que o indivíduo perceba igualmen- te todos os fonemas da palavra. Além disso, a voz fraca ou distante não é ouvida. Essa perda auditiva não impede a aquisição da linguagem, mas poderá ser a causa de alguns problemas articulatórios ou dificuldade na leitura e/ou es- crita. • Surdez Moderada - perda auditiva entre 41 e 70 dB nível de audição. Esses limites se encontram no nível de percepção da palavra, sendo necessário uma voz de certa intensidade para que seja convenientemente percebida. São frequentes o atraso de linguagem e as alterações articulatórias, haven- do, em alguns casos, maiores problemas linguísticos. Em geral, identificam-se as palavras mais significativas, mas há dificuldade em compreender certos termos de relação e/ou frases gramaticais complexas. A compreensão verbal está intimamente ligada à aptidão para a percepção visual. • Surdez Severa - perda auditiva entre 71 e 90 dB nível de audição. Esse tipo de perda vai permitir que a pessoa iden- tifique alguns ruídos familiares e poderá perceber apenas a voz forte, podendo chegar aos 4 ou 5 anos sem aprender a falar.Se a família estiver bem orientada pela área educacio- nal, a criança poderá chegar a adquirir a linguagem. A com- preensão verbal vai depender, em grande parte, de aptidão para utilizar a percepção visual e para observar o contexto das situações. • Surdez Profunda perda auditiva acima de 90 dB. A gravida- de dessa perda é tal, que priva a pessoa das informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz hu- mana, impedindo-a de adquirir naturalmente a linguagem oral. As perturbações da função auditiva estão ligadas tanto à estrutura acústica, quanto à identificação simbólica da lin- guagem. Quanto maior for a perda auditiva, maiores serão os proble- mas linguísticos e maior será o tempo em que o indivíduo precisa- rá receber atendimento especializado. Enfatizamos que todos os termos apresentados até aqui com- preendem a surdez a partir de fatores biológicos, ou seja, parte-se do princípio de que essa pessoa tem um déficit auditivo. Com isso, desconsidera-se a experiência da surdez e as influências advindas da utilização da Língua Brasileira de Sinais, além de desconsiderar EaD • UFMS26 ESTUDO DE LIBRAS os contextos psicossociais e culturais nos quais a pessoa surda se desenvolve. Principalmente, a partir dos anos 1980, ocorre uma maior or- ganização entre os surdos, na luta por seus direitos, inclusive os educacionais. Surgem também grupos de estudos sobre a surdez, identidade surda, cultura surda, referendando-se, principalmente, na Língua Brasileira de Sinais. Esses fatores acarretaram novas re- flexões sobre o conceito de surdez. Assim, recentemente, os sur- dos estão “classificados” em dois termos: deficiente auditivo e Sur- do. Essa mudança é bastante importante. Destacamos ainda que a modificação de terminologias, prin- cipalmente no âmbito educacional, tem sido amplamente influen- ciada pelos documentos legais produzidos na área da Educação Especial, especialmente a partir dos anos 1990. Claro que essas conquistas legais também foram em grande parte devido ao ex- posto no parágrafo anterior, ou seja, a organização da sociedade civil e ampliação de estudos. No que se refere à surdez, o Decreto que atualmente define e separa os dois termos (deficiente auditivo e Surdo) é o de nº 5.626, de 2005. Conforme o Decreto: Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (artigo 2º) (BRASIL, 2005) Quanto à deficiência auditiva, o Decreto salienta que: Considera-se deficiência auditiva as perdas bilaterais, parciais ou totais, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (Parágrafo Único) Assim, evidenciamos que o conceito de surdez passou por muitas transformações ao longo dos tempos, desde pequenas mu- danças até revoluções de concepções, pontos de vista, teorias, prin- cípios e valores. A discussão relacionada à surdez, atualmente, é muito mais política que biológica. O deficiente auditivo seria aquele que tem necessidades especiais, em alguns casos se utiliza de apa- relhos auditivos e se considera “deficiente”. O Surdo (com letra maiúscula, por ser uma Pessoa) seria o que apresenta uma diferen- ça linguística, um grupo que quer ser reconhecido por suas especi- EaD • UFMS 27Surdez e Linguagem ficidades, que defende que, a partir da utilização da LIBRAS, se estabelece uma cultura e identidade próprias, diferenciadas da cul- tura e identidade dos ouvintes. Essas questões não serão aprofundadas neste Guia, considerando que não é o foco deste Material e que é um assunto que demanda intensos estudos. Toda- via, entendemos necessário mostrar as duas principais possibilida- des teóricas a esse respeito. Há autores que vão defender a ideia de que existe uma cul- tura e uma identidade surda, um povo surdo, que se constitui numa minoria linguística, etc... Para esses, o surdo só será uma pessoa verdadeiramente surda se tiver contato com seus pares, para formar essa identidade surda. Devido à percepção visual, acreditam que existe também uma cultura surda, ou seja, um modo de vida e costumes peculiares aos surdos, que delineiam comportamentos, pensamentos e valores diferenciados dos das pessoas ouvintes. Inclusive, para esse grupo, os surdos não deve- riam mais fazer parte do alunado da Educação Especial, pois não são deficientes e sim um grupo minoritário, com uma Língua específica. Já, para outros autores (um número bem menor), o entendi- mento da surdez não se dá apenas pelo viés da própria surdez, mas, sim, pelas relações estabelecidas, que são, por sua vez, marcadas por aspectos econômicos, sociais, políticos etc. Assim, um surdo nascido no estado de São Paulo não terá as mesmas ca- racterísticas culturais que um surdo do interior do Estado, apesar de os dois serem surdos... e suas identidades se constituirão a par- tir das relações que eles estabelecerem e das oportunidades que tiverem em seu desenvolvimento, inclusive as oportunidades edu- cacionais. Para esse grupo, não se pode descolar a discussão da Língua do fato de a pessoa ter uma perda auditiva, ou seja, a utili- zação da LIBRAS não é uma livre escolha, é consequência da expe- riência de não ouvir. Consideramos essa discussão essencial para a educação, já que, para o Ministério da Educação, apesar do reconhecimento da LIBRAS, o aluno surdo continua sendo aluno da Educação Especial, devendo, portanto, receber atendimento educacional es- pecializado, como qualquer outro aluno com necessidades edu- cacionais especiais, algo que vem sendo questionado por alguns grupos de surdos, que, a partir do entendimento da surdez en- quanto minoria linguística, têm requerido uma escola bilíngue, ou seja, uma escola especial, pautados na afirmação de que a in- clusão não tem respondido aos anseios das “comunidades sur- das”. Dessa forma, enfatizamos, novamente, que o conceito de surdez, atualmente, é uma discussão muito mais política do que biológica. EaD • UFMS28 ESTUDO DE LIBRAS 1.2.2 CAUSAS DA SURDEZ As crianças podem adquirir problemas de audição durante a gestação, durante o parto ou após o nascimento. Causas Pré-Natais: • Desordens genéticas ou hereditárias; • Doenças infecto-contagiosas, como: rubéola, sífilis, citome- galovírus, toxoplasmose e herpes. • Remédios ototóxicos, drogas, alcoolismo materno. • Desnutrição/subnutrição/carências alimentares da mãe. • Pressão alta, diabetes. • Exposição à radiação. • Outras. Causas Peri-Natais: • Pré-maturidade; • Pós-maturidade; • Anóxia; • Fórceps; • Infecção hospitalar; • Outras. Causas Pós-Natais: • Doenças como: Meningite, Sarampo e Caxumba. • Remédios ototóxicos em excesso, ou sem orientação médica • Exposição contínua a ruídos ou sons muito altos. • Traumatismos cranianos. Outras. 1.3 SURDEZ E LINGUAGEM A relação entre a surdez e a linguagem está em perceber- mos a importância da Língua Brasileira de Sinais no desenvolvi- mento do surdo, em todos os aspectos: pessoais, afetivos, soci- TEXTO EaD • UFMS 29Surdez e Linguagem ais, educacionais etc. A LIBRAS, como qualquer outra Língua, tem um papel e na formação da pessoa surda, já que é através da linguagem que significamos o mundo e damos sentido a nós mesmos. Góes (1996), ao discutir a linguagem com base nos pressupos- tos teóricos de Vygotsky, sugere que as experiências de linguagem nas relações sociais participam, desde cedo, ou desde sempre, da formação da criança. Assim: [...] a linguagem participa da constituição do pensamento e re- percute sobre as funções mentais, propiciando transformações na atenção, na memória, no raciocínio, etc (p. 32). Ou seja, a linguagem participa das relações interpessoais. Ela é fundamental na relação do homem comas coisas, com outros ho- mens e consigo próprio. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização real, a mediação entre o sujeito e o conhecimento. Isto é, a linguagem não representa apenas a comunicação; significa a regulação do pensamento e é um fenômeno profundamente his- tórico e social. Vygotsky, ao se referir aos surdos para subsidiar suas discus- sões sobre pensamento e linguagem, afirma que o importante é o uso efetivo de signos, de quaisquer formas de realização, inclusive os que assumem papel correspondente ao da fala. Diante disso, destacamos que a LIBRAS deve ser compreendida como um ele- mento central na discussão da surdez e, portanto, no campo da educação, considerando que a escola é responsável pela aprendiza- gem desse aluno, que levará para o ambiente escolar suas especificidades, dentre elas, uma Língua diferente e capaz de me- diar seu processo de ensino. Com isso, estamos afirmando que a Língua de Sinais é central para que o surdo se desenvolva cognitivamente. Quadros (2003) aponta que a linguagem pode ser compreen- dida em dois diferentes níveis: o nível biológico, enquanto parte da condição humana e o nível social, que interfere na condição humana final. Essa mesma autora afirma que ao se pensar em es- paços inclusivos para o surdo, deve-se pautar nesses dois níveis de linguagem. Aparentemente, Góes (1996) concorda com essa ideia, pois enfatiza que o desenvolvimento da criança surda deve ser compre- endido como processo social, e suas experiências de linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação nas suas relações com a cultura, nas interações com o outro. Ainda, segun- do essa autora: EaD • UFMS30 ESTUDO DE LIBRAS Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo dependendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em especial para a consolidação da lin- guagem (p. 38). Como já afirmamos, a linguagem, além de ser central na co- municação, interfere na organização do pensamento, sendo es- sencial para desenvolver o cognitivo. Assim, no caso das crianças surdas, o atraso de linguagem pode trazer problemas de ordem emocional, social, cultural e cognitivo. A pessoa ouvinte, por exem- plo, convive com a modalidade oral de sua Língua desde muito cedo e isso é extremamente importante para o seu desenvolvi- mento. Da mesma forma, a pessoa surda deve ter contato com alguma forma de linguagem o mais cedo possível, para que possa compreender o mundo à sua volta e interagir, participar dele ati- vamente. Destacamos que a linguagem oral é uma possibilidade de co- municação, mas a Língua de Sinais é, com certeza, um processo bem mais “natural” para a comunicação e compreensão da pessoa surda. Quanto mais tardio for seu contato com sua própria Lín- gua, maiores danos serão causados nas relações dos surdos com o mundo à sua volta. Assim, a criança surda deve adquirir a Língua de Sinais no mesmo período que a criança ouvinte adquire a Lín- gua oral. No que se refere à escola, percebemos, pelo histórico da educação de surdos, que a linguagem sempre foi um aspecto central nas discussões. Quadros (2003) assevera que, diferente- mente da proposta educacional pensada para os ouvintes, na educação de surdos, essa preocupação tornou-se quase que ex- clusiva, perdendo-se de vista o processo educacional integral da criança surda. Outra questão fundamental, quando refletimos sobre a edu- cação, é que as crianças surdas, devido às dificuldades acarreta- das pela não aquisição ou pela aquisição tardia da linguagem, em muitos casos, encontram-se em situações de defasagem no que diz respeito à escolarização e isso não tem relação com suas potencialidades intelectuais. O que ocorre é que, muitas vezes, essa criança chega na escola sem as informações a que as crian- ças ouvintes têm contato o tempo todo e sem o conhecimento esperado para sua idade. Vem daí a necessidade de criação de propostas educacionais que atendam às especificidades e defa- sagens desse aluno, favorecendo o desenvolvimento efetivo de suas capacidades. É sobre essas questões que trataremos na próxima Unidade. EaD • UFMS 31Surdez e Linguagem 1.4 INTERAGINDO COM O TEXTO 1. Vimos que o Instituto Nacional de Surdos-Mudos foi uma Instituição em destaque na história da educação de surdos. Essa Instituição, que, hoje, se chama INES (Instituto Nacional de Edu- cação de Surdos), continua tendo sua importância no cenário edu- cacional. Evidenciamos isso mostrando a trajetória desse Instituto. Faça uma pesquisa sobre os mecanismos de ensino do Instituto atualmente, destacando seus objetivos, abordagem de ensino, os cursos que são oferecidos, enfim, seu funcionamento. Produza um texto como resultado dessa pesquisa. 2. Faça um paralelo entre a educação do surdo, no Brasil, e a trajetória da Língua Brasileira de Sinais. Em um quadro, de um lado, destaque os principais momentos considerados, por você, na educação vivenciada pelos surdos e, do outro lado, os marcos his- tóricos relacionados à LIBRAS, conforme modelo abaixo. Compa- re cada lado e conclua a atividade destacando os pontos conver- gentes percebidos. Após a realização da atividade, discuta com seus colegas. 3. Escreva um parágrafo, destacando o conceito que você pos- suía da surdez antes de ler essa Unidade. Num segundo parágrafo, coloque a definição que você passou a ter sobre a surdez após o estudo da Unidade. Compare sua resposta com a dos seus colegas. Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME: Assista ao Filme: O Milagre de Anne Sullivan, de 1962, dirigido por Arthur Penn. Sinopse: Em 1887, no Alabama, a jovem Helen Keller, cega e surda, desde a infân- cia, devido a uma congestão cerebral, está a ponto de ser enviada para uma Institui- ção especializada em doentes mentais. Sua falta de habilidade para se comuni- car a deixou frustrada e violenta. É um tempo difícil no sul dos Estados Unidos. Desesperados, seus pais procuram ajuda no Perkins Institute, de Boston, que lhes encaminha a jovem Annie Sullivan para MARCOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DO SUJEITO SURDO MARCOS HISTÓRICOS DA LÍNDUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS EaD • UFMS32 ESTUDO DE LIBRAS ser tutora de sua filha. Annie acabara de concluir seu curso, de modo que Helen será sua primeira aluna. Em sua incansável tarefa para tentar fazer com que Helen se adapte e entenda, pelo menos em parte, o mundo que a cerca, Annie não se mostra condescen- dente nem a trata como uma pessoa deficiente. A tarefa é difícil, mas com pulso firme e muito amor, Annie consegue, em relativa- mente pouco tempo, tornar Helen uma garota dócil, bem como fazer com que ela aprenda a linguagem dos dedos e a pronunciar suas primeiras palavras. EaD • UFMS 33Surdez e Linguagem Unidade 2 INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS34 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS 35Inclusão do aluno surdo no ensino regular Unidade 2 INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR Nesta unidade abordaremos sobre a inclusão do aluno no en- sino regular. Já sabemos quem é esse aluno, como sua educação foi pensada ao longo dos tempos, como a LIBRAS se expandiu no Bra- sil e a importância dessa Língua para o desenvolvimento pessoal, social e cognitivo do surdo. Assim, neste momento do nosso Guia, iremos aprofundar nossas discussões nos assuntos referentes espe- cificamente à proposta educacional vigente, ou seja, a educação inclusiva. Assim, iremos desvelar os desafios e perspectivas da edu- cação do surdo nessa proposta, destacando principalmente sobre o trabalho do professor e do intérprete educacional. Nesse contex- to, vamos perceber, mais uma vez, o quanto a LIBRAS é funda- mental para garantir a aprendizagem do aluno surdo. “O ouvido humano é surdo aos conselhos e agudo aos elogios”... (William Shakespeare) OBJETIVOS DESTA UNIDADE Esta Unidade temcomo objetivos: • Discutir sobre as diferentes necessidades educacionais espe- ciais do aluno surdo no contexto escolar, refletindo sobre a Língua Brasileira de Sinais nesse contexto. • Apresentar os principais aspectos legais referentes à educa- ção do aluno surdo. • Estudar sobre o papel do professor intérprete no processo de inclusão do aluno surdo. • Abordar sobre o trabalho do professor regente na perspecti- va da diversidade. • Apontar os principais desafios e perspectivas da educação inclusiva para o aluno surdo. EaD • UFMS36 ESTUDO DE LIBRAS 2.1 PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA A Educação Inclusiva é um processo de transformação da es- cola; um (re) fazer educacional que supõe reflexões aprofundadas sobre a formação de professores, a participação da comunidade escolar (alunos, professores, funcionários, família), os processos pedagógicos, as metodologias de ensino, enfim... refere-se à orga- nização do espaço escolar de forma a atender todos e a todas as diferenças. É fato que os alunos são diferentes entre si, que aprendem de formas distintas, motivam-se por razões diferentes, estão impres- sos com histórias de vida próprias e específicas, apresentam carac- terísticas peculiares e singulares... isto é, a diferença é facilmente perceptível. É evidente que não existem classes escolares homogê- neas e que a heterogeneidade é algo intrínseco ao fato de sermos humanos. Todavia, lidar com essa diversidade e trabalhar com as diferenças significa muito mais do que apenas identificá-las. Re- quer mais do que boas intenções. Figueiredo (2008) salienta que: A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversi- dade é formada pelo conjunto de singularidades, mas também pelas semelhanças que unem o tecido das relações sociais. En- tretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igual- dade, a escola está confundindo diferenças com desigualdades. Aquelas são inerentes ao ser humano enquanto estas são social- mente produzidas (p. 143). Assim, voltamo-nos para as reflexões de Carvalho (2008), que salienta sobre três dimensões importantes quando pensamos na relação da educação com as diferenças. São elas: o sistema educaci- onal, a escola e a sala de aula. Discorreremos sobre cada uma. • O SISTEMA EDUCACIONAL As transformações que delinearão uma educação inclusiva de- vem começar no interior dos próprios órgãos implementadores de políticas públicas de cunho educacional, pois, por mais am- pla que seja a autonomia das escolas, “elas estão inseridas num contexto educacional que elege princípios, estabelece objetivos e identifica diretrizes de ação para as quais são necessários recur- sos financeiros, materiais e humanos que não estão, necessaria- TEXTO EaD • UFMS 37Inclusão do aluno surdo no ensino regular mente, ao alcance de todas as escolas e, muito menos, dos pro- fessores, famílias ou da comunidade” (CARVALHO, 2008, p. 54). Ou seja, as ações pensadas para o sistema educacional devem estar calcadas na realidade local em que essas ações serão implementadas, para atender às necessidades daquela comuni- dade escolar, pois essas ações influenciarão demasiadamente a prática pedagógica. • AS ESCOLAS É evidente que queremos uma escola para todos, mas isso não significa apenas o acesso ao ensino regular. Mais do que isso, a escola inclusiva precisa assegurar a aprendizagem e a partici- pação de TODOS os alunos. Para tanto, segundo Carvalho (2008), as escolas precisam construir culturas inclusivas (co- munidades escolares seguras e receptivas, com valores demo- cráticos de reconhecimento das diferenças), políticas inclusi- vas (projeto político pedagógico que defenda a possibilidade de aprendizagem de todos os alunos, organizando apoios que garantam o desenvolvimento de atividades que aumentem a capacidade da escola de responder às diferenças dos alunos) e práticas pedagógicas inclusivas (atividades de sala de aula sig- nificativas a todos os alunos, das quais participem toda comu- nidade escolar). • A SALA DE AULA A sala de aula se constitui como um grande desafio na efetivação da educação inclusiva. Carvalho (2008) discorre sobre algumas sugestões para o trabalho do professor que deseja e acredita nes- se tipo de educação, como: elaborar um plano de trabalho para a turma toda, considerar a participação dos alunos como os mais valiosos recursos disponíveis em sala de aula, ser um professor pesquisador, construir materiais de ensino aprendizagem pelos próprios alunos, avaliar a aprendizagem se baseando no percur- so de cada estudante e trabalhar com oficinas ou “laboratórios” de aprendizagem. Não podemos nos esquecer que a inclusão educacional é um processo, e, portanto, tem as características de dinamismo, flexibi- lidade e temporalidade. As transformações são lentas, todavia é possível desenvolver desde o sistema educacional, escolas e salas de aula, situações de convivência e aprendizagem que priorizem a diversidade e reconheçam as diferenças. No entanto, nem sempre foi assim. EaD • UFMS38 ESTUDO DE LIBRAS A história educacional aponta índices preocupantes sobre o fracasso escolar e isso não está associado à presença ou não do alu- no com necessidades especiais na escola. Todavia, quando refleti- mos sobre a educação desses alunos, claramente percebemos que através da inclusão a criança com e sem necessidades especiais terá possibilidades de presenciar e vivenciar modelos de interação que dificilmente seriam possíveis em classes e escolas especiais. Assim, as políticas públicas educacionais no campo da Educa- ção Especial têm apontado, cada vez mais, a urgência em cons- truirmos no País escolas inclusivas, que estejam prontas para rece- ber todo e qualquer aluno, dentre eles, os alunos surdos. Todavia, para construir escolas inclusivas, faz-se necessário modificar o sis- tema educacional, renovando-o, modernizando-o. Isso implica em transformação das ações pedagógicas. Sabemos o quanto desafiadora é essa proposta. Entretanto, apesar dos desafiadores caminhos que precisam ser percorridos, a inclusão se constitui como um dos meios mais capazes e eficazes para combater atitudes discriminatórias. Nessa perspectiva inclusiva, a Educação Especial assume um novo papel, pois deve abranger, além do atendimento especializado direto, o suporte às escolas regulares que recebem alunos que neces- sitam de apoios diferenciados para aprender. Em outras palavras: [...] a Educação Especial não deve ser concebida como um sis- tema educacional especializado à parte, mas sim como um con- junto de metodologias, recursos e conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá dispor para atender à diversidade de seu alunado (GLAT; BLANCO, 2007, p. 17). Dessa forma, podemos afirmar que, sem a organização do ambiente escolar, pensado para atender as necessidades de todos os alunos, a inclusão não passa de um discurso político, vazio. A inclusão escolar pressupõe a presença do aluno na escola, a sua participação no cotidiano escolar e a sua efetiva aprendizagem. Consideramos, ainda, que a inclusão é fundamental para a construção de uma sociedade democrática. O respeito às diferen- ças e a igualdade de oportunidades requer o movimento de in- cluir, que faz uma ruptura com o movimento da exclusão. Portan- to, a inclusão é a garantia a todos do acesso contínuo ao espaço comum na vida em sociedade, que deverá estar organizada e ori- entada, respeitando a diversidade humana, as diferenças individu- ais, promovendo igualdade de oportunidades de desenvolvimento para toda a vida. EaD • UFMS 39Inclusão do aluno surdo no ensino regular Assim: [...] Mais do que nunca, torna-se clara a necessidade de uma educação voltada para os valores humanos, uma educação que permita a transformação da sociedade, uma escola que acredite nas diferentes possibilidades e nos diferentes caminhos quecada um traça para sua aprendizagem, que possibilite a convivência e o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões (SARTORETTO, 2008, p. 77). A proposta inclusiva diz respeito, dessa forma, a uma escola de qualidade para todos. Uma escola que não segregue, não rotule e não expulse seus alunos, mas assuma e atenda a diversidade de características de seu alunado. A escola só pode ser um espaço inclusivo se nela todos forem atores e autores, partipantes ativos do processo educativo e de todos os delineamentos e desdobramentos que envolvem o coti- diano escolar. 2.2 ASPECTOS LEGAIS EM DESTAQUE Muitas Legislações, principalmente, a partir da década de 1990, compuseram um arcabouço legal que garantiu ao surdo, além de sua inserção/acesso ao ensino regular, a utilização da LIBRAS como sua Língua de comunicação e mediação da aprendizagem. Todas as garantias legais que vão sendo determinadas no País, no que diz respeito à educação de pessoas com necessidades especiais, de al- guma forma, contemplaram os alunos surdos, salientando sobre a eliminação das barreiras atitudinais e de comunicação, a impor- tância de estratégias de ensino diferenciadas, recursos visuais, pro- fessores capacitados, dentre outros aspectos que dizem respeito à escolarização de TODOS, sem exceção. Diante de tantos documentos legais, que orientam à educação ideal que o País deve buscar com relação ao atendimento dos alu- nos com necessidades educacionais, no que se refere aos surdos, consideramos importante destacar dois documentos que, no nos- so entendimento, são essenciais para a configuração educacional atual. São eles: a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005. IMPORTANTE TEXTO EaD • UFMS40 ESTUDO DE LIBRAS • LEI Nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002) • Reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como meio legal de comunicação e expressão dos surdos. • Define a LIBRAS como um sistema de linguístico de natureza visual-motora, estrutura gramatical própria, capaz de trans- mitir idéias e fatos. • Orienta para que os sistemas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal incluam nos cursos de formação de Educa- ção Especial, Fanoaudiologia e Magistério, o ensino da LIBRAS. Salienta que a LIBRAS não substitui a modalidade escrita da Língua Portuguesa. • DECRETO 5.626/2005 • Regulamenta a Lei nº 10.436/2002. • Define pessoa surda como aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiên- cia visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da LIBRAS. • Ressalta a inclusão da LIBRAS como disciplina escolar obriga- tória, definindo os cursos de Magistério todos os cursos de Licenciatura, o curso Normal Superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial. Para os outros cursos, a LI- BRAS é indicada como disciplina optativa. • Indica que a formação de docentes para o ensino da LIBRAS deve ser realizada em nível superior, e deve priorizar as pesso- as surdas. • Estabelece que o ensino da modalidade escrita da Língua Por- tuguesa, como segunda Língua para as pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de forma- ção de professores para a Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental, bem como nos cursos de Licenciatu- ra em Letras/Língua Portuguesa. • Salienta que as instituições de ensino devem garantir às pesso- as surdas, obrigatoriamente, acesso à comunicação, à infor- mação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, eta- pas e modalidades da educação, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. • Determina que as escolas devem ser providas de quatro pro- fissionais distintos: professor de LIBRAS, tradutor e intérpre- EaD • UFMS 41Inclusão do aluno surdo no ensino regular te de LIBRAS – Língua Portuguesa, professor para o ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua e professor regente com conhecimento acerca da singularidade lingüística mani- festada pelos alunos surdos. • Garante o atendimento às necessidades educacionais dos sur- dos nas salas de aula e em salas de recursos, em turno contrá- rio ao da escolarização. • Enfatiza sobre a adoção de mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda Língua, na correção das pro- vas escritas, valorizando o aspecto semântico; • Dispõe que a modalidade oral da Língua Portuguesa deve ser oferecida em turno distinto ao da escolarização, apenas para os alunos ou pais que fizerem essa opção. • Observa que os alunos têm direito ao atendimento educacio- nal especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação. • Orienta sobre a importância de proporcionar aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lin- güística do aluno surdo. Enfim, como podemos observar, esses dois Documentos le- gais mudam fundamentalmente a proposta educacional para os alunos surdos. E enfatizam, centralmente, a utilização da LIBRAS de forma efetiva no espaço escolar. Claro que não é apenas a utilização da LIBRAS que garantirá uma educação de qualidade ao aluno surdo, pois qualquer proposta de escolarização envolve muito mais do que a comunicação, como: metodologias de ensino específicas, avaliação coerente, professores preparados para trabalharem com a diversidade, comunidade esco- lar envolvida, família presente no cotidiano escolar, dentre outros aspectos. Aprofundaremos essas questões no próximo item. 2.3 O ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR Antes de aprofundarmos nossas discussões sobre a inclusão do aluno surdo, julgamos ser importante esclarecer que neste mo- mento refletiremos sobre a inserção do aluno que se utiliza da Lín- gua Brasileira de Sinais na escola. Existe a possibilidade de termos também no ambiente escolar alunos que optam pela oralização, o TEXTO EaD • UFMS42 ESTUDO DE LIBRAS que direciona a abordagem de forma amplamente distinta da que discutiremos. Todavia, considerando o objetivo central do nosso Guia (a Língua Brasileira de Sinais), entendemos que nos cabe a reflexão do processo ensino-aprendizagem apenas do aluno que se utiliza da LIBRAS. Importa destacar, ainda, que diante da proposta de Educação Inclusiva, que enfatiza a inserção de todo e qualquer aluno, inde- pendente de suas características, no ensino regular, as políticas públicas em Educação Especial vão orientar para que o aluno sur- do esteja nessa modalidade de atendimento e que nada a substi- tua. Além disso, orienta-se para que esse aluno tenha os suportes necessários para ter sucesso em seu processo de escolarização, como a presença do intérprete educacional, matrícula nas salas multifuncionais (conhecida também como sala de recursos) em horário oposto ao da escolarização, dentre outros apoios, a depen- der de cada caso e situação. Assim, iremos discutir nesse momento do nosso Guia sobre as questões fundamentais para garantir essa inclusão verdadeira e efetiva do surdo no ensino regular. Abordaremos, dessa forma, sobre a LIBRAS no contexto escolar, o intérprete educacional e o trabalho do professor regente diante da manifestação da diversi- dade. 2.3.1 A LIBRAS NO CONTEXTO ESCOLAR Entendemos que a LIBRAS é fundamental para a inclusão do aluno surdo, e já ressaltamos isso. Todavia, sua inserção na escola e seu uso pelo aluno surdo não garantem a inclusão efetiva. Isto é, a LIBRAS é apenas um dos elementos necessários no processo inclu- sivo. A comunicação tem um papel central, mas não resolve todos os problemas e dilemas. Primeiramente, é preciso perceber que o sistema educacional, por si só, muitas vezes, não atende às necessidades dos alunos, in- dependente de terem necessidades educacionais especiais ou não. E mais, o fracasso escolar não está relacionado à inserção das pes- soas com deficiência na escola;é um problema que tem estado presente no cenário educacional brasileiro por diversos motivos, que só será resolvido mediante políticas inclusivas (de fato, não apenas de direito) que atendam as singularidades e as realidades de TODOS os alunos. Em segundo lugar, é necessário considerar que a implemen- tação de uma ação/política inclusiva não é algo simples, nem ocor- rerá em curto prazo, pois a história político-educacional brasileira evidencia práticas excludentes por séculos. A exclusão não é algo que alcançou apenas os alunos deficientes, mas diversos outros EaD • UFMS 43Inclusão do aluno surdo no ensino regular segmentos e grupos e isso não tem a ver apenas com as caracterís- ticas singulares desses grupos, mas, sim, com a base da sociedade em que vivemos, que é, por princípio, excludente... e vai continu- ar sendo, para que se mantenha. Portanto, apesar de o discurso oficial ser inclusivo e sabermos que é o caminho mais justo e humano para os cidadãos brasileiros, não podemos ser ingênuos em acreditar que essa proposta se implementará plenamente, apenas porque é, hoje, um direito le- gal. A efetivação dessa educação que queremos depende de muitos aspectos, não apenas operacionais, mas ideológicos também... e, como salientamos, para que a sociedade capitalista siga se manten- do, lugares de exclusão continuarão sendo necessários. Convém enfatizar, portanto, que o processo de construção da escola inclusi- va, aquela de fato preparada para atender ao aluno surdo, inclusi- ve, ainda é um processo em evidência. As mudanças culturais não ocorrem rapidamente e não serão plenas enquanto não estiverem naturalizadas em todos os ambientes relacionais. Com essas duas questões apontadas, podemos compreender porque a presença de alunos com necessidades educacionais espe- ciais no ensino regular é algo ainda tão questionado por algumas pessoas ou aceito com ressalvas por outras. De fato, para o profissi- onal que está no “chão da escola”, faltam muitos instrumentos e adequações para colocar em prática as garantias legais e ideais. Com relação ao surdo, a LIBRAS é um desses instrumentos que fica ape- nas a serviço do aluno e do intérprete educacional, na maioria das vezes, o que significa que não é parte da cultura escolar. Eis um dilema evidenciado. Entendemos que, para que a escola atenda ao aluno surdo com qualidade, a LIBRAS não pode ser uma Língua desprivilegiada no contexto escolar. Existem alguns grupos de surdos, no Brasil, que têm contestado a inclusão nos moldes em que ela vem sendo efeti- vada e essa discussão passa pela questão da linguagem, pois o que existe de fato é um aluno surdo inserido numa escola pensada e estruturada para alunos ouvintes. Seria, isso, inclusão? Apontamos que um dos princípios inclusivos é o sentimento de pertencimento que o aluno deve ter, isto é, não basta oportunizar apenas o acesso, mas é preciso garantir a participa- ção e interação desse aluno no cotidiano escolar. Como isso seria possível se os usuários da LIBRAS se restringem apenas ao aluno e ao intérprete? A escola, como um todo, não deveria vivenciar a LIBRAS para que esse aluno se sinta de fato pertencente àquele espaço? Não estamos afirmando que todos, sem exceção, devem dominar a LIBRAS, até porque isso seria utópico de nossa parte, mas a restrição da comunicação aponta que a inclusão para o alu- no surdo não está efetivada. EaD • UFMS44 ESTUDO DE LIBRAS Muitos espaços e situações podem promover a interação da LIBRAS com toda a comunidade escolar, como, cartazes em LI- BRAS, na escola, identificando cada espaço, a presença do instru- tor surdo que, apesar de ser algo garantido pelo Decreto nº 5.626/ 2005, não tem estado presente na escola, cursos de LIBRAS para os professores e demais profissionais que atuam no contexto educaci- onal, projetos e discussões sobre a LIBRAS, que valorizem a Lín- gua e evidencie a pessoa surda como alguém importante para a escola etc. Com isso, queremos apontar que a LIBRAS precisa estar pre- sente em todos os espaços possíveis dentro da escola, como a Lín- gua Portuguesa na modalidade oral, para que a inclusão não seja marginal. Negligenciar a LIBRAS significa silenciar o aluno surdo duplamente, porque, além de sua situação biológica de surdez, ele continuará sem direito a voz e vez no dia-a-dia escolar. Assim, é de responsabilidade de todos não apenas a garantia de que esse aluno poderá “usar” sua Língua (através da comunica- ção dele com o intérprete) no ambiente escolar, mas, sim, o com- promisso com a valorização e divulgação dessa Língua, pois isso promoverá, no surdo, a sensação de que é aluno dessa escola, com as mesmas condições de igualdade e oportunidades. Portanto, a inclusão, com certeza, não estará garantida apenas com a presença do intérprete educacional na escola, apesar de ser uma “peça” fun- damental nesse processo. É sobre esse profissional que discorrere- mos no próximo item do nosso Guia. 2.3.2 INTÉRPRETE EDUCACIONAL Antes de aprofundarmos a reflexão sobre o intérprete educa- cional. acreditamos ser relevante destacar sobre o intérprete de LIBRAS, conforme segue abaixo: • INTÉRPRETE DE LIBRAS • Trata-se de um tradutor que se coloca entre os que ouvem e se expressam por meio da voz e os que se comunicam por meio de sinais e alfabeto manual. • Facilita e media a comunicação, compreensão e acesso às in- formações. • Transmite os pensamentos, palavras e emoções tanto de quem sinaliza quanto de quem fala. • Deve ter competências nas duas Línguas: a oral e a de Sinais; • É um profissional bilíngue, que precisa conhecer as implica- ções da surdez no desenvolvimento do indivíduo surdo. EaD • UFMS 45Inclusão do aluno surdo no ensino regular Tem formação acadêmica, de nível médio ou superior, com- provada por órgãos competentes. Conforme Brasil (2003), o intérprete deve realizar a interpreta- ção da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa, objetivando os seguintes preceitos básicos: • Confiabilidade (sigilo profissional). • Imparcialidade (ser neutro). • Discrição (estabelecer limites em sua atuação). • Distância profissional (separar o profissional da vida pessoal). • Fidelidade (não emitir opiniões pessoais). Segundo BRASIL (2003), o intérprete educacional é aquele que atua como profissional intérprete de Língua de Sinais na educa- ção. É a área de interpretação mais requisitada, atualmente. Toda- via, muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sen- do confundido com o papel do professor. E, então, temos um con- flito. Em algumas situações, os professores remetem aos intérpre- tes suas dúvidas, pedem opiniões de como proceder com o aluno surdo. Em outras situações, os professores passam para o intérpre- te a responsabilidade pelo aluno surdo, como se estivessem tiran- do “um peso de seus ombros”. Há ainda situações em que os alu- nos surdos fazem seus questionamentos ao intérprete e não ao pro- fessor, devido à confiança que depositam nesse profissional. Assim, vamos destacar algumas funções que NÃO são especí- ficas do intérprete educacional, segundo BRASIL (2003): • Tutorar os alunos surdos. • Apresentar informações a respeito do desenvolvimento dos alunos. • Acompanhar os alunos. • Disciplinar os alunos. • Realizar atividades gerais extraclasse. Dessa forma, devemos considerar que, no ambiente escolar, na sala de aula, o professor regente é a figura que tem autoridade e, considerando a ética, o intérprete deve se manter neutro. É claro que os intérpretes têm o direito (e devem fazer isso) de procurar o professor anteriormente à aula e solicitar informações a respeito dos conteúdos que serão trabalhados, para que possam melhor se preparar para sua atuação. Mas seu papel principal se restringe IMPORTANTE: QUAL O PAPEL DO INTÉRPRETE? EaD • UFMS46 ESTUDO DE LIBRAS apenas à mediação da comunciação, com competência
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