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Disciplina
ESTUDO DE LIBRAS
Raquel Elizabeth Saes Quiles
Campo Grande, MS - 2010
CÂMARA EDITORIAL
SÉRIE
Angela Maria Zanon
Dario de Oliveira Lima Filho
Damaris Pereira Santana Lima
Carina Elizabeth Maciel
Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli
Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS - Resolução nº 00/10
CONSELHO EDITORIAL UFMS
Dercir Pedro de Oliveira (Presidente)
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento
Claudete Cameschi de Souza
Edgar Aparecido da Costa.
Edgar Cézar Nolasco
Elcia Esnarriaga de Arruda
Gilberto Maia
José Francisco Ferrari
Maria Rita Marques
Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal
Rosana Cristina Zanelatto Santos
Sonia Regina Jurado
Ynes da Silva Felix
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
REITORA
Célia Maria da Silva Oliveira
VICE-REITOR
João Ricardo Filgueiras Tognini
COORDENADORA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA - UFMS
COORDENADORA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS
Angela Maria Zanon
COORDENADOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS
João Ricardo Viola dos Santos
COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS: PORTUGUÊS E ESPANHOL (MODALIDADE A DISTÂNCIA)
Damaris Pereira Santana Lima
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)
APRESENTAÇÃO
Caro(a) Acadêmico(a),
Com certeza, você deve estar se perguntando: “LIBRAS?
Como aprender uma Língua gestual/espacial na modalidade
à distância?” De fato, temos um grande desafio à nossa fren-
te. Todavia, na Apresentação deste Manual, quero esclarecer
que nosso objetivo principal não é a aprendizagem da Lín-
gua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em si, apesar de fazer parte
da nossa proposta a aprendizagem de alguns sinais básicos,
que subsidiem minimamente a comunicação entre você e seus
futuros/as alunos/as surdos/as. Outra pergunta pode surgir,
então: “Qual a função dessa Disciplina?” Alerto a você que
nosso objetivo principal é discutir e aprofundar a importân-
cia dessa Língua para o surdo, bem como a sua estrutura, de
modo que você tenha condições de avaliar esse aluno,
entendê-lo em suas especificidades e se sinta capaz de
escolarizá-lo. Assim, faremos discussões teóricas sobre a edu-
cação inclusiva, o aluno surdo no ensino regular, o professor
intérprete e, claro, a LIBRAS como meio de comunicação que
deve ser garantido em todo ambiente escolar. Penso que te-
mos, também, como central em nossa discussão a sua imersão
no mundo do silêncio, um mundo que fala por si só, através
dos gestos, expressões, corpos, mãos... Um mundo encanta-
dor. Convido a você para, juntos, trilharmos um caminho do
conhecimento que é, no mínimo, impactante, pois enxergar
“o outro” a partir da sua diferença é algo que mudará a nossa
visão sobre nós mesmos.
Raquel Elizabeth Saes Quiles
A gaivota cresceu e voa com suas próprias asas.
Olho do mesmo modo com que poderia escutar.
Meus olhos são meus ouvidos. Escrevo do mesmo
modo que me exprimo por sinais. Minhas mãos
são bilíngues. Ofereço-lhes minha diferença.
Meu coração não é surdo a nada neste
duplo mundo...
(Emmanuelle Laborrit)
SUMÁRIO
UNIDADE I
Surdez e Linguagem
1.1 Apontamentos históricos sobre a
educação de surdos e a Língua Brasileira de Sinais 9
1.2 Aspectos gerais sobre a surdez 24
1.3 Surdez e Linguagem 28
1.4 Interagindo com o texto 31
UNIDADE II
Inclusão do aluno surdo no ensino regular
2.1 Pressupostos da educação inclusiva 36
2.2 Aspectos legais em destaque 39
2.3 O aluno surdo no ensino regular 41
2.4 Interagindo com o texto 50
UNIDADE III
Libras (Língua Brasileira de Sinais)
3.1 O que é Libras 55
3.2 Estrutura da Língua:
diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa 67
3.3 Escrita de Sinais 68
3.4 Interagindo com o texto 69
UNIDADE IV
A Libras na sala de aula
4.1 Educação Bilíngue 73
4.2 Ensino da Língua Portuguesa
como segunda Língua 79
4.3 Atendimento Educacional Especializado
(área da Surdez) 85
4.4 Interagindo com o texto 86
UNIDADE V
Libras em Ação
Palavras finais 125
Referências 126
EaD • UFMS6 ESTUDO DE LIBRAS
OBJETIVOS
O Guia de Estudo de LIBRAS tem como objetivos:
• Discutir sobre aspectos relacionados à surdez e à aquisição da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
• Estudar os aspectos linguísticos da LIBRAS visando a compre-
ensão da organização estrutural da Língua.
• Refletir alguns conceitos relacionados aos surdos no âmbito da
inclusão escolar, visando desfazer mitos, ideias discriminatórias
e excludentes.
• Propor redimensionamentos para a efetivação da prática inclusi-
va do aluno surdo a partir da aprendizagem da Língua Brasileira
de Sinais.
• Identificar as barreiras atitudinais frente ao processo de interação
e comunicação com alunos surdos.
• Discutir sobre a produção textual do aluno surdo na perspectiva
do ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua.
• Conhecer alguns sinais básicos da LIBRAS, visando o conheci-
mento mínimo e inicial da Língua.
EaD • UFMS 7Surdez e Linguagem
Unidade 1
SURDEZ E LINGUAGEM
ESTUDO DE LIBRAS
EaD • UFMS8 ESTUDO DE LIBRAS
EaD • UFMS 9Surdez e Linguagem
Unidade 1
SURDEZ E LINGUAGEM
Nesta unidade, iremos tratar de um assunto que permeia a
discussão da educação de surdos... refere-se à relação entre a sur-
dez e a linguagem. Mas, para chegarmos nesse ponto de nossa dis-
cussão, iremos refletir sobre alguns aspectos históricos da educa-
ção de surdos, da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e algumas
características específicas relacionadas à surdez. Então, teremos
subsídios para fazer a relação entre surdez e linguagem.
“Surdo é aquele que não tem
tempo de ouvir o desabafo
de um amigo ou o apelo
de um irmão”...
(Mário Quintana)
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Esta Unidade tem como objetivos:
• Conhecer os caminhos percorridos pelos surdos com rela-
ção à sua educação.
• Visualizar o histórico da LIBRAS no Brasil, enfatizando seu
espaço atual.
• Identificar algumas especificidades da pessoa surda a partir
de um olhar histórico, social, econômico e político.
• Compreender a relação existente entre surdez e linguagem,
reconhecendo a importância da Língua Brasileira de Sinais.
1.1. APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO
DE SURDOS E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
1.1.1 EDUCAÇÃO DE SURDOS
O primeiro aspecto que se faz necessário destacar, quando
pensamos na educação do surdo, é que toda vivência educacional
percorrida por esse aluno não aconteceu de uma forma neutra,
TEXTO
EaD • UFMS10 ESTUDO DE LIBRAS
sem que ela não estivesse permeada por relações de poder e confli-
tos sociais evidenciados em cada momento histórico. Assim, a
sequência de fatos que se seguem, apesar de serem apresentados
linearmente, não configuram uma perspectiva histórica linear, ou
seja, acreditamos que cada momento histórico e as consequências
educacionais advindas dele têm uma explicação nas relações soci-
ais que os homens foram desenvolvendo, dando, portanto, à edu-
cação dos surdos, um caráter e uma essência que estão atrelados às
concepções e paradigmas de cada período subjacente.
Para compor as informações abaixo, utilizamo-nos de três au-
tores, especialmente. Dois que estudaram a fundo a Educação Es-
pecial no Brasil (JANNUZZI, 2004; MAZZOTTA, 2005) e uma au-
tora que dedicou seus estudos à educação do surdo, no Brasil (SO-
ARES, 2005).
Jannuzzi (2004) nos alerta que a história educacional brasilei-
ra fornece elementos para o entendimento da história da educação
do deficiente, pois a escola se encarrega de selecionar os “anor-
mais”. Vale ressaltar que a educação do surdo se delineia, inicial-
mente, no bojo da educação do aluno deficiente.Parece que, inicialmente, a educação das crianças deficientes
encontrou pouca manifestação, no País. E apenas em 1835, é que
se cria o cargo de professor de primeiras letras para o ensino de
surdos-mudos (termo utilizado na época) no Rio de Janeiro e nas
províncias. Antes disso, a atenção dada aos deficientes centrava-
se nos aspectos médico e religioso. Mazzotta (2005) confirma isso,
ao salientar que, durante todo o século XIX, as iniciativas em rela-
ção à educação dos deficientes, de uma forma geral, foram isola-
das. A inclusão da Educação Especial na política brasileira vem
ocorrer somente no final dos anos 1950 e início da década de
1960.
Em 1857, cria-se um Instituto importante, historicamente, que
vai direcionar a educação dos surdos por várias décadas
subsequentes – o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (Lei n. 839),
no Rio de Janeiro, conhecido, hoje, como INES (Instituto Nacional
de Educação de Surdos). A proposta educacional do Instituto, na
maioria das vezes, esteve em consonância com a proposta mundial
para a educação de surdos. Assim, influenciado pelos dois Con-
gressos Internacionais de Surdos-Mudos, que aconteceram em
Paris, em 1878 e 1800, que defendiam que o melhor método de
ensino para surdos é o que combina a articulação com a leitura da
palavra nos lábios, o Instituto opta, por décadas, pela instrução a
Como era, então, a educação do aluno deficiente?
EaD • UFMS 11Surdez e Linguagem
partir da oralização. O uso simultâneo de fala e gesto passa a ser
desprezado.
A grande questão, destacada por Soares (2005), é que, nesses
Congressos e em outros que ocorreram, não houve a preocupação
em fazer com que o surdo pudesse adquirir a instrução, tal como
era compreendida para os “normais”. Eram discutidas melhores
maneiras para a aquisição apenas da linguagem.
Em 1883, realiza-se, no Brasil, o I Congresso de Instrução Pú-
blica, convocado pelo Imperador, momento em que se sugere um
currículo de formação de professores para cegos e surdos. Desta-
ca-se que se tratava de um curso ministrado por médicos. De 1896
a 1900, pedagogos e médicos entraram em discordância. Segundo
Soares (2005), os médicos aconselhavam que o ensino fosse de acor-
do com o grau dos restos de audição e que o agrupamento dos
alunos, por classe, seguisse o mesmo critério. Já os pedagogos con-
sideravam que a classificação deveria ser feita de acordo com o
grau de inteligência e que não se deveria levar em conta os resídu-
os da audição.
Constata-se que, durante o Império, o ensino era domiciliar e
apenas para as elites, ou seja, os que tinham condições de contratar
preceptores. O trabalho educacional direcionado aos surdos era
fortemente influenciado pela França. E, como na educação dos
“normais”, não era para todos, haja vista que não havia necessida-
de dessa população para produzir mão-de-obra. Assim, conforme
Jannuzzi (2004), ao final do Império, a educação do deficiente esta-
va silenciada.
No início da República, os surdos continuam sendo assistidos
por Instituições, o que, de certa forma, os privilegia em relação ao
atendimento às outras deficiências. Além disso, esses Institutos es-
tavam ligados e subordinados ao poder central. Todavia, apesar da
forte influência dos Institutos, a educação do surdo, no Brasil, so-
freu influências de algumas obras, principalmente de educadores
franceses, que se destacaram e se tornaram figuras importantes na
história. Observemos alguns exemplos:
Gerolano Cardano (1501-1576):
Médico italiano, que se destaca por con-
cluir que a a surdez não prejudicava a
aprendizagem, uma vez que os surdos
poderiam aprender a escrever e assim
expressar seus pensamentos. Isto é, a
surdez, em sua concepção, não modifi-
cava a inteligência da criança. Foi um dos
primeiros educadores de surdos; seu mé- Fonte: http://en.wikipedia.org
EaD • UFMS12 ESTUDO DE LIBRAS
todo de ensino era baseado na escrita, como um instrumento
para se chegar ao uso da fala. Enfatizava a importância da visão
no processo de aprendizagem.
Pedro Ponce de Leon (1520-1584):
Monge beneditino que ensinou dois
surdos (filhos de aristocratas) a falar, es-
crever, ler, fazer contas e executar pre-
ceitos religiosos, como rezar e confes-
sar. Utilizava-se de um tipo de alfabeto
manual, que permitia ao estudante so-
letrar (letra por letra) toda palavra. Ini-
cialmente, ele ensinava a escrita, para,
depois, passar para o ensino da fala. Foi
considerado um educador de grande
importância por seus contemporâneos,
pois a maioria dos europeus acreditava que os surdos eram inca-
pazes de serem educados.
Juan Pablo Bonet (1560-1620):
Um dos primeiros preceptores de surdos.
Com ele apareceu o primeiro tratado de
ensino de surdos-mudos (obra intitulada:
“Redação das letras e arte de ensinar os
mudos a falar”). Ele achava que o ensino
deveria começar pelo alfabeto; depois, fa-
zer uma ligação entre o alfabeto e a lín-
gua escrita, para, enfim, ensinar a língua
falada. Ou seja, Bonet proibia o uso da
Linguagem gestual.
Charles Miguel de L’Éppe (1712-1789):
Fundou o Instituto de Surdos-Mudos em
Paris, em 1770 e educou surdos por si-
nais metódicos, que seguiam palavra por
palavra a gramática da língua francesa.
Apesar disso, ou seja, da ênfase na fala,
L’Eppe acreditava na eficácia do método
gestual, para possibilitar uma instrução
rápida, que possibilitasse aos surdos
transformarem-se em elementos úteis
manualmente para a sociedade. Ele é o
fundador da primeira escola para surdos.
Fonte: http://en.wikipedia.org
Fonte: http://en.wikipedia.org
Fonte: http://www.jorwiki.usp.br
EaD • UFMS 13Surdez e Linguagem
Jacob Rodriguez Pereira (1715-1780):
Pedagogo e investigador; trabalhou com
surdos, na França. Começava seu tra-
balho de “desmutização” por meio da
visão e do tato. Ele dividiu a surdez em
três níveis: surdez total, parcial profun-
da e parcial média. Desenvolveu os pri-
meiros esboços da Linguagem gestual,
permitindo a comunicação com os sur-
dos-mudos, até, então, considerados
“doentes mentais” pelas doutrinas dominantes.
Jean Marc Gaspard Itard (1775-1838):
Médico e Psiquiatra, que, após alguns
fracassos na cura da surdez, desenvol-
veu um tratamento que visava a aqui-
sição da fala e o aproveitamento dos
restos auditivos. Especializou-se no ór-
gão da audição e suas doenças e, por
suas pesquisas nesse ramo da Medici-
na, tornou-se famoso em toda Europa.
Sua competência foi questionada
quando não conseguiu fazer com que um menino achado em uma
floresta conseguisse falar. O menino se chamava Victor e ficou
conhecido como “Menino Selvagem”, ou “Menino Lobo”.
Jannuzzi (2004) enfatiza que a educação dos deficientes, no
Brasil, foi fortemente influenciada pelo campo médico e psicológi-
co. Isso se manteve, segundo Soares (2005), até 1959. Baseados no
desenvolvimento da ciência, em especial da anatomia, os médicos
passaram a se dedicar ao estudo da fala dos surdos, bem como das
suas possibilidades de aprendizagem. Isso significa que, na educa-
ção de surdos, predominavam os procedimentos clínicos. Segun-
do Soares (2005), possivelmente, era por isso que a questão da es-
colaridade era colocada em segundo plano.
Além disso, toda a formação de professores, para educar os
deficientes, era fornecida por médicos. Alguns tinham certa
tranquilidade de diagnóstico e prescrição pedagógica, baseada em
critérios clínicos. Outros não tinham essa tranquilidade e apela-
vam para o especialista, o aplicador de testes. É por esse viés do
diagnóstico, que a Psicologia também influencia a educação do
deficiente. Como a preocupação era voltada para os aspectos
Fonte: http://ruadajudiaria.com
Fonte: http://en.wikipedia.org
EaD • UFMS14 ESTUDO DE LIBRAS
intelectivos, aplicavam-se testes de inteligência como meio de or-
ganizar classes homogêneas.
No século XX, apresentou-se o seguinte panorama na educa-
ção do deficiente e,especialmente, dos surdos.
De 1930 a 1950, a educação, de uma forma geral, passa por
algumas modificações devido à fase de incremento da industriali-
zação, no Brasil, por ser um momento em que o País, morosamen-
te, se organiza em órgãos mais específicos, sob influências mundi-
ais. A educação do deficiente passa a configurar-se ora médica,
moral, filantrópica, ora mais educativa. Com isso, a educação dos
surdos continua tendo como centro aglutinador o Instituto Nacio-
nal dos Surdos-Mudos, que passa a ser conhecido como INES (Ins-
tituto Nacional de Educação de Surdos), a partir de 1957. O INES
oficializa o método oral para todo alunado e utiliza informações
baseadas no conhecimento terapêutico para desenvolver órgãos
fonatórios: ritmo da respiração, ginástica respiratória, uso das cor-
das vocais, exercícios de sopro etc.
Apesar de ter havido, na década de 1930, mais precisamente
em 1932, uma discussão em torno da educação, enfatizando a ne-
cessidade de reformas, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola
Nova, segundo Soares (2005), parece que não houve qualquer tipo
de influência na proposta do Instituto.
Percebe-se que a grande questão era que a instrução não fazia
parte do universo de trabalho com os surdos, pelo menos, não como
ela era concebida aos “normais”. Diversos fatores contribuíram para
que a escola comum, gradativamente, definisse com maior preci-
são aqueles que possuíam ou não capacidade para adquirir instru-
ção. Com o auxílio da Psicologia, os testes de inteligência, apesar
dos questionamentos feitos por diversos estudiosos, ainda vêm sen-
do utilizados para esse fim.
Observem bem, o que enfatiza Soares (2005):
A capacidade verbal, como item de demonstração da inteligên-
cia, foi, por muito tempo, considerada como pré-requisito para
a aprendizagem da escrita. Mas, pelo visto, na educação de sur-
dos, a avaliação da inteligência era realizada para verificar a sua
aptidão para a fala. Isto significa uma mudança de enfoque. [...]
Aos de fraca inteligência, restava o recurso de ensinar pela escri-
ta (p. 66.
Ainda, conforme Soares (2005), isso justifica por que o ensino
profissional surge como alternativa para os excluídos do universo
do ensino, do qual apenas os considerados inteligentes fazem par-
EaD • UFMS 15Surdez e Linguagem
te. Dessa forma, a comunicação era uma alternativa somente para
que o surdo pudesse conseguir exercer uma ocupação profissio-
nal. Essa ocupação estava vinculada à maneira como era percebida
a sua deficiência dentro de diferentes contextos.
Se a percepção que se tinha do surdo mudo era de elemento
incapaz de gerar riqueza, inapto, portanto, para desempenhar
um papel ativo na produção, restava oferecer-lhe o mínimo ne-
cessário para o exercício da sua ocupação, o que bastaria para
livrá-lo do ócio (SOARES, 2005, p. 68).
Em 1951, Ana Rímoli de Faria Doria, diretora do Instituto de
Surdos-Mudos, oferece o primeiro curso normal de professores
surdos, equivalente ao grau médio, com três anos de duração e
internato para os residentes nos diversos estados. Em 1954 e 1956,
diplomaram-se as duas primeiras turmas. Na prática, ainda predo-
minam os serviços privados, pagos e, portanto, mais acessíveis às
camadas sociais bem situadas financeiramente.
O que é preciso perceber, conforme destaque de Soares (2005),
é que os problemas referentes à exclusão na educação, principal-
mente na década de 1950, não dizem respeito somente aos surdos.
Isso significa que esse grupo de pessoas estava inserido num con-
texto de exclusão maior, que abarcava a sociedade como um todo.
É por isso que a educação dos surdos, nesse momento, situa-se no
âmbito da caridade, pois se eles não se encontravam entre os “elei-
tos” para o ensino por sua situação econômica desfavorecida ou
por uma fatalidade, caberia a eles apenas o fornecimento de assis-
tência e cuidados.
Em 1960, começa a haver interesse pela educação dos deficien-
tes. E cada vez mais são envolvidos profissionais diversos para atendê-
los, como fisioterapeutas, terapeutas educacionais e outros. Com
ênfase ainda no método oral, a perspectiva era tornar o surdo uma
pessoa útil a si mesma e à sociedade, pois nesse momento histórico,
a instrução escolar passa a ser uma exigência para a participação
social dos indivíduos “normais”, e, portanto, era necessário dar uma
atenção maior à escolaridade do surdo. Segundo Soares (2005):
[...] a adoção de um novo método de ensino, voltado prioritaria-
mente para a aquisição e compreensão da fala, passou a ser a
solução para a educação de surdos (p. 80).
Ou seja, nesse momento, a aprendizagem da fala era algo que
entusiasmava, pois era a forma de normalizar os surdos e escolarizá-
EaD • UFMS16 ESTUDO DE LIBRAS
los, para que eles se tornassem cidadãos iguais aos outros. Impor-
tava que o surdo deixasse de ser mudo, para se tornar útil e produ-
tivo. Com isso, a educação fica pautada meramente em aspectos
técnicos. Além disso, a capacidade do surdo em desenvolver a lin-
guagem oral estava subordinada à sua inteligência, à sua perda
auditiva. Pouco importavam os conteúdos necessários à formação
de um sujeito cidadão, isto é, a educação não era pensada do ponto
de vista da instrução.
Isso não acontece só em relação à educação dos surdos. De
maneira geral, os deficientes, independente de qual seja a sua limi-
tação, foram marginalizados, excluídos e privados do processo de
ensino, ou pela deficiência mesmo, ou por serem desfavorecidos
economicamente ou, ainda, por falta de conhecimento. É o que
alerta Mazzotta (2005), ao considerar que:
[...] de modo geral, as coisas e situações desconhecidas causam
temor, a falta de conhecimento sobre as deficiências em muito
contribuiu para que as pessoas portadoras de deficiência, “por
serem diferentes”, fossem marginalizadas, ignoradas (p.16).
Especificamente em relação aos surdos, Soares (2004) enfatiza
que, de fato, outros aspectos, muitas vezes interligados, devem ser
observados no âmbito de sua exclusão. A autora destaca que:
Se atentarmos para o fato de que o sujeito surdo-mudo pode
agregar, além da deficiência, outras discriminações, como a de
raça e de classe social, o aspecto relacionado à escolaridade deve-
ria ter sido encarado ainda com mais rigor (p. 86).
A mudança desse quadro de exclusão (apesar de não se poder
afirmar que ainda hoje isso esteja resolvido) só acontece quando
há condições materiais para isso, dentro da perspectiva da socieda-
de capitalista.
Na educação geral, o ensino regular passa a ter importância
para o desenvolvimento, fato que repercutirá na educação de alu-
nos especiais a partir de 1970. De uma forma ainda tímida, a con-
figuração da Educação Especial como uma área específica do ensi-
no desperta a atenção governamental, que, sob a influência de ele-
mentos do ensino especializado, de associações civis etc., vai pro-
mover a área através de campanhas. A primeira que se designa
para os surdos, denominada Campanha de Educação do Surdo
Brasileiro, acontece um pouco antes dos anos 1960, em 1957, a
partir do Decreto nº 42.728.
EaD • UFMS 17Surdez e Linguagem
Segundo Jannuzzi (2004), as Campanhas realizadas na área
das deficiências provavelmente vão arregimentando mais pessoas,
e, assim, de maneira tímida e precária, preparam terreno para que
o governo crie, em 1973, o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), considerado um dos marcos na educação do deficien-
te, por ser o órgão que passa a definir as metas governamentais
específicas para a Educação Especial. Destacamos que, a partir da
criação do CENESP, o INES passa a ser subordinado a esse órgão.
Convém enfatizar que esse momento da história não aconteceu
por si só, isto é, para que, na década de 1970, fosse importante a
criação de um órgão com funções tão específicas, algumas Institui-
ções que se fundaram no País foram relevantes nas discussões que
historicamente foram acontecendo,como a Federação Nacional das
Associações de Pais e Amigos de Excepcionais, criada em 1963, e a
Federação Nacional da Sociedade Pestalozzi, criada em 1971.
Especificamente voltadas para o atendimento aos surdos, po-
dem-se citar os seguintes estabelecimentos e Instituições:
• Instituto Estadual de Educação Padre Anchieta, que atendia
apenas deficientes auditivos, em São Paulo (1913).
• Instituto Santa Terezinha, particular, especializado no aten-
dimento a deficientes auditivos, em Campinas (1929).
• Escola Estadual Instituto Pestalozzi, especializada em defici-
entes auditivos e mentais, em Minas Gerais (1935).
• Escola Municipal de Educação Infantil e de 1º grau para de-
ficientes auditivos Helen Keller, em São Paulo, escola que
foi a base para a criação, em 1988, de mais quatro escolas
municipais em São Paulo (1951).
• Instituto Educacional São Paulo, especializado no ensino de
crianças deficientes da audição (1954).
Destaque para... Helen Keller
Helen Keller (1880-1968), cega e surda
desde bebê, chama-nos a atenção para a
apreciação de nossos sentidos. Apenas de
posse do sentido do tato e uma perseve-
rança inigualável, sob a orientação de
Anne Sullivan Macy, Keller pôde apren-
der a ler e a escrever pelo método Braille,
chegando mesmo a falar, por imitação das
vibrações da garganta de sua preceptora,Fonte: http://2.bp.blogspot.com
EaD • UFMS18 ESTUDO DE LIBRAS
as quais captava com as pontas dos dedos. O esforço de sua mente
em procurar se comunicar com o exterior teve como resultado o
afloramento de uma inteligência excepcional, considerada a maior
vitória individual da história da educação. Ela foi uma educado-
ra, escritora e advogada de cegos. Tinha muita ambição e grande
poder de realização. Ao lado de Sullivan, percorreu vários países
do mundo promovendo campanhas para melhorar a situação
dos deficientes visuais e auditivos. A Srta. Helen alterou nossa
percepção do deficiente.
Voltando ao CENESP...
A meta prioritária de ação do CENESP foi o apoio técnico à
Educação Especial. Foram elaboradas diversas propostas
curriculares, com adaptações de conteúdos e métodos para as di-
versas “categorias” da excepcionalidade. Com um número maior
de docentes treinados para atender as especificidades desse alunado,
o número de excepcionais atendidos cresceu um pouco. Todavia,
existe ainda nesse momento uma dificuldade de integração desses
alunos no ensino regular. As práticas vão se concretizando através
de classes especiais, classes comuns, Instituições especializadas,
oficinas etc.
É importante enfatizar que os anos 1980 foram significativos
para a concretização de algumas mudanças e a realização de mais
conquistas legais, inclusive, o ano de 1980 foi considerado o Ano
internacional das Pessoas Deficientes. Especificamente, quanto aos
surdos, em 1984, cria-se a Federação Nacional de Educação de
Surdos (FENEIS), para somar às Associações Nacionais que come-
çam a se movimentar em busca da preservação de seus direitos,
inclusive o de opinar sobre os problemas referentes ao atendimen-
to direcionado aos deficientes. E, aos poucos, esses movimentos
vão se integrando a Instituições e organizações internacionais. A
FENEIS, por exemplo, liga-se a World Federation of Deaf.
Outras conquistas legais ainda continuam acontecendo.
Em 1979, o MEC publica uma Proposta Curricular que forne-
ce subsídios e apoio ao trabalho do professor de surdos. Todavia,
destaca-se que a orientação dada ao professor estava bastante vol-
tada a uma atuação clínica, como um terapeuta da fala.
Em 1986, ocorre a criação da CORDE (Coordenadoria Nacio-
nal para a Integração da Pessoa Deficiente), que traz em sua
implementação a marca de alguma participação dos próprios defi-
cientes, o que não acontecia anteriormente. Um exemplo disso é
que no seu Conselho Consultivo, criado em 1987, participava o
presidente da FENEIS (Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos).
EaD • UFMS 19Surdez e Linguagem
Em 1988, há a promulgação da Constituição Federal, que vi-
gora até os dias de hoje, no País. A partir de então, e principalmen-
te na década de 1990, inúmeras conquistas legais foram aconte-
cendo, garantindo aos surdos o direito à inserção no sistema regu-
lar de ensino. Trataremos dessas questões mais adiante.
Para encerramos este subitem, optamos por enfatizar os prin-
cipais momentos evidenciados pelo Instituto Nacional de Educa-
ção de Surdos (INES), por ser o Instituto que pautará as ações
educacionais desenvolvidas em todo País por décadas, isto é, por
ter sido uma Instituição que influenciou o pensamento educacio-
nal voltado à pessoa surda. Segue abaixo a trajetória desse Insti-
tuto.
INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos
• 26 de setembro de 1857: Fundação do Instituto.
• 1884: Diretor Menezes Vieira – acreditava ser desnecessário
que o surdo aprendesse a escrever, uma vez que, nas relações
sociais, o surdo não utilizaria esse tipo de conhecimento. Des-
tacava apenas a importância de o surdo aprender a falar.
• 1868: Diretor Tobias Leite – entendia que a finalidade do Insti-
tuto era a de dar ao surdo mudo instrução necessária literária
e ensino profissional agrícola. Acreditava que a finalidade da
educação de surdos-mudos não é o de formar homens letra-
dos, já que eram privados da audição.
• 1930: Diretor Armando Paiva Lacerda – conduziu seu trabalho
adotando procedimentos bastante diversificados. Para ele, o
ensino da linguagem era importante somente para os surdos
que tivessem inteligência normal. Era favorável ao método oral,
mas não puramente, pois achava que não eram todos que apre-
sentavam aptidões para a aprendizagem do mesmo. Assim,
Fonte: http://www.ines.gov.br/paginas/ines01.JPG
EaD • UFMS20 ESTUDO DE LIBRAS
para a seleção de alunos, realizava testes de capacidade men-
tal, auditiva e capacidade linguística.
• 1931: Criação do externato feminino, com oficinas de costura
e bordado. Até esse momento, o Instituto atendia apenas meni-
nos.
• 1951: Diretora Ana Rímoli de Faria Doria – era favorável à uti-
lização do método oral, inclusive, foi na sua gestão que o méto-
do oral foi oficialmente adotado no Instituto. Ela enfatizava que
as crianças surdas seriam muito mais felizes se aprendessem a
falar e a compreender o que os outros dizem. Nesse mesmo ano,
o Instituto recebeu a visita de Helen Keller.
• 1952: Fundação do Jardim de Infância do Instituto.
• 1957: Mudança do nome, de Instituto Nacional de Surdos-
Mudos para Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.
• 1970: Criação do Serviço de Estimulação Precoce.
• 1980: Criação do Curso de Especialização para professores na
área da surdez.
• 1990: Criação do informativo técnico-científico “Espaço”, cujos
artigos são voltados para a educação do aluno surdo.
Após a criação do CENESP (Centro Nacional de Educação Espe-
cial), o INES passou a ser vinculado diretamente ao Ministério
da Educação. Isso influenciou as ações e gestão do Instituto. Atu-
almente o INES atende em torno de 600 alunos, da Educação
Infantil até o Ensino Médio. Valoriza a Língua Brasileira de Si-
nais, e mesmo com o advento da inclusão, continua sendo uma
escola referência na educação de surdos.
1.1.2 HISTÓRICO DA
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Após termos visualizado a educação do surdo, no Brasil, en-
tendemos ser importante sabermos como a LIBRAS se delineou
nesse processo. Para tanto, vamos buscar as raízes históricas relaci-
onadas à Língua de Sinais no mundo e nos basearemos em Ramos
(2003).
Os primeiros relatos publicados sobre a Língua de Sinais da-
tam de 1644, pelo autor Jhon Bulwer. Ele foi o primeiro a acreditar
que a Língua de Sinais é um sistema complexo. No seu segundo
livro, destaca que o surdo pode se expressar verdadeiramente por
sinais.
EaD • UFMS 21Surdez e Linguagem
Quase dois séculos depois, em 1809, Watson descreve sobre
um métodocombinado de sinais e desenvolvimento da fala. Em
1760, Charles Michel de L’Epée desenvolveu uma metodologia
diferenciada, utilizando-se do Alfabeto Manual. Sua forma de en-
sino foi amplamente reconhecida e assumida pelo Instituto de Sur-
dos Mudos de Paris.
Thomas Gallaudet, professor americano de surdos, visitou o
Instituto, em 1815, com o objetivo de conhecer o trabalho realiza-
do. Não obteve sucesso, pois os profissionais negaram-se a ensinar
em poucos meses o que sabiam. Assim, ele convidou um dos me-
lhores surdos da escola, Laurence Clerc, para acompanhá-lo de volta
aos Estados Unidos e lá, em 1817, os dois fundaram a primeira
escola permanente para surdos.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jbulwer.jpg
EaD • UFMS22 ESTUDO DE LIBRAS
A partir de 1821, todas as escolas americanas passaram a se
mover em direção à Língua de Sinais. Isso não aconteceu apenas
nos Estados Unidos, mas em vários outros países do mundo. As-
sim, é bastante estranho que, no Congresso de Milão, o segundo,
em 1800, O método gestualista tenha sido banido enquanto pro-
posta de ensino, predominando o oralismo. Segundo Ramos (2003),
essa é uma lacuna histórica que ainda precisa ser preenchida.
Estudos científicos relacionados à Língua de Sinais só foram
ocorrer no século XX. Destacamos o trabalho de William C. Stokoe,
sobre a Língua de Sinais Americana, datados de 1957. Esse autor
ressalta a importância linguística da Língua. Em 1965, ele publica
o primeiro dicionário de Língua de Sinais.
Conforme Ramos (2003), os Estados Unidos continuam sen-
do, até hoje, o centro mundial mais importante de pesquisa
linguística em Língua de Sinais, contando, atualmente, inclusive,
com alguns pesquisadores surdos em suas equipes.
No Brasil, Lucinda Brito inicia importantes estudos linguísticos,
em 1982, sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor, da
floresta amazônica brasileira. Mas...
Já sabemos que o início oficial da educação de surdos, no Bra-
sil, ocorre através da fundação do Instituto Nacional de Surdos-
Mudos, no Rio de Janeiro, em 1857. Todavia, antes da fundação do
Instituto, em 1855, já estava, no Brasil, um surdo francês, Ernest
Huet, vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Gallaudet_University
E a Língua Brasileira de Sinais, como surgiu?
EaD • UFMS 23Surdez e Linguagem
A LIBRAS, em consequência disso, foi bastante influenciada
pela Língua Francesa de Sinais. Em 1881, conforme Ramos (2003),
o atual diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, Tobias Lei-
te, publica um compêndio para o ensino de surdos-mudos, em
que se percebe a aceitação à Língua de Sinais e Alfabeto Manual.
Ainda segundo Ramos (2003), ocorre, em 1873, a publicação
do mais importante documento encontrado, até hoje, sobre a Lín-
gua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mu-
dos, de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, que contém
ilustrações de sinais separados por categorias.
Apesar de o Brasil ter sofrido influências do II Congresso de
Milão, que proibia a divulgação e utilização da Língua de Sinais,
Ramos (2003) assevera que, no Instituto Nacional de Surdos-Mu-
dos, muitos professores, alunos e funcionários mantiveram o hábi-
to de utilização da Língua de Sinais. Somente em 1957, por inicia-
tiva da, então, diretora, Ana Rimoli de Faria Doria é que a Língua
de Sinais foi oficialmente proibida em sala de aula.
Em 1969, foi realizada uma primeira tentativa no sentido de
registrar a Língua de Sinais usada no Brasil. Apenas a partir de
1970, é que pesquisas relativas à LIBRAS passaram a aumentar.
Uma importante Instituição que se tornou referência no País
foi a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos), fundada em 1987, citada anteriormente. O objetivo da
Federação era o de promover, incentivar e assessorar a educação e
a cultura dos surdos no Brasil. Por muitos anos a FENEIS foi a
Instituição responsável também pela formação de intérpretes de
LIBRAS, no País. Atualmente, não mais, porque, desde 2006, o
MEC assumiu essa função, através do PROLIBRAS, um Exame
Nacional de Proficiência em Libras e Proficiência em Tradução e
Interpretação da Libras – Língua Portuguesa, que ocorre uma vez
por ano, em todas as capitais brasileiras, organizado pela UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina). Os exames visam avali-
ar os intérpretes e instrutores de LIBRAS do País e autorizá-los a
exercerem essas funções. A previsão é a de que o PROLIBRAS acon-
teça por 10 anos, ou seja, até 2016.
Após essa data, a pessoa que desejar se formar nessa área de
atuação deverá procurar a graduação em Letra/LIBRAS, que é, hoje,
uma formação oferecida também pela UFSC, na modalidade à dis-
tância, em várias cidades do país.
Por fim, destacamos o ano de 2002 como um marco na histó-
ria, pois foi o ano em que a LIBRAS passou a ser reconhecida, no
Brasil, podendo ser utilizada como meio de comunicação legal de
todos os surdos brasileiros. Isso aconteceu com a promulgação da
Lei nº 10.436, que será discutida com mais detalhes na próxima
Unidade.
EaD • UFMS24 ESTUDO DE LIBRAS
1.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A SURDEZ
1.2.1 DEFINIÇÃO
Vimos no item anterior, que historicamente a tradição médi-
co-terapêutica influenciou a definição da surdez, definindo-a como
déficit auditivo, o que gerou diversas classificações ao longo dos
anos. Assim, inicialmente o surdo era considerado surdo mudo
(completo e incompleto, a depender de sua capacidade de adqui-
rir a fala), semi-surdo ou semimudo.
Alertamos para o fato de que essa nomenclatura (surdo-mudo),
ainda usada até hoje, é equivocada, considerando que a surdez e
a mudez são deficiências diferentes, não estão associadas nem
interligadas. O fato de o surdo não ouvir e, consequentemente,
não desenvolver a linguagem oral não significa que ele seja mudo.
Na maioria das vezes, suas cordas vocais estão em pleno funcio-
namento e com um tratamento fonoaudiológico ele pode desen-
volver a oralidade como qualquer outra pessoa.
Depois, com a influência da Fonoaudiologia, a audição passa a
ser medida e descrita em decibéis (dB), que é uma medida relativa
à intensidade do som. Quanto maior o número de decibéis ne-
cessários para que uma pessoa possa ouvir, maior é a perda auditi-
va. Isso altera a classificação de surdez, que passa a se subdividir
em quatro grupos: surdez leve, surdez parcial, surdez severa e sur-
dez profunda.
Observe o quadro:
TEXTO
IMPORTANTE
EaD • UFMS 25Surdez e Linguagem
Conforme material produzido pelo MEC, em 1995 (Subsídios
para a organização e funcionamento de serviços de Educação Es-
pecial), esses quatro tipos de surdez podem ser explicadas da se-
guinte maneira:
• Surdez Leve – perda auditiva entre 26 a 40 dB nível de audi-
ção. Essa perda impede que o indivíduo perceba igualmen-
te todos os fonemas da palavra. Além disso, a voz fraca ou
distante não é ouvida. Essa perda auditiva não impede a
aquisição da linguagem, mas poderá ser a causa de alguns
problemas articulatórios ou dificuldade na leitura e/ou es-
crita.
• Surdez Moderada - perda auditiva entre 41 e 70 dB nível de
audição. Esses limites se encontram no nível de percepção
da palavra, sendo necessário uma voz de certa intensidade
para que seja convenientemente percebida. São frequentes
o atraso de linguagem e as alterações articulatórias, haven-
do, em alguns casos, maiores problemas linguísticos. Em
geral, identificam-se as palavras mais significativas, mas há
dificuldade em compreender certos termos de relação e/ou
frases gramaticais complexas. A compreensão verbal está
intimamente ligada à aptidão para a percepção visual.
• Surdez Severa - perda auditiva entre 71 e 90 dB nível de
audição. Esse tipo de perda vai permitir que a pessoa iden-
tifique alguns ruídos familiares e poderá perceber apenas a
voz forte, podendo chegar aos 4 ou 5 anos sem aprender a
falar.Se a família estiver bem orientada pela área educacio-
nal, a criança poderá chegar a adquirir a linguagem. A com-
preensão verbal vai depender, em grande parte, de aptidão
para utilizar a percepção visual e para observar o contexto
das situações.
• Surdez Profunda perda auditiva acima de 90 dB. A gravida-
de dessa perda é tal, que priva a pessoa das informações
auditivas necessárias para perceber e identificar a voz hu-
mana, impedindo-a de adquirir naturalmente a linguagem
oral. As perturbações da função auditiva estão ligadas tanto
à estrutura acústica, quanto à identificação simbólica da lin-
guagem.
Quanto maior for a perda auditiva, maiores serão os proble-
mas linguísticos e maior será o tempo em que o indivíduo precisa-
rá receber atendimento especializado.
Enfatizamos que todos os termos apresentados até aqui com-
preendem a surdez a partir de fatores biológicos, ou seja, parte-se
do princípio de que essa pessoa tem um déficit auditivo. Com isso,
desconsidera-se a experiência da surdez e as influências advindas
da utilização da Língua Brasileira de Sinais, além de desconsiderar
EaD • UFMS26 ESTUDO DE LIBRAS
os contextos psicossociais e culturais nos quais a pessoa surda se
desenvolve.
Principalmente, a partir dos anos 1980, ocorre uma maior or-
ganização entre os surdos, na luta por seus direitos, inclusive os
educacionais. Surgem também grupos de estudos sobre a surdez,
identidade surda, cultura surda, referendando-se, principalmente,
na Língua Brasileira de Sinais. Esses fatores acarretaram novas re-
flexões sobre o conceito de surdez. Assim, recentemente, os sur-
dos estão “classificados” em dois termos: deficiente auditivo e Sur-
do. Essa mudança é bastante importante.
Destacamos ainda que a modificação de terminologias, prin-
cipalmente no âmbito educacional, tem sido amplamente influen-
ciada pelos documentos legais produzidos na área da Educação
Especial, especialmente a partir dos anos 1990. Claro que essas
conquistas legais também foram em grande parte devido ao ex-
posto no parágrafo anterior, ou seja, a organização da sociedade
civil e ampliação de estudos.
No que se refere à surdez, o Decreto que atualmente define e
separa os dois termos (deficiente auditivo e Surdo) é o de nº 5.626,
de 2005. Conforme o Decreto:
Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (artigo 2º) (BRASIL, 2005)
Quanto à deficiência auditiva, o Decreto salienta que:
Considera-se deficiência auditiva as perdas bilaterais, parciais ou
totais, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por
audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e
3.000Hz (Parágrafo Único)
Assim, evidenciamos que o conceito de surdez passou por
muitas transformações ao longo dos tempos, desde pequenas mu-
danças até revoluções de concepções, pontos de vista, teorias, prin-
cípios e valores. A discussão relacionada à surdez, atualmente, é
muito mais política que biológica. O deficiente auditivo seria aquele
que tem necessidades especiais, em alguns casos se utiliza de apa-
relhos auditivos e se considera “deficiente”. O Surdo (com letra
maiúscula, por ser uma Pessoa) seria o que apresenta uma diferen-
ça linguística, um grupo que quer ser reconhecido por suas especi-
EaD • UFMS 27Surdez e Linguagem
ficidades, que defende que, a partir da utilização da LIBRAS, se
estabelece uma cultura e identidade próprias, diferenciadas da cul-
tura e identidade dos ouvintes. Essas questões não serão
aprofundadas neste Guia, considerando que não é o foco deste
Material e que é um assunto que demanda intensos estudos. Toda-
via, entendemos necessário mostrar as duas principais possibilida-
des teóricas a esse respeito.
Há autores que vão defender a ideia de que existe uma cul-
tura e uma identidade surda, um povo surdo, que se constitui
numa minoria linguística, etc... Para esses, o surdo só será uma
pessoa verdadeiramente surda se tiver contato com seus pares,
para formar essa identidade surda. Devido à percepção visual,
acreditam que existe também uma cultura surda, ou seja, um
modo de vida e costumes peculiares aos surdos, que delineiam
comportamentos, pensamentos e valores diferenciados dos das
pessoas ouvintes. Inclusive, para esse grupo, os surdos não deve-
riam mais fazer parte do alunado da Educação Especial, pois não
são deficientes e sim um grupo minoritário, com uma Língua
específica.
Já, para outros autores (um número bem menor), o entendi-
mento da surdez não se dá apenas pelo viés da própria surdez,
mas, sim, pelas relações estabelecidas, que são, por sua vez,
marcadas por aspectos econômicos, sociais, políticos etc. Assim,
um surdo nascido no estado de São Paulo não terá as mesmas ca-
racterísticas culturais que um surdo do interior do Estado, apesar
de os dois serem surdos... e suas identidades se constituirão a par-
tir das relações que eles estabelecerem e das oportunidades que
tiverem em seu desenvolvimento, inclusive as oportunidades edu-
cacionais. Para esse grupo, não se pode descolar a discussão da
Língua do fato de a pessoa ter uma perda auditiva, ou seja, a utili-
zação da LIBRAS não é uma livre escolha, é consequência da expe-
riência de não ouvir.
Consideramos essa discussão essencial para a educação, já
que, para o Ministério da Educação, apesar do reconhecimento
da LIBRAS, o aluno surdo continua sendo aluno da Educação
Especial, devendo, portanto, receber atendimento educacional es-
pecializado, como qualquer outro aluno com necessidades edu-
cacionais especiais, algo que vem sendo questionado por alguns
grupos de surdos, que, a partir do entendimento da surdez en-
quanto minoria linguística, têm requerido uma escola bilíngue,
ou seja, uma escola especial, pautados na afirmação de que a in-
clusão não tem respondido aos anseios das “comunidades sur-
das”. Dessa forma, enfatizamos, novamente, que o conceito de
surdez, atualmente, é uma discussão muito mais política do que
biológica.
EaD • UFMS28 ESTUDO DE LIBRAS
1.2.2 CAUSAS DA SURDEZ
As crianças podem adquirir problemas de audição durante a
gestação, durante o parto ou após o nascimento.
Causas Pré-Natais:
• Desordens genéticas ou hereditárias;
• Doenças infecto-contagiosas, como: rubéola, sífilis, citome-
galovírus, toxoplasmose e herpes.
• Remédios ototóxicos, drogas, alcoolismo materno.
• Desnutrição/subnutrição/carências alimentares da mãe.
• Pressão alta, diabetes.
• Exposição à radiação.
• Outras.
Causas Peri-Natais:
• Pré-maturidade;
• Pós-maturidade;
• Anóxia;
• Fórceps;
• Infecção hospitalar;
• Outras.
Causas Pós-Natais:
• Doenças como: Meningite, Sarampo e Caxumba.
• Remédios ototóxicos em excesso, ou sem orientação médica
• Exposição contínua a ruídos ou sons muito altos.
• Traumatismos cranianos.
Outras.
1.3 SURDEZ E LINGUAGEM
A relação entre a surdez e a linguagem está em perceber-
mos a importância da Língua Brasileira de Sinais no desenvolvi-
mento do surdo, em todos os aspectos: pessoais, afetivos, soci-
TEXTO
EaD • UFMS 29Surdez e Linguagem
ais, educacionais etc. A LIBRAS, como qualquer outra Língua,
tem um papel e na formação da pessoa surda, já que é através
da linguagem que significamos o mundo e damos sentido a nós
mesmos.
Góes (1996), ao discutir a linguagem com base nos pressupos-
tos teóricos de Vygotsky, sugere que as experiências de linguagem
nas relações sociais participam, desde cedo, ou desde sempre, da
formação da criança. Assim:
[...] a linguagem participa da constituição do pensamento e re-
percute sobre as funções mentais, propiciando transformações
na atenção, na memória, no raciocínio, etc (p. 32).
Ou seja, a linguagem participa das relações interpessoais. Ela é
fundamental na relação do homem comas coisas, com outros ho-
mens e consigo próprio. É ela que fornece os conceitos, as formas
de organização real, a mediação entre o sujeito e o conhecimento.
Isto é, a linguagem não representa apenas a comunicação; significa
a regulação do pensamento e é um fenômeno profundamente his-
tórico e social.
Vygotsky, ao se referir aos surdos para subsidiar suas discus-
sões sobre pensamento e linguagem, afirma que o importante é o
uso efetivo de signos, de quaisquer formas de realização, inclusive
os que assumem papel correspondente ao da fala. Diante disso,
destacamos que a LIBRAS deve ser compreendida como um ele-
mento central na discussão da surdez e, portanto, no campo da
educação, considerando que a escola é responsável pela aprendiza-
gem desse aluno, que levará para o ambiente escolar suas
especificidades, dentre elas, uma Língua diferente e capaz de me-
diar seu processo de ensino. Com isso, estamos afirmando que a
Língua de Sinais é central para que o surdo se desenvolva
cognitivamente.
Quadros (2003) aponta que a linguagem pode ser compreen-
dida em dois diferentes níveis: o nível biológico, enquanto parte
da condição humana e o nível social, que interfere na condição
humana final. Essa mesma autora afirma que ao se pensar em es-
paços inclusivos para o surdo, deve-se pautar nesses dois níveis de
linguagem.
Aparentemente, Góes (1996) concorda com essa ideia, pois
enfatiza que o desenvolvimento da criança surda deve ser compre-
endido como processo social, e suas experiências de linguagem
concebidas como instâncias de significação e de mediação nas suas
relações com a cultura, nas interações com o outro. Ainda, segun-
do essa autora:
EaD • UFMS30 ESTUDO DE LIBRAS
Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo
dependendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para
seu desenvolvimento, em especial para a consolidação da lin-
guagem (p. 38).
Como já afirmamos, a linguagem, além de ser central na co-
municação, interfere na organização do pensamento, sendo es-
sencial para desenvolver o cognitivo. Assim, no caso das crianças
surdas, o atraso de linguagem pode trazer problemas de ordem
emocional, social, cultural e cognitivo. A pessoa ouvinte, por exem-
plo, convive com a modalidade oral de sua Língua desde muito
cedo e isso é extremamente importante para o seu desenvolvi-
mento. Da mesma forma, a pessoa surda deve ter contato com
alguma forma de linguagem o mais cedo possível, para que possa
compreender o mundo à sua volta e interagir, participar dele ati-
vamente.
Destacamos que a linguagem oral é uma possibilidade de co-
municação, mas a Língua de Sinais é, com certeza, um processo
bem mais “natural” para a comunicação e compreensão da pessoa
surda. Quanto mais tardio for seu contato com sua própria Lín-
gua, maiores danos serão causados nas relações dos surdos com o
mundo à sua volta. Assim, a criança surda deve adquirir a Língua
de Sinais no mesmo período que a criança ouvinte adquire a Lín-
gua oral.
No que se refere à escola, percebemos, pelo histórico da
educação de surdos, que a linguagem sempre foi um aspecto
central nas discussões. Quadros (2003) assevera que, diferente-
mente da proposta educacional pensada para os ouvintes, na
educação de surdos, essa preocupação tornou-se quase que ex-
clusiva, perdendo-se de vista o processo educacional integral da
criança surda.
Outra questão fundamental, quando refletimos sobre a edu-
cação, é que as crianças surdas, devido às dificuldades acarreta-
das pela não aquisição ou pela aquisição tardia da linguagem,
em muitos casos, encontram-se em situações de defasagem no
que diz respeito à escolarização e isso não tem relação com suas
potencialidades intelectuais. O que ocorre é que, muitas vezes,
essa criança chega na escola sem as informações a que as crian-
ças ouvintes têm contato o tempo todo e sem o conhecimento
esperado para sua idade. Vem daí a necessidade de criação de
propostas educacionais que atendam às especificidades e defa-
sagens desse aluno, favorecendo o desenvolvimento efetivo de
suas capacidades.
É sobre essas questões que trataremos na próxima Unidade.
EaD • UFMS 31Surdez e Linguagem
1.4 INTERAGINDO COM O TEXTO
1. Vimos que o Instituto Nacional de Surdos-Mudos foi uma
Instituição em destaque na história da educação de surdos. Essa
Instituição, que, hoje, se chama INES (Instituto Nacional de Edu-
cação de Surdos), continua tendo sua importância no cenário edu-
cacional. Evidenciamos isso mostrando a trajetória desse Instituto.
Faça uma pesquisa sobre os mecanismos de ensino do Instituto
atualmente, destacando seus objetivos, abordagem de ensino, os
cursos que são oferecidos, enfim, seu funcionamento. Produza um
texto como resultado dessa pesquisa.
2. Faça um paralelo entre a educação do surdo, no Brasil, e a
trajetória da Língua Brasileira de Sinais. Em um quadro, de um
lado, destaque os principais momentos considerados, por você, na
educação vivenciada pelos surdos e, do outro lado, os marcos his-
tóricos relacionados à LIBRAS, conforme modelo abaixo. Compa-
re cada lado e conclua a atividade destacando os pontos conver-
gentes percebidos.
Após a realização da atividade, discuta com seus colegas.
3. Escreva um parágrafo, destacando o conceito que você pos-
suía da surdez antes de ler essa Unidade. Num segundo parágrafo,
coloque a definição que você passou a ter sobre a surdez após o
estudo da Unidade. Compare sua resposta com a dos seus colegas.
Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:
Assista ao Filme: O Milagre de Anne Sullivan, de 1962, dirigido
por Arthur Penn.
Sinopse: Em 1887, no Alabama, a jovem
Helen Keller, cega e surda, desde a infân-
cia, devido a uma congestão cerebral, está
a ponto de ser enviada para uma Institui-
ção especializada em doentes mentais.
Sua falta de habilidade para se comuni-
car a deixou frustrada e violenta. É um
tempo difícil no sul dos Estados Unidos.
Desesperados, seus pais procuram ajuda
no Perkins Institute, de Boston, que lhes
encaminha a jovem Annie Sullivan para
MARCOS HISTÓRICOS DA
EDUCAÇÃO DO SUJEITO SURDO
MARCOS HISTÓRICOS DA LÍNDUA
BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS
EaD • UFMS32 ESTUDO DE LIBRAS
ser tutora de sua filha. Annie acabara de concluir seu curso, de
modo que Helen será sua primeira aluna. Em sua incansável tarefa
para tentar fazer com que Helen se adapte e entenda, pelo menos
em parte, o mundo que a cerca, Annie não se mostra condescen-
dente nem a trata como uma pessoa deficiente. A tarefa é difícil,
mas com pulso firme e muito amor, Annie consegue, em relativa-
mente pouco tempo, tornar Helen uma garota dócil, bem como
fazer com que ela aprenda a linguagem dos dedos e a pronunciar
suas primeiras palavras.
EaD • UFMS 33Surdez e Linguagem
Unidade 2
INCLUSÃO DO ALUNO SURDO
NO ENSINO REGULAR
ESTUDO DE LIBRAS
EaD • UFMS34 ESTUDO DE LIBRAS
EaD • UFMS 35Inclusão do aluno surdo no ensino regular
Unidade 2
INCLUSÃO DO ALUNO SURDO
NO ENSINO REGULAR
Nesta unidade abordaremos sobre a inclusão do aluno no en-
sino regular. Já sabemos quem é esse aluno, como sua educação foi
pensada ao longo dos tempos, como a LIBRAS se expandiu no Bra-
sil e a importância dessa Língua para o desenvolvimento pessoal,
social e cognitivo do surdo. Assim, neste momento do nosso Guia,
iremos aprofundar nossas discussões nos assuntos referentes espe-
cificamente à proposta educacional vigente, ou seja, a educação
inclusiva. Assim, iremos desvelar os desafios e perspectivas da edu-
cação do surdo nessa proposta, destacando principalmente sobre
o trabalho do professor e do intérprete educacional. Nesse contex-
to, vamos perceber, mais uma vez, o quanto a LIBRAS é funda-
mental para garantir a aprendizagem do aluno surdo.
“O ouvido humano é surdo aos
conselhos e agudo aos elogios”...
(William Shakespeare)
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Esta Unidade temcomo objetivos:
• Discutir sobre as diferentes necessidades educacionais espe-
ciais do aluno surdo no contexto escolar, refletindo sobre a
Língua Brasileira de Sinais nesse contexto.
• Apresentar os principais aspectos legais referentes à educa-
ção do aluno surdo.
• Estudar sobre o papel do professor intérprete no processo
de inclusão do aluno surdo.
• Abordar sobre o trabalho do professor regente na perspecti-
va da diversidade.
• Apontar os principais desafios e perspectivas da educação
inclusiva para o aluno surdo.
EaD • UFMS36 ESTUDO DE LIBRAS
2.1 PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Educação Inclusiva é um processo de transformação da es-
cola; um (re) fazer educacional que supõe reflexões aprofundadas
sobre a formação de professores, a participação da comunidade
escolar (alunos, professores, funcionários, família), os processos
pedagógicos, as metodologias de ensino, enfim... refere-se à orga-
nização do espaço escolar de forma a atender todos e a todas as
diferenças.
É fato que os alunos são diferentes entre si, que aprendem de
formas distintas, motivam-se por razões diferentes, estão impres-
sos com histórias de vida próprias e específicas, apresentam carac-
terísticas peculiares e singulares... isto é, a diferença é facilmente
perceptível. É evidente que não existem classes escolares homogê-
neas e que a heterogeneidade é algo intrínseco ao fato de sermos
humanos. Todavia, lidar com essa diversidade e trabalhar com as
diferenças significa muito mais do que apenas identificá-las. Re-
quer mais do que boas intenções. Figueiredo (2008) salienta que:
A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversi-
dade é formada pelo conjunto de singularidades, mas também
pelas semelhanças que unem o tecido das relações sociais. En-
tretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igual-
dade, a escola está confundindo diferenças com desigualdades.
Aquelas são inerentes ao ser humano enquanto estas são social-
mente produzidas (p. 143).
Assim, voltamo-nos para as reflexões de Carvalho (2008), que
salienta sobre três dimensões importantes quando pensamos na
relação da educação com as diferenças. São elas: o sistema educaci-
onal, a escola e a sala de aula. Discorreremos sobre cada uma.
• O SISTEMA EDUCACIONAL
As transformações que delinearão uma educação inclusiva de-
vem começar no interior dos próprios órgãos implementadores
de políticas públicas de cunho educacional, pois, por mais am-
pla que seja a autonomia das escolas, “elas estão inseridas num
contexto educacional que elege princípios, estabelece objetivos
e identifica diretrizes de ação para as quais são necessários recur-
sos financeiros, materiais e humanos que não estão, necessaria-
TEXTO
EaD • UFMS 37Inclusão do aluno surdo no ensino regular
mente, ao alcance de todas as escolas e, muito menos, dos pro-
fessores, famílias ou da comunidade” (CARVALHO, 2008, p. 54).
Ou seja, as ações pensadas para o sistema educacional devem
estar calcadas na realidade local em que essas ações serão
implementadas, para atender às necessidades daquela comuni-
dade escolar, pois essas ações influenciarão demasiadamente a
prática pedagógica.
• AS ESCOLAS
É evidente que queremos uma escola para todos, mas isso não
significa apenas o acesso ao ensino regular. Mais do que isso, a
escola inclusiva precisa assegurar a aprendizagem e a partici-
pação de TODOS os alunos. Para tanto, segundo Carvalho
(2008), as escolas precisam construir culturas inclusivas (co-
munidades escolares seguras e receptivas, com valores demo-
cráticos de reconhecimento das diferenças), políticas inclusi-
vas (projeto político pedagógico que defenda a possibilidade
de aprendizagem de todos os alunos, organizando apoios que
garantam o desenvolvimento de atividades que aumentem a
capacidade da escola de responder às diferenças dos alunos) e
práticas pedagógicas inclusivas (atividades de sala de aula sig-
nificativas a todos os alunos, das quais participem toda comu-
nidade escolar).
• A SALA DE AULA
A sala de aula se constitui como um grande desafio na efetivação
da educação inclusiva. Carvalho (2008) discorre sobre algumas
sugestões para o trabalho do professor que deseja e acredita nes-
se tipo de educação, como: elaborar um plano de trabalho para a
turma toda, considerar a participação dos alunos como os mais
valiosos recursos disponíveis em sala de aula, ser um professor
pesquisador, construir materiais de ensino aprendizagem pelos
próprios alunos, avaliar a aprendizagem se baseando no percur-
so de cada estudante e trabalhar com oficinas ou “laboratórios”
de aprendizagem.
Não podemos nos esquecer que a inclusão educacional é um
processo, e, portanto, tem as características de dinamismo, flexibi-
lidade e temporalidade. As transformações são lentas, todavia é
possível desenvolver desde o sistema educacional, escolas e salas
de aula, situações de convivência e aprendizagem que priorizem a
diversidade e reconheçam as diferenças. No entanto, nem sempre
foi assim.
EaD • UFMS38 ESTUDO DE LIBRAS
A história educacional aponta índices preocupantes sobre o
fracasso escolar e isso não está associado à presença ou não do alu-
no com necessidades especiais na escola. Todavia, quando refleti-
mos sobre a educação desses alunos, claramente percebemos que
através da inclusão a criança com e sem necessidades especiais terá
possibilidades de presenciar e vivenciar modelos de interação que
dificilmente seriam possíveis em classes e escolas especiais.
Assim, as políticas públicas educacionais no campo da Educa-
ção Especial têm apontado, cada vez mais, a urgência em cons-
truirmos no País escolas inclusivas, que estejam prontas para rece-
ber todo e qualquer aluno, dentre eles, os alunos surdos. Todavia,
para construir escolas inclusivas, faz-se necessário modificar o sis-
tema educacional, renovando-o, modernizando-o. Isso implica em
transformação das ações pedagógicas.
Sabemos o quanto desafiadora é essa proposta. Entretanto,
apesar dos desafiadores caminhos que precisam ser percorridos, a
inclusão se constitui como um dos meios mais capazes e eficazes
para combater atitudes discriminatórias.
Nessa perspectiva inclusiva, a Educação Especial assume um
novo papel, pois deve abranger, além do atendimento especializado
direto, o suporte às escolas regulares que recebem alunos que neces-
sitam de apoios diferenciados para aprender. Em outras palavras:
[...] a Educação Especial não deve ser concebida como um sis-
tema educacional especializado à parte, mas sim como um con-
junto de metodologias, recursos e conhecimentos (materiais,
pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá dispor
para atender à diversidade de seu alunado (GLAT; BLANCO,
2007, p. 17).
Dessa forma, podemos afirmar que, sem a organização do
ambiente escolar, pensado para atender as necessidades de todos
os alunos, a inclusão não passa de um discurso político, vazio. A
inclusão escolar pressupõe a presença do aluno na escola, a sua
participação no cotidiano escolar e a sua efetiva aprendizagem.
Consideramos, ainda, que a inclusão é fundamental para a
construção de uma sociedade democrática. O respeito às diferen-
ças e a igualdade de oportunidades requer o movimento de in-
cluir, que faz uma ruptura com o movimento da exclusão. Portan-
to, a inclusão é a garantia a todos do acesso contínuo ao espaço
comum na vida em sociedade, que deverá estar organizada e ori-
entada, respeitando a diversidade humana, as diferenças individu-
ais, promovendo igualdade de oportunidades de desenvolvimento
para toda a vida.
EaD • UFMS 39Inclusão do aluno surdo no ensino regular
Assim:
[...] Mais do que nunca, torna-se clara a necessidade de uma
educação voltada para os valores humanos, uma educação que
permita a transformação da sociedade, uma escola que acredite
nas diferentes possibilidades e nos diferentes caminhos quecada
um traça para sua aprendizagem, que possibilite a convivência e
o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões
(SARTORETTO, 2008, p. 77).
A proposta inclusiva diz respeito, dessa forma, a uma escola
de qualidade para todos. Uma escola que não segregue, não rotule
e não expulse seus alunos, mas assuma e atenda a diversidade de
características de seu alunado.
A escola só pode ser um espaço inclusivo se nela todos forem
atores e autores, partipantes ativos do processo educativo e de
todos os delineamentos e desdobramentos que envolvem o coti-
diano escolar.
2.2 ASPECTOS LEGAIS EM DESTAQUE
Muitas Legislações, principalmente, a partir da década de 1990,
compuseram um arcabouço legal que garantiu ao surdo, além de
sua inserção/acesso ao ensino regular, a utilização da LIBRAS como
sua Língua de comunicação e mediação da aprendizagem. Todas
as garantias legais que vão sendo determinadas no País, no que diz
respeito à educação de pessoas com necessidades especiais, de al-
guma forma, contemplaram os alunos surdos, salientando sobre a
eliminação das barreiras atitudinais e de comunicação, a impor-
tância de estratégias de ensino diferenciadas, recursos visuais, pro-
fessores capacitados, dentre outros aspectos que dizem respeito à
escolarização de TODOS, sem exceção.
Diante de tantos documentos legais, que orientam à educação
ideal que o País deve buscar com relação ao atendimento dos alu-
nos com necessidades educacionais, no que se refere aos surdos,
consideramos importante destacar dois documentos que, no nos-
so entendimento, são essenciais para a configuração educacional
atual. São eles: a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005.
IMPORTANTE
TEXTO
EaD • UFMS40 ESTUDO DE LIBRAS
• LEI Nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002)
• Reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como meio
legal de comunicação e expressão dos surdos.
• Define a LIBRAS como um sistema de linguístico de natureza
visual-motora, estrutura gramatical própria, capaz de trans-
mitir idéias e fatos.
• Orienta para que os sistemas de ensino estaduais, municipais e
do Distrito Federal incluam nos cursos de formação de Educa-
ção Especial, Fanoaudiologia e Magistério, o ensino da LIBRAS.
Salienta que a LIBRAS não substitui a modalidade escrita da
Língua Portuguesa.
• DECRETO 5.626/2005
• Regulamenta a Lei nº 10.436/2002.
• Define pessoa surda como aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiên-
cia visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da LIBRAS.
• Ressalta a inclusão da LIBRAS como disciplina escolar obriga-
tória, definindo os cursos de Magistério todos os cursos de
Licenciatura, o curso Normal Superior, o curso de Pedagogia
e o curso de Educação Especial. Para os outros cursos, a LI-
BRAS é indicada como disciplina optativa.
• Indica que a formação de docentes para o ensino da LIBRAS
deve ser realizada em nível superior, e deve priorizar as pesso-
as surdas.
• Estabelece que o ensino da modalidade escrita da Língua Por-
tuguesa, como segunda Língua para as pessoas surdas, deve
ser incluído como disciplina curricular nos cursos de forma-
ção de professores para a Educação Infantil e os primeiros anos
do Ensino Fundamental, bem como nos cursos de Licenciatu-
ra em Letras/Língua Portuguesa.
• Salienta que as instituições de ensino devem garantir às pesso-
as surdas, obrigatoriamente, acesso à comunicação, à infor-
mação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e
conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, eta-
pas e modalidades da educação, desde a Educação Infantil até
o Ensino Superior.
• Determina que as escolas devem ser providas de quatro pro-
fissionais distintos: professor de LIBRAS, tradutor e intérpre-
EaD • UFMS 41Inclusão do aluno surdo no ensino regular
te de LIBRAS – Língua Portuguesa, professor para o ensino da
Língua Portuguesa como segunda Língua e professor regente
com conhecimento acerca da singularidade lingüística mani-
festada pelos alunos surdos.
• Garante o atendimento às necessidades educacionais dos sur-
dos nas salas de aula e em salas de recursos, em turno contrá-
rio ao da escolarização.
• Enfatiza sobre a adoção de mecanismos de avaliação coerentes
com o aprendizado de segunda Língua, na correção das pro-
vas escritas, valorizando o aspecto semântico;
• Dispõe que a modalidade oral da Língua Portuguesa deve ser
oferecida em turno distinto ao da escolarização, apenas para
os alunos ou pais que fizerem essa opção.
• Observa que os alunos têm direito ao atendimento educacio-
nal especializado para o desenvolvimento de complementação
curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de
informação.
• Orienta sobre a importância de proporcionar aos professores
acesso à literatura e informações sobre a especificidade lin-
güística do aluno surdo.
Enfim, como podemos observar, esses dois Documentos le-
gais mudam fundamentalmente a proposta educacional para os
alunos surdos. E enfatizam, centralmente, a utilização da LIBRAS
de forma efetiva no espaço escolar.
Claro que não é apenas a utilização da LIBRAS que garantirá
uma educação de qualidade ao aluno surdo, pois qualquer proposta
de escolarização envolve muito mais do que a comunicação, como:
metodologias de ensino específicas, avaliação coerente, professores
preparados para trabalharem com a diversidade, comunidade esco-
lar envolvida, família presente no cotidiano escolar, dentre outros
aspectos. Aprofundaremos essas questões no próximo item.
2.3 O ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR
Antes de aprofundarmos nossas discussões sobre a inclusão
do aluno surdo, julgamos ser importante esclarecer que neste mo-
mento refletiremos sobre a inserção do aluno que se utiliza da Lín-
gua Brasileira de Sinais na escola. Existe a possibilidade de termos
também no ambiente escolar alunos que optam pela oralização, o
TEXTO
EaD • UFMS42 ESTUDO DE LIBRAS
que direciona a abordagem de forma amplamente distinta da que
discutiremos. Todavia, considerando o objetivo central do nosso
Guia (a Língua Brasileira de Sinais), entendemos que nos cabe a
reflexão do processo ensino-aprendizagem apenas do aluno que se
utiliza da LIBRAS.
Importa destacar, ainda, que diante da proposta de Educação
Inclusiva, que enfatiza a inserção de todo e qualquer aluno, inde-
pendente de suas características, no ensino regular, as políticas
públicas em Educação Especial vão orientar para que o aluno sur-
do esteja nessa modalidade de atendimento e que nada a substi-
tua. Além disso, orienta-se para que esse aluno tenha os suportes
necessários para ter sucesso em seu processo de escolarização, como
a presença do intérprete educacional, matrícula nas salas
multifuncionais (conhecida também como sala de recursos) em
horário oposto ao da escolarização, dentre outros apoios, a depen-
der de cada caso e situação.
Assim, iremos discutir nesse momento do nosso Guia sobre
as questões fundamentais para garantir essa inclusão verdadeira
e efetiva do surdo no ensino regular. Abordaremos, dessa forma,
sobre a LIBRAS no contexto escolar, o intérprete educacional e o
trabalho do professor regente diante da manifestação da diversi-
dade.
2.3.1 A LIBRAS NO CONTEXTO ESCOLAR
Entendemos que a LIBRAS é fundamental para a inclusão do
aluno surdo, e já ressaltamos isso. Todavia, sua inserção na escola e
seu uso pelo aluno surdo não garantem a inclusão efetiva. Isto é, a
LIBRAS é apenas um dos elementos necessários no processo inclu-
sivo. A comunicação tem um papel central, mas não resolve todos
os problemas e dilemas.
Primeiramente, é preciso perceber que o sistema educacional,
por si só, muitas vezes, não atende às necessidades dos alunos, in-
dependente de terem necessidades educacionais especiais ou não.
E mais, o fracasso escolar não está relacionado à inserção das pes-
soas com deficiência na escola;é um problema que tem estado
presente no cenário educacional brasileiro por diversos motivos,
que só será resolvido mediante políticas inclusivas (de fato, não
apenas de direito) que atendam as singularidades e as realidades
de TODOS os alunos.
Em segundo lugar, é necessário considerar que a implemen-
tação de uma ação/política inclusiva não é algo simples, nem ocor-
rerá em curto prazo, pois a história político-educacional brasileira
evidencia práticas excludentes por séculos. A exclusão não é algo
que alcançou apenas os alunos deficientes, mas diversos outros
EaD • UFMS 43Inclusão do aluno surdo no ensino regular
segmentos e grupos e isso não tem a ver apenas com as caracterís-
ticas singulares desses grupos, mas, sim, com a base da sociedade
em que vivemos, que é, por princípio, excludente... e vai continu-
ar sendo, para que se mantenha.
Portanto, apesar de o discurso oficial ser inclusivo e sabermos
que é o caminho mais justo e humano para os cidadãos brasileiros,
não podemos ser ingênuos em acreditar que essa proposta se
implementará plenamente, apenas porque é, hoje, um direito le-
gal. A efetivação dessa educação que queremos depende de muitos
aspectos, não apenas operacionais, mas ideológicos também... e,
como salientamos, para que a sociedade capitalista siga se manten-
do, lugares de exclusão continuarão sendo necessários. Convém
enfatizar, portanto, que o processo de construção da escola inclusi-
va, aquela de fato preparada para atender ao aluno surdo, inclusi-
ve, ainda é um processo em evidência. As mudanças culturais não
ocorrem rapidamente e não serão plenas enquanto não estiverem
naturalizadas em todos os ambientes relacionais.
Com essas duas questões apontadas, podemos compreender
porque a presença de alunos com necessidades educacionais espe-
ciais no ensino regular é algo ainda tão questionado por algumas
pessoas ou aceito com ressalvas por outras. De fato, para o profissi-
onal que está no “chão da escola”, faltam muitos instrumentos e
adequações para colocar em prática as garantias legais e ideais. Com
relação ao surdo, a LIBRAS é um desses instrumentos que fica ape-
nas a serviço do aluno e do intérprete educacional, na maioria das
vezes, o que significa que não é parte da cultura escolar. Eis um
dilema evidenciado.
Entendemos que, para que a escola atenda ao aluno surdo com
qualidade, a LIBRAS não pode ser uma Língua desprivilegiada no
contexto escolar. Existem alguns grupos de surdos, no Brasil, que
têm contestado a inclusão nos moldes em que ela vem sendo efeti-
vada e essa discussão passa pela questão da linguagem, pois o que
existe de fato é um aluno surdo inserido numa escola pensada e
estruturada para alunos ouvintes. Seria, isso, inclusão?
Apontamos que um dos princípios inclusivos é o sentimento
de pertencimento que o aluno deve ter, isto é, não basta
oportunizar apenas o acesso, mas é preciso garantir a participa-
ção e interação desse aluno no cotidiano escolar. Como isso seria
possível se os usuários da LIBRAS se restringem apenas ao aluno
e ao intérprete? A escola, como um todo, não deveria vivenciar a
LIBRAS para que esse aluno se sinta de fato pertencente àquele
espaço? Não estamos afirmando que todos, sem exceção, devem
dominar a LIBRAS, até porque isso seria utópico de nossa parte,
mas a restrição da comunicação aponta que a inclusão para o alu-
no surdo não está efetivada.
EaD • UFMS44 ESTUDO DE LIBRAS
Muitos espaços e situações podem promover a interação da
LIBRAS com toda a comunidade escolar, como, cartazes em LI-
BRAS, na escola, identificando cada espaço, a presença do instru-
tor surdo que, apesar de ser algo garantido pelo Decreto nº 5.626/
2005, não tem estado presente na escola, cursos de LIBRAS para os
professores e demais profissionais que atuam no contexto educaci-
onal, projetos e discussões sobre a LIBRAS, que valorizem a Lín-
gua e evidencie a pessoa surda como alguém importante para a
escola etc.
Com isso, queremos apontar que a LIBRAS precisa estar pre-
sente em todos os espaços possíveis dentro da escola, como a Lín-
gua Portuguesa na modalidade oral, para que a inclusão não seja
marginal. Negligenciar a LIBRAS significa silenciar o aluno surdo
duplamente, porque, além de sua situação biológica de surdez, ele
continuará sem direito a voz e vez no dia-a-dia escolar.
Assim, é de responsabilidade de todos não apenas a garantia
de que esse aluno poderá “usar” sua Língua (através da comunica-
ção dele com o intérprete) no ambiente escolar, mas, sim, o com-
promisso com a valorização e divulgação dessa Língua, pois isso
promoverá, no surdo, a sensação de que é aluno dessa escola, com
as mesmas condições de igualdade e oportunidades. Portanto, a
inclusão, com certeza, não estará garantida apenas com a presença
do intérprete educacional na escola, apesar de ser uma “peça” fun-
damental nesse processo. É sobre esse profissional que discorrere-
mos no próximo item do nosso Guia.
2.3.2 INTÉRPRETE EDUCACIONAL
Antes de aprofundarmos a reflexão sobre o intérprete educa-
cional. acreditamos ser relevante destacar sobre o intérprete de
LIBRAS, conforme segue abaixo:
• INTÉRPRETE DE LIBRAS
• Trata-se de um tradutor que se coloca entre os que ouvem e se
expressam por meio da voz e os que se comunicam por meio
de sinais e alfabeto manual.
• Facilita e media a comunicação, compreensão e acesso às in-
formações.
• Transmite os pensamentos, palavras e emoções tanto de quem
sinaliza quanto de quem fala.
• Deve ter competências nas duas Línguas: a oral e a de Sinais;
• É um profissional bilíngue, que precisa conhecer as implica-
ções da surdez no desenvolvimento do indivíduo surdo.
EaD • UFMS 45Inclusão do aluno surdo no ensino regular
Tem formação acadêmica, de nível médio ou superior, com-
provada por órgãos competentes.
Conforme Brasil (2003), o intérprete deve realizar a interpreta-
ção da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa,
objetivando os seguintes preceitos básicos:
• Confiabilidade (sigilo profissional).
• Imparcialidade (ser neutro).
• Discrição (estabelecer limites em sua atuação).
• Distância profissional (separar o profissional da vida pessoal).
• Fidelidade (não emitir opiniões pessoais).
Segundo BRASIL (2003), o intérprete educacional é aquele que
atua como profissional intérprete de Língua de Sinais na educa-
ção. É a área de interpretação mais requisitada, atualmente. Toda-
via, muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sen-
do confundido com o papel do professor. E, então, temos um con-
flito. Em algumas situações, os professores remetem aos intérpre-
tes suas dúvidas, pedem opiniões de como proceder com o aluno
surdo. Em outras situações, os professores passam para o intérpre-
te a responsabilidade pelo aluno surdo, como se estivessem tiran-
do “um peso de seus ombros”. Há ainda situações em que os alu-
nos surdos fazem seus questionamentos ao intérprete e não ao pro-
fessor, devido à confiança que depositam nesse profissional.
Assim, vamos destacar algumas funções que NÃO são especí-
ficas do intérprete educacional, segundo BRASIL (2003):
• Tutorar os alunos surdos.
• Apresentar informações a respeito do desenvolvimento dos
alunos.
• Acompanhar os alunos.
• Disciplinar os alunos.
• Realizar atividades gerais extraclasse.
Dessa forma, devemos considerar que, no ambiente escolar,
na sala de aula, o professor regente é a figura que tem autoridade e,
considerando a ética, o intérprete deve se manter neutro. É claro
que os intérpretes têm o direito (e devem fazer isso) de procurar o
professor anteriormente à aula e solicitar informações a respeito
dos conteúdos que serão trabalhados, para que possam melhor se
preparar para sua atuação. Mas seu papel principal se restringe
IMPORTANTE: QUAL O PAPEL DO INTÉRPRETE?
EaD • UFMS46 ESTUDO DE LIBRAS
apenas à mediação da comunciação, com competência

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