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O Que é a Filosofia do Direito

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1
O DIREITO COMO PARTE DA ÉTICA
Fábio Konder Comparato
Bom dia a todos!
A pergunta inicialmente formulada é esta: O que é a Filosofia do Direito?
Eu vou formulá-la de forma diferente: Por que a Filosofia do Direito no curso 
jurídico? E minha resposta é dupla. Ela tem ligação com dois defeitos ou duas carências 
graves de todos os cursos jurídicos. Em primeiro lugar, a apresentação atomística do 
fenômeno jurídico. Em segundo lugar, a prevalência da técnica sobre a ética.
Quanto ao primeiro ponto, o que a Filosofia do Direito traz aos estudantes é 
uma visão panorâmica do fenômeno jurídico no contexto social. O que se procura ver não 
é apenas o Direito nacional, mas também o Direito internacional. O que se procura 
examinar não é um ramo do Direito separado dos outros, mas todos os ramos do Direito 
em conjunto. Freqüentemente, os alunos me dizem: "É interessante como pela primeira 
vez percebemos a ligação entre direito penal, direito civil, direito nacional e direito 
internacional". 
A verdade é que a visão filosófica nos permite visualizar a oposição 
permanente entre direito ideal e direito vigente. Por mais que se faça, não é possível 
esconder ou sufocar a necessidade de uma crítica permanente do direito positivo. Nós só 
avançamos na medida em que fazemos essa auto-análise e também uma análise da 
realidade externa que nos cerca. Freqüentemente, o que se vê nos cursos jurídicos é uma 
consideração meramente factual da realidade como se o Direito fosse algo ligado à 
própria natureza, um dado que não precisa ter explicação e que de qualquer maneira não 
precisa ser justificado. 
A visão filosófica nos permite visualizar a oposição permanente entre direito ideal e 
direito vigente. 
Além disso, no âmbito dessa visão panorâmica do fenômeno jurídico, insere-se 
o reconhecimento de sua natureza histórica. Todas as vezes que nós nos debruçamos 
sobre um problema mais complicado, sentimos que há uma certa consideração relativa 
de valor naquela instituição que está sendo apresentada, e percebemos também que há 
uma evolução, que pode ser dar no bom ou no mau sentido, mas de qualquer maneira há 
sempre uma resposta a problemas surgidos num determinado momento histórico. 
De que maneira compreender o princípio de separação de poderes que surgiu 
como consideração puramente filosófica em Aristóteles? De que maneira ele voltou a 
surgir, fomentando o ardor revolucionário no século XVIII, sem a compreensão de uma 
evolução social que percorreu toda a Idade Média européia? É justamente esse caráter 
essencialmente histórico do Direito que é importante para a compreensão dos direitos 
humanos. 
A vida social neste país desenvolveu-se, durante quatro séculos, fundada na 
escravidão, e isso sempre nos pareceu algo natural até o final do século XIX. É sabido 
que as grandes corporações eclesiásticas, as grandes ordens religiosas eram 
proprietárias de fazendas e exploravam a mão-de-obra escrava, sem que isso suscitasse 
nenhum problema moral. Por que razão, num determinado momento, houve uma 
oposição crescente à exploração da mão-de-obra escrava? Por que razão durante 
milênios a mulher foi considerada inferior ao homem? 
Como se deu essa revolução extraordinária, talvez a mais importante de toda 
História, que foi a luta pela igualdade de gênero? Será possível considerar o conjunto dos 
direitos humanos como alguma coisa absolutamente racional, eterna e imutável? Ou 
devemos reconhecer que, a par da evolução biológica, há uma inegável evolução de 
ordem ética?
 
É aí que eu entro na segunda grande deficiência dos cursos jurídicos, que é a 
visão excessivamente técnica, ou exclusivamente técnica do Direito. Nesses cinco anos 
de curso aqui na Faculdade, vocês ouvirão muito pouco sobre ética. É claro que o Direito 
é uma técnica, uma das mais delicadas , das mais complexas que o homem já criou. É 
evidente que não se pode trafegar no campo do Direito sem uma boa competência 
técnica, mas a técnica é mero instrumento; ela é neutra quanto aos valores, ela pode 
servir à vida, como pode servir à morte. É impossível tentar reduzir o Direito a uma mera 
técnica, pois dessa forma ele fica completamente desbussolado. Quando penso nos 
meus tempos de estudante, lembro-me como os professores procuravam sempre fugir 
desse debate ético, tal como os juizes, que, ao julgarem contra a sua consciência, 
refugiam-se no fato de que são meros servidores da lei. O juiz diz que não é legislador e, 
portanto, decide injustamente e tem consciência dessa injustiça. 
O Direito, quando reduzido a uma simples técnica, fica desbussolado. 
Nessa consideração do Direito como parte integrante da ética, o que o curso 
de Filosofia pode trazer de importante é a análise das fontes do Direito. O Direito tem sua 
fonte exclusivamente no poder, ou ele tem apoio necessariamente na consciência social, 
na consciência coletiva? Essas duas fontes podem produzir Direitos contraditórios? 
Nesse caso, qual delas deve prevalecer? Ainda aí, o estudo dos direitos humanos é 
importante, porque ele nos traz uma resposta a essas questões. Todos esses problemas 
que eu citei — a escravidão, a inferioridade da mulher, a exploração do trabalho humano, 
mesmo fora da escravidão o aviltamento da pessoa humana no Direito Penal antigo e 
moderno — tudo isso representou, na evolução histórica, um choque, uma contraposição 
entre aquilo que estava na consciência social e aquilo que era imposto pelo poder. 
Ainda dentro desse campo de considerações, o curso de Filosofia do Direito 
nos obriga a refletir sobre a relação constante entre Moral e Direito, tão simplesmente 
resolvida pelo positivismo jurídico. É inegável a influência incessante da Moral sobre o 
Direito. Em um determinado trecho do Evangelho segundo Lucas, conta-se a parábola do 
bom samaritano. Muito conhecida, eu não vou repeti-la. Eu gostaria apenas de frisar o 
fato de que, nessa parábola, o que se apresenta é uma oposição entre duas etnias, entre 
duas culturas, entre duas religiões, e uma oposição radical na época do começo da 
chamada Era Cristã. A rivalidade entre judeus e samaritanos era muito mais virulenta do 
que a oposição atual entre árabes e judeus na Palestina, e o que se apresentou foi isto — 
a necessidade de se prestar socorro. Muitos e muitos séculos depois, em todos os 
códigos penais, foi inscrita a figura da omissão de socorro. Agora é um delito. No Código 
Penal brasileiro, ela está no art. 135. Naquela época, a atitude do samaritano era uma 
manifestação de amor heróico, uma atitude considerada absolutamente utópica, irrealista, 
senão revolucionária. Hoje é um delito. Está nos códigos penais. 
É justamente aí que se põe o grande problema que é freqüentemente omitido 
nos cursos jurídicos: a contraposição entre justiça e realismo. Todos nós, que somos 
vitimados por essa decadência própria da idade, tendemos, como adultos e como 
professores, mais para o lado do realismo, com o sacrifício da justiça. Freqüentemente, 
nós sentimos entre os alunos uma reação quase que de desprezo; outras vezes, um certo 
cinismo latente, como se toda essa conversa sobre justiça fosse algo meramente literário, 
sem nenhuma aplicação na vida prática, onde o que importa é ganhar dinheiro. Esse 
envelhecimento precoce da juventude precisa ser combatido a ferro e fogo. 
Com base nessas idéias, eu procurei dividir o curso em duas partes. A primeira 
é a antropologia filosófica aplicada ao Direito. Impressionante como até hoje, que eu 
saiba, ainda não foi instituído na universidade o curso de antropologia filosófica; e que eu 
saiba nunca, numa Faculdade de Direito, esse assunto foi inscrito no programa. E, no 
entanto, pretende-se que o Direito seja uma ciência humana. Uma ciência humanasem o 
estudo em profundidade do ser humano? A todo momento, na vida profissional, nós 
lidamos com a extrema complexidade do ser humano. De que maneira podemos tratar 
um crime passional sem compreender a força dos sentimentos, das paixões? Spinoza, 
em vários trechos de sua obra, criticou a idéia comum de que as paixões e os 
sentimentos são vícios. Ora, se as paixões e os sentimentos são considerados vícios, o 
homem é um ser vicioso por natureza. Mas não seria exatamente o contrário? As paixões 
e os sentimentos fazem parte da própria natureza, são normais, e é o desconhecimento 
dessa normalidade que torna impossível muitas vezes a solução de problemas humanos. 
A partir de que momento há uma situação em que percebemos que as exigências de 
ordem 
moral já se tornaram exigências jurídicas? 
A segunda parte é a teoria fundamental dos direitos humanos. O professor 
Celso Lafer mostrou, na sua tese de concurso, como essa consideração dos direitos 
humanos é fundamental para a compreensão do Direito e dos rumos da civilização atual. 
E é nessa teoria fundamental dos direitos humanos que se põe o problema do 
fundamento do Direito. Qual é o modelo, qual é o critério que pode ser apresentado para 
fundar a validade do Direito, a vigência do Direito? A partir de que momento há uma 
situação em que percebemos que as exigências de ordem moral já se tornaram 
exigências jurídicas? 
É exatamente nesse ponto que quero terminar, dizendo que o verdadeiro curso 
de Direito não é uma simples preparação ao exercício profissional. É uma prepara ao 
exercício para a vida. Nós podemos ser reprovados na faculdade, mas jamais podemos 
nos resignar a sermos reprovados na vida. 
O verdadeiro curso de Direito não é uma simples preparação ao exercício profissional. 
É uma preparação para a vida. 
2
DUAS PALAVRAS
Goffredo da Silva Telles Junior
Meu eminente e prezado amigo, Professor Eduardo Binar. Oportuno, muito 
oportuno, o ENCONTRO de que o caro amigo me deu notícia, para uma meditação dos 
mestres do Departamento de Filosofia sobre as questões:
Que é a Filosofia do Direito?
Qual é o papel da Filosofia do Direito?
Devo confessar-lhe que me senti honrado e agradecido com a amabilíssima 
solicitação de meu pronunciamento sobre esses temas. Não podendo estar presente ao 
ENCONTRO, permita-me, prezado mestre, que lhe envie, por meio desta carta, duas 
palavras enxutas, para exprimir com simplicidade o que penso acerca de tais questões.
Antes de mais nada, quero dizer-lhe que, para mim, a Filosofia do Direito é: A 
ciência da disciplina da convivência humana pelas primeiras causas.
A Filosofia do Direito é: A ciência da disciplina da convivência humana 
pelas primeiras causas.
Em verdade, todas as diversas matérias, que são estudadas nos cinco anos 
de um curso de Faculdade de Direito, versam, essencialmente, uma só disciplina: a 
Disciplina da Convivência Humana. E uma única matéria do curso cuida da convivência 
humana pelas primeiras causas. Tal matéria é, precisamente, a que constitui a Filosofia do 
Direito.
Pelas primeiras causas! Ah! Sinto que isso me faz remontar a clássicos e 
perenes ensinamentos que — veja só! — nos vêm da eterna Escola de Athenas; 
avoengueiros princípios, que atravessaram os séculos e chegaram até nós com todo o 
vigor das verdades lógicas, assentadas para sempre.
Que é uma causa? Quais são as espécies de causas?
Perdoe-me, querido amigo, por estar aqui a evocar questões tão elementares e 
tão resolvidas. Devo, porém, referir-me a elas porque elas são prelúdio inevitável de todo 
conhecimento científico.
Agora, neste momento, o que preciso relembrar é que certas causas são 
suscetíveis de serem reveladas pela experiência, enquanto outras não se encontram no 
plano da sensibilidade, só podendo ser descobertas pela inteligência. As primeiras se 
prendem diretamente — como todos sabens — às causas do conhecimento sensível: são 
causas próximas. As outras são causas remotas e se chamam causas primeiras.
Certas causas são suscetíveis de serem reveladas pela experiência, enquanto 
outras não se encontram no plano da sensibilidade, só podendo ser 
descobertas pela inteligência.
Pois bem, as ciências das causas experimentais (ou causas segundas) são as 
chamadas ciências da natureza; a ciência das causas intelectuais — ciência das 
primeiras causas — é a Filosofia.
Diga-se, de passagem, que, modernamente, o uso tende a reservar o nome 
ciência para designar as ciências da natureza. Cumpre reafirmar, porém, que a Filosofia, 
como sistema de conhecimentos demonstrados, é ciência; é, mesmo, a ciência das 
ciências, por ser a ciência das causas de cujo conhecimento o conhecimento das outras 
causas depende.
É evidente que o objeto da Filosofia não deve ser considerado um objeto 
particular dela. Por quê? Porque todos os objetos particulares das outras ciências são 
objeto da Filosofia. Só a Filosofia cuida de todo o real.
A diferença entre a ciência da natureza e a Filosofia não é, propriamente, uma 
diferença de domínios, mas de pontos de vista. O que é da experiência sensível é 
também da Filosofia, porque a Filosofia depende da experiência sensível, como a idéia 
depende das sensações.
Dos sentidos, como condição do conhecimento, a Filosofia é necessariamente 
tributária. Ela se alimenta do que lhe oferecem as ciências da natureza e o senso 
comum. Mas o que lhe é próprio é o seu modo intelectual de ver o que lhe é dado, ou 
seja, a sua perspectiva sobre as cousas.
Define-se a Filosofia: ciência de todas as cousas pelas suas primeiras 
causas. Assim a definiu Aristóteles, em sua Metafísica (A, 1-98bb, 27-29). Eis por que se 
costuma dizer que a Filosofia é uma Weltanschauung, uma concepção do Universo, uma 
ciência da Unidade do Mundo, feito da Diversidade das cousas.
Bem sei que toda essa matéria pode parecer, a olhos desprevenidos, algo 
distante das preocupações de muitos especialistas do Direito. Quero, porém, repetir, 
sem rebuços, que toda essa matéria é um precioso lastro daquilo que chamamos 
sabedoria, e que, embora tão refugado e achincalhado por uma certa mentalidade 
reinante, constitui o fundamento da cultura — da verdadeira e alta cultura, de que o 
jurista autêntico necessita, muitas vezes, para o correto desempenho de sua missão.
Notemos que o jurista autêntico está sempre preocupado com Os problemas da 
ordem. Ora, o pensamento da ordem se inclui no pensamento da cultura.
Sim, é exato, a palavra cultura, em seu sentido amplo, significa ordem, mas 
ordem mental, ordem das idéias. Significa ordenação das idéias, nas operações da 
inteligência. E significa, também, disposição humana das 'causas, em razão da ordem das 
idéias.
Assim, tanto é cultura o conjunto ordenado de concepções, num conhecimento 
da ciência, como é cultura o sistema de valores que caracterizam a mentalidade e os 
códigos de uma certa civilização ou de um certo grupo humano. E é cultura, também — 
todos sabem —, a cultura dos campos, que é a ordem imposta pelo agricultor ao tamanho 
de uma gleba.
O que imediatamente observamos é que toda cultura é um aperfeiçoamento. E 
todo aperfeiçoamento resulta de uma ordenação.
Cultivar o espírito é aperfeiçoá-lo com uma ordenação de idéias. Que é a 
cultura dos campos? É uma certa ordenação dada às terras para obter safras melhores.
As ordens das idéias e, também, as próprias cousas ordenadas pelo ser 
humano se chamam objetos de cultura.
Sabemos que há um mundo que costuma ser chamado Mundo da Cultura. 
Sabemos que o chamado Mundo da Cultura é o mundo dos intelectuais e de suas 
produções. E O mundo dos artistas (escritores, músicos,pintores, escultores...), dos 
cientistas, dos pesquisadores, dos professores. É o mundo dos filósofos.
É, enfim, o mundo da intelectualidade: o mundo das obras de arte e de ciência.
Em suma, o Mundo da Cultura é o mundo considerado, comumente, como 
aquele mundo privativo da inteligência, sobreposto ao Mundo Físico, ao chamado mundo 
da natureza, que é o mundo cuja existência independe da inteligência e da vontade do 
ser humano.
Mas não podemos esquecer que a cultura, às vezes, se apresenta com outra 
outra conotação, é verdade, como nos casos em que dizemos: "uma pessoa culta".
Que cultura é essa, daquela certa pessoa?
A pergunta nos faz pensar.
Um biólogo famoso, um geólogo famoso, um astrônomo famoso — tais 
celebridades, ouso indagar, podem receber, adequadamente, o título de "pessoas cultas"?
Veja: todos os citados são especialistas. São especialistas renomados. Mas, 
pergunto, serão cultos?
Aqui é que surge a outra conotação de cultura.
Quando dizemos que uma pessoa é culta, não estamos dizendo, é claro, que 
essa pessoa é grande especialista numa determinada matéria. O que estamos dizendo, 
isto sim, é que essa pessoa tem uma visão global das cousas do mundo. Tem uma visão 
do Céu e da Terra, e do significado da vida. Tem consciência de que existe uma ordem 
universal e de que o ser humano se situa, com suas potencialidades e suas limitações, 
no seio dos seres do Cosmos.
A cultura do "homem culto", da "mulher culta", é a concepção do todo, a 
percepção dos seres em geral: dos seres como participantes da ordem reinante, da 
ordem das sociedades humanas e da ordem cósmica. É um saber, uma compreensão 
de natureza especial.
Essa cultura é a que se chama sabedoria. É a" sagesse" dos franceses, 
"wisdom" dos ingleses.
Um especialista que for só especialista não é uma pessoa culta, uma pessoa 
"sage". Um especialista, mesmo o mais notável, o mais célebre, só pode ser tido como 
pessoa culta se, além de especialista, ele tiver percepção do todo a que pertence o 
elemento, a parte, em que se especializou.
O especialista culto é especialista "sage".
Note, meu prezado amigo, não pode ser considerada pessoa culta o bacharel 
em Direito que se especializou num determinado ramo de nossa atividade profissional, e 
que nada mais é do que um especialista: um especialista talvez competente e utilíssimo, 
mas esquecido dos valores visados pelo conjunto da disciplina da convivência na 
sociedade humana; cego para a árvore multívia da Ciência do Direito; desinteressado dos 
altos fins visados pela complexa ordem jurídica; e com mente desapegada das 
questões referentes às fragilidades do ser humano no jogo da vida; desligado, pois, dos 
perenes ideais da justiça.
O bacharel especialista pode ser, sem dúvida, pessoa culta. 
Mas só é pessoa culta se for especialista "sage".
O bacharel especialista pode ser, sem dúvida, pessoa culta. Mas só é pessoa 
culta se for especialista "sage".
Saudemos o bacharel especialista, mas glorifiquemos o especialista culto!
Devemos salientar, caro amigo, que a cultura, no sentido de sabedoria, de 
"wisdom", de "sagesse", não deve ser confundida com erudição.
Um erudito pode não ser uma pessoa culta. Erudito é quem possui um número 
de conhecimentos superior ao que possuem as pessoas em geral. Mas o erudito somente 
será uma pessoa culta se seus conhecimentos estiverem em ordem.
Em ordem? Sim, o homem culto é aquele que pôs ordem em sua mente, 
ordem em seus conhecimentos. É aquele que sabe os lugares ocupados pelos objetos 
de seus conhecimentos, dentro do conjunto das coisas.
É aquele que conhece o valor das coisas e a relação existente entre elas.
Um homem culto não é, necessariamente, um erudito. Um homem é culto não 
porque é erudito, mas porque seu saber é uma visão do Todo Universal, e porque essa 
visão é uma percepção íntima da realidade das cousas.
Se os conhecimentos de um homem constituem um grande montão de leituras 
e de sabenças desarticuladas, esse homem pode ser considerado um erudito. Nunca, 
porém, uma pessoa culta.
A erudição, muitas vezes, é o contrário da cultura.
Observemos que a pessoa culta não se satisfaz, muitas vezes, com a 
explicação dos fenômenos. Ela o que quer, sempre que possível, é compreendê-los.
Wilhem Dilthei, em seu livro Psicologia e teoria do conhecimento, foi quem 
primeiro apontou a diferença entre explicar e compreender.
A pessoa culta não se satisfaz, muitas vezes, com a explicação dos 
fenômenos. Ela o que quer, sempre que possível, é compreendê-los.
Com que sentido estou aqui a e verbos?
Que é explicar?
Explicar um objeto de conhecimento é revelar os nexos que o prendem aos 
objetos de que ele depende diretamente. Com precisão, é revelar suas causas próximas. 
Quando conhecemos tais causas, podemos dizer: "o objeto está explicado".
A explicação permanece no mundo do ser e não cuida do dever ser. Quando 
explicamos, não dizemos como as coisas devem ser, mas como são.
E compreender, que é?
Compreender um objeto de conhecimento é saber o que ele vale, e para o que 
ele vale. É descobrir o que ele é, em confronto com o que ele deve ser. É julgá-lo. Em 
suma, é entendê-lo.
Logo percebemos, em consonância com tais conceitos, que é impossível 
compreender os objetos do Mundo Físico, do chamado Mundo da Natureza.
 Por quê? Porque a causa primeira — o "Verbo" do Evangelho de São João 
— e os fins últimos, em razão dos quais existem, escapam do nosso limitado 
entendimento. Jamais saberemos o porquê do por que os átomos se compõem de 
elétrons, de nêutrons e de prótons. Jamais saberemos para que os astros percorrem os 
Céus. Jamais saberemos, em resumo, para que o Universo foi criado. Inescrutáveis 
são os desígnios de Deus, e além de nossa compreensão se situa seus atos.
Quando explicamos, não dizemos como as coisas devem ser, mas como são.
Mas os objetos desse mundo, nós os podemos explicar. Podemos descrevê-los 
e, muitas vezes, conseguimos descobrir as relações existentes entre eles, e traduzir, em 
palavras, as leis que ligam os efeitos às respectivas causas. O conhecimento do Mundo 
Físico se reduz à explicação dele.
Ora, simples explicações são absolutamente insuficientes para revelar o Mundo 
Ético. Para conhecer o Mundo Ético, o Mundo Moral, o mundo do comportamento 
humano, é preciso compreendê-lo.
De fato, para bem conhecer uma ação, um comportamento, uma obra de arte, 
uma plantação, uma ferramenta, não basta descrever objetivamente as coisas 
observadas. É preciso saber a intenção com que foram feitas, qual o fim a que se 
destinam. É preciso saber o seu valor. Numa palavra, é preciso compreendê-las. Se não 
as compreendermos, bem pouco delas saberemos. Se não soubermos o pensamento e a 
intenção que as inspiram, o que nelas é principal nos terá escapado. Pois o seu sentido e 
fim é o que nos revela o que realmente são.
Explicações são absolutamente insuficientes para revelar o Mundo Ético. Para 
conhecer o Mundo Ético, o Mundo Moral, o mundo do comportamento humano, 
é preciso compreendê-lo.
Que é um ato heróico? Um simples movimento físico? Um movimento deste 
ou daquele homem, desta ou daquela mulher? Saberemos, acaso, que um ato é um 
ato heróico se apenas soubermos que um homem caiu no mar, que esse homens se 
chamava José e que os fatos se deram nos rochedos da Enseada do Guarujá? É 
evidente que, só com essas informações, saberemos apenas o que houve de físico no 
ato: um certo movimento de um certo homem num certo lugar. Teremos a explicação do 
ato, mas só isto: o homem estava no mar porque, do alto dos rochedos, caiu n'água.
Mas, esse ato, compreendê-lo-emos? Terá sido efeito de um crime,uma 
tentativa de suicídio?
Só saberemos que o ato foi um ato heróico quando soubermos a intenção com 
que foi praticado; quando soubermos que aquele homem se atirou ao mar para salvar 
uma criança que se afogava; quando pudermos avaliar o ato, julgá-lo, dar-lhe valor, 
levando em consideração o fim que o determinou. Só saberemos o que o ato foi 
quando o tivermos compreendido.
O Mundo Físico, nós o explicamos. O Mundo Ético, nós o compreendemos.
Sem dúvida, para bem conhecer um objeto do Mundo Ético, convém conhecer 
o seu suporte no mundo da natureza. Para bem compreender, devemos antes explicar.
Podemos explicar sem compreender. É o que acontece quando nosso 
conhecimento se limita ao Mundo Físico. Mas não podemos compreender sem explicar. 
Não podemos conhecer o sentido e o valor de uma coisa se não conhecermos a coisa 
em sua materialidade.
Diante do que se acaba de expor, vê-se que as ciências físicas são explicativas 
e que as ciências éticas ou culturais são explicativas e compreensivas.
Pois bem, o Filósofo do Direito é o cientista que não se adstringe à explicação 
da ordem jurídica, e se empenha na missão de compreendê-la. Não o satisfaz o 
conhecimento das causas imediatas da lei — os objetivos próximos da lei e as 
formalidades de sua elaboração —, e se esforça por desvendar o que eu chamaria 
"alma" (o ânimo, a intenção originária) da legislação positiva; ou seja, por penetrar a 
intimidade desse extraordinário fenômeno exclusivamente humano, que designamos 
com o nome de Direito.
Em suma, a Filosofia do Direito é a reflexão aprofundada sobre os princípios 
de que se originou, na sociedade humana, a disciplina da liberdade, o regulamento do 
dever e da responsabilidade, ordenação incluída —maravilha das maravilhas! — no 
determinismo infrangível que dirige a movimentação de tudo, no imenso Universo.
Reflexão, de fato, sobre a liberdade. Ou seja, reflexão sobre essa excelsa 
virtude do mais evoluído dos vivos; do ser apurado, resultante da permanente seleção 
natural das espécies, nas imensidões dos céus e no lento decurso de infinitos tempos.
Quando o profissional do Direito passa a dedicar-se a uma tal reflexão, o 
simples bacharel se promove a jurista. 
Com a visão global das cousas do Mundo e da Vida, ele passa a ter 
consciência da ordem universal e da situação do ser humano dentro dela. Passa a 
refletir sobre o sentido do valor da Ordem da Liberdade, da Ordem da Convivência, 
dentro da sociedade humana. Adquire aquele saber, que define a pessoa culta. Passa a 
ser o Filósofo do Direito.
Quando o profissional do Direito passa a dedicar-se a uma reflexão, o 
simples bacharel se promove a jurista.
Com a formação espiritual de filósofo, ele interpreta as leis com uma lógica 
especial; com a lógica que é, precisamente, a lógica própria do jurista.
Um leigo poderia, quem sabe, perguntar: teria, acaso, o jurista, uma lógica que 
não seja a lógica natural da razão? Que não seja a lógica formal, cientificamente descrita 
por Aristóteles; a lógica habitual de nossos raciocínios e argumentações, e que é a lógica 
do racional, a lógica da conseqüência correta? Terá o jurista uma lógica particular, dele 
somente?
O Filósofo do Direito responderia, bem o sabemos, que o verdadeiro jurista, ao 
interpretar a lei, para aplicá-la ao caso concreto, é levado a conscienciosamente acrisolar 
a lógica do racional, aprimorando-a com a lógica do razoável. Ele está convicto de que a fiel 
interpretação da lei exige que ela seja vista dentro do conjunto de que participa, e seja 
considerada um componente de um sistema ético.
A lei, para o Filósofo do Direito, não é uma proposição solta, e não é, apenas, 
o que se lê em seu texto. Ela é, também, aquilo que ela pretende, como elemento de 
ordem geral.
O Filósofo do Direito sente que a lei tem letra e tem espírito. Quase 
poderíamos dizer que a letra tem corpo e tem alma. A verdade é que a lei, para o jurista, 
não se esgota em sua letra. A lei se acha, também, no seu pensamento e na sua 
intenção.
Nem sempre o espírito da lei se exprime em sua letra. Pode a lei estar mal 
redigida, mal expressa. Mas, o que é certo é que a lei, seja qual for a sua letra, não deve 
ser aplicada contra o seu espírito.
O Filósofo do Direito sente que a lei tem letra e tem espírito.
Quero aqui ressaltar uma conclusão importante. Se a aplicação da letra da lei 
a um caso concreto produzir efeito contrário ao que a própria lei pretende, aplicá-la 
equivale a violá-la, porque será contrariar o seu pensamento, o seu espírito.
O bacharel que a tenha aplicado assim não soube interpretá-la 
convenientemente: apegou-se à letra rígida da lei, desconhecendo o seu espírito.
Miguel Reale escreveu: "uma norma é a sua interpretação". Impossível dizer 
melhor (Filosofia do Direito, 5.ed., Parte II, Título X, Capítulo XXXVIII, n. 124).
Mas é evidente que a interpretação há de ser correta. Há de ser uma 
interpretação de jurista, ou seja, uma interpretação preocupada com a intenção e o 
espírito da lei, que nem sempre coincide com o estricto sentido literal dela.
Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o 
entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, 
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução. O que 
se espera é uma solução atenta às variegadas condições de cada caso concreto a que a 
lei interpretada se refere.
Essa correta interpretação é, precisamente, a que exige uma lógica especial, a 
Lógica do Jurista. Ela assume, como bem sabem os profissionais do Direito, uma 
importância extraordinária, na atuação dos juízes. A experiência demonstra que, muitas 
vezes, os juízes conseguem melhorar, por meio de uma judiciosa interpretação, a 
qualidade das más leis. Já houve quem dissesse que não haveria motivo de se temer as 
más leis, se elas fossem sempre aplicadas por juízes competentes. Em regra, a sábia 
interpretação da lei é bastante para dar solução razoável ao desafio de quaisquer casos 
concretos, até mesmo dos casos mais melindrosos.
A verdadeira compreensão das leis, a criteriosa interpretação delas, a sua 
aplicação prudente ao caso concreto não dependem de muita erudição. Mais dependem, 
do que chamamos sabedoria, isto é, daquele patrimônio da consciência, adquirido em 
segredo, no lento fluir da existência: "not knowledge, but wisdom", daquela "sabedoria 
profunda e silenciosa" de que falam os pensadores.
Valendo-se da lógica do jurista, ou lógica do filósofo, os profissionais do Direito 
estarão aptos para "fazer justiça" — uma justiça humana, mas que certamente "excede 
a justiça dos escribas e dos fariseus", a que se referiu Jesus, no Sermão da Montanha.
* * *
Meu prezado professor Eduardo Bittar, permita que eu termine estas 
considerações sobre os temas propostos Para o projetado ENCONTRO dos mestres de 
nosso Departamento de Filosofia, com a narração singela de um
ilustrativo episódio, de meu longínquo tempo de ginasiano.
Um dia, Victor Brecheret — o célebre escultor da "Déscente de la Croix", meu 
especial amigo —, em pleno trabalho de criação, no seu ateliê, vendo-me boquiaberto 
ante o prodígio de sua cinzelagem e a magia do surgimento das primeiras formas de um 
rosto humano, saídas da pedra, me disse a sorrir: "Não se impressione! Eu não faço 
quase nada. A figura já está na pedra. O que eu faço é somente soprar com amor, 
para assustar a poeira".
Soprar com amor... Assustar a poeira....
Essa lição eu jamais esquecerei. É meu vade mecum.
Nós — eternos estudantes de Direito — somos operários da convivênciahumana. A convivência humana é a nossa pedra — a pedra de nossas esculturas.
No curso da Faculdade, estudamos essa pedra: enfronhamo-nos na disciplina 
da convivência. Depois, durante anos e anos, operamos como bacharéis dessa 
disciplina.
Pois bem, os bacharéis que souberam soprar com amor sobre a nossa pedra 
saberão assustar as poeiras dos atrasos, equívocos e atrancamentos da obra, e se 
tornarão juristas.
Não sei se me faço entender. O que eu quero dizer é simples. O que eu quero 
dizer é que o bacharel se promove a jurista quando ele se torna bacharel culto; quando ele 
passa a contemplar a ordem jurídica com olhos de experiente compreensão, e a manejá-la 
com a prudência de uma sabedoria curtida longamente, no caldo dos dias. Ele se torna 
jurista quando souber interpretar a lei com a lógica do humano — com aquela lógica 
definida como lógica do jurista.
O bacharel se promove a jurista quando ele se torna bacharel culto.
Esse olhar, esse manejo, essa interpretação, tudo isso é o que constitui o 
"sopro de amor" dos juristas.
Em virtude de sua vocação — veja só o que acontece! — o jurista é um 
idealista inconcusso. O aprimoramento das normas da convivência é o anelo constante 
de seu coração. É o seu sonho.
Todo jurista é um sonhador. Freqüentemente, ele sonha com o impossível, mas 
cumpre reconhecer que é graças a esse sonho que o impossível, às vezes, se torna 
realidade. Poder-se-ia dizer que um tal sonhador é um realista. Veja só! Ser realista é 
sonhar com o impossível! Sim, é verdade: o sonho do jurista é o que, muitas vezes, mostra o 
caminho.
Tal é o mistério do sonho. Tal é o mistério do jurista. E é por essa razão que o 
jurista, em certas ocasiões históricas, se torna vanguardeiro, líder revolucionário,
até incitador da subversão, em guerra aberta ou clandestina, contra ditadores e déspotas, 
inimigos da Cultura, da Liberdade e da Justiça.
* * *
Receba, caro professor Eduardo Bittar, a saldação afetuosa de
Goffredo da Silva Telles Junior
3
O DIREITO POSTO, O DIREITO PRESSUPOSTO
E A DOUTRINA EFETIVA DO DIREITO
Eros Roberto Grau
Meus caros:
Após ouvir a manifestação do professor Goffredo, confesso que gostaria de vir 
a ser, um dia, um sage. Um dia, no futuro.
O que, desde estudante, me perturbou — e disso resultou um inconformismo 
muito grande — foi a concepção que sempre me pareceu equivocada, do Direito como 
mero reflexo da economia. Essa concepção, eu a atribuo a uma leitura propositadamente 
distorcida de Marx, de que faz uso tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda. 
Isso sempre me incomodou.
Por outro lado, eu sempre me senti inconformado em relação ao caráter 
metafísico que perpassa a idéia do direito natural. E ao mesmo tempo — vejam que coisa 
aparentemente paradoxal! — eu me sentia inconformado com a visão positivista do
Direito, insuficiente e contraditória. Sofri algumas influências — sofri no sentido
positivo —, quer dizer, gozei de certas influências, mas fundamentalmente de duas
leituras que tenho refeito de quando em quando: Pasukanis e um texto de Rui Fausto, que 
me ensinaram a compreender bem a diferença entre o posto e o pressuposto. Isso me fez 
compreender também o equívoco da tese mecanicista, que põe o Direito na 
superestrutura e a economia na infra-estrutura.
Eu me sentia inconformado com a visão positivista do Direito, insuficiente e 
contraditória.
Há um momento bem definido em nossas existências; aquele a partir do qual 
não nos angustia mais a necessidade de explicar, porque começamos a compreender. A 
partir daí, do discernimento da distinção entre o posto e o pressuposto, cessou a minha 
angústia de explicar, inconformado comecei a compreender.
Passei a compreender que o Direito é uma instância, um nível da realidade,que 
nela se manifesta de forma imensamente rica, na medida em que se opera, na estrutura 
social global, uma contínua, constante e permanente interpenetração de instâncias. Isso 
me permitiu compreender — fazendo uso da quase infeliz metáfora da base e da 
superestrutura — que o Direito está e não está na base e, a um tempo só, está e não está 
na superestrutura. Por quê? Porque ele se manifesta na base corno Direito pressuposto e, 
na superestrutura, como Direito posto.
Há um momento bem definido em nossas existências; aquele a partir do qual 
não nos angustia mais a necessidade de explicar, porque começamos a 
compreender.
Isso de certa forma foi afirmado agora há pouco pelo professor Fábio 
Comparato, quando indagou qual seria a fonte de legitimidade do Direito. Seria o poder ou 
seria isso que ele chamou de consciência geral?
Desejo sustentar que o legislador — quando atua como formulador do Direito 
posto — não é livre para criar qualquer Direito.
E por quê? Porque o Direito, no seu momento de pressuposição, é um produto 
histórico-cultural que condiciona a formulação do direito posto. E assim é ainda que, 
concomitantemente, o Direito posto pelo Estado acaba por conformar novas 
manifestações do Direito pressuposto. Em suma, o que me parece ser um dos primeiros 
desafios da Filosofia do Direito é a compreensão de que o fenômeno jurídico é muito mais 
amplo do que o Direito posto pelo Estado, praticado nos tribunais e ensinado nas 
faculdades de Direito.
 
O Direito, no seu momento de pressuposição, é um produto histórico-
cultural que condiciona a formulação do direito posto.
Também, por essa trilha de indagações e inquietudes, comecei a compreender 
queem cada sociedade manifesta-se um determinado Direito (Direito positivo, Direito 
posto), diverso e distinto dos outros direitos (Direitos postos, Direitos positivos) que se 
manifestam em outras sociedades. Por isso não falamos, concretamente, no "Direito", 
senão nos "Direitos". Só existem, concretamente, os Direitos de cada sociedade. Na 
medida em que compreendo que o Direito é urna instância da realidade, começo a 
compreender também que apenas existem, concretamente, os Direitos: o Direito curdo, o 
Direito alemão, o Direito brasileiro, e assim por diante. Por isso mesmo — e isso me 
parece muito oportuno, pois se aproxima o momento de uma comemoração de Túlio 
Ascarelli — é indispensável revisitarmos as exposições de Ascarelli a respeito do Direito 
comparado. Impõe-se exorcizarmos os portadores das síndromes de Harvard e de 
Chicago, esse jeito específico de raciocinar conforme padrões de conduta, de 
comportamento e de pensamento que não têm absolutamente nada a ver com a realidade 
brasileira. Pobres moços, esses moços engravatados que pouco sabem do Brasil e do 
Direito brasileiro.
Meu caro professor Celso: está chegando mesmo o momento de lançarmos o 
movimento da antropofagia jurídica. Lembro que o Oswald de Andrade (quase pronunciei 
"Óswald", o que provocaria grande irritação nele), que o Oswald de Andrade, quando 
lança o Manifesto Pau-Brasil, refere-se ao Visconde de Cairu como um "grande 
antropófago". Aliás, estamos trabalhando em conjunto, a professora Paula Forgioni e eu, 
em um projeto sobre a antropofagia jurídica.
Muito bem. Afirmado que não existe o direito, mera abstração — existe apenas 
cada direito concreto, porém nutrido pelo que está embaixo dele como Direito pressuposto 
—, quero mencionar os princípios e o fato de que, ao menos no meu discurso, a idéia de 
princípio do Direito não está ancorada na metafísica. Eu não cogito de metafísicos 
"princípios gerais do Direito", mas de princípios gerais de cada Direito. Princípios 
construídos historicamente, em cada sociedade. Princípios que compõem um sistema. 
Sistema que pressupõe ordenação e unidade e que, no caso do direito, é dominado pelossentidos axiológico e teleológico. Aqui as idéias que o conduzem são as idéias de 
ordenação e de adequação — o que aliás foi há pouco dito pelo professor Fábio e 
afirmado na exposição do professor Goffredo.
A idéia de princípio do Direito não está ancorada na metafísica.
Sustento, pois, que o sistema jurídico deve ser concebido como um sistema 
aberto, uma ordem axiológica de princípios gerais de direito, entendidos esses princípios 
não como resultantes de abstrações, senão como construções sociais que se manifestam 
diversamente, em cada direito concretamente tomado. Princípios forjados historicamente, 
na medida em que cada sociedade constrói, cada sociedade inventa a sua própria cultura.
Mostrar como se opera a transformação, no seio da sociedade, de uma norma 
ética, econômica, costumeira em norma jurídica, isso não será difícil. Basta recorrermos a 
Léon Duguit: a norma social transforma-se em norma jurídica quando a massa das 
consciências individuais admite que a reação social contra a sua violação seja 
socialmente organizada.
O sistema jurídico deve ser concebido como um sistema aberto, uma 
ordem axiológica de princípios gerais de direito, entendidos esses 
princípios não como resultantes de abstrações, senão como construções 
sociais que se manifestam diversamente, em cada direito concretamente 
tomado.
Então vejam vocês: estou a conceber o fenômeno jurídico na sua totalidade e, 
ao fazê-lo, dou-me conta de que o Direito não é apenas o que é estudado nos cursos 
universitários — a ponta do iceberg — e é interpretado e aplicado conscientemente nos 
tribunais. E por que digo "conscientemente"? Porque o juiz, sempre na formulação do seu 
processo de tomada de decisão, inconscientemente considera e pondera o que está para 
baixo do nível do mar, nesse iceberg. Vejam bem: isso bem compreendido, verificamos 
que pode existir direito pressuposto sem direito posto.
Pode existir direito pressuposto sem direito posto.
Lógico que não teria sentido eu vir aqui única e exclusivamente para repetir o 
que já andei escrevendo e que alguns de vocês já tiveram, eventualmente, a infelicidade 
de ler.
Eu gostaria de ir um pouco mais adiante, para tentar mostrar o seguinte: o 
velho Hegel aponta, em uma exposição que lastimavelmente não é bem compreendida, 
que sociedade civil e Estado se encontram em planos distintos. Há quem imagine uma 
ordem de sucessão no tempo: a família, a sociedade civil e depois o Estado. Não é 
absolutamente nada disso. Na teologia hegeliana — porque é de uma teologia que na 
verdade se trata temos três momentos distintos, mas contemporâneos: a sociedade civil é 
o espaço do dissenso, é o espaço dos particularismos; ao passo que a forma mais 
elevada, o Estado, é o locus do consenso, é o locus da universalidade, onde se garante a 
unidade na diversidade, onde se garante a igualdade na diferença.
Isso significa que a sociedade civil é o estado exterior onde se chocam os 
antagonismos; é o estado do entendimento, da razão analítica, para a qual as coisas são 
aprendidas na sua exterioridade, quantitativamente apenas; que supera as oposições pela 
conveniência, ou seja, sem nenhuma referência à eticidade fundada na cidadania. Num 
momento posterior —mas não posterior no tempo, porém em elevação —, o momento do 
Estado, manifesta-se o estado da razão, da racionalidade como razão efetiva; 
racionalidade para a qual, dialeticamente, o que dá sentido às partes é a totalidade. Não é 
o que ocorre no plano da sociedade civil, no qual as partes ou sua mera adição é que 
conferem sentido à totalidade. 
A sociedade civil é o estado exterior onde se chocam os antagonismos; é o 
estado do entendimento, da razão analítica, para a qual as coisas são aprendidas na sua 
exterioridade, quantitativamente apenas.
Ora, meus amigos, retomando um ponto anterior de minha exposição, desejo 
dizer o seguinte: a relação jurídica manifesta-se no interior da sociedade civil. O Direito 
pressuposto está aí, no seio da sociedade civil. É aqui que ela — vamos dizer assim — 
que ela fermenta. Tomando uma imagem de um autor de que gosto muito, ate por razões 
de afetividade (ele é o autor do primeiro livro de Direito que li em minha vida), uma 
imagem de Von Ihering, diremos que é aí, nessa arena, que se dá a luta pelo Direito. 
Porque é aí que os sentidos normativos começam a ser forjados.
A relação jurídica já está no econômico, no Direito pressuposto, no plano da 
sociedade civil. Mas o Estado Moderno, o Estado da Revolução Industrial, o Estado da 
Revolução Francesa põe o Direito posto, Direito positivo, Direito moderno, Direito formal, 
Direito burguês.
Vê-se bem, então, que as relações de poder são travadas no seio da 
sociedade civil, de modo que o direito pressuposto é determinado pelo modo de Produção 
social e pela correlação das forças políticas.
O direito pressuposto é determinado pelo modo de produção social e pela 
correlação das forças políticas.
Explico-me com um exemplo. Ao tratar do tema do serviço público, quando 
pretendemos saber o que é e o que não é serviço público, torna-se necessário 
considerarmos a atuação das forças sociais. Quero dizer, de modo soft, que a definição 
do que seja ou não seja serviço público depende da atuação das forças sociais. Dizendo-
o de modo hard, o que é e o que não é serviço público depende do estado da luta de 
classes. Analogamente, posso afirmar que em decorrência da atuação das forças sociais 
é que gradualmente será forjado o Direito pressuposto.
Daí resulta evidente a insuficiência da visão positivista, dos que vêem o Direito 
como um jogo de vidrilhos que se olha contra o sol — um conjunto de formas, que se 
deve compor, coloridamente, de modo mais bonito ou de modo menos bonito. Por isso 
sustento ser necessária — e quero corrigir algo que eu disse há muito tempo — a 
construção de uma doutrina efetiva do Direito.
Precisamos construir adoutrina "efetiva" do direito, fundada na 
observação das funções do Direito da sociedade.
Quando eu era bem mais ignorante do que sou hoje, mas, ao mesmo tempo, 
tinha menos consciência ainda das coisas, eu dizia doutrina "real" do direito. Isso desejo 
agora corrigir: precisamos construir a doutrina "efetiva" do direito, fundada na observação 
das funções do Direito da sociedade.
E é preciso fazermos isso desde a perspectiva do pensamento crítico, 
perspectiva cuja descrição é complexa.
Um professor de Florianópolis escreveu um livro sobre a Crítica do Direito e, no 
capítulo em que trata da Crítica do Direito no Brasil, menciona a Crítica do Direito no 
Largo São Francisco, cuidando em conjunto de autores que não poderiam ser unidos 
porque adotam visões inteiramente distintas, entre si, do direito. Entre outros, lembra os 
que integram a Escola do Direito Processual, mas menciona também o professor Caffé, o 
professor Tercio; menciona o meu nome, mas indevidamente esquece o professor Aloísio 
Ferraz Pereira.
Ora, quando faço alusão ao pensamento crítico, não estou me referindo a 
nenhuma escola, até porque não existe, entre nós, nenhuma escola como tal. Estou 
simplesmente afirmando ser preciso adotarmos a perspectiva não daquele que apenas 
descreve a realidade, mas daquele que pretende transformar a realidade.
Cumpre compreendermos — e já me aproximo da parte final da minha 
exposição — que o Estado é uma instituição abstrata.
Embora atue como ator no embate das forças políticas, no exercício do poder 
estatal, o Estado é, concomitantemente, o troféu da política, disputado por essas forças, 
interessadas na conquista desse mesmo poder, o poder estatal.
O Estado é uma instituição abstrata.
É necessário ainda distinguirmos — o que não fazem os incautose os 
apedeutas — Estado e o governo. Vejo freqüentemente alguns liberais tropeçarem nos 
próprios pés, investindo contra o Estado, quando na verdade desejariam, em suas 
singularidades sempre auto-exaltadas, apenas atacar o governo. Apedeutas, esses tipos 
são incapazes de separar, de um lado, o governo — e os que em determinado momento o 
ocupam —, de outro, o Estado. Por isso acabam investindo contra a própria idéia de 
Estado, o que é profundamente lamentável e desnuda sua pequenez intelectual. O que 
desejo afirmar é a necessidade de, além de distinguirmos um do outro, compreendermos 
que o modo de produção social capitalista elege como ratio fundamentalis do 
ordenamento político o lucro, colocando o Direito positivo a seu serviço. É isso que 
explica a estruturação do Direito posto pelo Estado moderno, que eu poderia descrever, 
enquanto modelo, como Direito posto, como Direito positivo, como Direito moderno, como 
Direito formal, como Direito burguês.
Refiro-me a esta altura a Wieacker, a Tarello. Ao construirmos esses modelos, 
pretendemos demonstrar que o Direito praticado nos tribunais e estudado nas faculdades 
existe fundamentalmente para permitir a fluência da circulação mercantil e — vou usar um 
vocábulo muito utilizado por Habermas, o que não me deixa muito feliz — para tentar 
"domesticar" os determinismos econômicos. Ora se eu compreendo isso, sendo 
suficientemente frio para tanto — talvez o professor Celso Lafer dissesse "cínico..." 
olhando-me com esse ar... —, se eu compreender isso, desde aí poderei desdobrar 
fundamentos para a constituição da doutrina efetiva do direito. E, mais, nela e dela extrair 
desdobramentos.
Primeiro, na compreensão de que na interpretação do Direito coloca-se um dos 
problemas mais densos da soberania. Já estava lá, no Código de Justiniano, que, se é 
dado ao imperador fazer as leis, apenas ele poderá interpretá-las. Jean Bodin nos Seis 
Livros da República, trata com maestria do tema. E segue a recorrência entre legislar e 
interpretar de modo quase curioso, visto que a coibição da interpretação pelo juiz não 
acaba com o ocaso das monarquias absolutas, sendo vigorosamente reafirmada na 
Revolução Francesa. Nessa altura surge a voz de um desconhecido jurista, mas 
percuciente, rigoroso, incisivo — muito pouco conhecido como jurista —, Maximilian 
Robespierre. Robespierre, no momento em que se discute na Assembléia Nacional a 
criação do Tribunal de Cassação, pronuncia um lindo discurso, que ilumina a 
compreensão de que a distinção entre interpretação e aplicação do Direito decorre do 
chamado silogismo subsuntivo. Pois ao juiz, esse que não pode participar da soberania, 
cabia única e exclusivamente cogitar da premissa menor do silogismo, tratar dos fatos, 
aplicar o Direito aos fatos. À Corte de Cassação, que passou a existir no âmbito do Poder 
Legislativo, é que caberia a interpretação do Direito, o cogitar sobre a premissa maior do 
silogismo. É interessante lembrarmos que os doutrinadores que examinaram o Código de 
Napoleão em regra escapam da análise do confronto entre as disposições contidas em 
seus arts. 4° — que proíbe o juiz de não decidir — e o art. 5° — que proíbe o juiz de 
interpretar.
Desejo dizer a vocês, para encerrar, que, quando
somos intelectualmente inquietos, terminamos por descobrir ser imperioso 
permanecermos inquietos, porque a vida é inquietude. O Direito faz parte dela, compõe a 
realidade. E a realidade não pára quieta.
Quando somos intelectualmente inquietos, terminamos por descobrir ser 
imperioso permanecermos inquietos, porque a vida é inquietude.
Disso se desdobra, na concepção de uma doutrina efetiva do direito, a 
compreensão da interpretação do Direito como trabalho de construção da norma jurídica. 
Norma e texto são coisas diversas. O que, por exemplo, poderia nos levar a discutir, como 
dizia Tarello, a validade do Direito em dois pontos, ou melhor, sob dois aspectos, o da 
validade do texto e o da validade da norma.
Interpretar o Direito é caminhar de um ponto a outro, é caminhar do 
universal ao singular, através do particular.
Insisto, parenteticamente, que a norma é produzida pelo intérprete. A alusão do 
professor Goffredo ao Brecheret confirma o que tenho sustentado já há alguns anos, no 
sentido de que o intérprete autêntico constrói a norma, produz a norma, mas na verdade 
não inventa nada: ele tira a norma de dentro do bloco de mármore; a norma já estava lá. 
É por aí que passa a minha teoria alográfica do direito.
Meus caros amigos, esta é uma questão fundamental: compreender o que é 
interpretar o direito. Interpretar o Direito é caminhar de um ponto a outro, é caminhar do 
universal ao singular, através do particular — nesse ponto eu insistiria em que a leitura de 
Hegel faria muito bem; pelo menos tem feito muito bem a mim... Interpretar o Direito, 
repito, é caminhar de um ponto a outro, conferindo a carga de contingencialidade, de vida, 
de realidade que não pára quieta — a carga de contingencialidade que faltava para tornar 
plenamente contingencial o singular.
O Direito é mais belo que a Vênus de Milo — diria Fernando Pessoa, se tivesse 
estudado Direito; o que há é pouca gente a dar com isso.
Muito obrigado.
4 
FILOSOFIA DO DIREITO E PRINCÍPIOS GERAIS: 
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERGUNTA "O QUE É 
A FILOSOFIA DO DIREITO?" 
Celso Lafer 
I
Meu ponto de partida para responder à pergunta "O que é a Filosofia do 
Direito" é a distinção que faz Kant entre o pensar — voltado para a busca do significado 
— e o conhecer— ocupado com o rigor da cognição. Valho-me dessa distinção entre o 
pensar (Vernunfi) e o conhecer (Verstand), seguindo a orientação de Hannah Arendt mas 
dela me utilizando à maneira de Bobbio. 
Trata-se de uma dicotomia, mas não uma dicotomia do gênero excludente, tipo 
aut/ant — ora eu penso, ora eu conheço. É uma dicotomia que é o produto, como diria 
Miguel Reale, de uma dialética de mútua implicação e polaridade. Penso a partir daquilo 
que conheço e conheço levando em conta aquilo que penso. 
Conhecer, no nosso campo, é conhecer o Direito Positivo. É a dimensão 
técnica sobre a qual já se falou nesse evento. Pensar é parar para pensar o Direito 
Positivo. Eu creio que a tarefa da Filosofia do Direito é parar para pensar o que é o Direito 
Positivo. Por que se pára para pensar e quem pára para pensar? Quem pára para pensar 
são os juristas com interesses filosóficos em função dos problemas colocados pelo Direito 
Positivo — problemas que não encontram solução e encaminhamento no âmbito estrito 
do Direito Positivo. 
A Filosofia do Direito é, assim, o campo dos juristas com interesses filosóficos, 
instigados, na sua reflexão, pelos problemas para os quais não encontram solução no 
âmbito do Direito Positivo. Por isso a Filosofia do Direito é, como diz Bobbio, obra de 
juristas e não de filósofos stricto sensu. Os grandes nomes da Filosofia do Direito do 
século XX são uma comprovação dessa afirmação. Basta mencionar Kelsen. 
Penso a partir daquilo que conheço e conheço levando em conta aquilo que penso. 
Vejo, desse modo, a Filosofia do Direito como uma filosofia da experiência 
jurídica e quero, neste momento, realçar a importância epistemológica da experiência. 
Hannah Arendt diz na introdução a Entre o passado e o futuro que, numa época de 
universais fugidios, a única base para testar conceitos é a própria experiência. Realço, 
assim, no contexto desse nosso evento, a importância epistemológica que Miguel Reale 
atribui à experiência. 
A experiência resulta da interação entre o sujeito que conhece e o objeto que é 
conhecido. Tem a dimensão de pôr à prova, de ensaiar, de testar. A Filosofia do Direito, 
como fruto da experiênciajurídica, é precisamente esse pôr à prova, esse teste dos 
conceitos do Direito Positivo no jogo entre o pensar e o conhecer. 
A experiência resulta da interação entre o sujeito que conhece e o objeto que é 
conhecido. Tema dimensão de pôr à prova, de ensaiar, de testar. 
A amplitude do campo da Filosofia do Direito é maior ou menor diante da 
perspectiva organizadora do jusfilósofo, como diria Ortega y Gasset, que realçou a idéia 
da perspectiva como um ponto de vista sobre o mundo . Entendo que neste momento vale 
a pena relembrar, na medida em que não pudemos ter a presença dele hoje aqui, o 
significado, o alcance do tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale — nosso grande 
mestre de Filosofia do Direito. Em síntese, Miguel Reale diz que é impossível lidar com a 
experiência jurídica sem lidar simultaneamente com os fatos sociais, com os valores e 
com as normas. Todas as exposições que foram feitas até agora justamente chamam a 
nossa atenção para os fatos, os valores e as normas como parte integranteda experiência 
jurídica. 
A interdependência existente entre fato, valor e norma permite pensar o Direito, 
seja pelo ângulo interno, seja pelo ângulo externo. Em outras palavras, permite lidar com 
o Direito como um sistema independente, estudando as normas e a sua inserção no 
ordenamento (ângulo interno), sem descurar que é um sistema dependente dos fatos 
sociais e dos valores (ângulo externo). 
O tridimensionalismo, como uma Filosofia do Direito baseada na experiência 
jurídica, contribui para dar um status epistemológico aos procedimentos intelectuais de 
que se vale o jurista para comprovar, aplicar e conciliar normas de Direito Positivo. Daí a 
sua importância para o entendimento da hermenêutica jurídica, cabendo lembrar que uma 
das características da Filosofia do Direito como campo de investigação é o 
aprofundamento da metodologia da interpretação. Foi, aliás, o que disseram o professor 
Eros e o professor Comparato e também o que realçou o professor Goffredo em seu 
texto. 
Uma das características da Filosofia do Direito como campo de investigação é o 
aprofundamento 
da metodologia da interpretação. 
O tema da interpretação é um dos grandes temas da reflexão sobre o Direito — 
do parar para pensar. 
Por isso, na discussão hermenêutica, por excelência, os temas da Filosofia do 
Direito se colocam diante dos problemas concretos suscitados pelo Direito Positivo. E é 
justamente isso que vou procurar sucintamente discutir hoje, com base na observação 
que os princípios gerais permeiam os textos constitucionais. É o caso da Constituição de 
1988. Princípios são genéricos em contraste com as regras, que são específicas. E é 
precisamente na interpretação e exegese da aplicação dos princípios constitucionais, que 
não têm a especificidade das regras, que os grandes temas da Filosofia do Direito se 
colocam e que vêm sendo elaborados em função dos problemas colocados para os 
juristas à luz da experiência jurídica contemporânea. 
II 
Como professor de Direito Internacional que também sou, lembro que a 
discussão sobre o papel e a função dos princípios gerais se pôs em primeiro lugar no 
âmbito do Direito Internacional Público. Isso porque o estatuto da Corte Permanente de 
Justiça Internacional, ex vi do seu art. 38, considerou que são fontes do Direito 
Internacional não apenas as regras específicas dos tratados e dos costumes, mas os 
princípios gerais do Direito, reconhecidos pelas nações civilizadas. 
Aqui estou entrando num tema que o professor Fábio também mencionou, 
sobre quais são as fontes do Direito — é o poder, é a sociedade, em síntese, como é que 
se lida com as fontes do Direito. É claro que a introdução no Estatuto da Corte, depois da 
Primeira Guerra Mundial, de princípios gerais do Direito, representava uma contestação 
ao positivismo vigente. Na origem do Estatuto da Corte, dois dos seus elaboradores, Root 
e Phillimore, procuraram dar à Corte um certo poder de desenvolver e refinar os princípios 
da jurisprudência internacional. Foram, assim, contrários, para lembrar o que o professor 
Eros mencionou quando discutiu o Código de Napoleão, a distinção entre a obrigação do 
juiz de decidir e a concomitante proibição de interpretar. 
Pensaram os formuladores do Estatuto da Corte, em termos de princípios 
gerais aceitos, nos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados civilizados. E aí a idéia 
era a das analogias com o Direito e, sobretudo, com o Direito Privado Nacional. Vale dizer 
que na relação entre ordenamento internacional e os ordenamentos nacionais, caberia a 
possibilidade de uma heterointegração normativa. Nesse sentido os princípios gerais 
teriam, como lembra Bobbio, uma função de expansão não apenas lógica, mas axiológica 
do Direito Internacional. 
Essa função de expansão axiológica merece realce, pois é um dos aspectos 
importantes da interpretação dos princípios gerais, que também me permite apontar um 
tema que diz respeito à lógica jurídica, qual seja, a relação entre a analogia e o princípio 
geral do Direito. 
Trata-se, como lembra Bobbio, do mesmo tipo de argumentação. É o 
procedimento de subsunção de um caso particular a um princípio geral. No caso dos 
princípios gerais de Direito, é uma subsunção direta mediante recurso aos princípios 
gerais. No caso da analogia, é uma subsunção indireta por meio da semelhança relevante 
com outra situação jurídica que permite a construção de um princípio geral. Daí a 
distinção feita pelos antigos entre analogia júris (a dos princípios gerais) e analogia legis 
(analogia stricto sensu). 
Kelsen entende que a inferência por analogia está no campo do mais ou menos 
provável. Não é uma inferência lógica, mas um ato de vontade, criador de Direito novo, 
válido quando o juiz tem uma delegação do ordenamento para criar Direito novo num 
caso concreto. 
A analogia júris e a analogia legis tinham, como disse, no Estatuto da Corte, 
uma função integrativa e interpretativa do ordenamento jurídico internacional, e os 
princípios gerais do Direito representavam tanto a idéia de princípios aceitos pelas 
legislações internas quanto os princípios próprios da ordem jurídica internacional que não 
necessitavam, para a sua "afirmação, de regras específicas, derivadas dos tratados e dos 
costumes. Foi assim que se consolidaram princípios como: pacta sunt servanda; o do 
respeito aos direitos adquiridos; o da prescrição liberatória; o da reparação do dano; o do 
respeito à coisa julgada; o do estoppel; o princípio da continuidade do Estado, 
independentemente da mudança dos governos; a regra do esgotamento dos recursos 
internos, antes de se recorrer a instâncias internacionais. 
III 
Resumindo, para prosseguir: como disse, entendo a Filosofia do Direito como 
um campo elaborado por juristas com interesses filosóficos, instigados pelos problemas 
colocados pela experiência jurídica. Assim, da mesma maneira que o professor Eros se 
valeu da sua experiência no Direito Econômico, eu me vali da minha experiência do 
Direito Internacional. Este é relevante pois o Direito Internacional antecipa a grande 
discussão contemporânea sobre os princípios gerais desempenhando uma função de 
expansão não apenas lógica, mas axiológica do Direito. É o caso da Constituição de 1988 
que, como outras constituições modernas, tem grande densidade material que se exprime 
por meio dos princípios. 
Os princípios não se caracterizam por serem mutuamente excludentes no 
plano abstrato, plano em que são compatíveis. 
Podem, no entanto, surgir antinomias em casos concretos, não solucionáveis 
pelos critérios clássicos de solução de antinomias do tipo lei superior, lei posterior, lei 
especial. Como é que se resolveesse tipo de situação? Esse é um tema para a Filosofia 
do Direito, como vou exemplificar baseado em minha experiência e que é fruto da relação 
entre pensar e conhecer, no trato do art. 4º da Constituição de 1988. Esta estabelece os 
princípios constitucionais do marco normativo que rege as relações internacionais do 
Brasil. 
Esses princípios são padrões de conduta. Têm como função tanto proibir e 
limitar quanto promover ou estimular, deixando espaço para o permitir. Na tradição 
constitucional brasileira cabe lembrar a Constituição de 1891 — que estabeleceu o 
princípio da proibição da guerra de conquista e o princípio do estímulo à arbitragem, ou 
seja, o da promoção da solução pacífica de controvérsias — como uma expressão da 
vocação pacífica da forma republicana de governo. 
Entendo a Filosofia do Direito como um campo elaborado por juristas com interesses 
filosóficos, instigados pelos problemas colocados pela experiência jurídica. 
Os princípios, como diz Alexy, são mandatos de otimização. Positivam valores. 
Os valores, como explica Miguel Reale, têm entre as suas características a 
realizabilidade, que é o suporte que tem na realidade e a inexauribilidade, que aponta 
para o seu significado de dever ser. Em função dessas duas características, os princípios 
são preceitos de intensidade' modulável a serem aplicados na medida do possível e com 
diferentes graus de efetivação. A sua aplicação é uma atividade contextualizada, leva em 
conta as circunstâncias (o ângulo externo) e requer a convivência e conciliação dos 
princípios, num jogo de complementações e restrições recíprocas (o ângulo interno). Tem, 
como ponto de partida para a elucidação do sentido, o texto e ao mesmo tempo é o texto 
o limite da atividade hermenêutica. Eu estou me referindo aos temas que o professor Eros 
mencionou, quando discutiu o Direito posto e o pressuposto. 
A Constituição de 1988, em contraste com as anteriores, fez uma significativa 
ampliação ratione materiae dos princípios que regem as relações internacionais. 
Vocês se lembram que no preâmbulo da Constituição há o compromisso, na 
ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias que é relevante na 
interpretação do artigo 4º que estipula que a República Federativa do Brasil rege-se, nas 
suas relações internacionais, pelos seguintes princípios: independência nacional; 
prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não-intervenção; 
igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica de conflitos; repúdio ao 
terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; 
concessão de asilo político. E no seu parágrafo único estabelece que a República 
Federativa buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da 
América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações. 
Esses princípios em abstrato não são mutuamente excludentes. Em tese eles 
são conciliáveis. Alguns deles fluem do Direito Internacional Público. É o caso da 
codificação e do desenvolvimento progressivo, que levou, em 1970, à Declaração Relativa 
aos princípios do Direito 
Internacional, referente às relações de amizade e cooperação entre os 
Estados, em conformidade com a Carta da ONU. São eles: não recorrer ao uso da força 
de forma incompatível com os propósitos da Carta; solução pacífica de controvérsias para 
não colocar em perigo nem a paz, nem a segurança internacional, nem a justiça; não-
intervenção em assuntos que são de jurisdição interna dos Estados em conformidade com 
a Carta; obrigação dos Estados de cooperarem entre si em conformidade com a Carta; 
igualdade de direitos e livre determinação dos povos; cumprimento de boa-fé das 
obrigações contraídas, em conformidade com a Carta. 
Por isso entendo que, sobretudo nesse campo dos princípios do art. 4º, há 
interpenetração e complementaridade entre o Direito Internacional Público e o Direito 
Constitucional. 
Por outro lado, é evidente que na interpretação desses princípios cabe 
relacioná-los com outros dispositivos constitucionais que é a vertente do ângulo interno, 
ou seja, da inserção da norma no ordenamento. Assim, por exemplo, a defesa da paz (art. 
4º, VI) complementa-se com o art. 21, XXIII, que estabelece que toda atividade nuclear 
em território nacional somente será admitida para fins pacíficos, mediante aprovação do 
Congresso Nacional. Quem é que interpreta esses princípios de relações internacionais? 
Em tese eles estão sujeitos a um controle político e a uma fiscalização da sua aplicação 
pela sociedade e pelo Congresso, pois constituem o marco normativo da política externa, 
que é uma competência do Executivo. Em tese, comportam o controle jurídico pelo 
Judiciário, na medida em que ações de política externa se traduzem em normas 
suscetíveis de apreciação de constitucionalidade. Na prática, no dia-a-dia, quem 
interpreta e aplica esses princípios é o ministro das Relações Exteriores. 
IV 
Assim, vou discutir um pouco como, exercendo essas funções, em 1992 e em 
2001-2002, interpretei esses princípios e a eles dei seqüência. Parto do exposto no 
prefácio que fiz ao livro de 1994 de Pedro Dallari sobre Constituição e relações 
internacionais, que é a sua tese de mestrado da qual fui orientador, no qual, com base na 
experiência, discuti esses princípios e a sua aplicação. Em 1992, em minha primeira 
experiência ministerial, interpretei o tema de defesa da paz e a idéia de que toda atividade 
nuclear somente seria admitida por fins pacíficos, promovendo a revisão do Tratado de 
Tlatelolco para permitir a sua efetividade, como o Tratado da Desnuclearização da 
América Latina. Subseqüentemente, no governo do presidente Fernando Henrique 
Cardoso, participei do processo decisório que levou à adesão ao Tratado de Não-
Proliferação nuclear (TNP) e, como ministro, em 2001-2002, dei realce ao tema da 
reivindicação dos países não nucleares que aderiram ao TNP, de obter o cumprimento do 
compromisso de uma efetiva desnuclearização, assumido no Tratado pelos países 
nucleares. 
O princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) conjugado com o § 
2º do art. 5º diz: direitos e garantias expressas na Constituição não excluem outros 
decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja 
parte, levou-me a conduzir, tanto em 1992 quanto em 2001-2002, uma política do direito. 
Esta foi a da adesão aos Tratados de Direitos Humanos e aos seus mecanismos de 
monitoramento. 
O art. 4º, VIII, que trata do repúdio ao racismo no plano internacional, deve ser 
interpretado em consonância com o art. 5º, XLII, que, no plano interno, trata da prática do 
racismo como um crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos 
termos da lei. Foi o que me levou, em 2001-2002, depois do 11 de setembro, a não 
aceitar nenhuma atitude a priori em relação à população da Tríplice Fronteira, porque me 
pareceu que isso seria uma forma inaceitável de lidar, no caso, com a indispensável 
conciliação na ordem interna e na ordem internacional dos princípios da Constituição de 
1988. 
Da mesma forma, o art. 4º, VIII, repúdio ao terrorismo no plano internacional, 
deve ser interpretado em consonância com o art. 5º, XLIII, que, no plano interno, qualifica 
o terrorismo como um crime inafiançável, insusceptível de graça ou anistia. Foi esta a 
base jurídica da invocação, pelo Brasil, logo após o 11 de setembro, do Tratado 
Interamericano de Assistência Recíproca (o Tiar) que acabou criando uma moldura 
jurídica de cooperação, compatível comas resoluções da ONU e delimitadora dos nossos 
compromissos internacionais, em consonância com a Constituição de 1988. 
Nesses exemplos, os princípios foram interpretados e aplicados levando em 
conta fato, valor e norma, com apoio em outros dispositivos constitucionais. Entretanto, 
também podem ocorrer situações em que os princípios do art. 4º suscitam problemas 
mais complexos, levam a antinomias não solucionáveis pelos critérios clássicos de sua 
solução ou mediante recurso a outros dispositivos constitucionais. Aí cabe a ponderação e 
a hierarquia móvel. Exemplifico com base no peso do fato na interpretação dos princípios. 
O parágrafo único do art. 4º estimula o nosso país a promover a integração da 
América Latina. Em 1992, interpretei esse dispositivo como sendo a base jurídica para 
acelerar a construção do Mercosul. Daí o calendário de Las Lenas que conduziu a essa 
aceleração, que foi favorecida pelas circunstâncias econômicas da época. Em 2001 -2002 
o problema era o da manutenção do Mercosul em meio a uma crise econômica séria da 
Argentina, que teve seus desdobramentos no Uruguai. Por outro lado, com a reunião de 
Brasília, de 2000, dos chefes de Estado da América do Sul — importante iniciativa do 
presi-dente Fernando Henrique Cardoso —, surgiu a ocasião para novas ações 
diplomáticas em relação à região. Daí a idéia-força da integração física da América do 
Sul. Assim, nos preparativos para a segunda reunião de cúpula realizada em Guayaquil 
em 2002, trabalhou-se muito nessa idéia de fazer a melhor economia da nossa geografia, 
que foi a interpretação dada ao parágrafo único do art. 4º, concebido tanto no caso do 
Mercosul como no da América do Sul, como etapas, à luz das circunstâncias, do processo 
de integração latino-americano. 
O valor da integração foi interpretado e aplicado levando-se em conta os fatos 
e as distintas possibilidades de atuação. O mesmo pode ser dito em relação ao inciso VI 
do art. 4º — defesa da paz. A paz é um valor; e, como todo valor, tem, como mencionado, 
componentes da realizabilidade e da inexauribilidade. A capacidade de atuar, para realizar 
o valor da paz, é maior para o Brasil na América Latina do que em outras regiões do 
mundo. O Brasil teve, por exemplo, na presidência de Fernando Henrique Cardoso, a 
capacidade de atuar positivamente no conflito entre o Peru e o Equador. Essa capacidade 
de atuar na defesa da paz na América do Sul é maior do que em outras regiões do 
mundo. Esse é um dado de fato distinto do que ocorre no conflito do Oriente Médio — 
Israel/ Palestinos —, ou na guerra do Iraque onde nossa capacidade de atuação é mais 
modesta. 
Deve-se, nesses casos, lidar com aquilo que o professor Goffredo falava, que é 
a noção de compreensão, de razoabilidade, de ponderação que leva em conta o 
adequado e o necessário. Podem, no entanto, surgir antinomias reais e complexas que 
colocam o tema da hierarquia móvel. Exemplifico. O art. 4º, IV, fala da não-intervenção, e 
o art . 4º, II, na prevalência dos direitos humanos. O atual governo, por exemplo, preferiu, 
recentemente, no caso de Cuba, fazer uma ponderação dando mais relevância ao 
princípio da não-intervenção do que ao princípio da prevalência dos direitos humanos. 
Acho essa ponderação discutível, mas não é o caso de examiná-la 
neste momento, pois cabe agora ir encaminhando as conclusões. 
O Brasil teve, por exemplo, na presidência de Fernando Henrique Cardoso, a 
capacidade de atuar positivamente no conflito entre o Peru e o Equador. Essa 
capacidade de atuar na defesa da paz na América do Sul é maior do que em outras 
regiões do mundo. 
V 
Os grandes temas da Filosofia do Direito aparecem na experiência jurídica e, muito 
especialmente, nos dias de hoje, na reflexão sobre a interpretação. Aparecem, por 
excelência, quando se discutem os princípios gerais. 
Os princípios gerais caracterizam uma Constituição como a nossa. Na interpretação e na 
aplicação dos princípios gerais, surgem problemas práticos, para voltar à minha discussão 
de que a Filosofia do Direito é o campo dos juristas com interesses filosóficos 
confrontados com esses problemas. Não se podem resolver os temas que surgem da 
aplicação desses princípios com base em uma visão estrita do ordenamento jurídico. É 
necessário levar em conta tanto o ângulo interno da norma e da sua inserção no 
ordenamento quanto o ângulo externo, ou seja, os fatos e os valores que exigem 
ponderação. 
Não se podem resolver os temas que surgem da aplicação desses princípios com base 
em uma visão estrita do ordenamento jurídico. E necessário levar em conta tanto o 
ângulo interno da norma e da sua inserção no ordenamento quanto o ângulo externo, ou 
seja, os fatos e os valores que exigem ponderação. 
A ponderação é um exercício de Filosofia do Direito; é um exercício prático de 
Filosofia do Direito e o que me permiti muito rapidamente fazer foi uma discussão de 
como ministro das Relações Exteriores — parando para pensar — procurei me 
desincumbir da responsabilidade de lidar com o art. 4º da Constituição. 
Esses princípios precisam ser ponderados e discutidos à luz da situação 
concreta. A sua hierarquia é móvel. 
Deve-se levar em conta a sistemática constitucional para correlacionar esses 
princípios com outros dispositivos da Constituição. Mas é igualmente indispensável 
ponderar a aplicação da norma, levando em conta os fatos e os valores, à luz da 
conjuntura internacional. Assim, por exemplo, em 1992, a conjuntura internacional, no 
imediato pós-Guerra Fria, era positiva e favorável à aplicação do inc. IX do art. 4° — 
cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. É esse clima político que 
contribuiu para o sucesso da Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o 
Desenvolvimento — a Rio-92. 
Em 2001-2002 esse clima político era negativo, e é isto que explica as 
dificuldades da Conferência de Johanesburgo de 2002 — a Rio +10, apesar do nosso 
empenho em dar cumprimento ao inc. IX do art. 4º. 
 É grande o desafio da analogia juris e da analogia legis, que são modalidades de 
subsunção semelhantes. 
Concluo com uma observação de lógica jurídica sobre as afinidades entre o 
juízo diplomático e o juízo jurídico no trato dos princípios gerais. Refiro-me ao 
procedimento de subsunção do caso concreto, seja no que diz respeito ao princípio geral, 
seja no que diz respeito à analogia, esta última, no caso do juízo diplomático, muito ligada 
aos antecedentes diplomáticos. É grande o desafio da analogia júris e da analogia legis, 
que são modalidades de subsunção semelhantes, como apontei, lembrando o 
ensinamento de Bobbio no início de minha exposição. 
Um grande estudioso das relações internacionais, que foi o ex-chanceler 
israelense Abba Eban, observa que há riscos na aplicação das analogias e dá alguns 
exemplos. Assim, Anthony Eden, na intervenção que conduziu como primeiro-ministro da 
Inglaterra no Egito por ocasião da nacionalização do Canal de Suez, em 1956, operou por 
analogia com aquilo que foi a posição, errada no entender dele, de Chamberlain em 
relação a Hitler em Munique, no final da década de 1930. Mas era uma analogia que não 
tinha uma conexão apropriada com a realidade, pois o nacionalismo árabe e a 
nacionalização do Canal de Suez empreendida por Nasser não tinham nada a ver com o 
expansionismo da Alemanha nazista tal como conduzido por Hitler. Também os 
americanos, na guerra do Vietnã, equivocadamente operaram em relação ao Vietnã como 
se fosse algo parecido com a guerra da Coréia. 
Da mesma maneira, Getúlio procedeu no seu segundo governo, no início da 
década de 1950, como se estivesse no seu primeiro governo

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