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1 Apontamentos – Estrutura e Função de Hidratos de Carbono Os hidratos de carbono são compostos aldeídicos ou cetónicos com múltiplos grupos hidroxilo e constituem a maior parte da matéria orgânica da Terra. Apresentam múltiplas funções em todas as formas de vida (reservas energéticas, combustíveis energéticos, intermediários metabólicos, etc.) e surgem em variados compostos. Alterações no seu metabolismo ou estrutura estão relacionadas com diferentes patologias (intolerância à lactose, galactosemia, diabetes mellitus, ...). Surgem em variados compostos: • Glicose: principal fonte alimentar para produção de energia; • Polissacarídeos como o amido (nas plantas) e o glicogénio (nos animais), compostos de armazenamento que podem ser rapidamente mobilizados para gerar glicose; • ATP e muitas coenzimas são derivados glicosídicos fosforilados; • DNA e RNA contêm as oses desoxirribose e ribose, respetivamente; • Poliholosídeos (ex.: celulose), elementos estruturais nas paredes celulares de bactérias e plantas; • Glicoproteínas e glicolípidos. Os hidratos de carbono possuem a fórmula empírica (CH2O)n, sendo n igual ou superior a 3. São aldeídos ou cetonas com dois ou mais grupos hidroxilo. São designados de acordo com a sua classe química (aldoses ou cetoses) e com o número de átomos de carbono (triose, tetrose, pentose, hexose, ...). As hexoses mais comuns são a D-glicose (aldose) e a D-frutose (cetose). Os hidratos de carbono são os compostos orgânicos que possuem maior quantidade de grupos hidroxilo, daí serem tão solúveis em água. Os hidratos de carbono mais simples contêm vários grupos hidroxilo e um grupo aldeído (polihidroxialdeídos) ou cetona (polihidroxicetonas). n = 3 aldose: gliceraldeído n = 6 aldose: D-glucose cetose: di-hidroxiacetona cetose: D-frutose 2 O gliceraldeído tem um só centro assimétrico. Portanto, há dois estereoisómeros, enantiómeros ou isómeros óticos dessa aldose com três carbonos: o D-gliceraldeído e o L-gliceraldeído. São a imagem um do outro no espelho. Para as oses com mais de um átomo de carbono assimétrico, os símbolos D e L referem-se à configuração absoluta do carbono assimétrico mais distante do grupo aldeído ou cetona. Com poucas exceções, todos os hidratos de carbono de importância fisiológica existem na natureza na conformação D. A LD O SE S CE TO SE S 3 As oses que diferem na configuração de apenas um centro de assimetria são epímeras. Portanto, a D-glicose e a D-manose são epímeras em C-2. A D-glicose e a D-galactose são epímeras em C-4. Os hidratos de carbono são compostos de elevada polaridade (devido aos grupos –OH), muito solúveis em água, mas insolúveis em solventes apolares. O grupo aldeído é facilmente oxidado a carboxílico (reação frequentemente utilizada na identificação de açúcares redutores). Os grupos aldeídicos e cetónicos também podem ser reduzidos e dar origem a poliálcoois. As pentoses e as hexoses ciclizam-se, formando anéis de furanoses e piranoses. As formas predominantes de glicose e frutose em solução não são de cadeia aberta, acontecendo que estas formas ciclizam formando anéis. O aldeído em C-1 na cadeia aberta da glicose reage com o grupo hidroxilo em C-5, formando um hemiacetal intramolecular: o anel resultante de seis carbonos é designado de piranose, devido à sua semelhança com o pirano. 4 De modo semelhante, o grupo cetónico em C-2 na forma em cadeia aberta da frutose pode reagir com o grupo hidroxilo em C-5, formando um hemiacetal intramolecular: o anel resultante de cinco carbonos é chamado de furanose, devido à sua semelhança com o furano. Quando a glicose se cicliza, forma-se mais um centro assimétrico: o carbono 1, que contém o grupo carbonilo na cadeia aberta, torna-se um centro de assimetria na forma em anel. Podem formar-se duas estruturas do anel: a α-D-glucopiranose e a β-D-glucopiranose. A designação α significa que o grupo hidroxilo ligado ao C-1 está abaixo do plano do anel; β significa que está acima do plano do anel. O carbono C-1 é chamado de átomo de carbono anomérico e as formas α e β são designadas de formas anoméricas. A mesma nomenclatura aplica-se ao anel de furanose da frutose, só que as formas α e β referem- se aos grupos hidroxilo ligados ao C-2, que é o carbono anomérico. Mutarrotação: a partir de uma solução de um dos anómeros, obtém-se uma mistura dos dois anómeros em equilíbrio, por interconversão através da forma em cadeia aberta da ose. 5 A frutose também forma anéis de piranose. As pentoses, como a D-ribose e a D-desoxirribose, formam anéis de furanose que entram na estrutura do RNA e do DNA. Todos os hidratos de carbono podem ser classificados como monossacarídeos, dissacarídeos ou polissacarídeos. Os polissacarídeos podem conter centenas de unidades monossacarídicas. Existem também hidratos de carbono derivados, contendo compostos nitrogenados, sulfatos ou fosfatos. Os hidratos de carbono podem ainda ligar-se aos lípidos (glicolípidos) ou proteínas (glicoproteínas e proteoglicanos). Monossacarídeos Os monossacarídeos ligam-se por ligações glicosídicas. Os monossacarídeos podem ligar-se uns aos outros formando dissacarídeos (2 açúcares), oligossacarídeos (até 10 resíduos) ou polissacarídeos. A ligação estabelece-se geralmente entre o C-1 de um monossacarídeo e um átomo de O de um OH de um dos C de outro monossacarídeo. As ligações glicosídicas podem ter uma configuração a ou b. Por exemplo, uma configuração b significa que a ligação que emerge do C-1 está acima do plano do anel, quando vista na orientação padronizada. Uma ligação b-1,4 significa que se estabeleceu uma ligação b entre C-1 de um monossacarídeo e o C-4 de outro monossacarídeo. Para além de ligações O-glicosídicas, os monossacarídeos também podem estabelecer ligações N- glicosídicas: O C anomérico de um monossacarídeo liga-se a um átomo de azoto de uma amina, por exemplo de um aminoácido. Este tipo de ligação é estabelecido em biomoléculas como o DNA e RNA, apresentando geralmente a conformação b. Outro tipo de ligação que os monossacarídeos podem estabelecer é a ligação a grupos fosfato. A fosforilação de oses tem importância fundamental em muitos mecanismos: a) formação de intermediários que possam transferir os grupos fosfato para moléculas de ADP, originando assim ATP. Muitos casos são exemplo disso na glicólise. b) formação de oses aniónicas, que: 1. permitem fortes interações eletrostáticas com o centro ativo de uma enzima. 2. evita que essas oses atravessem espontaneamente as membranas com dupla camada lipídica, ajudando a manter as biomoléculas dentro das células. 3. criação de intermediários reativos para a formação de ligações O-glicosídicas ou N- glicosídicas. 6 Os resíduos de hidratos de carbono podem sofrer modificações por desoxigenação (desoxiaçúcares) ou por ligação a diferentes grupos químicos, entre outras modificações. 7 Dissacarídeos Dissacarídeos mais comuns: sacarose, maltose e lactose. Dissacarídeos: formados por duas oses ligadas por ligação O-glicosídica. Sacarose: Açúcar comum de mesa. Formada pela ligação O-a-glicosídica entre os carbonos anoméricos de uma unidade de glucose e uma de frutose, o que implica que a sacarose não tem um grupo redutor livre (uma extremidade aldeídica), ao contrário da maioria dos dissacarídeos. A hidrólise da sacarose é realizada pela sacarase (invertase). Lactose: Açúcar do leite. Formada pela ligação O-b-glicosídica 1,4 entre uma unidade de galactose e uma de glicose. É hidrolisada pela lactase, em seres humanos, e pela b-galactosidade, em bactérias.Maltose: Formada pela ligação O-a-glicosídica 1,4 entre duas unidades de glicose. A hidrólise do amido origina maltose. A maltose é hidrolisada pela maltase. Muitos adultos têm intolerância ao leite por terem carência de lactase. Quase todas as crianças e recém-nascidos são capazes de digerir lactose. Em contraste, a maioria dos adultos de alguns grupos populacionais são intolerantes ao leite por terem deficiência em lactase. Tal deficiência implica que a lactose 8 se acumule no intestino delgado, após ingestão do leite, porque não é absorvida. A acumulação da lactose não absorvida leva ao influxo de líquido para o intestino delgado. Daí que os sintomas clínicos de intolerância à lactose sejam distensão abdominal, náuseas, cólicas, dores e diarreia. A deficiência em lactase é herdada como um caráter autossómico recessivo, que é geralmente expresso na adolescência ou início da idade adulta. A prevalência dessa deficiência varia muito em populações humanas. Polissacarídeos Os polissacarídeos são formados por várias oses ligadas por ligações O-glicosídicas. Quando a unidade monomérica é a mesma, são designados por homopolissacarídeos. Quando são constituídos por diferentes unidades monoméricas, são heteropolissacarídeos. Os polissacarídeos podem ser classificados estruturalmente como lineares (ex. celulose) ou ramificados (glicogénio, amido). Os polissacarídeos lineares estão normalmente envolvidos em funções estruturais e os ramificados em funções de reserva. Homopolissacarídeos Heteropolissacarídeos (monómero de um só tipo) (monómeros de diferentes tipos) Não ramificados Ramificados Não ramificados Ramificados 9 Polissacarídeos de armazenamento de glicose a) Glicogénio As células animais armazenam glicose na forma de glicogénio, que é um polímero ramificado de radicais de glicose, a maior parte unida por ligações a-1,4. As ramificações são formadas por ligações a-1,6, que ocorrem em cerca de 1 vez a cada 10 unidades. As ramificações servem para aumentar a solubilidade do glicogénio. b) Amido Reserva nutricional das plantas. Existe sob duas formas: amilose, forma não ramificada feita por ligações a- 1,4; a amilopectina, forma ramificada com 1 ligação a-1,6 por cada 30 ligações a-1,4, sendo então semelhante ao glicogénio, embora seja menos ramificada. Mais de metade dos glícidos ingeridos pelos seres humanos corresponde a amido. que é hidrolisado pela a- amilase originando maltose (2 unidades de glicose ligadas a-1,4), maltotriose (três unidades de glicose ligadas 10 a-1,4) e a-dextrinas (várias unidades de glicose ligadas unidas por ligações a-1,4 e a-1,6). A maltose e a maltotriose são hidrolisadas pela maltase, enquanto a a-dextrina é hidrolisada pelas a-dextrinase. Polissacarídeos estruturais a) Celulose Polímero não ramificado de unidades de glicose unidas por ligações b-1,4, formando-se um polímero de cadeias longas, em linha reta. As ligações a-1,4 no glicogénio e no amido originam uma estrutura em hélice oca, bem diferente desta estrutura que surge na celulose. A estrutura em linha reta é ótima para a formação de fibrilas com alta força de tensão. A estrutura em hélice aberta formada por ligações a é bem adequada para formar um armazenamento acessível da glicose. Os mamíferos não possuem celulases, mas alguns 11 ruminantes possuem no seu tubo digestivo bactérias que produzem celulase e, portanto, conseguem digerir celulose. Os polissacarídeos podem ser constituídos unicamente por unidades monossacarídicas (glicogénio, amido, celulose) ou podem ligar-se a outro tipo de biomoléculas, originando os polissacarídeos conjugados. A matriz extracelular (espaço extracelular dos tecidos animais) é composta essencialmente por glicosaminoglicanos e proteoglicanos que formam uma substância gelatinosa que mantém juntas as células de um tecido e que fornece a via porosa para a difusão de nutrientes e de oxigénio. Os heteropolissacarídeos mais abundantes no organismo são os glicosaminoglicanos (GAGs). a) Glicosaminoglicanos (GAGs) Família de polímeros lineares compostos por unidades repetitivas de dissacarídeos formados por N- acetilglucosamina ou N-acetilgalactosamina (açúcar amina) e, geralmente, um ácido urónico como o glucoronato ou iduronato (açúcar ácido). 12 Os GAGs têm uma elevada densidade de carga negativa devido aos grupos carboxílicos de ácido urónico e à esterificação dos hidroxilos do aminoaçúcar com grupos sulfato. Estes compostos adotam uma forma distendida em solução para minimizarem as repulsões entre os grupos carregados. A elevada viscosidade é consequência da disposição distendida. Juntamente com a elevada viscosidade, os GAGs apresentam baixa compressibilidade, o que os torna as moléculas ideais para serem constituintes do fluido lubrificante dos ligamentos. Ao mesmo tempo, a sua rigidez fornece integridade estrutural às células e fornece vias de comunicação entre as células, permitindo a migração celular. Alguns GAGs com importância fisiológica são, por exemplo, o ácido hialurónico, o sulfato de condroitina ou a heparina. http://themedicalbiochemistrypage.org/glycans.php A ligação dos GAGs a proteínas extracelulares origina os proteoglicanos. Os proteoglicanos são formados por uma cadeia longa de ácido hialurónico. À cadeia de hialuronato, ligam-se não covalentemente numerosas moléculas proteicas. Cada centro proteico está ligado covalentemente a muitas moléculas de GAGs. Entre os proteoglicanos extracelulares, encontram-se proteínas fibrosas, como o colagénio e a elastina, que formam uma malha interligada que dá à matriz força e resistência. A ligação das células à matriz extracelular envolve várias famílias de proteínas, como proteínas integrais de membrana (integrinas), que se ligam a proteínas de adesão (como fibronectina e laminina), as quais se ligam então aos proteoglicanos. 13 14 GAGs – Mucopolissacarídeos • Heteropolissacarídeos longos; • Forte carga negativa: compostos distendidos, compressíveis e fortemente hidratados (confere viscosidade); • Constituintes da matriz extracellular; • Estabilizam componentes fibrosos (ex. proteínas fibrosas) dos tecidos (pele, tendões, cartilagem, matriz óssea, etc.); • Ajudam na manutenção do balanço de água e sais; • Medeiam interações entre células. Ex. Heparina: anticoagulante (liga-se à antitrombina III). Liga-se a alguns fatores de crescimento, aumentando a sua atividade. 15 Os proteoglicanos e GAGs desempenham numerosas funções vitais no organismo. Uma dessas funções é o papel da heparina na prevenção da coagulação sanguínea. A heparina livre forma complexos e ativa a antitrombina III, que por sua vez inibe todas as serina proteases na cascata de coagulação. Este fenómeno tem sido explorado no uso de injeções de heparina para terapias anticoagulantes. Algumas doenças genéticas, por exemplo doenças de armazenamento lisossomal, resultam de defeitos em enzimas lisossomais responsáveis pelo metabolismo de GAGs. Estas doenças são designadas de mucopolissacaridoses e levam à acumulação de GAGs nos lisossomas das células afetadas. b) Glicoproteínas e glicolípidos Os oligossacarídeos ligam-se a várias proteínas de membrana, parede, secretadas e mesmo solúveis (como proteínas transportadoras e anticorpos), assim como a certas classes de lípidos. A glicosilação pós-traducional de proteínas desempenha um papel essencial na complexidade bioquímica em eucariotas. Os hidratos de carbono (com os seus grupos hidrofílicos): • alteram as propriedades de polaridade e solubilidade das moléculas comas quais estão conjugados; • influenciam o enrolamento e estrutura tridimensional das proteínas (a elevada densidade de carga e o volume que acrescentam favorecem formas distendidas e não globulares); • a diversidade dos oligossacarídeos que podem ligar-se às proteínas e aos lípidos permite que cada um deles represente uma face única, reconhecível por enzimas e por recetores que com eles interagem. Aparentemente, as células usam oligossacarídeos complexos para codificar informação de como as proteínas devem localizar-se e deverão ser reconhecidas por outras proteínas: • Certos resíduos de açúcares à superfície de glicoproteínas transportam a mensagem que determina se estas continuam em circulação sanguínea ou se serão removidas pelo fígado (a perda destes resíduos determina a degradação da proteína). • Existem casos em que a ligação de um oligossacarídeo a uma proteína a endereça para um organelo intracelular específico ou para a superfície da célula, ou mesmo para secreção para o meio extracelular. • Os hidratos de carbono estão também envolvidos como mediadores de interações entre células nos animais, assim como na determinação do grupo sanguíneo e na sua compatibilidade. 16 Inflamação - exemplo da importância dos hidratos de carbono na interação célula-célula. Os linfócitos podem sair da corrente sanguínea e ligarem-se às células do tecido danificado devido à presença, na sua composição, de um grupo sacarídeo. Esse grupo sacarídeo é reconhecido por uma lectina (proteína que se liga aos hidratos de carbono) designada por selectina. As selectinas medeiam o processo de adesão do linfócito às células endoteliais. Este fenómeno é importante em processos de infeção, mas pode também ter efeitos indesejáveis: por exemplo, enfartes do miocárdio - podem bloquear as artérias, conduzindo a uma situação de isquemia. Exemplos de glicoconjugados e da sua importância no reconhecimento 17 Os açúcares predominantes nas glicoproteínas são a glicose, a galactose, a manose, a fucose, a N- acetilglucosamina e o ácido siálico. A distinção entre proteoglicanos e glicoproteínas consiste nos níveis de hidratos de carbono na molécula e no tipo. Os proteoglicanos têm grande abundância de açúcares ácidos. Os hidratos de carbono das glicoproteínas estão ligados à parte proteica através de ligações N- ou O-glicosídicas. A ligação N-glicosídica é feita através do grupo amida da asparagina. A ligação O-glicosídica é feita com o grupo hidroxilo da serina ou treonina (e, no caso do colagénio, também na hidroxilisina).
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