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BIOQUÍMICA AULA 1 Profª Joana Rizzolo 2 CONVERSA INICIAL Introdução à bioquímica: biomoléculas Organismos vivos, desde o mais simples ao mais complexo, com todas as suas diversidades aparentes, apresentam uma enorme similaridade química e celular e são compostos por elementos químicos e substâncias simples e compostas que formam assim as biomoléculas. Essas moléculas biológicas, quando em conjunto e em interação, mantêm todas as diferentes formas de vida do nosso planeta. A ciência que estuda esses mecanismos de interações chama- se bioquímica. A bioquímica é a ciência que descreve as estruturas moleculares, os mecanismos e os processos químicos compartilhados por todos os organismos. Além disso, essa ciência versa sobre os princípios de organização dos organismos vivos, ou seja, é na bioquímica que se estuda a base da vida, em todas as suas formas. As células vivas são formadas por biomoléculas como carboidratos, lipídeos, aminoácidos, proteínas, ácidos nucleicos, nucleotídeos e outros compostos relacionados, em quantidades variáveis. Embora esses compostos tenham um número quase infinito de estruturas químicas, sua massa é constituída quase que totalmente por apenas seis elementos – carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S) (CHONPS). Apesar da presença desses elementos, pode-se dizer que a química dos organismos vivos está organizada em torno do carbono, que contribui com mais da metade do peso seco das células, formando ligações simples e duplas com átomos de oxigênio e nitrogênio, compondo assim as biomoléculas, com variedade de grupos funcionais. Percebemos aqui o primeiro sinal da onipresença da química, no entendimento da bioquímica. Essas biomoléculas, também chamadas de macromoléculas (macro = grande), podem ser conjugadas em moléculas orgânicas pequenas. As macromoléculas geralmente são polímeros (poli = muitos; mers = partes), moléculas grandes formadas por ligação covalente de inúmeras moléculas menores repetidas, denominadas monômeros (mono = um). Já a porção inorgânica das células é composta pela água e pelos eletrólitos e, assim como as vitaminas (compostos orgânicos), desempenha papéis importantes na manutenção de suas funções. 3 As macromoléculas e suas subunidades monoméricas diferem muito em tamanho: algumas são muito grandes e, em geral, elas contêm milhares de átomos, como os polissacarídeos, as proteínas e os ácidos nucleicos, e apresentam uma grande variedade de grupos funcionais, sendo esses os responsáveis pela maioria das propriedades das moléculas orgânicas, como veremos a seguir. Sendo assim, nesta primeira aula vamos estudar a estrutura, a classificação e a função dos representantes de cada classe de biomoléculas (carboidratos, proteínas, lipídeos e enzimas), lembrando que os ácidos nucleicos, outra importante classe de biomoléculas, serão estudadas posteriormente. Portanto, o objetivo dessa aula é compreender as principais características e funções das classes das moléculas que constituem os organismos vivos. TEMA 1 – CARBOIDRATOS Os carboidratos, também chamados de hidratos de carbono, glicídios e açúcares, são constituídos de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Fazem parte desse grande e diverso grupo de compostos orgânicos como os açúcares e o amido e consistem na principal e imediata fonte de energia para as atividades celulares. Essas macromoléculas são as mais abundantes na Terra, formando desde composições naturais como frutos, folhas, caules, animais até materiais do nosso dia a dia como papéis, móveis e construções. Além da função mencionada, essas macromoléculas desempenham uma série de outras importantes funções nos organismos vivos: ligadas a proteínas, formam tecidos; constituem o ácido desoxirribonucleico (DNA), a molécula que carrega informações hereditárias; são utilizadas na síntese de aminoácidos e gorduras ou substâncias mistas similares; funcionam como reservas alimentares; constituem a base dos grupos sanguíneos nos seres humanos; são usadas por uma variedade de patógenos para ter acesso a seus hospedeiros. Desse modo, carboidratos contribuem com detalhes para a disposição bioquímica da célula, ajudando a definir a funcionalidade e a particularidade das células. A fórmula geral de muitos carboidratos é (CH2O)n, onde n representa o número de átomos de C. Os carboidratos podem ser classificados como monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos, como veremos a seguir. 4 1.1 Monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos Os carboidratos simples são denominados monossacarídeos, constituídos por uma única unidade poli-hidroxicetona (o grupo funcional carbonila está posicionado no meio da cadeia do carboidrato cetona) ou poli- hidroxialdeída (o grupo funcional carbonila está posicionado na extremidade da cadeia do carboidrato aldeído), em que poli-hidroxi refere-se ao grupo funcional hidroxila (OH), o qual se repete várias vezes na cadeia do carboidrato. A principal função desses açúcares simples é servir de fonte de energia das células vivas, mas também fazer parte da estrutura do DNA e do ácido ribonucleico (RNA). Cada molécula contém de três a sete átomos de carbono; o número de átomos de carbono na molécula de um açúcar simples é indicado pelo prefixo em seu nome: n = 3 (C3H6O3): triose; n = 4 (C4H8O4): tetrose; n = 5 (C5H10O5): pentose; n = 6 (C6H12O6): hexose; n = 7 (C7H14O7): heptose. Portanto, açúcares simples com três carbonos são chamados de trioses (ex.: gliceraldeído-3-fosfato, produto intermediário da quebra da glicose), assim como também existem os tetroses (ex.: eritrose-4-fosfato, açúcar intermediário do metabolismo dos carboidratos), os pentoses (ex.: ribose, açúcar constituinte do RNA), os hexoses (ex.: glicose) e os heptoses (ex.: d-manoeptose, açúcar presente no abacate), com quatro, cinco, seis e sete carbonos, respectivamente. A glicose (C5H10O5) e a frutose (C5H10O5) são isômeros, ou seja, são duas moléculas com a mesma fórmula química, mas com estruturas e propriedades diferentes (Figura 1). 5 Figura 1 – Monossacarídeos isômeros: duas hexoses, com destaque para a função aldeído na aldose (glicose) e para a função cetona na cetose (frutose) Os monossacarídeos ligam-se entre si formando dissacarídeos e polissacarídeos por síntese por desidratação, o que significa que ligações glicosídicas são formadas pela união covalente entre um grupo hidroxila de uma molécula de açúcar e o carbono anomérico (C1) de outra, sendo eliminada uma molécula de água; do contrário, os dissacarídeos fornecem sempre dois monossacarídeos, por hidrólise. Assim como os monossacarídeos, os dissacarídeos comuns têm nomes terminados com o sufixo ose. A maltose (glicose + glicose) é produto da hidrólise do amido, a sacarose (glicose + frutose) é o açúcar da cana-de-açúcar e a lactose (glicose + galactose) é o açúcar do leite, representando os principais dissacarídeos. Por meio de ligações glicosídeas, os monossacarídeos são ligados para formar dissacarídeos até carboidratos complexos. Esse tipo de ligação é formado pela reação entre um grupo hidroxila de um dos açúcares e o carbono anomérico (carbono derivado do grupo cetona ou aldeído) do outro açúcar, conforme mostrado na Figura 2. 6 Figura 2 – Formação da maltose: dois monossacarídeos (D-glicose) em ligação glicosídica e o inverso quando ocorre a hidrólise 3 7 Fonte: Lehninguer, 2014. A Figura 2 mostra a maltose sendo formada quando um –OH (álcool) de uma molécula (à direita) se condensa com o hemiacetal intramolecular da outra (à esquerda), com eliminação de H2O e a formação de uma ligação glicosídica. Como o inverso dessa reação é a hidrólise – ataque da ligação glicosídica pela água – a molécula de maltoseconserva um hemiacetal redutor no C-1 (carbono funcional) não envolvido na ligação glicosídica. A maioria dos carboidratos encontrados na natureza ocorrem como polissacarídeos. Os principais são o amido, o glicogênio (formando as estruturas de reserva energética das células vegetal e animal, respectivamente), a celulose, a quitina e a dextrana. Os polissacarídeos são polímeros de açúcar e consistem em dezenas ou centenas de monossacarídeos unidos pela síntese por desidratação; podem ter cadeias lineares (celulose) ou ramificadas (glicogênio) e propriedades e funções biológicas diferentes, em consequência de suas ligações glicosídicas. O amido, encontrado nas raízes como batatas, em cereais como milho e o arroz e até mesmo em frutos, é um polímero da glicose produzido pelas 7 plantas, usado como alimento por seres humanos e, assim como o glicogênio, serve como forma de armazenamento de energia. O glicogênio também é um importante polissacarídeo de reserva, porém presente em animais e algumas bactérias. A celulose é um dos carboidratos mais abundantes da Terra e atua como elemento estrutural em paredes celulares de plantas (caules, troncos e partes lenhosas dos tecidos vegetais) e da maioria das algas e é insolúvel em água. A quitina, bem como a celulose, desempenha a função estrutural, fornecendo suporte extracelular para animais, formando exoesqueletos em crustáceos e insetos e constituindo a parede celular da maioria dos fungos. Outro polissacarídeo bastante relevante é a dextrana, que é produzida como um líquido açucarado por certas bactérias e utilizada como substituta do plasma sanguíneo. A placa dentária, formada por bactérias que crescem na superfície dos dentes, é rica em dextranas, as moléculas adesivas que permitem às bactérias grudarem-se nos dentes e umas às outras. Apesar de os carboidratos serem as principais fontes de energia, nem todos podem ser digeridos pelos diversos grupos de seres vivos. Os ruminantes (bois, vacas, cabras, ovelhas, entre outros) são os únicos vertebrados capazes de digerir celulose, pois possuem bactérias, em seus sistemas digestórios, capazes de degradar esse carboidrato pela produção da enzima celulase. Para digerir o amido, ou seja, quebrar as ligações entre as moléculas de glicose, muitos animais, incluindo os animais humanos, produzem enzimas com essa capacidade de quebrar o amido, chamadas de amilases. As celulases são utilizadas para uma série de fins industriais, devido a sua propriedade de quebrar moléculas de celulose. Uma das suas utilizações é para a produção do etanol de segunda geração (etanol celulósico), obtido da biomassa de bagaço de cana, palha de arroz e de milho. Também na indústria têxtil a celulase é utilizada para desfibrilação e amaciamento de tecidos como algodão e linho. TEMA 2 – LIPÍDEOS Lipídeos (lip = gordura) são conhecidos usualmente como gorduras. Assim como os carboidratos, são formados por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio, porém em diferentes proporções. Desempenham a importante função de manter a estrutura das membranas celulares, atuando também na regulação 8 da entrada de substâncias/nutrientes e da saída de dejetos, além de no armazenamento de energia, entre outras funções. Uma molécula lipídica fornece o dobro de calorias, em comparação com uma molécula de glicose. Então, uma célula pode mudar seu metabolismo na falta de glicose e oxidar os lipídeos, para liberação de energia. Porém, esse processo de utilização de energia com base em lipídeos é lento e a célula tem preferência por metabolizar os carboidratos. A maioria dos lipídeos são insolúveis em água e apolares, não apresentando uma extremidade polar e outra polar, como no caso da molécula da água. Logo, eles são solúveis em solventes orgânicos apolares como álcool, éter e clorofórmio. Exatamente por essa característica de apolaridade, os lipídeos são essenciais para estabelecer uma interface entre o meio intracelular e o extracelular, a exemplo do caso das células eucarióticas que contêm, além das suas membranas citoplasmáticas, compartimentos delimitados por membranas internas constituídas por lipídeos. 2.1 Classificação, composição e propriedade dos lipídeos Lipídeos, diferentemente dos carboidratos e das proteínas, não são polímeros, ou seja, não são formados por várias porções de moléculas iguais como o amido, que é formado principalmente por repetidas moléculas de glicose. Por constituírem uma classe de biomoléculas heterogênea, são classificados em diferentes tipos, descritos a seguir. a. Triacilgliceróis, também chamados de triglicerídeos, são caracterizados pela união de um álcool (glicerol) com três ácidos graxos. Esse tipo de ligação chama-se ligação éster, quando o ácido graxo, por meio do seu grupo carboxila (-COOH), se liga com a hidroxila (-OH) do glicerol e perde uma molécula de água. b. As gorduras em animais (manteiga, sebo – sólidos em temperatura ambiente) e óleos vegetais (óleo de soja, de milho – líquidos em temperatura ambiente) constituem o grupo dos triacilgliceróis. Esse tipo de lipídeo fica depositado nos adipócitos que constituem o tecido adiposo localizado logo abaixo da hipoderme e realiza importantes funções como estocagem de energia e isolamento térmico. 9 c. Cerídeos são moléculas de lipídeos muito maiores, que possuem muito mais carbonos que os triacilgliceróis e os fosfolipídeos (veremos a seguir), apesar de serem formados por álcool e ácidos graxos. Entre as funções dos cerídeos, destaca-se o importante desempenho dessas biomoléculas como impermeabilizantes, impedindo que as folhas percam água para o ambiente, assim como permitirem que aves aquáticas nadem evitando o encharcamento de suas penas. Atuam também como reserva de energia no fitoplâncton e na proteção da pele contra o ressecamento. Além disso, os cerídeos são utilizados para uma grande diversidade de aplicações na forma de cera, devido às suas propriedades impermeabilizantes e à sua consistência firme, na indústria farmacêutica e cosmética. d. Glicerofosfolipídeos, esfingolipídeos e esteróis compõem a classe dos lipídeos estruturais de membrana. O primeiro possui suas regiões hidrofóbicas compostas por dois ácidos graxos ligados ao glicerol; os esfingolipídeos apresentam seu único ácido graxo ligado a um aminoálcool, à esfingosina e não contêm glicerol; e os esteróis são compostos caracterizados por um sistema rígido de quatro anéis hidrocarbonados fusionados. O mais simples glicerofosfolipídeo é o ácido fosfatídico, encontrado nas membranas celulares, atuando como intermediário na síntese de outros lipídeos. e. Esfingomielinas e glicoesfingolipídeos são exemplos de esfingolipídeos e desempenham funções de revestimento e isolamento em alguns neurônios, estando, portanto, presentes na maioria das membranas plasmáticas das células animais do tecido nervoso. Por conterem fosfato, os glicerofosfolipídeos e os esfingolipídeos são considerados fosfolipídeos pois, assim como os glicerídeos, são formados por um glicerol com dois ácidos graxos e um grupo fosfato ligado a essa molécula, dando um caráter polar a ela, já que uma parte dos fosfolipídeos interage com a água. Desse modo, os fosfolipídeos são moléculas anfipáticas, com uma porção que se liga à água e outra que não se liga, em uma estrutura denominada de bicamada lipídica, presente nas membranas celulares. Portanto, os fosfolipídeos estão presentes nas membranas plasmáticas contribuindo com sua estrutura, fluidez, também envolvidos em reações de síntese de moléculas e como precursores de reações. 10 f. Esteróis são outra classe de lipídeos constituída por cadeias carbônicas formando quatro anéis (vários isoprenos). Apresentam função regulatória, ação hormonal (colesterol) e estão também presentes nas membranas plasmáticas de plantas (estigmaesterol)e de animais, nos sais biliares, atuando na emulsificação das gorduras. Na maioria dos fungos, o esterol presente na membrana plasmática é o ergosterol, o qual desempenha importantes funções de manutenção da permeabilidade da membrana e de mecanismo de absorção de nutrientes. Ainda existem outros compostos de natureza lipídica presentes nos organismos vivos que devemos tratar aqui, como as tromboxanas, envolvidas no processo de coagulação sanguínea; o leucotrieno, envolvido na respiração celular; a prostaglandina, envolvida no processo inflamatório; e os carotenoides. Esses últimos compreendem os pigmentos naturais presentes nas plantas, tais como o betacaroteno, que é precursor da vitamina A, e o pigmento da fotossíntese, a clorofila. TEMA 3 – AMINOÁCIDOS: COMPOSIÇÃO, IMPORTÂNCIA, CLASSIFICAÇÃO E PROPRIEDADES QUÍMICAS Os aminoácidos, também chamados de resíduos, quando incorporados a um polímero proteico, são unidades estruturais que formam as proteínas, assim como os monossacarídeos são as unidades estruturais que formam os carboidratos. A composição química dos aminoácidos se dá da seguinte maneira: um grupo carboxila (-COOH), um grupo amino (-NH2), um átomo de hidrogênio e um grupo lateral (grupo R), todos ligados ao mesmo átomo de carbono (carbono alfa), conforme demonstra a Figura 3. 11 Figura 3 – Fórmula estrutural geral de um aminoácido; o carbono alfa é mostrado no centro O grupo lateral poderá ser uma cadeia linear ou ramificada de átomos ou uma estrutura em anel que pode ser cíclica (toda em carbono) ou heterocíclica (quando um átomo diferente do carbono está incluído no anel). A única exceção é no caso da glicina, um aminoácido cuja cadeia lateral será substituída por um átomo de hidrogênio (Figura 4). Figura 4 – Fórmula estrutural do aminoácido glicina com o átomo de hidrogênio substituindo o grupo R e a fórmula estrutural da tirosina com seu grupo lateral cíclico, respectivamente Todos os seres vivos sintetizam aminoácidos e são constituídos pelos mesmos 20 aminoácidos, porém alguns animais superiores não conseguem sintetizar todos os aminoácidos necessários para construir suas proteínas. Por exemplo, existem nove aminoácidos que os seres humanos não conseguem sintetizar, denominados de aminoácidos essenciais (fenilalanina, histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, treonina, triptofano e valina), cuja ingestão por dieta se torna, portanto, indispensável. 12 Desses 20 aminoácidos mais comuns, todas as milhares de proteínas são formadas; além da função estrutural na formação dessas biomoléculas, os aminoácidos realizam funções como precursores de importantes substâncias como enzimas, hormônios, pigmentos, conforme será abordado posteriormente na temática metabolismo dos aminoácidos. Os aminoácidos possuem como característica distintiva o grupo R. É pela polaridade desse mesmo grupo e pela sua tendência de interagir com a água em pH biológico que são classificados os aminoácidos, agrupando-se em cinco grupos, como veremos a seguir. 1. Grupos R apolares: os grupos R dessa classe são alifáticos e hidrofóbicos; incluem os aminoácidos alanina, valina, leucina e isoleucina. 2. Grupos R aromáticos: representados pela fenilalanina, tirosina e triptofano, têm suas cadeias laterais aromáticas, relativamente apolares, e são hidrofóbicos. 3. Grupos R polares, não carregados: grupos R mais hidrofílicos; essa classe inclui serina, treonina, cisteína, asparagina e glutamina. 4. Grupos R carregados positivamente (bases): grupos R mais hidrofílicos; incluem lisina, histidina e arginina. 5. Grupos R carregados negativamente: representam esse grupo o aspartato e o glutamato. Conforme acabamos de ver, os aminoácidos são classificados de acordo com as propriedades químicas dos grupos R, se diferenciando em estrutura, tamanho e carga elétrica. Tais características químicas influenciam na solubilidade dos aminoácidos em água e na sua capacidade de sofrer transformações. TEMA 4 – PROTEÍNAS: CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO, SOLUBILIDADE, NÍVEIS ESTRUTURAIS As biomoléculas presentes em maior proporção nas células são as proteínas. Estas desempenham imprescindíveis funções nos organismos vivos, tais como: catálise enzimática (todas as enzimas são proteínas, como veremos no próximo tema), transporte e armazenamento de moléculas e íons, estrutura e sustentação celular, coordenação e regulação de atividades celulares e proteção imunitária. 13 As moléculas de proteínas contêm, além do carbono, oxigênio e hidrogênio, átomos de nitrogênio e de enxofre. Algumas proteínas contêm elementos adicionais, como fósforo, ferro, zinco e cobre. 4.1 Conceito e classificação Aminoácidos são as unidades estruturais básicas das proteínas e podem ser unidos com outros aminoácidos por meio de ligações peptídicas, formando cadeias de peptídeos e/ou proteínas, assim como os dissacarídeos e os polissacarídeos são unidos por monossacarídeos, formando ligações glicosídicas e liberando uma molécula de água. Sendo assim, as proteínas podem ser cadeias peptídicas muito longas, assim como podem ser formadas apenas por dois resíduos de aminoácidos. A seguir, estudaremos a classificação das proteínas quanto ao número de cadeias polipeptídicas, quanto à composição e quanto à forma. Como as proteínas são macromoléculas que contêm uma ou mais cadeias polipeptídicas, elas podem conter dois; três; quatro; cinco; ou mais aminoácidos, sendo denominadas, respectivamente, de dipeptídeo, tripeptídeo, tetrapetídeo, pentapeptídeo e polipetídeo. Do mesmo modo, quando até cinco aminoácidos se ligam à estrutura, a proteína pode ser chamada de oligopeptídeo. A segunda classificação apresentada aqui equivale à composição, uma vez que as proteínas podem ser simples, quando constituídas apenas por aminoácidos, e podem ser conjugadas (glicoproteínas, lipoproteínas), apresentando uma parte proteica e uma não proteica (carboidrato ou lipídio) – tal parte associada pode ser chamada de grupo prostético. As glicoproteínas estão presentes na superfície externa de membranas plasmáticas celulares, sendo, por exemplo, receptoras do vírus influenza, atuando como sítios de absorção. Bactérias utilizam glicoproteínas que se conectam à membrana plasmática da célula hospedeira para se moverem de uma célula a outra. Além dessa característica relacionada à penetração de agentes infecciosos, células e à recepção de moléculas, as glicoproteínas estão associadas a outras funções, pois elas compõem hormônios e enzimas. As lipoproteínas constituem um grupo no qual estão presentes as importantes moléculas transportadoras de lipídeos entre células, fígado e sangue: high density lipoproteins (HDL), low density lipoproteins (LDL) e very low density lipoproteins (VLDL). 14 Proteínas também podem ser classificadas, quanto à forma, como fibrosas, arranjadas em longos filamentos ou folhas, desempenhando função de estrutura (colágeno do tecido conjuntivo, queratina dos cabelos, miosina dos músculos etc.) ou proteínas globulares; estas apresentam uma estrutura espacial mais complexa, com cadeias polipeptídicas dobradas em forma esférica ou globular. 4.2 Solubilidade A solubilidade das proteínas é bastante variável e influenciada por alguns fatores como o pH e a temperatura. Assim, a solubilidade depende da polaridade de seus grupos R: quanto mais grupos R ionizáveis existirem, mais solúvel será o polipeptídeo. A produção de iogurtes, tanto dos convencionais, feitos de leite de vaca, como dos mais recentes, de fontes vegetais (coco, soja, castanhas), é realizada com base nesse conceito. Primeiramente, aminoácidos são liberados no meio, a seguir ocorre o aumento da acidez, com a produção microbiana de ácido lático. O pH se aproxima do ponto isoelétrico de algumas proteínas (valor do pH em que as cargas elétricasdos aminoácidos se igualam e se anulam, ocasionando a precipitação das proteínas), ocorrendo a formação de coágulo, processo também chamado de coagulação ácida. Portanto, nesse caso descrito, o pH influenciou na solubilidade de proteínas, desestabilizando-as, ocasionando a coagulação, acontecimento esperado para a produção de tal alimento. 4.3 Níveis estruturais Conforme já estudado, as proteínas são formadas de 20 aminoácidos com diferentes estruturas e conformação tridimensional, o que permite que haja sua interação com moléculas específicas, de maneira a realizar diferentes e específicas funções. Sendo assim, de acordo com sua estrutura e complexidade, as proteínas são classificadas em quatro níveis de organização (Figura 5): 1. Estrutura primária: sequência linear de aminoácidos que forma uma cadeia peptídica; cada sequência de aminoácidos é determinada geneticamente e diferencia as proteínas umas das outras, determinando suas propriedades estruturais e biológicas. 15 2. Estrutura secundária: esse termo refere-se à estrutura que apresenta pontes de hidrogênio mantendo a forma estrutural de um composto proteico, ou seja, em que ligações peptídicas interagem formando pontes de hidrogênio modificando a estrutura de uma proteína. Esse tipo de configuração estrutural apresenta duas formas: a. hélice α: apresenta forma de uma espiral mantida por pontes de hidrogênio entre resíduos de aminoácidos de uma mesma cadeia polipeptídica; esse tipo de configuração está presente no cabelo (α- queratina) e na pele, no osso, no tendão (colágeno); b. folha β laminar: cadeias polipeptídicas se ligam por pontes de hidrogênio, em forma de zigue-zague em vez de estrutura helicoidal; um exemplo de proteína com essa conformidade é a proteína que forma a teia de aranha, em que mesmo as pontes de hidrogênio sendo ligações fracas, a estrutura torna-se extremamente forte, pois se faz muitas ligações para isso. 3. Estrutura terciária: nesse tipo de configuração estrutural de proteínas, o dobramento não é repetitivo e adquire estrutura tridimensional. Ocorre quando cadeias laterais polipeptídicas secundárias se dobram sobre elas mesmas, ligando-se por vários grupos de aminoácidos, envolvendo diversas interações, além das interações por ponte de hidrogênio (interações hidrofóbicas/de van der Waals, ligações iônicas, pontes de dissulfeto). 4. Estrutura quaternária: nesses tipos de configurações estruturais ocorre a união de duas ou mais cadeias polipeptídicas (subunidades); a união dessa estrutura quaternária é mantida por meio de forças iônicas e pontes de hidrogênio. São as proteínas fibrosas e globulares, essas últimas representadas pela hemoglobina, formada por quatro subunidades polipeptídicas unidas, com átomos de ferro que interagem com o oxigênio para transportá-lo pelo sangue. 16 Figura 5 – Ilustração das estruturas primária, secundária, terciária e quaternária das proteínas Crédito: Mypokcik/Shutterstock. TEMA 5 – ENZIMAS: CLASSIFICAÇÃO E NOMENCLATURA, FATORES QUE AFETAM A ATIVIDADE DAS ENZIMAS, INTRODUÇÃO À CINÉTICA ENZIMÁTICA E VITAMINAS Enzimas são proteínas especializadas em acelerar processos bioquímicos, agindo como catalisadoras das reações bioquímicas. Portanto, praticamente todas as reações de manutenção da vida dependem da atividade dessas moléculas, pois, sem elas, a velocidade das reações seria tão lenta que impossibilitaria a vida. Tais reações poderiam ser realizadas em condições laboratoriais, com manejo de temperatura e pH, por exemplo. Importante lembrar que toda enzima é uma proteína, porém nem toda proteína é uma enzima. https://www.shutterstock.com/pt/g/pokcik 17 Em geral, os nomes das enzimas terminam em ase e são definidas em seis classes como apresentado no Quadro 1. Quadro 1 – Classificação das enzimas CLASSIFICAÇÃO TIPO DE REAÇÃO QUE CATALISAM EXEMPLOS MODO DE ATUAÇÃO Oxirredutases Reações de oxidorredução Desidrogenase; oxidase Removem átomos de hidrogênio; adicionam átomos de oxigênio Transferases Transferências de grupos funcionais Metiltransferase Transferem grupos metil (-CH3) Hidrolases Reações de hidrólise Lipases; proteases Quebram lipídios e proteínas Liases Quebra de ligações duplas Descarboxilase Removem CO2 Isomerases Isomerizações Cis/transisomerase Convertem formas cis e trans Ligases Formação de ligações Sintetase Combinam dois grupos Essa classificação está de acordo com o tipo de reação química que as enzimas catalisam, usando-se o exemplo das enzimas da classe oxidorredutase que removem hidrogênio de um substrato (desidrogenases) ou que adicionam O2 (oxidases). Outras têm nomes ainda mais específicos, dependendo dos substratos específicos em que elas atuam. Imprescindível explicar que substrato é o nome dado à substância inicial que é transformada pela ação enzimática. 5.1 Fatores que afetam a atividade das enzimas Diversos fatores são capazes de influenciar e alterar a atividade de uma enzima. Entre os mais importantes estão a temperatura, o pH, a concentração de substrato e inibidores. Sendo assim, cada enzima possui um pH ótimo de atividade (quando sua atividade é ótima) e, acima ou abaixo desse valor ótimo de pH, a velocidade da reação da enzima diminui. O conceito de que, em baixas temperaturas, moléculas se movimentam menos e, em altas temperaturas, moléculas se agitam mais pode ser aplicado no caso das enzimas, pois, de maneira geral, as enzimas aumentam sua atividade de reação com o aumento da temperatura, até que seja atingida a velocidade máxima. A partir desse momento, as enzimas podem sofrer desnaturação (mudança na estrutura molecular da proteína/enzima) e perder suas propriedades catalíticas; em baixas temperaturas, a velocidade da reação 18 começa a decrescer, o que pode ser explicado pelo início da inativação das enzimas pela temperatura. Outro fator que afeta a atividade das enzimas, porém sem provocar a desnaturação, é a concentração de substrato. À medida que a concentração do substrato aumenta, a atividade enzimática também se eleva até as enzimas ficarem saturadas, pois ocupadas pelo excesso de substrato disponível. Certas substâncias podem inibir a atividade enzimática, levando as células até a pararem de funcionar e morrer. Essas substâncias são chamadas de inibidores. Muitas novas drogas (antidepressivos e reguladores de apetite) são formuladas com base nesse fator inibitório enzimático. 5.2 Introdução à cinética enzimática Assim como as proteínas se ligam em um receptor, em uma célula, para realizar funções específicas, as enzimas também se ligam em uma substância específica, chamada de substrato da enzima. É formado o complexo enzima- substrato pela ligação temporária da enzima com os reagentes; o ponto de ligação entre a enzima e o substrato é chamado de sítio ativo, uma região que interage com uma substância química específica. Após a atuação da enzima, ela é recuperada; sendo assim, a enzima não é consumida ao longo do processo. Por exemplo, a maltose (dissacarídeo presente em alimentos) é o substrato da enzima sacarase, que catalisa a hidrólise da maltose para duas moléculas de glicose. 5.3 Vitaminas As vitaminas são compostos orgânicos presentes nos organismos vivos, podendo ser obtidas pela alimentação ou pela síntese metabólica, apresentando um variável grau de complexidade. São de extrema importância para o crescimento e desenvolvimento dos seres vivos; no organismo humano, atuam na prevenção contra doenças, como precursoras de hormônios e como fatores de crescimento ou coenzimas (cofatores orgânicos requeridos por certas enzimas, para seu funcionamento). Podem ser classificadas em: lipossolúveis: apresentam moléculas apolares, são absorvidas no intestino; vitaminas A, D, E e K são exemplos; 19 hidrossolúveis: apresentam moléculaspolares e função de coenzima; vitaminas do complexo B (tiamina-B1, riboflavina-B2, ácido panteônico- B5, piridoxina-B6, cobalamina-B12), ácido ascórbico (C) e biotina (H) são exemplos. Algumas vitaminas, como a vitamina K e algumas do complexo B, são digeridas e sintetizadas no intestino grosso por bactérias que interagem de forma harmônica (mutualismo) com os seres humanos. Por esses efeitos benéficos, entre outros, atualmente muito se fala na alimentação com os probióticos, que consistem em microrganismos vivos benéficos para o organismo, atraindo a atenção da indústria alimentícia e farmacêutica, assim como da ciência, em busca de novas descobertas. NA PRÁTICA Um cabelo enrolado é feito de proteínas queratinas, em sua estrutura secundária. Quando usamos um secador ou um alisador de cabelo, acabamos, devido ao calor, quebrando as pontes de hidrogênio que mantêm essa estrutura, fazendo com que as proteínas queratinas fiquem em estrutura primária. Porém, se pegarmos chuva ou umidade, nosso cabelo voltará a se enrolar, pois a água doa átomos de hidrogênio, reconstituindo as pontes de hidrogênio, possibilitando que a proteína retorne a sua estrutura primária. Essa é uma situação um tanto comum hoje em dia e em que nem imaginamos que há a atuação da bioquímica por trás dela, não é mesmo? FINALIZANDO Do ponto de vista da nutrição humana, nesta aula abordamos todos os macronutrientes (carboidratos, lipídeos e proteínas) que são os nutrientes necessários, em maiores quantidades, e alguns micronutrientes que funcionam como coenzimas (vitaminas), dos quais necessitamos em menores concentrações, a maioria obtida pela dieta. E também estudamos as tão importantes enzimas. Vimos que todos esses nutrientes são compostos orgânicos também chamados de biomoléculas, que exercem, de maneira geral, funções energéticas, estruturais, isolantes, de armazenamento e metabólicas. 20 Figura 6 – Infográfico: biomoléculas estudadas Lipídeos Proteínas Carboidratos M A C R O M O L É C U L A S ENZIMAS S VITAMINAS S
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