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A política de ensino de línguas no Brasil Rajagopalan (2013)

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Texto publicado em Moita Lopes, L. P. de (org.). Linguística Aplicada na Modernidade 
Recente- Festschrift para Antonieta Celani. 2013. ISBN: 978-85-7934-074-1 São Paulo: 
Parábola Editorial. Pp. 143-163. 
 
 
A política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões 
prospectivas 
 
Kanavillil Rajagopalan 
Unicamp 
 
1. Linguagem e política 
 
John Joseph, professor de Linguística Aplicada na Universidade de Edimburgo e 
autor do livro de grande repercussão intitulado Language and Politics (Joseph, 2006) e 
também organizador da série de quatro volumes sob o mesmo título (Joseph, 2010), 
lembra que a relação intrínseca entre a linguagem e política foi amplamente reconhecida 
por vários estudiosos desde antiguidade, dentre os quais Aristóteles que escreveu o 
seguinte em Política (1.2): 
 
... que o homem é um animal político muito mais que as abelhas ou quaisquer outros 
animais gregários é evidente. A natureza, como se costuma dizer, não faz nada sem 
propósito, e homem é o único animal que ela dotou de dom da fala. 
 
Permanece, porém, acrescenta o autor, o fato de que a grande maioria de estudiosos que, 
ao longo dos séculos, vieram a se debruçar sobre a linguagem e a política preferiu 
conduzir suas pesquisas sobre as duas de forma isolada uma da outra. Durante muito 
tempo, os estudiosos conduziram seus estudos sob a doce ilusão de que fosse 
perfeitamente possível e legítimo abordar a linguagem sem prestar a mínima atenção à 
questão política na qual o fenômeno em enfoque se acha envolto. 
 
 Está aí como maior prova disso, a forma como os linguistas têm tratado a 
questão da política linguística. Como frisei no livro A Linguística que Nos Faz Falhar 
(Lopes da Silva e Rajagopalan, 2004), os linguístas não só no Brasil, mas, via de regra, 
no mundo inteiro, têm se esmerado para remar longe dos redemoinhos da política na 
hora de fazer suas reflexões sobre a linguagem, temerosos de que qualquer incursão no 
domínio de política fosse desviar-lhes da meta de conduzir suas pesquisas 
objetivamente (entendida, entre outras coisas, como adesão ao principio de manter-se 
teimosamente e a qualquer custo distantes de qualquer envolvimento em assuntos de 
natureza política) como requer sua ânsia de serem cientistas no mesmo patamar que 
seus colegas nas áreas ditas ‘exatas’. 
 
Diante das evidências cada vez mais gritantes da influência da questão política 
na linguagem, os linguistas, sobretudo aqueles obcecados por elaborar teorias 
crescentemente mirabolantes, optaram por dar-lhes as costas em nome de preservar o 
caráter ‘científico’ das suas pesquisas, o que significava, na sua cartilha, se contentar em 
apenas “descrever” os fatos e jamais se atrever a “prescrever” ações para remediar os 
males constatados. No entanto, eles ruidosamente reivindicam o direito de legislar sobre 
como deve ser conduzida a política linguística de um país, só porque se dizem dedicar a 
estudá-la a fundo, muito embora, na hora de abordar a linguagem, eles assumam uma 
postura total e propositadamente apolítica. No entanto, conforme nos alerta Wright 
(2006), os estudiosos da linguagem humana correm o perigo de se desviarem dos seus 
objetivos de desvendar os segredos e mistérios da linguagem humana se conduzir suas 
investigações ao largo do reconhecimento de que a linguagem humana se encontra 
visceralmente atrelada à sua atuação política no mundo. 
 
2. A política de ensino de línguas e sua onipresença 
 
O ensino de línguas, sejam elas línguas maternas, sejam línguas estrangeiras, 
constituiu-se desde sempre como parte integral da política linguística (no sentido de 
language policy*) posta em prática no país em pauta. Curiosamente esse fato nem 
sempre foi reconhecido como tal. Contudo, a política linguística tem norteado, de 
maneira escancarada ou muitas vezes sutilmente velada, os objetivos e as prioridades do 
ensino de línguas. Ela também invariavelmente baliza e determina seus rumos e suas 
guinadas ocasionais. (Rajagopalan, 2006, no prelo-2). No Brasil, da mesma forma que 
em muitos outros países, esse fato nem sempre tem sido devidamente reconhecido em 
sua plenitude pelos estudiosos. 
 
Como uma área de estudos reconhecida e institucionalizada como tal, a política 
linguística tem mais ou menos meio século de existência. Mas a verdade é que, 
conforme já salientamos, a questão política esteve presente o tempo todo ao longo da 
história, influenciando diretamente a tomada de decisões importantes no que tange às 
políticas educacionais de forma geral. Joseph (2006) declara categoricamente que “[a] 
linguagem é política de cabo a rabo”, acrescentando que ela “é um construto político-
linguístico-retórico” (p.20). Como apontei numa resenha que fiz do livro: “Para não se 
perca a força total da tese ousada que Joseph defende, deixemos claro que o autor não 
está dizendo que a linguagem comporta uma dimensão política em acréscimo a todo o 
resto que se crê que ela possua; ele está defendendo que a linguagem é 
constitutivamente, e, por conseguinte, indissociavelmente, política.” (Rajagopalan, 
2007: 330) 
 
Afinal, não se deve esquecer de que os conceitos políticos como ‘estado-nação’ 
e seus correlatos como ‘nacionalidade’, ‘pátria’, ‘patriotismo’ e por ai vai foram 
cuidadosamente esculpidos na Europa nos século 16 em diante para fazer frente aos 
desafios de se espalhar suas zonas de influencia ao redor do mundo (Wright, 2004). 
Concomitantemente, surgiu também o culto aos diversos símbolos visíveis ligados a 
esses construtos, entre eles, o hino nacional, bandeira nacional, brasão de soberania etc. 
O século 19 presenciou a consolidação desses conceitos—um processo que se deu 
através de um trabalho árduo de delineação das fronteiras entre os territórios recém-
demarcados e a implementação de práticas pedagógicas que visavam a separação 
linguística dos povos aos dois lados das fronteiras. Essas práticas pedagógicas eram 
apenas a outra ponta de um continuo que começava com planejamento linguístico. 
Convém lembrar que o mote da época foi “Um povo, uma nação, uma língua”. As 
línguas eram convocadas para servirem de laço unificador de um povo e distinguí-lo dos 
seus vizinhos (para não falar dos seus desafetos e inimigos—cf., Dunbar, 1997) e no 
processo eram transformadas em línguas nacionais. Em muitos casos, essas línguas só 
começaram a existir como entes autônomos a partir de sua convocação para servirem 
como símbolos nacionais. 
 
2.1. A origem do conceito de língua: um Gedankenexperiment 
 
É lícito supor que o idioma grego se auto-definia na antiguidade em oposição 
direta à fala dos bárbaros. Se fossemos empenhar um Gedankenexperiment (experiência 
de pensamento) em torno do surgimento do conceito da língua, talvez fosse 
relativamente fácil constatar que o mesmo deve ter se processado em duas etapas. 
Primeiro, ao se deparar com a primeiro bárbaro, o grego, digamos um filósofo amador, 
deve ter tomado consciência da linguagem humana (especifica à espécie de raça 
humana, como insistem muitos linguistas, tomando como fonte de inspiração filósofos 
como Aristóteles, citado no inicio deste texto), uma vez que o bárbaro teria sido logo 
taxado de uma espécie sub-humana, donde a própria etimologia do termo ‘bárbaro’ que 
denunciava a ausência de uma fala minimamente civilizada. Ou seja, na primeira etapa, 
formou-se o conceito da língua no seu sentido genérico em oposição às formas 
primitivas, animalescas de comunicação. Para que o nosso filosofo grego pudesse 
chegar ao conceito de idioma grego, isto é, seu próprio modo de se comunicar como 
apenas uma língua e não mais a língua, era preciso que ele começasse enxergar a fala do 
bárbaro como uma língua diferente da sua, e não mais como uma forma primitiva de 
comunicação. 
 
 O que o nosso Gedankenexperiment revela são duas coisas muito importantes. 
Em primeirolugar, as reflexões em torno de língua sempre se deram em termos de 
oposições binárias—língua vs. formas primitivas de comunicação, grego vs. o idioma 
dos bárbaros etc. Em segundo lugar, para se chegar ao conceito de uma língua, isto é, 
língua no sentido individualizante, o grego precisou passar por uma experiência de 
humildade e reconhecer que ele se encontrava em pé de igualdade com o bárbaro do 
qual tanto temia e a quem tanto odiava—abrindo mão da postura arrogante que ele 
assumira até então, de considerar o bárbaro como um ser primitivo dotado de uma 
forma rudimentar de se comunicar. 
 
2.2. Delineação das identidades por meio de oposição ‘tudo ou nada’ 
 
 As identidades eram vistas, até bem recentemente, em termos de tudo ou nada. 
Ou um dado ente é derradeiramente x, ou, se não for x, é derradeiramente não-x. Ou 
seja, nada pode ser x e não-x ao mesmo tempo—ou, se quiser, uma mistura dos dois. 
Ademais, a lei da lógica binária chamada ‘exclusão do meio termo’, proibia um ente ser 
nem x e nem não-x. Os fenômenos cujas identidades se revelavam nebulosas eram um 
tanto ‘problemáticos’, muitas vezes simplesmente rechaçados. O repúdio a identidades 
mistas que com frequência se manifesta na adulação e na apologia das identidades 
supostamente ‘puras’, em oposição às outras que não satisfaziam o critério de pureza de 
24 quilates. 
 
 O caso de pidgins e línguas criólas é público e notório. Durante anos a fio, elas 
foram (e continuam sendo) tratadas como línguas fora do padrão e por conseguinte 
inferiores. Isso fica claro, às vezes e surpreendentemente, até mesmos em livros 
introdutórios ao assunto, onde os autores deixam escapar um certo preconceito, como é 
o caso em Kaye e Tosco (2001). Dirigindo-se à questão da propalada ‘anormalidade’ 
das línguas pidgins e crioulas, os autores do livro nos garantem que elas “podem fazer 
contribuições significativas para o estudo das ‘línguas normais’ em termos de evolução, 
aquisição, de descrição, da mesma forma que a neuro-linguística, que procura explicar o 
‘comportamento linguístico anormal’ das crianças com lesão cerebral, pode nos ajudar a 
entender a ‘normalidade’ do cérebro humano intato e o mecanismo da aquisição de 
língua que resultaria do tal entendimento, propiciando o milagre da linguagem” (Kaye e 
Tosco, 2001: 8). É quase patética a tentativa de se abrigar por trás de aspas em torno de 
palavras como ‘línguas normais’, ‘comportamento linguístico anormal’, ‘normalidade’ 
etc. com intuito de se esquivar da acusação de preconceito (cf. Rajagopalan, 2005: 115) 
 
O mesmo tratamento vêm recebendo as línguas ‘mistas’ como portunhol, 
franglais, espanglês, hinglish e por ai vai. São taxadas de línguas inferiores por 
justamente não possuir uma ‘linhagem nobre’. Entretanto, é algo natural que tais línguas 
‘mistas’ se proliferam cada vez mais. As pessoas que habitam os países distantes do 
‘centro’, da Metrópole, têm uma nítida vantagem em perceber o que está acontecendo, 
pois são elas que mais sentem os efeitos imediatos. Como diz Moita Lopes (2008: 323): 
 
O posicionamento nas margens traz para a discussão a necessidade de re-teorizar o conceito 
de língua como também o de língua nacional, uma vez que focaliza a língua em uso na 
fronteira ou nas margens. Essa não coincide com o projeto de fazer uma língua 
corresponder a um estado-nação e a seus limites territoriais: uma experiência que tem 
aumentado em um mundo híbrido de fronteiras porosas como o nosso. 
 
 Em outros trabalhos (por ex. Rajagopalan, 2011b), argumentei que o ódio para 
com as línguas mistas nada mais é do que uma versão disfarçada do ódio à mistura de 
raças ou miscigenação. No fundo, quem prega esse tipo de discriminação contra as 
línguas mistas, contra a ‘miscigenação linguística’, está levando ao cúmulo a metáfora 
que se difundiu, sobretudo no século 19, que é a metáfora que vislumbrava as línguas 
como verdadeiros organismos biológicos. Ora, se as línguas forem pensadas com 
naturalidade mediante as metáforas de famílias de línguas, tendo uma língua-mãe, com 
seus filhotes e línguas-irmãs, não era preciso muita imaginação para se chegar à idéia de 
certas línguas como filhas bastardas—uma espécie de ‘aberração’ que, na visão de 
eugenistas auto-proclamados, não deveria nem sequer existir e merecem ser 
sumariamente eliminadas. 
 
2.3. Robin Dunbar e sua investida antropológica evolutiva 
 
Robin Dunbar se destaca como um dos mais comentados antropólogos de 
atualidade e trabalha com uma perspectiva evolutiva. Ele ficou conhecido no mundo 
acadêmico e fora dele após colocar em cheque a visão mais divulgada e aceita da 
origem das línguas, a saber, a tese de que elas teriam surgido da necessidade de se 
comunicar com maior eficácia do que os demais meios semióticos. Ou seja, graças à 
existência das línguas, os seres humanos conseguem se comunicar entre si e formar 
sociedades. Para Dunbar, as diferentes línguas existem porque o homem tem uma 
necessidade de distinguir entre seus amigos de um lado e seus inimigos do outro. Os 
que falam a mesma língua são seus amigos, os que falam línguas estranhas são, em 
princípio, seus inimigos. Ou seja, o nosso Gedankenexperiment, descrito na seção 2. 1, 
aponta, segundo Dunbar, para o suposto princípio originário das diferentes línguas. 
 
 A moral da história não pode ser outra: a questão política está no âmago, na 
própria gênese da língua. Quer no seu sentido abstrato ou genérico, quer no seu sentido 
individualizante, o conceito da língua sempre esteve repleto das conotações políticas. A 
própria história da linguística, uma ciência erguida com toda pompa e circunstância para 
ser um discurso neutro e ideologicamente isento jamais conseguiu se desvencilhar dos 
interesses ideológico-políticos operantes ao longo de diferentes momentos cruciais da 
sua história. 
 
3. A política linguística no Brasil 
 
3.1. A política lingüística em relação à língua materna 
 
A história de uma política linguística (no sentido de uma language policy bem 
articulada e posta em prática com assiduidade e afinco), ou melhor, a relativa falta da 
mesma, já tem sido destacada por vários estudiosos. Este fato não é tão surpreendente 
assim, sobretudo se levarmos em consideração a total ausência de uma consciência em 
relação à língua nacional até mesmo em Portugal, país que decidia o destino do Brasil 
na época. Como aponta Silva (sem data): 
 
Na verdade, na primeira metade do século XVIII, ainda não se tinha plena consciência em 
Portugal da existência de uma língua nacional nem mesmo a consideravam um instrumento 
linguístico independente em relação em relação à língua espanhola. 
 
Como prova, Silva cita o seguinte trecho de um depoimento de Raphael Bluteau em 
1727: 
 
No ano de 1668, cheguei a este reino e, desde aquele tempo, raro foi o dia em que não me 
aproveitasse de alguma notícia da língua portuguesa... [imaginava-se que a língua 
portuguesa era] casualmente formada de vários fragmentos da língua mourisca e 
castelhana... Também houve quem com rústica simplicidade me disse que não merecia a 
língua portuguesa tanto trabalho. A razão deste disparate é que, na opinião da maior parte 
dos estrangeiros, a língua portuguesa não é língua de per si, como é o francês, o italiano, 
etc., mas língua enxocada e corrupção do castelhano, como os dialetos, as linguagens 
particulares das províncias, que são corrupções das línguas, que se fala na corte e cabeça do 
reino... Sobre esta errada apreensão, tenho tido grandes debates com estrangeiros de porte e 
literatos. A razão em que se fundam é que muitos vocábulos portugueses são radicalmente 
castelhanos, mas truncados e diminutos; falta que (segundo eles dizem) denota a sua pouca 
derivação. 
 
Convém destacar que Bluteau foi um grande estudioso, entre outras coisas, da língua 
portuguesa eautor da obra Vocabulario Portuguez e Latino de oito volumes, elogiado 
por Telmo Verdelho (2009) como “a obra mais monumental da lexicografia portuguesa” 
 
Ou seja, não é nenhum exagero dizer que simplesmente inexiste algo que se 
possa chamar de uma história contínua e bem articulada propriamente dita da política 
linguística sistemática nos países lusófonos, uma vez que a própria metrópole não se 
preocupou com a questão por muito tempo. Houve, isso sim, alguns gestos e episódios 
marcantes que se redundaram em guinadas de suma importância para a nação. Dentre 
estes, Mariani (2004) realça o decreto de Marques de Pombal que selou o destino 
linguístico do Brasil ao proibir terminantemente o uso da Língua Geral e instituir a 
língua portuguesa como a única permitida no território da então colônia portuguesa na 
America do Sul. Para Mariani, o decreto pombalino constitui a primeira medida 
concreta da ordem de uma política linguística na história do país. 
 
Nas palavras de Trouche (2001: 97) 
 
A atitude de Portugal em relação à questão linguística no Brasil colonial reflete uma 
preocupação com a estreita ligação entre língua e domínio imperial, entre língua e espaço 
português, entendido este último como uma identidade cuja coesão interna o defenderia 
contra a corrupção externa. 
 
Ou seja, os colonizadores portugueses logo se conscientizaram de que a questão 
linguística desempenhava um papel importante no que tange à sua missão imperialista, 
dando desse modo total razão a Antonio de Nebrija, autor da Gramática de la lengua 
castellana, que em seu prólogo da sua obra monumental dedicada a Rainha Isabel 
vislumbrou a importância da questaõ linguística na empreitada imperialista que a 
Espanha estva presetes a realizar. Como Trouche (2001: 102) afirma, 
 
A imposição da língua portuguesa [no território brasileiro] foi uma questão fundamental 
para Portugal, no sentido da preservação da colônia, contudo, a concorrência do português 
com a língua geral ainda perdurou até a segunda metade do século XVIII, quando o 
discurso das autoridades portuguesas se centrou numa política de difusão e obrigatoriedade 
do ensino da língua portuguesa. 
 
3.2. A política linguística em relação às línguas estrangeiras 
 
 
No que tange as línguas estrangeiras, a história das politicas linguisticas é ainda 
mais difusa, e muitas vezes até confusa, no Brasil. Na ótica de Silva and Gunnewiek 
(1992: 71) 
 
No Brasil parece prevalecer o pensamento de que a política deve ser primeira e 
preponderantemente uma política direcionada à preservação e à consolidação da língua 
como um meio da cultura. Esta preocupação está claramente restrita a nível nacional que, 
num certo sentido, redundandará em postergação de qualquer preocupação com a política 
linguística fora do país. 
 
É preciso registrar que, de lá para cá, muitas coisas mudaram de forma gritante. 
O país hoje goza de uma economia pujante, tendo ultrapassado em 2012 a Grã Bretanha 
como a sexta maior economia do mundo, medida pelo produto interno bruto. Com a 
entrada no país no clube dos emergentes conhecido como BRICS, há uma crescente 
conscientização do papel que caberá a ele desempenhar no cenário mundial. Junto com 
tal conscientização, tem havido também um crescente interesse em consolidar a língua 
portuguesa nos países lusófonos, em especial aqueles onde a língua convive com outras 
línguas nativas, como no caso, especialmente, de países africanos. Hoje podemos dizer 
que um número significativo de professores e pesquisadores se interessam pelo ensino 
de língua portuguesa como língua estrangeira. Mesmo assim há que se lamentar a falta 
de uma política global e consolidada.** 
 
Curiosamente, o que falta ainda e de forma bastante acentuada é uma política 
clara e bem elaborada no que diz respeito ao ensino de línguas estrangeiras no Brasil. 
Num texto vastamente lido e citado da autoria de Leffa (1999: 16), o autor assinala a 
ausência de planejamento e preparo para o ensino de línguas estrangeiras já no período 
do império—período no qual houve pela primeira vez algum interesse nesse sentido: 
 
O ensino das línguas modernas durante o império parecia sofrer de dois graves problemas: 
falta de metodologia adequada e sérios problemas de administração. A metodologia para o 
ensino das chamadas línguas vivas era a mesma das línguas mortas: tradução de textos e 
análise gramatical. A administração, incluindo decisões curriculares, por outro lado, estava 
centralizada nas congregações dos colégios, aparentemente com muito poder e pouca 
competência para gerenciar a crescente complexidade do ensino de línguas. 
 
Ainda segundo Leffa (1999: 16-17), “[f]oi também durante o império que se iniciou a 
decadência do ensino de línguas, junto com o desprestígio crescente da escola 
secundária.” Na parte introdutório do mesmo texto, Leffa (1999: 15-16) faz uma 
denúncia ainda mais séria: 
 
Historicamente o que aconteceu com os ensino de línguas no Brasil tem sido um eco do que 
aconteceu em outros países, geralmente com um retardo de alguns decênios, tanto em 
termos de conteúdo (línguas escolhidas) como de metodologia (método da tradução, 
método direto, etc.). O método direto, por exemplo, foi introduzido no Brasil em 1931, ou 
seja, 30 anos depois de sua implementação na França. 
 
Outra forma de entender esse atraso é admitir que, em larga medida, as nossas 
autoridades se contentaram em apenas reproduzir o que foi feito no exterior e, o que 
vem ser pior ainda, fez deste modo de agir uma prática rotineira. A justificativa por trás 
dessa atitude, nunca posta nestes mesmos termos, pode ser caracterizada, contudo como 
o seguinte: se deu certo lá fora, não há razão alguma que não deva dar certo aqui dentro, 
entre nós também. O fato incontestável de que as peculiaridades da nossa situação eram 
marcadamente diversas das dos países lá fora (leiam-se, principalmente países mais bem 
desenvolvidos da Europa e da America do Norte) não fez com que os defensores da 
prática desconfiassem dela em momento algum. 
 
Os resquícios dessa forma de pensar e agir são visíveis até os dias de hoje. O 
método direto ao qual faz menção o trecho de Leffa já cedeu seu lugar a outras tantas 
novidades ao longo dos anos. A distância entre o surgimento de uma novidade lá fora e 
sua plena aceitação aqui entre nós vem se encurtando progressivamente e hoje já não 
vale mais o tempo de “alguns decênios” estimado por Leffa no texto acima referido. A 
propagação da Internet e facilidade de acesso a revistas estrangeiras que ocorreram 
nestes anos que passaram talvez expliquem a mudança. 
 
4. Academia e seus ‘modismos’ 
 
4.1. O apego aos ‘modismos’ que advêm do além mar 
 
O que permanece inalterado em larga medida é a aceitação fácil e, muitas vezes, 
acrítica, das posições que foram assumidas, defendidas e propagadas no mundo lá fora. 
Isso talvez tenha a ver com a prática já consagrada de supervalorizar tudo o que vem de 
fora, notadamente da Europa, aliada a uma certa desconfiança em relação a nossa 
capacidade e competência de desenvolver posições e propostas próprias, 
especificamente moldadas para atender às nossas necessidades e às peculiaridades da 
nossa realidade. Como é sabido, as idéias apressadamente “importadas” do exterior, 
com frequência, não levam em conta, conforme já disse, as especificidades e as 
peculiaridades das condições em que se encontram os ditos países “periféricos”, entre os 
quais, infelizmente, o nosso. A título de exemplo, tomemos o caso do ensino da língua 
inglesa no Brasil. 
 
 Logo após a derrocada das abordagens e das metodologias de ensino de língua 
estrangeira aperfeiçoadas no auge da Gramática Gerativa e em torno da figura central do 
famigerado “falante nativo”, surgiu a abordagem comunicativa, que se espalhou ao 
redordo mundo como um verdadeiro surto de epidemia. O fato, porém, é que, como já 
apontei em outros textos (Rajagopalan, 2003a, 2010b), no fundo do fundo, pouco se 
mudou na forma de pensar a linguagem; a mesma foi apenas ampliada para acomodar 
não só a figura do “nativo”, mas suas circunstâncias também. (O novo nativo, a 
protagonista da concepção comunicativa da linguagem podia dizer a seu próprio 
respeito, invocando a autoridade do filósofo espanhol Jose Ortega Y Gasset, “Eu sou eu 
e as minhas circunstâncias”!) 
 
 Ou seja, no que diz respeito ao ensino de línguas estrangeiras, notadamente o 
inglês, sempre houve um forte interesse em preservar os “direitos adquiridos” dos ditos 
“falantes nativos”. Afinal, o inglês há muito tempo deixou de ser mais uma língua para 
se transformar em uma commodity, supervalorizada no mundo afora (Rajagopalan, 
2003b, 2008b). Na verdade, os tais “direitos” nem foram pacificamente adquiridos; pelo 
contrário, foram conquistados, mediante ações e projetos bem planejados. Robert 
Phillipson, em seu livro clássico, Linguistic Imperialism (Phillipson, 1992), já frisava 
que a Grã Bretanha, há muito tempo, havia descoberto o fato de que, após o declínio do 
seu grande império e o seu consequente empobrecimento pós-guerra, era preciso se 
agarrar ao grande projeto de tomar a dianteira no esforço de espalhar a língua inglesa ao 
redor do mundo, já que a língua se transformara em algo mais precioso do que o óleo do 
mar do Norte. 
 
 Não há dúvida de que, nos seus primórdios, digamos por volta da década de 
1960s, a área de estudos recém emancipada chamada ‘Linguistica Aplicada’ se 
encontrava fortemente ligada aos interesses do Conselho Britânico. Alguns dos 
pioneiros da disciplina, entre eles o Professor Pit Corder e Alan Davies, haviam 
trabalhado no Conselho antes de ingressar na vida universitária. Na ótica do Conselho, 
era preciso assegurar a qualquer custo o papel central da Grã Bretanha no projeto de 
levar a língua inglesa aos quatro cantos do mundo. 
 
Qualquer ameaça à centralidade do inglês britânico, a famigerada RP (received 
pronunciation) precisava ser combatida com vigor. O episódio que ficou conhecido 
como “Madras snowball” é testemunha deste esforço desesperado de salvaguardar o 
lugar da RP contra a proliferação das novas variedades de inglês que estavam se 
firmando em diversas partes do mundo. Após a constatação de que o povo do sul da 
Índia estava se distanciando da RP cada vez mais em sua forma de falar o inglês, o 
Conselho Britânico tomou a iniciativa de fazer algo a respeito. O resultado foi a 
elaboração e posterior implementação de um gigantesco projeto de levar uma pelotão de 
foneticistas e fonólogos, de Inglaterra para a cidade de Chennai (na época chamada de 
Madras). Num enorme Instituto de Verão, organizado e patrocinado pelo Conselho 
Britânico, milhares de professores indianos das escolas secundárias foram “treinados”, 
segundo a cartilha da metodologia behaviorista, a falar inglês como a língua é falada no 
país de onde a língua teria começado a sua longa marcha de conquista do mundo. 
 
 Os primeiros resultados formam altamente encorajadores e gerou enorme 
entusiasmo e planos para replicar os resultados em outras partes daquele país e do 
mundo. Mas, não tardou muito para que a decepção se abatesse sobre os entusiasmados, 
que verificaram numa pesquisa posterior, feita para averiguar os resultados do esforço 
após a passagem de alguns meses, que praticamente todas as “cobaias” do ousado 
experimento haviam se retornado aos seus hábitos fonéticos anteriores. O episódio foi 
batizado pela imprensa indiana de “Madras snowball” (bola de neve de Madras) e quase 
criou um incidente diplomático entre a ex-colônia e a Metrópole. O governo indiano foi 
rápido em denunciar a pretensão imperialista por trás do esforço empenhado pelo 
Conselho. 
 
4. 2. Interesses em conflito: Metrópole vs. periferia 
 
 O caso relatado nos parágrafos anteriores mostra claramente que nem sempre as 
teorias e abordagens gestadas na Metrópole atende aos interesses da periferia. 
Consciente ou inconscientemente, elas tendem a ser orientadas pelos interesses de quem 
as elabora e propaga. Em relação ao ensino de inglês, é preciso ter um olhar crítico 
diante das diversas abordagens e metodologias que são repassadas a nós. É preciso ter 
clareza de que, se muitas elas são formuladas tendo como fulcro a figura do “falante 
nativo”, não é de se estranhar que elas estão apenas atendendo aos interesses dos povos 
que se acham os donos da língua. Tanto isso é uma verdade que, houve tempo em que 
até relativamente pouco tempo atrás os intelectuais ingleses demonstravam certa reserva 
em aceitar, quem diria, a variante norte-americana como modo legítimo de falar a 
língua. Veja, por exemplo, o que Robert Bridges (1965 [1925]: 88), poeta laureado da 
Inglaterra e membro de uma sociedade que se chama, pasmem, “Sociedade para Inglês 
Puro”, tem a dizer a respeito dos seus primos do outro lado do oceano atlântico ao 
discorrer sobre o perigo de a língua inglesa se “corromper” ao longo de sua longa 
travessia a terras distantes: 
 
O perigo é ainda mais exacerbado pela larga e caótica distribuição dos falantes de inglês ao 
redor do mundo [que são] expostos a ambientes estranhos de toda sorte. Parece que 
nenhuma outra língua teve sua força central tão dissipada—até essa [maneira de colocar a 
questão] não exauri a descrição do real perigo. Pois, há, alem disso, a condição detestável, a 
saber, que seja onde os nossos compatriotas estiverem habitando, sempre há na sua 
vizinhança comunidades de raças que falam outros idiomas que, mantendo entre – si seu 
idioma nativo, aprendem o nosso o suficiente para mutilá-lo e, efetuando entre eles as 
corrupções estúpidas, acabam infectando a língua inglesa ao seu lado por intermédio de 
contato habitual. Podemos verificar essa ameaça, sem sombra de dúvida em relação a seus 
possíveis desdobramentos, e os Estados Unidos, onde isso é mais evidente [….] 
 
 
 Para a Metrópole, sempre interessava que o ensino do idioma se girasse em 
torno da figura central do “falante nativo”, garantindo assim seu controle sobre o andar 
da carruagem. A pergunta a se fazer é: será que o mesmo se aplica à periferia também? 
Durante anos a fio, pensou-se que os interesses se coincidiam. Quem levantasse 
qualquer tipo de dúvida era prontamente taxado de no mínimo ‘xenófobo’. 
 
 Felizmente, as coisas já demonstram sinais de mudança. Há uma consciencia 
crescente em diversas partes do mundo que as políticas educacionais devem colocar os 
interesses nacionais em primeiro lugar, atendendo-se às prioridades geopolíticas que a 
nação elegeu. Deve haver uma perfeita sintonia entre a política educacional—e isso 
inclui a política de ensino de línguas—e o projeto geopolítico na qual a nação se 
encontra inserida. Ao invés de a linguística teórica ditar as práticas relacionadas às 
políticas linguísticas e, por conseguinte, a fortiori, ao ensino de línguas (cf. 
Rajagopalan, no prelo-1, prelo-2), hoje em dia percebe-se que todos aqueles envolvidos 
de uma forma ou de outra na educação devem atentar para à esfera política, o lugar onde 
tais questões devem ser debatidas e postas em prática. 
 
4. 3. Uma polêmica brasileira em relação ao ensino de inglês 
 
4.3.1. A polemica – um rápido olhar 
 
 A polêmica que se instalou no Brasil nos anos finais do século passado em torno 
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de língua estrangeira ilustra bem 
algumas das mais delicadas questões que dizem respeito à política linguística. Deixando 
de lado os pormenores, a controvérsia foi suscitada, entre outras coisas, pela questão de 
quais habilidades linguísticas devem ser priorizadas na hora de formular a política do 
ensino de inglês no país. A sugestão feita pelos autores da proposta de que talvezvalesse a pena concentrar os esforços na escrita e não na fala foi alvo de mais variadas 
críticas. Eis uma reflexão retrospectiva de Celani (2011) a respeito da reação por parte 
da comunidade: 
 
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Estrangeira, lançados em 1998, 
do qual sou coautora, recomendamos a ênfase em leitura e escrita, considerando as 
situações do contexto brasileiro. Fomos massacrados. Diziam que a proposta era elitista, 
pois excluía a possibilidade de acesso do estudante ao desenvolvimento das quatro 
habilidades - ler, falar, escrever e compreender. Mas como, sem preparo, o professor pode 
desenvolver a habilidade de fala com 50 crianças por classe em duas horas semanais? 
Agora, justamente as práticas de leitura e escrita aparecem como uma necessidade social. 
 
Mais uma vez, não cabe aqui esmiuçar todos os contra-argumentos levantados à época. 
Mas, gostaria de destacar algumas questões que me parecem relevantes do ponto de 
vista de formulação de uma política linguística a nível nacional. 
 
 Em primeiro lugar, convém deixar claro que uma proposta de política linguística 
cujo alcance for todo o território nacional não pode cair na armadilha de propor medidas 
visando apenas uma parcela da população. Obrigatoriamente ela deve mirar a maioria 
da população brasileira e seu bem-estar a curto, médio e longo prazo (cf. Rajagopalan, 
2010b). Quando se pensa em política linguística para um país inteiro, a primeira questão 
que precisa ser levantada e respondida com toda clareza é por que ensinar a língua 
inglesa? Por que é do interesse do cidadão brasileiro dominar o idioma? 
 
 Creio que a resposta para a pergunta levantada no parágrafo anterior só pode ser 
a de que, por bem ou mal, a língua inglesa é a língua que mais circula no mundo. No 
mundo globalizado em que vivemos, conhecer um pouco da língua inglesa significa ter 
melhores oportunidades de estudo e emprego para os milhões de estudantes que 
ingressam em nossas escolas e universidades. Veja bem, eu disse os milhões de jovens 
brasileiros, de Oiapoque ao Chuí e não apenas os jovens da classe média e alta que se 
interessam pela língua inglesa por outros motivos quaisquer, dentre os quais viagens 
internacionais, intercâmbios, interesse pela literatura, música etc. Não tenho nada contra 
estes últimos, pelo contrário... . O que estou insistindo é que uma política sendo 
proposta a nível nacional, com recursos do erário público, não pode se pautar nos 
interesses específicos de uma pequena minoria. Num outro contexto, eu formulei essa 
questão da seguinte forma: 
 
[...] é preciso parar de ver a questão toda apenas do ponto do vista estritamente pessoal e 
individual para pensar na coletividade (sem negar, é claro, o direito que o individuo sempre 
tem de perseguir suas próprias metas, de inclusive remar, se for o caso, contra a maré). Em 
suma, devemos nos esforçar para que nós, como professores, ensinemos inglês para que os 
alunos dominem a língua e não fiquem eternamente no encanto do idioma e a cultura 
específica e muitas vezes fantasiada que o acompanha. [...] O encanto exagerado, não 
adoçado por uma boa dose de realismo e praticidade, corre o perigo de gerar uma espécie 
de alienação e distanciamento das pessoas em relação a outras prioridades, por exemplo, 
aos interesses nacionais. 
 
Quem formula uma política linguística para o ensino de inglês não pode ceder ao desejo 
daqueles (uma minoria insignificante do povo) que se sente empolgado pelo idioma e 
está pronto para vender sua própria alma—feito Fausto—aos encantos que ele e a 
cultura que se associa aos seus falantes. Conforme escrevi numa outra oportunidade, o 
grande desafio é ajudar os aprendizes da língua a aprender a dominar a língua sem ser 
dominado/a por ela. (Rajagopalan, 2005a). 
 
 É preciso, em outras palavras, levar em consideração por que motivo os cidadãos 
brasileiros precisam aprender a língua inglesa nos dias de hoje. E, mais importante 
ainda, em que situações seu conhecimento da língua vai ser posta à prova. No olhar dos 
colegas que fizeram o primeiro rascunho dos parâmetros curriculares, uma grande área 
de demanda para um conhecimento mínimo de inglês é a esfera de 
ensino/aprendizagem, em especial em níveis avançados—precisamente, a área em que o 
Brasil já vem sentindo um atraso que ameaça prejudicar o país, por escassez de mão de 
obra qualificada a altura dos avanços que o país vem registrando nos últimos anos. 
Quando eles propuseram que a ênfase fosse dada, pelo menos no momento atual, nas 
habilidades de leitura e escrita, eles estavam pensando justamente nesse segmento da 
população. 
 
4.3.2. Um olhar retrospectivo sobre a polêmica 
 
 
 Muitas das criticas ferrenhas a que foi submetida a proposta inicial dos 
Parâmetros Curriculares partiram de pressupostos um tanto questionáveis. Alguns 
daqueles que se opuseram à proposta de focar nas habilidades de leitura e escrita, 
argumentando que não se deve negar a ninguém o direito de ter acesso a outras 
habilidades, estavam, ao que parece, se guiando pela idéia amplamente divulgada pelos 
estudiosos de linguagem de que a habilidade linguística de um nativo se manifesta em 
sua plenitude mediante todas as quatro modalidades, sendo que as mais “autênticas” 
entre todas elas são a de fala e de escuta. A linguística sempre tratou a escrita (e, por 
conseguinte, a leitura também) como atividades parasitárias em oposição à fala que foi 
considerada a manifestação espontânea da linguagem—postura esta que Derrida (1967) 
batizou de “fonocentrismo”. 
 
 Outros desferiram suas críticas a partir da posição de que não se deve negar a 
ninguém o direito de aprender do modo que bem entender. Se alguns aprendizes 
quiserem aprender a falar inglês porque gostam da sonoridade daquele idioma ou para 
melhor entender as músicas naquela língua das quais tanto gostam, seria injusto para 
como eles quando se nega a eles tais habilidades. Esses argumentos, no entanto, se 
esbarram na consideração, elaborada anteriormente, de que as políticas linguísticas são, 
ou se não são, devem ser, formulada tendo em mente a ampla maioria do público alvo e 
não uma pequena minoria. E o público alvo das políticas linguísticas de um país é a 
população toda. 
 
 Alguém pode levantar a seguinte objeção neste instante: como é que se pode 
saber o que a população quer a menos que se faça uma enquete, uma consulta em larga 
escala, um plebiscito a respeito? A tentativa de responder à pergunta vai nos conduzir 
diretamente ao âmago da questão: em que consiste uma iniciativa de natureza política 
diferentemente da científica? A política consiste em ação, não constatação. Ademais, ela 
objetiva mudanças num dado status quo, não em sua perpetuação. Embora as iniciativas 
políticas devam estar sensíveis às aspirações e aos desejos daqueles em nome e prol de 
quem elas são elaboradas, elas não podem se limitar a tais restrições. Muitas vezes, as 
políticas devem ter como objetivo introduzir mudanças no comportamento de um povo 
e até mesmo nas suas formas pensar. Em outras palavras, as ações políticas são medidas 
intervencionistas. 
 
5. Observações finais 
 
 É preciso, no meu entender encarar a política linguística para uma nação como 
uma intervenção proposital no emaranhado das relações geopolíticas no qual tal nação 
se encontra em qualquer dado momento histórico. Isso porque a atividade de política 
linguística é impreterivelmente oriunda da política no sentido mais amplo e não da 
lingüística ou qualquer outro ramo do saber que venha reivindicar direito de dar palpites 
sobre ela. O conhecimento de fatos, quer sobre a natureza da linguagem, ou até mesmo 
da(s) língua(s) envolvida(s), pode até ser de grande valia, mas as decisões a serem 
tomadas devem se pautar nos interesses da nação e do povo emgeral. A falta de clareza 
sobre essa questão vital pode levar a grandes equívocos e tropeços com resultados 
desastrosos. 
 
Olhando para os tempos idos, podemos constatar que os grandes estadistas como 
Marques do Pombal tinham plena consciência disso. Em tempos mais recentes Barão 
do Rio Branco, grande arquiteto da nação brasileira em seu atual sentido, soube como 
ninguém a suma importância da língua em selar a integridade territorial de um estado. 
 
 É claro que hoje nós vivemos num outro mundo com outras prioridades e outras 
exigências. A realidade geopolítica do mundo de hoje é irreconhecivelmente distinta da 
dos tempos do Marques e do Barão. Por conseguinte urge pensar em novas formas de 
formular a política linguística no Brasil, com vistas a nova ordem mundial que está ai e 
o importante papel reservado ao nosso país nesta nova ordem. 
 
Agradecimento: 
 
Sou grato ao CNPq pela concessão da bolsa de produtividade (Nº. de processo: 
301589/2009-7). 
 
Notas 
 
* O termo ‘política linguística’ comporta diferentes acepções, devido à ambiguidade 
inerente à palavra política, ambiguidade essa que é lexicalmente desfeita pelo menos em 
parte numa língua como o inglês que distingue entre ‘politics’ and ‘policy’. Mesmo no 
sentido de ‘language politics’ o termo ‘política linguística’ é muitas vezes confundido 
com ‘a política da linguistica’ (cf. Rajagopalan, 2008a). 
 
** Uma prova concreta dessa falta de planejamento linguístico pode ser encontrada 
numa matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, do dia 5 de agosto de 2012. 
Intitulada ‘Brasil de oportunidades faz curso de português ‘bombar’’, o corpo do texto 
na página C4 traz um alerta: “[...] o lado mais perverso da aparente bonança: falta de 
mão de obra qualificada”. E acrescenta: “É esse um dos motivos pelos quais a criação 
de novas vagas vem se esfriando. É também por isso que jovens estrangeiros mais 
escolarizados vêem perspectivas por aqui”. Desnecessário dizer que a situação descrita 
pelas redatoras da matéria nos dá motivos de preocupação. A maior ironia de tudo é a 
possibilidade acenada (ou pelo menos deixada em aberto), talvez não propositadamente, 
de que os jovens estrangeiros venham a não só aprender o idioma e, mas suprir a falta, 
quem diria, da mão de obra qualificada para atender à demanda criada pela vinda de 
outros jovens estrangeiros com objetivos de aprender a língua portuguesa e se ingressar 
no mercado de trabalho nacional. Felizmente, as autoras do texto jornalístico terminam 
seu texto com uma nota otimistista. “O consolo,” dizem elas, “é que a doença tem cura, 
desde que os governos se apressem” e arriscam um prazo para o tomada das medidas 
corretivas: ‘Essa janela se fecha daqui a mais ou menos dez anos”. 
 
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