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O que é comunicar ? Representamos o ato de comunicação como um dispositivo cujo centro é ocupado pelo sujeito falante (o locutor, ao falar ou escrever), em relação com um outro parceiro (o interlocutor). Os componentes desse dispositivo são: - a situação de comunicação que constitui o enquadre ao mesmo tempo físico e mental no qual se acham os parceiros da troca linguageira, os quais são determinados por uma identidade (PSICOLÓGICA e SOCIAL) e ligados por um contrato de comunicação. - os modos de organização do discurso* que constituem os princípios de organização da matéria linguística, princípios que dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante: ENUNCIAR, DESCREVER, CONTAR, ARGUMENTAR. - a língua, que se constitui o material verbal estruturado em categorias linguísticas que possuem, ao mesmo tempo e de maneira consubstancial, uma forma e um sentido. - o texto, que representa o resultado material do ato de comunicação e que resulta de escolhas conscientes (ou inconscientes) feitas pelo sujeito falante dentre as categorias da língua e os modos de organização do discurso, em função das restrições impostas pela situação. Assim sendo, “comunicar” é um fenômeno mais complexo do que propagam alguns trabalhos especializados em comunicação, pois não consiste apenas em transmitir uma informação. Essa ideia remonta às “gramáticas gerais” do século XVII, tendo sido retomada pela filosofia e pela lógica do século XIX e enfim institucionalizada pela Escola do século XX sob a fórmula: “A linguagem é o reflexo do pensamento”. Assim, bastaria “conceber claramente” (pelo pensamento) para “expressar-se claramente” (pela linguagem); sabe-se agora que os processos de concepção e de compreensão estão intrinsecamente ligados aos processos de produção da linguagem. Pensamento e linguagem constituem-se um ao outro numa relação de reciprocidade. “Comunicar” é proceder a uma encenação. Assim como, na encenação teatral, o diretor de teatro utiliza o espaço cênico, os cenários, a luz, a sonorização, os atores, o texto, para produzir efeitos de sentido visando um público imaginado por ele, o locutor - seja ao falar ou escrever - utiliza componentes do dispositivo de comunicação em função dos efeitos que pretende produzir em seu interlocutor. Assim, os textos podem ser objeto de uma categorização em gêneros (publicitários, científicos, de informação, de instrução etc.), e não devem ser confundidos com modos de organização, já que um mesmo gênero pode resultar de um ou de vários modos de organização de discurso e do emprego de várias categorias de língua. Exemplos: a) Os anúncios de oferta de emprego constituem um tipo de texto que utiliza em sua maior parte um modo de organização Descritivo e Narrativo: “Rede de lojas procura gerente de vendas tendo, no mínimo, 30 anos, experiência de gestão, que saiba animar uma equipe, e possua fluência em inglês.” Mas o sujeito falante também pode utilizar o Argumentativo: “Se você for um excelente vendedor, você pode, em um ano, conseguir sua independência financeira.” Do ponto de vista da encenação Enunciativa, o sujeito falante pode interpelar o destinatário do anúncio: “Deseja trabalhar com autonomia? Então este anúncio lhe interessa” - utilizando categorias de língua que modalizam o enunciado de maneira ALOCUTIVA (quando predominam as marcas da 2ª pessoa no discurso). Ou pode apresentar os parceiros desse ato de comunicação como protagonistas de uma narrativa: “Importante laboratório de cosméticos procura Diretor Executivo” - utilizando categorias da língua que modalizam o enunciado de maneira DELOCUTIVA (quando predominam as marcas de 3ª pessoa). b) Uma intenção de comunicação de “pedido de informação” pode ser configurada em diversos gêneros textuais: carta administrativa, carta pessoal, interpelação de rua (“perguntar a hora”), entrevista (sondagens), e encenada através de um modo de organização ora Descritivo, ora Argumentativo. c) um modo de organização do discurso como o Argumentativo pode ser encontrado em diversos gêneros textuais, em maior ou menor grau de incidência: artigo ou trabalho científico, manual escolar, editorial ou comentário de imprensa, publicidade, discussões-debates e mesmo discussões-conversas. d) quanto às categorias de língua, não constituem um princípio de classificação de discursos nem de textos, pois podem ser encontradas em todos os tipos de textos. Adaptado de CHARAUDEAU, Patrice. Linguagem e discurso: modos de organização. Trad. Ângela M. S. Corrêa et al. São Paulo: Contexto, 2008. p. 67-69. * Para saber mais sobre os modos de organização do discurso, consulte o documento “Modos de organização do discurso”.
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