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de cooperação com as Nações Unidas em maio de 1993, abrangendo atividades na prevenção de conflitos e promoção dos valores da democracia e dos direitos humanos, optando sempre pela solução pacífica das controvérsias. OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES 93 respaldavam-se no espírito e na letra da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, bem como do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que compõem o cerne do arcabouço jurídico existente em matéria de proteção e promoção internacional dos direitos humanos. A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, referendou os princípios do ideário democrático, dando- lhe um cunho realmente universal — estiveram presentes à Conferência 171 Estados e 813 organizações não-governamentais (ONGs); além disso, o Fórum Paralelo das ONGs mobilizou 2000 organizações não-governamentais. Entre outros aspectos, a Declaração de Viena, emanada da Conferência, realçou que a observância dos direitos humanos contribui para a estabilidade e para o bem-estar necessários às relações pacíficas e amistosas entre as nações e, conseqüentemente, para a paz e a segurança. De acordo com Celso Lafer, essa Declaração foi o primeiro documento das Nações Unidas que “explicitamente endossou a democracia como a forma de governo mais favorável para o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais”56. Como corolário dessa tendência, ressurgiu entre os países ocidentais a idéia de revitalizar os mecanismos das Nações Unidas para promover os valores da democracia, notadamente por meio da Comissão de Direitos Humanos, dos órgãos de monitoramento dos Pactos sobre Direitos Humanos e da III Comissão da Assembléia Geral da ONU. Em dezembro de 1988, a AGNU aprovou a Resolução 43/ 157 sobre a consolidação do princípio das eleições periódicas e genuínas. A matéria passou a constar de todas as Assembléias Gerais, mas, em dezembro de 1991, foi aprovada a Resolução 46/137, de grande impacto normativo. A Resolução autorizava a indicação de um 56 Alves, (1994), p. XXXIV. 94 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA funcionário de alto escalão para servir de ponto focal para assuntos eleitorais no Secretariado da ONU, bem como a composição de uma equipe de apoio para o assessorar no desempenho de suas funções. Tais desdobramentos resultaram na criação da Divisão de Assistência Eleitoral (DAE), em abril de 1992 57. Na vertente das operações de manutenção da paz, os mandatos aprovados pelo CSNU ou pela AGNU passariam a contemplar a reconciliação política e a reconstrução nacional, fazendo do respeito aos direitos humanos e da realização de eleições por voto universal e secreto fatores primordiais na busca de soluções para os conflitos tratados pela Organização. A importância atribuída à promoção desses valores passou a ser uma das principais diferenças das novas operações de manutenção da paz com relação às operações clássicas. Em linhas gerais, a superação do confronto Leste-Oeste, ao mesmo tempo que permitiu solucionar conflitos remanescentes do período da lógica bipolar, a exemplo das situações em Moçambique e Namíbia, parece ter contribuído para a emergência de contradições adormecidas, cujas motivações obedecem a uma lógica própria e específica nem sempre correlacionáveis com o que ocorre no resto do mundo. O CSNU, tendo à frente os Membros permanentes, incentivados, aliás, por um ideário de valorização das liberdades democráticas e dos direitos humanos, envolveu-se tanto no encaminhamento de solução dos conflitos originários da Guerra Fria, quanto no equacionamento dos conflitos que estavam latentes durante o confronto Leste-Oeste e que eclodiram nos anos 90. 57 A Divisão de Assistência Eleitoral (DAE), órgão subordinado ao Subsecretário-Geral de Assuntos Políticos, desenvolveu duas grandes áreas de atuação: 1) os componentes eleitorais das operações de manutenção da paz e das missões civis, que obedecem a mandatos aprovados pela Assembléia Geral ou pelo Conselho de Segurança; e, 2) as missões de assistência eleitoral, forma de cooperação técnica de pequeno porte sem a necessidade da aprovação de um mandato específico da Assembléia Geral ou do Conselho de Segurança. OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES 95 CARACTERÍSTICAS DAS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES DAS NAÇÕES UNIDAS OU DE SEGUNDA GERAÇÃO Os fatores condicionantes analisados, somados à harmonia crescente entre os Membros permanentes do Conselho de Segurança, cujas primeiras manifestações foram a aprovação da Resolução 598(1987) sobre a guerra Irã-Iraque e da Resolução 660(1990) sobre a Guerra do Golfo, transformaram a agenda da ONU no campo da paz e da segurança internacionais. Estava superado o imobilismo anterior que levara o General George Sherry, assistente do Secretário-Geral das Nações Unidas, a afirmar em 1986 que a ONU “could engage in little more than impasse management in the field of international peace and security”58. O fato de 26 países terem-se voluntariado para participar de operações de manutenção da paz no Afeganistão e na região do confronto entre Irã e Iraque em 1987, muitos dos quais, como Hungria, Indonésia e Turquia, pela primeira vez, mostrou a vontade política existente entre Estados membros para participar desse esforço coletivo de promoção da paz. A proliferação de novas operações provocou uma evolução dos conceitos e princípios das operações de manutenção da paz das Nações Unidas, de fundamental importância no debate ora em curso. Ademais, é útil não apenas distinguir as operações clássicas das multidisciplinares, mas também identificar os atores envolvidos. Evolução dos fundamentos das operações de manutenção da paz das Nações Unidas O CONSENTIMENTO DAS PARTES EM CONFLITO Embora date de 1948 e 49, quando do envio das primeiras missões de observação, o princípio do consentimento das partes foi 58 Ratner, (1995), p. 10. 96 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA consagrado com o desdobramento da UNEF I no Egito em 1956 (crise de Suez). O Secretário-Geral Dag Hammarskjöld deixou claro tratar- se de elemento-chave das forças de paz, no seu relatório de 9/10/58, dirigido à Assembléia Geral sobre as experiências adquiridas com a UNEF I59. Somente a expressão do consentimento assegura o respeito ao princípio de não-intervenção em assuntos internos dos Estados membros, constante do artigo 2,§7 da Carta das Nações Unidas. Na ausência desse consentimento, restaria à ONU não realizar a operação ou impô-la à força, ao amparo do capítulo VII e, portanto, fora do contexto de atividades de manutenção da paz. Em função do caráter intrusivo da presença de forças estrangeiras no país anfitrião, é necessário regular juridicamente a presença dos integrantes das missões de observação e das forças de paz também à luz do princípio do consentimento. A ONU tem insistido na noção de imunidade absoluta de jurisdição civil e penal mediante a conclusão com o governo anfitrião de um acordo ou memorando de entendimento, denominado “acordo das prerrogativas das forças” (Status of Forces Agreement – SOFA), cabendo aos países de origem julgar os delitos ou crimes perpetrados pelos seus nacionais integrantes da operação de paz. As negociações relativas ao SOFA ou ao memorando de entendimento, contudo, são prolongadas por exigir, muitas vezes, a aprovação do Executivo e do Legislativo nos países anfitriões. As resistências centram-se, sobretudo, nos aspectos da imunidade penal, haja vista as denúncias que vêm sendo noticiadas pela imprensa sobre abusos cometidos por alguns integrantes das missões de paz (torturas, contrabando, abusos sexuais etc.). Essa morosidade fez com que a Assembléia Geral endossasse, pela Resolução 52/12(B), em dezembro de 1997, a proposta do