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CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Aula 02 Olá, Pessoal! Está é nossa segunda aula do curso. Como este curso é voltado tanto para o concurso do TCU quanto o da CGU, iremos trabalhar alguns itens que caem em apenas um deles. Esse é caso da aula de hoje, em que a maior parte dos itens que serão trabalhados estão presentes apenas no edital da CGU. Mas também teremos um item para o concurso do TCU. Nesta Aula veremos os seguintes itens dos editais: TCU: 3. O Estado do bem-estar, o Estado regulador CGU: 1. Estado: Conceito e evolução do Estado moderno. 2. Conceitos fundamentais do Direito Público e o funcionamento do Estado. 3. Estado, governo e aparelho de Estado. Apesar de estes itens serem apenas do concurso da CGU, aqueles que desejam prestar apenas para o TCU não pensem que se estudá-los estarão perdendo seu tempo. Estes itens trazem conhecimentos que são importantes para outras matérias, como Direito Constitucional. ÍNDICE 1 Estado: Conceito e evolução do Estado moderno ...................................................... 2 1.1 Evolução do Estado Moderno .............................................................................. 9 1.2 Características do Estado Moderno ................................................................... 15 2 Conceitos fundamentais do Direito Público e o funcionamento do Estado ............... 18 3 Estado, governo e aparelho de Estado ..................................................................... 25 3.1 Formas de Governo............................................................................................ 28 4 Do Estado de Bem-Estar ao Estado Regulador ........................................................ 29 4.1 E no Brasil? ........................................................................................................ 33 1 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 4.2 Crise do Estado de Bem-Estar Social ................................................................ 36 4.3 Estado Regulador............................................................................................... 39 5 Questões Comentadas ............................................................................................. 43 6 Lista das Questões ................................................................................................... 77 7 Gabarito .................................................................................................................... 89 8 Leitura Sugerida........................................................................................................ 89 9 Bibliografia ................................................................................................................ 90 1 Estado: Conceito e evolução do Estado moderno Existem inúmeras definições de Estado. Quando as bancas de concursos querem cobrar o conhecimento referente à definição de algo, elas copiam uma definição de algum autor, dificilmente elas criam as suas próprias definições. Vocês verão com certa freqüência neste curso uma coisa que eu desaprovo, mas que a ESAF e o CESPE fazem direto: eles copiam o texto de algum autor, alteram uma ou duas palavras, e dão à questão como errada. No entanto, não podemos brigar com a banca, temos que entender como elas trabalham. Vamos dar uma olhada em uma questão da ESAF 1. (ESAF/MPOG/2002) Por Estado entende-se um grupo de pessoas que vivem num território definido, organizado de tal modo que apenas algumas delas são designadas para controlar uma série mais ou menos restrita de atividades do grupo, com base em valores reais ou socialmente reconhecidos e, se necessário, na força. Esta questão foi tirada do Dicionário de ciências Sociais, da FGV, segundo o qual: Por Estado entende-se um agrupamento de pessoas que vivem num território definido, organizado de tal modo que apenas algumas delas são designadas para controlar, direta ou indiretamente, uma série mais ou menos restrita de atividades desse mesmo grupo, com base em valores reais ou socialmente reconhecidos e, se necessário, na força. Podemos ver que a questão é correta, já que é quase que uma cópia literal da definição da FGV. 2 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Dallari afirma que a palavra ‘Estado’ apareceu pela primeira vez em “O Príncipe”, de Maquiavel, escrito em 1513. Já Bobbio coloca que tal palavra se impôs através da difusão e do prestígio de “O Príncipe”, mas isso não quer dizer que ela foi introduzida por Maquiavel, ela já devia ser de uso corrente à época, tanto que Maquiavel a usou logo na primeira frase do livro: “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Não faz muito sentido saber se Maquiavel foi o primeiro ou não a usar o termo Estado, vocês devem estar achando que eu estou viajando na maionese, mas a ESAF já cobrou isso. Na prova para Gestor do MPOG de 2005, a banca deu como errada a seguinte alternativa: “O Termo ‘Estado’ foi criado por Maquiavel”. O Estado, como ordem política da sociedade, é conhecido desde a Antigüidade. Contudo, nem sempre teve essa denominação. A polis dos gregos ou a civitas e a res publica dos romanos traduziam a idéia de Estado, principalmente pelo aspecto de personificação do vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem política e de cidadania. Ao longo do tempo, surgiram inúmeras definições de Estado. Algumas são filosóficas, como Hegel, que definiu o Estado como a “realidade da idéia moral”, a “substância ética consciente de si mesma”, a “manifestação visível da divindade”. Outras são jurídicas, como a de Kant: “reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito”. Del Vechio critica esta definição, dizendo que ela poderia ser aplicada tanto a um município quanto a uma penitenciária, mas ele mesmo não vai muito além, definindo Estado como “o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo”. As definições sociológicas partem para o lado da força, da dominação de um grupo sobre outro. É o caso da definição de Max Weber: “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”. Marx, como não poderia deixar de ser, pensa de forma parecida: “o poder organizado de uma classe para opressão de outra”. O conceito de Estado repousa, por conseguinte, na organização ou institucionalização da violência. Para Trotsky, “todo Estado se fundamenta na força”. Duguit traz também uma definição sociológica, mas a partir dela pode-se observar os elementos constitutivos que a teoria política ordinariamente reconhece ao Estado: Grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade. Nesta definição, podemos observar três elementos constitutivos: grupo humano, território e poder político. Mas e esta questão que fala em quatro elementos essenciais? 3 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 2. (ESAF/MPOG/2002) Um Estado é caracterizadopor quatro elementos: povo, território, governo e independência. A questão é certa. Na realidade, existe uma grande diversidade de opiniões a respeito. Hans Kelsen segue a linha de Duguit e afirma que a doutrina tradicional distingue três elementos do Estado: seu território, seu povo e seu poder. Já Dallari afirma que a maioria dos autores indica três elementos, embora divirjam quanto a eles. De maneira geral, costuma-se mencionar a existência de dois elementos materiais, o território e o povo, havendo grande variedade de opiniões sobre o terceiro elemento, que muitos denominam formal. O mais comum é a identificação desse terceiro elemento como o poder ou alguma de suas expressões, como autoridade, governo ou soberania. Dallari decidiu trabalhar com quatro elementos: a soberania, o povo, o território e a finalidade. No meio de tanta confusão, não acho justo a banca cobrar isso como se fosse unanimidade e afirmar que o Estado é composto por aqueles quatro elementos. Contudo, temos que trabalhar com a banca, e ela deu a afirmativa como verdadeira. Vamos ver os elementos do Estado: ƒ Território: espaço geográfico em que o Estado exerce a sua soberania, com a exclusão da soberania de qualquer outro Estado. ƒ Povo: conjunto de cidadãos que se subordinam ao mesmo poder soberano e possuem direitos iguais perante a lei; ƒ Soberania: poder mais alto que existe dentro do território com relação ao seu povo, e frente a outros Estados. Expressa-se como ordenamento jurídico impositivo. ƒ O Governo: núcleo decisório do Estado, formado por membros da elite política, e encarregado da gestão da coisa pública. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório porque, ao menos nas democracias, os que ocupam os cargos governamentais devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as preferências da sociedade. Segundo o Programa Nacional de Educação Fiscal, elaborado pela própria ESAF: Pode-se conceituar Estado como uma instituição que tem por objetivo organizar a vontade do povo politicamente constituído, dentro de um território definido, tendo como uma de suas características o exercício do poder coercitivo sobre os membros da sociedade. É, portanto, a organização político-jurídica de uma coletividade, objetivando o bem comum. 4 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Paulo Bonavides não concorda muito com a definição de Duguit acima, quando ele fala que os “mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade”. Segundo Bonavides, admitir essa dominação por inerente a todo ordenamento estatal equivaleria a excluir a possibilidade de um Estado eventualmente acima das classes sociais e dotado de características neutrais que pudessem, em determinadas circunstâncias, convertê-lo no juiz ou disciplinador correto e insuspeito de arrogantes interesses rivais. Para o autor, uma melhor definição é a de Jellinek, segundo o qual Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Segundo Darcy Azambuja, existem três modos pelos quais historicamente se formam os Estados: ƒ Originário: em que a formação é inteiramente nova, nasce diretamente da população e do país, sem derivar de outro Estado preexistente. É decorrência natural da evolução das sociedades humanas. Um exemplo é a França. ƒ Secundários: quando vários Estados se unem para formar um novo Estado, ou quando um se fraciona para formar outros. Um exemplo são os Estados Unidos da América. ƒ Derivados: quando a formação se produz por influências exteriores, de outros Estados. Um exemplo é Israel. O modo originário se daria quando, sobre um território que não pertence a nenhum Estado, uma população se organizasse politicamente, por impulso espontâneo de suas forças sociais e psicológicas. No mundo atual, toda a superfície do globo está dividida pelos diversos Estados existentes, sendo praticamente impossível que surja um Estado pelo modo originário. O modo secundário pode ser dividido em dois aspectos: ou um Estado se fraciona para formar outros, ou vários Estados se unem para formar um novo Estado. Vimos recentemente, em 1993, a Tchecoslováquia se dividir em dois Estados, a República Tcheca e a Eslováquia. Dentre os modos derivados, a colonização é o mais geral e importante. Temos o caso dos Estados nas Américas, que se formaram a partir da colonização européia. Há também os casos de guerras, como a Alemanha que foi dividida em dois Estados. Dalmo Dallari não trabalha com esta classificação. Ele divide as causas do aparecimento dos Estados em formação originária e formação derivada. Na primeira, partiríamos agrupamentos humanos ainda não integrados em qualquer Estado; e na segunda a formação de novos Estados ocorre a partir de outros preexistentes. Portanto, o que Azambuja considera como secundário, para Dallari seria derivado. Examinando as principais teorias que procuram explicar a formação originária do Estado, Dallari afirma que se chega a uma primeira classificação, com dois grandes grupos: 5 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 1) Teorias que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado, não havendo entre elas uma coincidência quanto à causa, mas tendo todas em comum a afirmação de que o Estado se formou naturalmente, não por um ato puramente voluntário; 2) Teorias que sustentam a formação contratual dos Estados, apresentando em comum, apesar de também divergirem quanto às causas, a crença em que foi a vontade de alguns homens, ou então de todos os homens, que levou à criação do Estado. As teorias não-contratualistas podem ser agrupadas da seguinte forma: ƒ Origem familiar ou patriarcal: as teorias situam o núcleo social fundamental na família. Segundo essa explicação, cada família primitiva se ampliou e deu origem a um Estado; ƒ Origem em atos de força, de violência ou conquista: essas teorias sustentam que a superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de dominantes e dominados; ƒ Origem em causas econômicas ou patrimoniais: o Estado teria se formado para se aproveitarem os benefícios da divisão do trabalho, para suprir as necessidades de trocas dos indivíduos, integrando-se as diferentes atividades profissionais. ƒ Origem no desenvolvimento interno da sociedade: segundo essas teorias, o estado é um germe, uma potencialidade, em todas as sociedades humanas, as quais, entretanto, prescindem dele enquanto se mantêm simples e pouco desenvolvidas. Mas aquelas sociedades que atingem maior grau de desenvolvimento e alcançam uma forma mais complexa têm absoluta necessidade do Estado, então ele se constitui. Já Azambuja divide as teorias sobre a origem da autoridade nas doutrinas teocráticas e doutrinas democráticas. As primeiras defendiam que o poder e a autoridade vêm de Deus. Estas teorias surgiram durante a Idade Média com os pensadores ligados à Igreja e passaram a ser usadas pelas famílias reais européias como forma de se manterem no poder: foi Deus quem escolheu determinada família para reinar. Já as doutrinas democráticas defendem que a soberania, ou o poder político, reside no povo. Vamos ver três autores ligados a esta segunda corrente, e também ao contratualismo.Thomas Hobbes (1588-1679) foi o primeiro grande teórico contratualista. Ele parte da convicção de que o homem, em épocas primitivas, vivia fora da sociedade, em estado de natureza, sendo todos os homens iguais e essencialmente egoístas, tendo todos os mesmos direitos naturais e não existindo nenhuma autoridade ou lei. O estado de natureza foi uma época de anarquia e violência. A existência de direitos naturais preexistentes à ordem política é defendida pelo jusnaturalismo, conjunto de escolas de 6 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS direito que sustentavam a idéia do contrato e da existência de um conjunto de direitos naturais, cuja fonte de validade estava na conformidade com a razão humana. Para pôr termo a este período de violenta anarquia, os homens criaram, por um contrato, a sociedade política e cederam seus direitos naturais a um poder comum, a que se submetem por soberania e que disciplina seus atos em benefício de todos. O contrato que criou o poder, ou o Estado, não pode ser rescindido jamais, porque isso importaria em a humanidade voltar à anarquia do estado de natureza. Segundo Hobbes, o Estado é um Leviatã, monstro alado, que sob suas asas abriga e prende para sempre o homem. Locke parte também da existência de um estado de natureza, mas diverge de Hobbes ao afirmar que nesta época primitiva havia sim ordem e razão, mas que a ausência de leis fundamentais, de uma autoridade que dirima os litígios e defenda o homem contra a injustiça dos mais fortes, determina uma situação de instabilidade e incerteza, e por isso é criada a sociedade política, por um contrato. Além disso, ele defende que os homens não cedem, não alienam seus direitos em favor do Estado, que neles deve respeitar os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade. Rousseau admite ainda mais explicitamente a existência do estado de natureza, uma época primitiva em que o homem vivia feliz e livre fora da sociedade. Segundo o autor, o homem nasceu livre, feliz e bom; a sociedade o tornou escravo, mau e desgraçado. A época de ouro do estado de natureza terminou devido ao progresso da civilização. Para manter a ordem e evitar maiores desigualdades, os homens criaram a sociedade política, a autoridade e o Estado, mediante um contrato. Por esse contrato o homem cede ao Estado parte de seus direitos naturais, criando assim uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral. Mas dentro dessa organização, cada indivíduo possui uma parcela de poder, e, portanto, recupera a liberdade perdida em conseqüência do contrato social. O contrato se mostra uma saída racional nestas teorias, a partir do momento em que os homens buscam a cooperação como forma de evitar a desordem, o estado de natureza. Alguns autores defendem que o contrato social tem dois desdobramentos: um "pacto de associação" pelo qual vários indivíduos reúnem-se para viver em sociedade; e um "pacto de submissão" que instaura o poder político e ao qual o indivíduo promete obedecer. O pacto de associação é comum a todos os contratualistas, já que o contrato social surge desse pacto. Já o de subordinação não é unânime. Vimos que Russeau defende que cada indivíduo permanece com uma parcela de poder. O Estado representa a vontade geral. Para Bobbio: Antes de tudo, há uma distinção preliminar entre dois tipos de contrato, especialmente aprofundada pelos juristas Althusius e Pufendorf: temos, por um lado, o "pacto de associação" entre vários indivíduos que, ao decidirem viver juntos, passam do estado de natureza ao estado social; por outro, o "pacto de submissão" que instaura o poder político e ao qual se promete obedecer. O primeiro cria o direito, o segundo instaura 7 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS o monopólio da força; com o primeiro nasce o direito privado, com o segundo, o direito público. Bobbio fala de um “estado social”. Segundo o autor, A maior parte dos contratualistas (Spinoza, Pufendorf, Locke, por exemplo) põe, ao contrário, entre o estado de natureza puro e o estado político, um estado social, em que os homens convivem segundo a razão, já que são seus próprios interesses que os tornam sociáveis. Essa sociedade é caracterizada por algumas instituições jurídicas de origem pactual, tais como a família, a propriedade e a compra-venda, mediante as quais o homem ultrapassa os limites da comunidade das mulheres e dos bens, as quais constituem a premissa lógica, primeiro, do pactum societatis e, depois, do pactum subiectionis. Trata-se de um "estado de paz, benevolência, assistência e conservação recíprocas". Continua, todavia, sendo um estado imperfeito de sociedade, pois a paz é relativa, podendo a natureza racional e social do homem entrar a cada instante em conflito com o seu instinto de autoconservação. Os direitos naturais dos indivíduos são, desse modo, imperfeitos, isto é, não são garantidos por uma coação superior e extrínseca. O Estado, nascido de um contrato, não acrescenta nada à racionalidade e sociabilidade da sociedade civil: é só um instrumento coativo cuja função é não tanto criar quanto executar o direito que a sociedade racionalmente expressou. Se o contrato é uma relação obrigatória entre as partes, é necessário também saber quais as sanções previstas para quem o infringe. Há várias teorias a respeito deste tema. Segundo Bobbio, de um lado estão os que defendem que o pacto, estabelecido pela vontade, torna-se depois necessário; os povos não o podem revogar. De outro, estão as teses políticas dos monarcômacos, que fazem reviver teorias medievais sobre o tiranicídio: cabe ao povo e, em seu nome, aos éforos, que hão de agir colegialmente contra o monarca ou magistrado republicano que houvesse violado o contrato. Esse direito de resistência ao Governo e de sua deposição, quando, no uso do poder, desrespeitar a lei, foi elaborado depois principalmente pelo pensamento político inglês, nomeadamente por Milton e Locke. Para Locke, o povo conserva um direito em relação tanto ao príncipe como ao poder legislativo: o de julgar se eles procedem contrariamente à confiança que neles se depositou; não havendo na terra um juiz superior às partes, só resta o apelo ao céu, isto é, o direito à revolução, para mudar de Governo ou instituir novo legislativo. Esse problema não se apresenta dentro da concepção de Hobbes, para quem o soberano, estabelecido para manter a paz, há de gozar de impunidade em tudo o que fizer, uma vez que só ele, e não os indivíduos, possui o direito de julgar sobre o que é bom ou é mau para o Estado; a única sanção cabível nesse caso depende da sua 8 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS incapacidade de manter a ordem, isto é, não da quebra da legitimidade do seu poder, mas da sua efetividade. 1.1 Evolução do Estado Moderno Segundo Dalmo Dallari, com pequenas variações, os autores que tratam da evolução do Estado adotaram uma seqüência cronológica compreendendo as seguintes fases: 1) Estado Antigo: com a designação de Estado Antigo, Oriental ou Teocrático, os autores se referem às formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas começavam a definir-se entre as antigas civilizações do Oriente propriamente dito ou do Mediterrâneo. A família, a religião, o Estado,a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem distinção aparente. Há duas marcas fundamentais do Estado deste período: a natureza unitária e a religiosidade. O Estado Antigo aparece como uma unidade geral, não admitindo qualquer divisão interior, nem territorial, nem de funções. A influência predominante foi religiosa, afirmando-se a autoridade dos governantes e as normas de comportamento como expressões da vontade de um poder divino; 2) Estado Grego: na realidade não havia um Estado único, envolvendo toda a civilização helênica, mas várias cidades-Estado, que apresentavam características comuns. O ideal visado era a auto-suficiência, a formação de uma cidade completa, com todos os meios de se abastecer por si. No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, que compõe a classe política, com intensa participação nas decisões do Estado. No entanto, nas relações de caráter privado, a autonomia da vontade individual é bastante restrita. 3) Estado Romano: uma das peculiaridades mais importantes do Estado Romano é a base familiar da organização, razão pela qual sempre se concederam privilégios especiais aos membros das famílias patrícias, compostas pelos descendentes dos fundadores do Estado. Assim como no Estado Grego, durante muitos séculos, o povo participava diretamente do governo, mas aqui também devemos considerar apenas uma faixa restrita da população. Os diversos povos conquistados possuíam um status inferior aos romanos. Somente no final do Império, quando Constantino assegurou a liberdade religiosa do Império, é que desapareceu, por influência do Cristianismo, a noção de superioridade dos romanos, que fora a base da unidade do Estado Romano. 4) Estado Medieval: surge com as diversas invasões bárbaras e o esfacelamento do Estado Romano. Os principais elementos de caracterização do Estado Medieval foram: cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo. O cristianismo vai ser a base da aspiração à universalidade. Afirma-se desde logo a unidade da Igreja, num momento em que não se via claramente uma unidade 9 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS política. Motivos religiosos e pragmáticos levaram a conclusão de que todos os cristãos deveriam ser integrados numa só sociedade política. Por outro lado, as invasões bárbaras introduziam novos costumes e estimulavam as próprias regiões invadidas a se afirmarem como unidades políticas independentes, daí resultando o aparecimento de numerosos Estados. Apesar da presença do Imperador, havia uma pluralidade sem definição hierárquica de poderes menores e a variedade imensa de ordens jurídicas, que formavam um quadro de instabilidade, gerando o germe de criação do Estado Moderno. As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno. A necessidade de restaurar a unidade do Estado romano fez despertar a consciência para a busca da unidade, que afinal se concretizaria com a afirmação de um poder soberano, no sentido de supremo, o mais alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial. A burguesia ascendente necessitava da ordem para ter segurança em suas rotas comerciais e da unidade para ter uma moeda comum que permitisse o comércio em maior escala. Por isso patrocinou a ascensão da primeira versão do Estado Moderno, o Estado Absolutista. O Estado Moderno tem como marco a Paz de Westfália, que foi uma série de tratados de paz na metade do século XVII que inaugurou o moderno Sistema Internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado- Nação. Mais a frente veremos as características do Estado Moderno. Para Bobbio teríamos a seguinte seqüência de formas de Estado consagrada junto aos historiadores: 1. Estado feudal 2. Estado estamental 3. Estado absoluto 4. Estado representativo. Vamos ver as definições de Bobbio para cada um deles. O Estado feudal é caracterizado pelo exercício acumulativo das diversas funções diretivas por parte das mesmas pessoas e pela fragmentação do poder central em pequenos agregados sociais. No Estado feudal há uma fragmentação do poder. É só lembrarmos que no feudalismo os nobres possuidores de terra detinham um elevado poder sobre seus feudos. Por Estado estamental entende-se a organização política na qual se foram formando órgãos colegiados que reúnem indivíduos possuidores da mesma posição social, precisamente os estamentos, e enquanto tais fruidores de direitos e privilégios que fazem valer contra o detentor 10 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS do poder soberano através das assembléias deliberantes como os parlamentos. Estamento, segundo o Dicionário Houaiss, significa: “grupo de indivíduos com análoga função social ou com influência em determinado campo de atividade” Uma sociedade estamental é uma “ordem de status” baseada em “prestígio social” para qualificar positiva ou negativamente os grupos sociais. Os grupos positivamente qualificados costumam manter um estilo de vida que desvalora o trabalho físico, o esforço premeditado e contínuo, o interesse lucrativo, e buscam, através de monopólios sociais e econômicos, a manutenção de um modus vivendi exclusivo, diferenciado, traduzido em privilégios de consumo. A razão de ser dos estamentos, portanto, é a desigualdade calcada na diferenciação da honra pessoal, no exclusivismo social e na ostentação do consumo. Uma sociedade dividida em estamentos diferencia-se de uma sociedade dividida em classes sociais porque o critério de separação das classes é econômico, é a posse ou não de riqueza, de um bem. Já nos estamentos, o critério é status, é o pertencimento a determinado grupo, como os nobres portugueses que acompanharam a família real ao Brasil em 1808. Tanto que Raymundo Faoro usa o termo Estamento Burocrático para designar o grupo que dominava o Estado brasileiro na época do Império e que fazia uso do patrimonialismo como forma de administração. Bobbio diferencia a evolução do Estado Moderno em duas fases: sociedade por camadas e moderna sociedade civil. A primeira era caracterizada pela presença de uma articulação social por camadas (baseadas no reconhecimento jurídico dos "direitos" e das "liberdades" tradicionais e no prestígio da posição social adquirida). Já a segunda, uma configuração contemporânea, constitui um modo diferente de articulação social, horizontal e não vertical, fundada sobre a posição de classes no confronto das relações de produção capitalista. Ou seja, num primeiro momento as relações sociais tinham um caráter muito mais estamental, baseadas no prestígio, enquanto no segundo, o capitalismo havia transformado essas relações para algo mais próximo das classes sociais, baseado na posição econômica dos indivíduos. Podemos dizer que esta sociedade por camadas era caracterizada pela força dos antigos grupos feudais, os nobres, que ainda detinham muito poder e limitavam a atuação do príncipe, já que este, num primeiro momento, dependia das categorias ou camadas sociais para criar e manter o quadro administrativo e um exército permanente. Segundo Bobbio: A origem "senhoril" do poder monárquico foi na verdade de tal maneira marcada que depressacondicionou o processo de formação do aparelho estatal por causa da absoluta insuficiência das entradas privadas do príncipe para a instauração de uma administração eficiente e, sobretudo, para a criação de um exército estável. Daí resultou a absoluta necessidade do príncipe de recorrer à ajuda do "país", por 11 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS meio de suas expressões políticas e sociais: as categorias sociais reunidas em assembléia. A ajuda financeira era subordinada a um prévio “conselho” por parte das próprias camadas sociais, em torno dos fins para os quais o príncipe tinha sido obrigado a solicitar sua ajuda financeira. Junte-se a isso o fato de a posição de força ocupada por essas camadas sociais, que detinham participação nos mais altos cargos administrativos e políticos que paulatinamente iam surgindo para acompanhar o crescimento da dimensão estatal. Isso constituía um aspecto contraditório em relação à tendência centralizadora do Estado Moderno, uma tendência para a gestão monopolista do poder por parte de uma instância unitária e monocrática. O desenvolvimento constitucional do Estado moderno devia desenvolver-se contra as categorias sociais, em razão da eliminação do seu poder político e administrativo. Pouco a pouco, o príncipe superou a dependência de financiamento junto a estas camadas e eliminou o "direito de aprovação dos impostos" dos grupos sociais, inventando modos e canais de arrecadação das contribuições controladas e administradas diretamente por ele. O principie ganhou poder, em detrimento das camadas sociais. Segundo Bobbio: Esse processo foi possível, conforme se acentuou, graças à progressiva conquista, por parte do príncipe e de seu aparelho administrativo, da esfera financeira, à qual estava intimamente ligada a esfera econômica do país. Isso pode acontecer, em primeiro lugar, graças ao apoio que o príncipe facilmente encontrou, na sua luta contra os privilégios, até fiscais, da mais importante das categorias sociais: a nobreza. Esse apoio veio da parte dos estratos mais empenhados da população e particularmente da burguesia urbana, na mira de uma distribuição dos encargos fiscais mais justa entre as várias forças do país e, também, de uma ativa política de defesa, de sustentação e de estímulo do príncipe em relação à atividade. O principie ganha o apoio da burguesia na luta contra o poder da nobreza, principalmente contra os privilégios dessa classe, buscando uma tributação mais justa. Além disso, buscava-se uma delimitação de um espaço das relações sociais. Bobbio afirma que: O Estado moderno significava precisamente a negação de tudo isso: a instauração de um nível diferente da vida social, a delimitação de uma esfera rigidamente separada de relações sociais, gerenciada exclusivamente de uma forma política. A negação a que o autor se refere é a estrutura da sociedade de camadas sociais, em que não havia uma separação entre o social e o político e persistia uma articulação 12 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS policêntrica, com base na prevalência senhorial ou "pessoal" do poder. Portanto, o Estado Moderno surge como uma forma de diferenciação do Estado e da sociedade civil. A gestão do Estado deverá se dar de forma exclusivamente política, excluindo-se a influência das categorias sociais. Outra separação importante que ocorreu se deu em relação à Igreja. Para Bobbio: A distinção entre o espiritual e o mundano, inicialmente introduzida pelos papas para fundamentar o primado da Igreja, desencadeou agora sua força na direção do primado e da supremacia da política. A burguesia não lutava apenas contra a nobreza, mas também contra o clero. A Igreja havia colocado de forma bem distintas o plano terreno, mundano, e o espiritual, com o objetivo de se colocar como representante de Deus na Terra e fundamentar seu poder junto a sociedade. No entanto, esta distinção foi usada depois pelo Estado moderno justamente para instaurar o Estado laico, o Estado em que prevalece a política e não a religião. O Estado Moderno nasceu da passagem do feudalismo para a Idade Moderna, possuindo como característica marcante a centralização e a personalização na figura do monarca que detinha o poder com exclusividade. A unidade dos Estados Nacionais convergia para o soberano, que era o elemento de integração, consolidação e poder. Nascia a primeira versão do Estado Moderno, o Estado Absolutista. A formação do Estado absoluto ocorre através de um duplo processo paralelo de concentração e de centralização do poder num determinado território. Por concentração, entende-se aquele processo pelo qual os poderes através dos quais se exerce a soberania - o poder de ditar leis válidas para toda a coletividade, o poder jurisdicional, o poder de usar a força no interior e no exterior com exclusividade, enfim o poder de impor tributos, - são atribuídos de direito ao soberano pelos legistas e exercidos de fato pelo rei e pelos funcionários dele diretamente dependentes. Por centralização, entende-se o processo de eliminação ou de exautoração de ordenamentos jurídicos inferiores, como as cidades, as corporações, as sociedades particulares, que apenas sobrevivem não mais como ordenamentos originários e autônomos, mas como ordenamentos derivados de uma autorização ou da tolerância do poder central. O absolutismo centrava-se na figura do rei, que era a fonte da qual emanavam todas as determinações. Durante sua evolução, ele passou por dois momentos. No primeiro, que durou até o início do século XVIII, a base de sustentação do poder tinha origem divina, o rei era considerado uma extensão de Deus na terra, o que lhe permitia amplas prerrogativas em sua autoridade. 13 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS No segundo período, predominou uma fundamentação racionalista para o poder dentro do ambiente do iluminismo dominante, chamado de “despotismo esclarecido” ou, em outra perspectiva, chamado, em alguns países, de “Estado de Polícia”. O Estado era considerado uma associação para a consecução do interesse público, sendo que o príncipe, seu órgão ou seu primeiro funcionário, deveria ter plena liberdade nos meios para alcançá-lo. Quando o Estado (monarca) se tornou monopolista na esfera política, os interlocutores diretos deixaram de ser as categorias para se tornar os indivíduos, instalando o princípio do individualismo, um dos marcos do Estado Moderno Liberal. A excessiva centralização de poder nas mãos do rei, cujo poder era ilimitado e arbitrário, passou a se tornar um empecilho para a classe burguesa. Assim, o Estado Absoluto, de incentivador da burguesia, passou a ser seu obstrutor. De apoio a uma política mercantilista na qual a burguesia comercial era privilegiada com uma estreita regulamentação das atividades econômicas, o que era uma necessidade para a consolidação e o acúmulo de capitais, o Estado Absolutista passou a ser considerado um empecilho ao desenvolvimento das atividades econômicas quando houve a necessidade de expansão do capital para além das fronteiras nacionais. Com a Revolução Francesa, em 1789, uma nova fasedo Estado Moderno tem início. Sob os auspícios de Rousseau e tendo como propulsor o desejo da burguesia de ir além do poder econômico que já possuía, tomando para si o poder político que era privilégio da aristocracia, nasce o Estado Liberal. Se durante o regime absolutista havia a concentração do poder nas mãos do monarca, no Estado Liberal o poder foi transferido ao povo. A determinação da política econômica era no sentido de não intervenção nos negócios privados, deixando-os fluir ao sabor do mercado. Segundo Mário Lúcio Quintão Soares: O liberalismo deve ser compreendido como movimento econômico- político, tendo como base social a classe burguesa, propugnando, na esfera econômica, o princípio do absenteísmo estatal e, na esfera política, sufrágio, câmaras representativas, respeito à oposição e separação de poderes. Em relação ao Estado Representativo, Bobbio afirma que ele surgiu “sob a forma de monarquia constitucional e depois parlamentar, na Inglaterra após a ‘grande rebelião’, no resto da Europa após a revolução francesa, e sob a forma de república presidencial nos Estados Unidos da América após a revolta das treze colônias contra a pátria-mãe”. O que diferencia o Estado representativo dos demais é a presença de representantes do “povo” (por povo entendendo-se, ao menos num primeiro momento, a classe burguesa), reconhecendo-se direitos políticos aos indivíduos. No Estado representativo os sujeitos soberanos não são mais o príncipe investido por Deus, nem o povo como sujeito coletivo e indiferenciado, mas sim o cidadão, que possui direitos naturais, direitos que cada indivíduo tem por natureza e por lei e que, precisamente porque originários e não 14 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS adquiridos, podem fazer valer contra o Estado inclusive recorrendo ao remédio extremo da desobediência civil e da resistência. Vimos acima que Bobbio colocou uma seqüência reconhecida pela doutrina que contém quatro tipos de Estado: feudal, estamental, absolutista e representativo. Mas o autor afirma que a última fase da seqüência histórica não exaure certamente a variedade de estados hoje existentes. Os Estados que escapam da fase dos Estados representativos são os Estados socialistas (Bobbio escreve ainda na época da URSS), Contudo, não é fácil dizer qual é a forma de Estado que eles representam, sendo muito amplo o contraste entre os princípios constitucionais oficialmente proclamados e a realidade de fato. Um traço marcante que diferencia os Estados socialistas, em contraste com as democracias representativas é que, nestas, nós temos sistemas multipartidários e, naqueles, monopartidários. É só lembrarmos da China, que até hoje mantém um sistema de partido único. Segundo Bobbio: O domínio de um partido único reintroduz no sistema político o princípio monocrático dos governos monárquicos do passado e talvez constitua o verdadeiro elemento característico dos Estados socialistas de inspiração leninista direta ou indireta, em confronto com os sistemas poliárquicos das democracias ocidentais 1.2 Características do Estado Moderno Vimos que o Estado Moderno surgiu em função da necessidade de ordem e unidade, deficiências do Estado Medieval. O Estado Moderno, no que tange à sua organização, constituiu na passagem dos meios reais de autoridade e administração, que eram de domínio privado, para a propriedade pública; e o poder de mando, que vinha sendo exercido como um direito do indivíduo, fosse expropriado, primeiro, em benefício do príncipe absoluto, e depois, do Estado. Segundo Bobbio: A história do surgimento do Estado moderno é a história dessa tensão: do sistema policêntrico e complexo dos senhorios de origem feudal se chega ao Estado territorial concentrado e unitário por meio da chamada racionalização da gestão do poder e da própria organização política imposta pela evolução das condições históricas materiais. Para Weber, as características essenciais do Estado Moderno são: ƒ a ordem legal, ƒ a burocracia, ƒ a jurisdição compulsória sobre um território 15 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS ƒ a monopolização do uso legítimo da força De acordo com Max Weber, o Estado moderno, ao se constituir, foi retirando dos diversos elementos da sociedade o direito de uso da força e da violência que antes era exercido por várias instâncias sociais, e foi concentrando para si este direito, utilizando-o apenas de conformidade com as leis vigentes. Hoje, o Estado moderno reivindica para si "o monopólio da violência física legítima", exercendo-o como o seu único detentor. E o uso da força e da violência pelo Estado é legítimo porque está fundado em lei socialmente reconhecida. Só o Estado detém a autoridade e o poder de prender, de sustar o direito de ir e vir e de algemar e punir o cidadão de várias formas. Para Habermas: O Estado moderno tem duas marcas constitutivas: a soberania do poder estatal, corporificada no príncipe, e a diferenciação do Estado em relação à sociedade, ainda que, de maneira paternalista, se tenha reservado às pessoas em particular um teor essencial de liberdade subjetiva. Para Weber, uma característica do Estado Moderno é dominação racional-legal, ou o modelo burocrático, que vimos na aula demonstrativa. Contudo, temos que lembrar que, como falamos acima, a primeira versão do Estado Moderno é o absolutismo, ainda marcado pela dominação tradicional e pelo patrimonialismo. No modelo racional-legal temos uma ordem jurídica impositiva. Isto porque o conjunto das normas e leis que se exercem imperativamente. O Estado é a única organização cujo poder regulador ultrapassa os seus próprios limites organizacionais e se estende sobre a sociedade como um todo, sendo, por isso, chamado de “poder extroverso”. Em razão disso, o Estado é dotado de soberania. Segundo Weber: O Estado moderno possui as seguintes características, primeiramente formais: uma autoridade administrativa e judicial sujeita a mudança de estatutos, e à qual a atividade do quadro administrativo, também sujeito à mudança de estatutos, se orienta. Este sistema de autoridade reivindica validade não apenas para membros da associação, a maioria dos quais a ela pertencem por nascimento, mas também, numa grande extensão, para toda conduta que ocorre dentro da área de sua jurisdição; é, portanto, uma associação compulsória com uma base territorial. Além disso, considera-se o uso da força hoje como legítimo, apenas na medida em que é permitido pelo Estado ou prescrito por ele. Esta reivindicação do Estado moderno de monopolizar o uso da força é uma marca distintiva tão essencial a ele com o seu aspecto de jurisdição compulsória e de organização contínua. Falando da necessidade do Estado Moderno para a burguesia, Bobbio afirma que: 16 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS É fácil de entender, nesse processo, o papel desenvolvido pelas chamadas premissas necessárias para o nascimento da nova forma de organização do poder. A unidade de comando, a territorialidade do mesmo, o seu exercício através de um corpo qualificado de auxiliares “técnicos” são exigências de segurança e eficiência para os extratos de população que deuma parte não conseguem desenvolver suas relações sociais e econômicas no esquema das antigas estruturas organizacionais. Podemos ver aqui três características que ele chama de “necessárias”: unidade de comando, territorialidade e corpo técnico. Vimos que Dallari divide as principais teorias que procuram explicar a formação originária do Estado em dois grandes grupos: as teorias que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado e as teorias que sustentam a formação contratual dos Estados. Em ambos os grupos, a primeira função do Estado é a manter a ordem e a segurança interna, além da garantia da defesa externa. É com base nesta função que o aparato de segurança pública, o exército permanente, se torna um componente fundamental do Estado. É com base nisso também que o Estado é definido como a instituição que exerce o monopólio legítimo do uso da força ou da coerção organizada. Contudo, a manutenção da ordem pelo Estado exige regras estabelecidas, um ordenamento jurídico impositivo. Portanto, outra função do Estado é a de regulamentação jurídica, de estabelecer o direito. Vimos também que o Estado precisa ser financiado, principalmente por tributos cobrados junto à sociedade. Por esses motivos que outro componente fundamental do Estado é o quadro administrativo ou administração pública, que tem como atribuição decidir, instituir e aplicar as normas necessárias à coesão social e à gestão da coisa pública. Essas são funções clássicas do Estado, presentes mesmo nas concepções do Estado mínimo, originalmente características do capitalismo competitivo, quando predominava aquilo que hoje denominamos Estado Liberal. Todavia, com variações entre os diferentes países, o Estado “mínimo” – que se restringia a assegurar as condições de funcionamento do mercado – representava antes um modelo ideal do que a efetiva realidade, particularmente no que dizia respeito ao comércio exterior. Já nos séculos XVIII e XIX, na maior parte dos países ocidentais, o Estado desempenhava funções de proteção à economia interna, mediante políticas claramente protecionistas. Ainda assim, desde o século XVIII alguns Estados europeus (Áustria, Prússia, Rússia, Espanha) começaram a desenvolver outras funções, orientadas para o bem-estar dos súditos. Essas, entretanto, não eram típicas do moderno Estado capitalista: tinham natureza estritamente assistencial. Todavia, somente na década de 1940 é que 17 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS efetivamente se definiu uma função social do Estado, com a afirmação explícita do princípio do Estado de Bem Estar Social: Independentemente da sua renda, todos os cidadãos, como tais, têm direito a ser protegidos contra situações de dependência de longa duração (velhice, invalidez) ou de curta duração (doença, maternidade, desemprego). Esta função faz parte de uma das etapas da evolução do Estado Moderno, que veremos mais a frente, que é o Estado de Bem-Estar Social. Também no Estado de Bem-Estar Social, desde o fim da Segunda Guerra, na maioria das sociedades industrializadas assumiu-se como função do Estado a oferta de serviços sociais, que gradualmente passaram a abranger diversas políticas de proteção e de compensação das desigualdades sociais – renda mínima, alimentação, saúde, educação, habitação, etc. – asseguradas aos cidadãos como direito político e não como caridade. Ao mesmo tempo, o Estado assumiu a função de prover a maximização da eficiência do sistema econômico mediante a planificação, que se refere à centralização, por parte do Estado, dos poderes de planejamento e execução das políticas econômicas, a gestão direta de grandes empresas, a regulamentação econômica e a intervenção pública em sustentação à iniciativa privada. 2 Conceitos fundamentais do Direito Público e o funcionamento do Estado Segundo Bobbio, durante séculos o direito privado foi o direito por excelência. O primado do direito privado se afirmou com a difusão e recepção no Ocidente do direito romano, cujos institutos principais são a família, a propriedade, o contrato e os testamentos. O direito público como corpo sistemático de normas nasce muito tarde com respeito ao direito privado: apenas na formação do Estado Moderno, embora possam ser encontradas as origens dele entre os comentadores do século XIV. Com a dissolução do Estado antigo e com a formação das monarquias germânicas, as relações políticas sofreram uma transformação tão profunda e surgiram na sociedade medieval problemas tão diversos – como aqueles das relações Estado e Igreja, entre o Império e os reinos, entre os reinos e as cidades – que o direito romano passou a oferecer poucos instrumentos de interpretação e análise. O Estado Liberal manteve o primado do privado sobre o público, mas segundo Bobbio: O primado do público assumiu várias formas segundo os vários modos através dos quais se manifestou, sobretudo no último século, a reação contra a concepção liberal do Estado e se configurou a derrota 18 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS histórica, embora não definitiva, do Estado Mínimo. Ele se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação, até a eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais, e, portanto sobre a crítica de uma das teses mais correntes do utilitarismo elementar. Mais a frente, Bobbio afirma que: Praticamente, o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra-estatais, ou seja, o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil em relação ao Estado, emancipação que fora uma das conseqüências históricas do nascimento, crescimento e hegemonia da classe burguesa. Com a derrubada dos limites impostos à atuação estatal, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total. O primado do público sobre o privado representa também o primado da política sobre a economia, ou seja, da ordem dirigida do alto sobre a ordem espontânea, da organização vertical da sociedade sobre a organização horizontal. Prova disso é que o processo de intervenção dos poderes públicos na regulação da economia é também designado como processo de “publicização do privado”. Contudo, o processo de publicização do privado é apenas uma das faces do processo de transformação das sociedades industriais mais avançadas. Ele é acompanhado e complicado por um processo inverso que Bobbio chama de “privatização do público”. O Estado Moderno é caracterizado por uma sociedade civil constituída por grupos organizados cada vez mais fortes e atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente. Estes grupos são considerados como organizações semi-soberanas, como as grandes empresas, as associações sindicais, os partidos, dotadas de grande poder de influência nos rumos do Estado. Veremos isso melhor no neocorporativismo, uma das formas de intermediação de interesses que veremos na próxima aula. Assim, a publicização do privado representa o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade,representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil. Já a privatização do público é caracterizada pela revanche dos interesses privados através da formação de grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. Ao mesmo tempo em que surge o Estado Liberal, temos também o aparecimento da primeira noção de Estado de Direito. Ganha força o movimento político do Constitucionalismo, que tinha como objetivo estabelecer em toda parte regimes constitucionais, governos limitados em seus poderes, submetidos a constituições 19 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS escritas. Este movimento confunde-se, no plano político, com o liberalismo e, como este, sua marcha no século XIX e nas três primeiras décadas do século XX foi triunfal. Uma das principais inovações do Estado Moderno foi a separação da esfera pública da privada. Vimos acima que o Estado Moderno surge como uma forma de diferenciação do Estado e da sociedade civil. Segundo Bobbio: Através da concepção liberal do Estado tornam-se finalmente conhecidas e constitucionalizadas, isto é, fixadas em regras fundamentais, a contraposição e a linha de demarcação entre o Estado e o não-Estado, por não-Estado entendendo-se a sociedade religiosa e em geral a vida intelectual e moral dos indivíduos e dos grupos. Bobbio, para melhor conceituar o Estado de Direito, faz uma distinção entre a limitação dos poderes do Estado e a limitação das funções do Estado: O liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Estado mínimo. Enquanto o Estado de direito se contrapõe ao Estado absoluto entendido como legitibus solutus, o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo: deve-se, então, dizer que o Estado liberal se afirma na luta contra o Estado absoluto em defesa do Estado de direito e contra o Estado máximo em defesa do Estado mínimo, ainda que nem sempre os dois movimentos de emancipação coincidam histórica e praticamente Podemos afirmar que os principais elementos do Estado de Direito são: ƒ a submissão do império a lei, ƒ a separação dos poderes ƒ a definição de direitos e garantias individuais. A submissão ao império da lei se dá com o estabelecimento das primeiras Constituições, a sujeição do poder estatal ao ordenamento jurídico. Os liberais se enquadram na teoria jusnaturalista, defendendo que há uma série de direitos que precedem o Estado e que este deve obedecê-los. O Estado de Direito é aquele em que apenas as leis podem definir qual é o Direito que competirá ao governante aplicar. Em relação à separação de poderes, Montesquieu ganhou notoriedade com a criação da teoria da colaboração de funções, apontando a existência de três formas: o Legislativo, que fazia e corrigia as leis; o Executivo das coisas que dependem dos direitos das gentes que promovia a paz ou a guerra e ações ligadas a outros Estados; e, por último, o Executivo das coisas que dependem do Direito civil, ou seja, aquele que possui o poder de julgar porque punia os crimes e julgava os litígios entre os indivíduos, dando este último origem ao Poder Judiciário. 20 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS O poder na realidade é uno, e tem titular único – o povo. A separação de poderes estabelece uma divisão de caráter funcional e orgânico quanto ao exercício das três funções estatais: a legislativa, a jurisdicional e a administrativa. O poder político é superior a todos os outros poderes sociais. Quando falamos em poder político, estamos nos referindo à soberania estatal, tanto em relação às forças interiores quanto às externas. Quatro qualidades são decorrentes do poder político: ƒ Unidade; ƒ Indivisibilidade; ƒ Indelegabilidade; ƒ Imprescritibilidade. A soberania é una porque não pode existir mais de uma autoridade soberana em um mesmo território. Se repartida, haveria mais de uma soberania, quando é inadmissível a coexistência de poderes iguais na mesma área de validez das normas jurídicas. É indivisível porque o poder soberano, apesar de delegar atribuições, repartir competências, não divide a soberania. Nem mesmo a separação de poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário importa em divisão da soberania. Pelos três órgãos formalmente distintos se manifesta o poder uno e indivisível, sendo que cada um deles exerce a totalidade do poder soberano na sua esfera de competência. É indelegável, ou inalienável, porque a vontade é personalíssima: não se transfere a outros. O corpo social é uma entidade coletiva dotada de vontade própria, constituída pela soma das vontades individuais. Os delegados e representantes eleitos terão de exercer o poder de soberania segundo a vontade do corpo social consubstanciada na Constituição e nas leis. É imprescritível no sentido de que não pode sofrer limitação no tempo. Uma nação, ao se organizar em Estado soberano, o faz em caráter definitivo e eterno. Não se concebe soberania temporária, ou seja, por tempo determinado. Por fim, a enunciação dos direitos fundamentais refere-se justamente ao reconhecimento dos direitos que devem ser obedecidos pelo Estado. O objetivo das primeiras constituições liberais era assegurar à sociedade certos direitos e garantias mínimos, destinados a conferir-lhes um espaço de liberdade perante o Estado. Foram previstos, então, os direitos à liberdade de locomoção, de reunião, de manifestação do pensamento, o direito à vida e à propriedade, entre outros, bem como garantias relacionadas a estes direitos, a exemplo do habeas-corpus, remédio constitucional destinado a assegurar o direito à liberdade de locomoção. Estes direitos e garantias correspondem ao que chamamos de direitos fundamentais de primeira geração. Sua característica principal é que exigem uma não-ação do Estado, no sentido de respeitar as esferas jurídicas por eles protegidas. Por isso que estas 21 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS Constituições são conhecidas também como negativas, dando ênfase ao objetivo construir um espaço de liberdade individual sem intervenção estatal. Com o surgimento do Estado Representativo, assistiu-se ao surgimento do Estado Democrático de Direito, que reúne os princípios do Estado Democrático e o do Estado de Direito. Vimos que Bobbio afirma que o Estado Representativo, surgiu “sob a forma de monarquia constitucional e depois parlamentar, na Inglaterra após a ‘grande rebelião’, no resto da Europa após a revolução francesa, e sob a forma de república presidencial nos Estados Unidos da América após a revolta das treze colônias contra a pátria-mãe”. No entanto, apesar de as primeiras constituições preverem a participação popular por meio do voto, esta participação era ainda restrita. Segundo Darcy Azambuja: As primeiras Constituições escritas e leis que se lhes seguiram, ainda que inspiradas nas idéias igualitárias das doutrinas do Contrato Social, não deram o direito de voto a todos os membros da sociedade. A primeira grande exclusão foi das mulheres, até bemrecentemente ainda. Os legisladores da Revolução Francesa, em contradição com as idéias de igualdade que pregavam, partiram do axioma de que sociedade deve ser dirigida pelos mais sensatos, mais inteligentes, mais capazes, pelos melhores, por uma elite enfim. É o que se denomina sufrágio restrito. Para descobrir essa elite dois critérios foram adotados: 1º) são mais capazes os indivíduos que possuem bens de fortuna; 2º) são mais capazes os que possuem mais instrução. É o sistema do senso alto, do voto restrito pelas condições de fortuna ou de instrução Além disso, o termo democrático não significa apenas que há uma maior participação da sociedade por meio do voto. O Estado de Direito durante o início do Estado Liberal tece como conseqüência a distorção do princípio da legalidade. Restringiu-se o exame da validade de uma lei aos seus aspectos meramente formais, permitindo a subsistência no ordenamento jurídico estatal de qualquer regra posta em vigor, uma vez observado o procedimento próprio para sua instituição. Por causa disso, o Estado de Direito evoluiu em direção ao Estado Democrático de Direito, no qual se considera a lei não só pelo ângulo formal, mas também pelo material, reconhecendo-se a legitimidade tão somente daquelas que apresentarem conteúdo democrático, em conformidade com os interesses e aspirações do povo. Segundo Macpherson, a expressão “democracia liberal” também apresenta esta dualidade de conceitos. Num primeiro sentido, ela pode ser considerada como a democracia de uma sociedade de mercado capitalista, onde a liberdade é um valor de suma importância. Num segundo sentido, ela expressa uma sociedade empenhada em garantir que todos os seus membros sejam igualmente livres para concretizar suas capacidades, ou seja, ao lado da liberdade, a igualdade torna-se um valor imprescindível. Segundo o autor: 22 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS “Liberal” pode significar a liberdade do mais forte para derrubar o mais fraco de acordo com regras do mercado; ou pode significar de fato igual liberdade para todos empregarem e desenvolverem suas capacidades. Esta última definição é contraditória em relação à primeira. Como teoria, a democracia liberal começou a surgir em princípios do século XIX. Mas é em meados do mesmo século que uma mudança na sociedade irá exigir um modelo muito diferente de democracia. A classe trabalhadora começava a parecer perigosa à propriedade, uma vez que as suas condições de vida e trabalho se tornavam tão ostensivamente desumanas. Começa a ganhar força o socialismo, colocando em alerta a burguesia. Assim, numa segunda fase do Estado Liberal, no século XIX, buscou-se sua legitimação, através de lutas políticas e sociais, com a ampliação do conceito de cidadania, mediante expansão dos direitos políticos (como voto secreto, periódico e universal) a outros segmentos sociais e o resgate da idéia da igualdade jurídica como o marco dos direitos fundamentais. Percebe-se uma mudança de rumos e de conteúdos no Estado Liberal, quando este passa a assumir tarefas positivas, prestações públicas, a serem asseguradas ao cidadão como direitos peculiares à cidadania, ou agir como ator privilegiado do jogo sócio-econômico. No decorrer da evolução política das sociedades, surge um segundo tipo de Constituição, a social ou dirigente. Enquanto as liberais eram chamadas de negativas, as sociais, pelo contrário, exigem uma atuação positiva do Estado. Esta mudança de paradigma ocorreu porque se percebeu que o Estado Liberal não assegurava plenas condições de desenvolvimento para os membros economicamente mais fracos do corpo social, o que impedia a plena fruição das liberdades asseguradas pela Constituição liberal. O antigo individualismo do liberalismo deixou de se adequar à nova realidade social. A liberdade negativa precisou ser revista, girando em torno da remoção de obstáculos para o auto-desenvolvimento dos homens. Permitindo que os indivíduos usufruíssem de um número cada vez maior de liberdades, o liberalismo estaria valorizando igualdade de oportunidades. Essa foi a fórmula de passagem do Estado mínimo para o Estado Social, o que resultou na transformação de seu perfil, deixando de ser uma atuação negativa, para promover a assunção de tarefas positivas do Estado. Aparecem então os direitos fundamentais de segunda geração, que defendem que o Estado coloque em prática uma série de políticas públicas que busquem justamente conferir tais condições materiais, de modo a assegurar um mínimo de igualdade entre os membros da sociedade. São os chamados direitos sociais, como os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, entre outros direitos que voltam-se a obter uma igualdade real entre os indivíduos, em complemento à igualdade formal assegurada pelo modelo anterior de Constituição. Aqui nascia o Estado Social de Direito. 23 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS A primeira conseqüência desse novo perfil de atuação positiva trazido pelo Estado Social de Direito foi a diminuição da atividade livre do indivíduo. Cresce a intervenção estatal, desaparece o modelo de Estado mínimo, as liberdades contratuais e econômicas são reduzidas, nascem os partidos políticos. Governo e partidos são mais suscetíveis às reivindicações sociais. A justiça social era vista como necessidade de apoiar indivíduos de uma ou de outra forma quando sua autoconfiança e iniciativa não podiam mais dar-lhes proteção, ou quando o mercado não mostrava a flexibilidade ou a sensibilidade que era suposto demonstrar na satisfação de suas necessidades básicas. Esta justiça social emerge como componente estatal de reivindicações igualitárias, dando origem a construção do Estado do Bem-Estar ou Welfare State, que veremos adiante. Esta evolução dos direitos pode ser observada em Marshall, que afirma que podemos distinguir na história política das sociedades industriais três fases: 1. A primeira, ao redor do século XVIII, é dominada pela luta pela conquista dos direitos civis, como liberdade de pensamento, de expressão, etc. 2. A fase seguinte, ao redor do século XIX, tem como centro a reivindicação dos direitos políticos, como o de organização, de propaganda, de voto, etc., e culmina na conquista do sufrágio universal; 3. É precisamente o desenvolvimento da democracia e o aumento do poder político das organizações operárias que dão origem à terceira fase, caracterizada pelo problema dos direitos sociais, cujo acatamento é considerado como pré-requisito para a consecução da plena participação política. O direito à instrução desempenha historicamente a função de ponte entre os direitos políticos e os direitos sociais: o atingimento de um nível mínimo de escolarização torna- se um direito-dever intimamente ligado ao exercício da cidadania política. No Século XX, assistimos ao surgimento dos direitos fundamentais de terceira geração. Depois das atrocidades cometidas durante as duas Grandes Guerras, o mundo percebeu que era necessário fortalecer direitos que tivessem como destinatário não somente os indivíduos, grupos ou Estados, mas também o gênero humano em si, como uma coletividade representado pela família, pelo povo, pela nação e pela própria humanidade. Por isso, o ideal central destes direitos é a Fraternidade. Entreos direitos desta geração estariam o direito do meio-ambiente, à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao patrimônio histórico e cultural, etc. São direitos de titularidade coletiva e, ou difusa, e, até mesmo, dos povos e Estados. 24 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS 3 Estado, governo e aparelho de Estado Como falei no início da aula, as definições usadas pelas bancas não são criadas por elas mesmas, mas copiadas de outros autores. Vamos ver uma questão da ESAF 3. (ESAF/MPOG/2003) O governo é o grupo legítimo que mantém o poder, sendo o Estado a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada. No caso das democracias liberais, o Estado tem que manter a legitimidade desse grupo atendendo de forma diferenciada ao seu público de apoio: Essa questão foi tirada do glossário de um curso da ENAP: Governo: Grupo legítimo que mantém o poder, sendo o Estado a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada. É formado por todos os poderes e funções da autoridade pública. Dessa forma, temos que entender que esta parte da alternativa está correta, já que é cópia. É um tanto vago dizer que o Estado é a estrutura pela qual a atividade do grupo é definida e regulada, mas também não podemos dizer que esteja errado. A questão é errada porque nas democracias liberais o Estado não deve atender determinados grupos de forma diferenciada. Ele deve obedecer ao princípio do universalismo de procedimentos. Como a alternativa fala em democracias liberais, temos que colocar aqui o Estado democrático, a inclusão das demais classes sociais na política. O Estado contemporâneo é visto como uma organização que está sob a influência de três tipos de agentes sociais: a alta tecnoburocracia operando no seu interior; as classes ou elites dirigentes, formada pelos grandes empresários, pelos intelectuais de todos os tipos, e pelos políticos e líderes corporativos; e, finalmente, a sociedade civil como um todo, que engloba os dois primeiros, mas é mais ampla que os mesmos. Segundo Maria das Graças Rua: Esta tensão entre o ideal e o mundo real da política, entre o bem público e o interesse particular, tem sido objeto da reflexão política e do esforço de construção de mecanismos institucionais que configuram o que hoje conhecemos como democracia liberal: a regra da maioria, a separação e independência dos poderes, o mandato representativo limitado, as eleições livres e regulares, e outras. Em conseqüência a ação do Estado não é apenas a expressão da vontade das classes dominantes, nem é o resultado da autonomia da burocracia pública. Em contrapartida, também não é a manifestação de interesses gerais. Ao invés disso, essa ação é o resultado contraditório e sempre em mudança das coalizões de classe que se formam 25 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS na sociedade civil e da autonomia relativa do Estado garantida por sua burocracia interna. Portanto, a legitimidade do governo, nas democracias liberais não é mantida atendendo-se de forma diferenciada ao seu público de apoio, mas sim uma relação como diversos atores, inclusive a sociedade como um todo. Bobbio conceitua governo como: O conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade. É preciso, porém, acrescentar que o poder de Governo, sendo habitualmente institucionalizado, sobretudo na sociedade moderna, está normalmente associado à noção de Estado. Existe uma segunda acepção do termo Governo, mais própria da realidade do Estado moderno, a qual não indica apenas o conjunto de pessoas que detêm o poder de Governo, mas o complexo dos órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder. Neste sentido, o Governo constitui um aspecto do Estado. Segundo Maria das Graças Rua: O Governo, por sua vez, é o núcleo decisório do Estado, formado por membros da elite política, e encarregado da gestão da coisa pública. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório porque, ao menos nas democracias, os que ocupam os cargos governamentais devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as preferências da sociedade. Hely Lopes Meirelles diferencia Governo de Administração Pública: Governo – Em sentido formal, é o conjunto de poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos. Administração Pública – Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessária aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos 26 www.pontodosconcursos.com.br CURSO ON-LINE – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR: RAFAEL ENCINAS em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. Neste conceito de administração pública temos o que chamamos de aparelho de Estado. No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a definição é a seguinte: Entende-se por aparelho do Estado a administração pública em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do Estado, em seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e três níveis (União, Estados-membros e Municípios). O aparelho do Estado é constituído pelo governo, isto é, pela cúpula dirigente nos Três Poderes, por um corpo de funcionários, e pela força militar. O Estado, por sua vez, é mais abrangente que o aparelho, porque compreende adicionalmente o sistema constitucional-legal, que regula a população nos limites de um território. O Estado é a organização burocrática que tem o monopólio da violência legal, é o aparelho que tem o poder de legislar e tributar a população de um determinado território. Com base nesta distinção entre Estado e Aparelho do Estado, o plano justifica porque se chama Reforma do Aparelho do Estado e não Reforma do Estado. A segunda seria um projeto amplo que diz respeito às varias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da sociedade brasileira, enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania. Quando se quer reformar o Estado, o objetivo é melhorar a governabilidade; quando se quer reformar o aparelho do Estado, o objetivo é melhorar a governança. Estudaremos melhor estes conceitos na próxima aula. Segundo Maria das Graças Rua: O que hoje entendemos como “Administração Pública” consiste
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