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Carola Dunn TRES LORDES E UM AMOR

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Título: Três lordes e um amor
Autor: Carola Dunn
Título original: A lord for miss Larkins
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1992
Publição original: 1991
Género: Romance histórico
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida
O sonho de Alison, de casar-se com um lorde, ia se realizar. Já havia sido apresentada à nobreza e três jovens de sangue azul a cortejavam. Então, por que a perturbadora sensação quando fitava os olhos castanhos de Philip Trevelyan, que era um simples cavalheiro? Por que sofrera ao descobrir que ele amava a elegante lady Emma? Alison aprendia quê a vida nâo é feita só de sonhos e risos, mas também de algo chamado amor, que é maravilhoso e às vezes faz chorar!
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CAPITULO I
Com um suspiro de satisfação, Alison fechou o último romance publicado pela sra. Kitty Cuthbertson. Encolhida no canto do sofá, que já mostrava sinais evidentes dos anos de uso, ela deixou que sua imaginação vagasse por entre castelos de mármore e corredores si​nistros de mosteiros sombrios. Que romântico deveria ser ter um jo​vem lorde, bonito e elegante, caindo a seus pés! Ou melhor, dizia-lhe o senso prático, um lorde ajoelhando-se a seus pés, em adoração pe​la amada.
Do lado de fora da janela, grossos pingos de chuva caíam do céu acinzentado. Na lareira, o ténue crepitar das chamas deu um suspi​ro final e transformou-se em brasas incandescentes. Alison levantou-se de seu refúgio sobre o velho sofá, colocou o precioso livro sobre uma mesinha e, num movimento gracioso, apanhou o espanador de penas que a aguardava.
O enorme cachorro negro espreguiçou-se sobre o tapete roto e er​gueu a cabeça maciça para observar a agilidade com que ela movia aquele pássaro engraçado e sem vida sobre as estantes e poltronas. Não contente com isso, ela esfregou o pobrezinho sobre um quadro de Dresden. Os humanos eram mesmo muito estranhos. O melhor era esquecê-los. Assim, o cão imponente caminhou para a larga ja​nela e inclinou-se, para olhar a chuva que já caía mais suave.
O que o animal não poderia imaginar é que naquele exato mo​mento, na mente fantasiosa de Alison, ela era uma bondosa fada madrinha que transformava em ouro todos os objetos que tocava com o espanador, ou melhor, com a varinha de condão. Sua tarefa era dar à jovem Alison Larkin um bonito traje para ir ao baile e co​nhecer o príncipe encantado com quem seria feliz para sempre. Bem, talvez um príncipe seria pedir demais. Embora os romances da sra. Meeke afirmassem que os nobres da Inglaterra não possuíam mais fortunas fabulosas, eles ainda tinham prestígio. Pensando melhor, Alison decidiu que se contentaria com um conde ou até mesmo um barão.
Espanou mais uma vez o retrato que repousava sobre a lareira e suspirou. Olhando para a moça que sorria na moldura dourada, quase podia reconhecer seus próprios cabelos negros, ligeiramente encara​colados, o rosto oval e suave, onde sobressaíam os brilhantes olhos azuis.
Quando este retrato foi feito, mamãe tinha dezenove anos, minha idade atual, pensou ela, e papai também não devia ser muito mais velho.
Não se recordava dos pais e algumas vezes ficava triste, contudo, não permitia que isto apagasse seus arroubos e anseios juvenis: a vi​da estava ali para ser vivida.
—	Midnight! — exclamou ela, ao ver que o animal encostava o focinho na janela. — Pare de se esfregar aí. Acabei de limpar os vidros. — Puxou o enorme cachorro negro e passou o avental na marca que ficara na vidraça. — Bem, parece que a chuva está parando. Vou levá-lo para um passeio, mas terá que esperar até que lá fora seque um pouco.
Um som ininteligível foi emitido por Midnight, porém Alison com​preendeu que ele concordava. Antes de levá-lo para o passeio pro​metido, ela olhou mais uma vez para certificar-se de que o livro com encadernação luxuosa estava devidamente guardado. Letty nunca lhe emprestaria outro romance se alguma coisa acontecesse com aque​le.
Cautelosa, abriu a porta da sala de visitas e chamou Midnight pa​ra segui-la. Mal a havia fechado atrás de si, três pequeninos terriers surgiram saltitantes à sua frente.
Fechou a porta da sala de visitas, Alison? — a voz surgiu inesperadamente, emitida por uma figura alta, vestida com obscuro traje cinza e uma touca branca de algodão. — Desça daí, Goose —ralhou ela com um dos cãezinhos.
É bom que ele desça mesmo, tia Di. Não tenho intenção de passar o resto do dia limpando pêlo de cachorros dos móveis.
Eu ia ver se Cleo tem um pouco de chá pronto — disse a senhora. — Estou muito aborrecida, minha última pena quebrou quan​do eu estava quase terminando de fazer as contas...
Vou levar Midnight para um passeio e se a senhora desejar posso lhe comprar algumas — ofereceu-se Alison, enquanto caminhava, seguida pela tia e pelos animais.
Nos dias de hoje as penas estão pela hora da morte. Mas o que vou fazer? Não posso passar sem elas. Por favor, minha querida, compre-me uma dúzia.
Ouviu-se uma batida na porta e Alison atendeu. Um rapazote, vestido de andrajos, estava parado à soleira e tra​zia um pequeno pacote.
Encomenda para os Larkin — anunciou ele.
Somos nós. Obrigada. Espere um momento que vou ver se con​sigo um trocadinho para você.
Num gesto rápido o garoto escondeu o pacote àscostas:
—	Seis pence seriam muito melhores, senhorita. Caminhei da ci​dade até aqui, estava chovendo e...
Antes que ele concluísse a sentença, um pirralho que estivera as​sistindo à cena, do outro lado da Ormond Street, surrupiou o paco​te de suas mãos e entregou-o para Alison, com um sorriso no rostinho encardido. Disse, orgulhoso:
—	Percebi que a senhorita tinha um problema e quis ajudar.
Alison sorriu para o garoto:
—	Obrigada, Tarry Joe. Vá até a cozinha e diga à tia Cleo para lhe dar um pêni por ter me ajudado a economizar cinco!
O garoto assentiu e correu para dentro da casa.
O mensageiro, que ainda estava à porta, suspirou, enfiou as mãos nos bolsos vazios e saiu assobiando, com ar indolente.
Alison fechou a pesada porta de carvalho e fitou o pacote.
Vinha da índia e fora trazido por um certo capitão Barlow. Com um gritinho entusiasmado, ergueu a saia do vestido azul— real e cor​reu para a cozinha.
—	Tia Di, chegou um pacote de tia Zenóbia! — anunciou.
Os terriers interpretaram seu entusiasmo como uma brincadeira e correram, saltando junto de seus pés.
—	Sinto muito, amiguinhos! — riu a jovem, — mas a brincadei​ra terá de ficar para depois. Saiam!
Os cachorros obedeceram com um olhar de reprovação que pro​vocou uma gargalhada. Depois, driblando os animais, fez com que saíssem, fechou a porta da cozinha e fitou as três tias que estavam à mesa, cada qual com sua xícara de chá.
Tia Cleo, roliça e corada, serviu chá para Alison.
Quem estava à porta, querida? — perguntou.
Um mensageiro com um pacote de tia Zenóbia — respondeu ela, colocou-o em frente de tia Polly e sentou-se.
Como a mais velha das irmãs, Polly Larkin era quem merecia o direito de abrir a encomenda. Era uma mulher de olhar indefinido, com alguns fios de cabelos grisalhos escapando da touca branca. Ela pegou o pacote com uma expressão nervosa e disse, como as outras esperavam:
—	Di, pode abrir e ler para nós?
Tia Di colocou o óculos que trazia pendurado no pescoço e preparou-se para a importante missão que lhe fora confiada.
Já fazia dois anos que haviam recebido a última notícia de tia Ze-nóbia Winkle. E todas se recordavam, pois com o dinheiro conse​guido pela venda das echarpes de seda que ela enviara, tinham comprado carvão para todo o inverno.
Sussurros ecoaram pela cozinha quando quatro pares de brincos de ouro emergiram do pequeno pacote.
—	Vou comprar um ganso! — exclamou tia Cleo. — Quis tanto comprar um para o Natal, mas antes tarde do que nunca!
Alison deu um suspiro pôde ser ouvido pelas demais mulheres. Era pena que as jóias tivessem de ser vendidas, mas não podiam dar-se ao luxo de mantê-las.
Eles são um pouco chamativos — falou tia Di. — Acha que alguém vai comprá-los?
Claro. Há mulheres que gostam de ser notadas...
Alison estava prestes a pedir à tia Di e tiaCleo que lhe dissessem que mulheres eram essas, quando ouviu-se a voz tímida de tia Polly:
Só o ouro que eles contêm, dará um bom dinheiro.
Tem razão, Polly — exclamou tia Cleo, batendo palmas. — Ousaria dizer que renderá o suficiente para comprarmos um vestido novo para cada uma.
Vestidos de seda, farfalhantes, e capas de lã, de veludo, macias, dançaram na imaginação de Alison.
—	O que diz a carta, tia Di? — perguntou, curiosa.
A tia desdobrou o papel que acompanhava os brincos, com um ligeiro tremor das mãos envelhecidas.
Pelos céus! — gemeu, ao ler. — O sr. Winkle foi para o descanso eterno e Zenóbia está voltando para casa. Quando ela escreveu esta carta, disse que pretendia chegar no final de janeiro, portanto, pode aparecer a qualquer momento!
Bem — disse tia Cleo, — não temos tempo a perder. Já passou da hora de começar a fazer minha torta de carne. Alison, ajude-me a preparar a mesa para abrir a massa.
A jovem obedeceu, tirando tudo que havia sobre a mesa, enquan​to tia Polly deixava a cozinha. Tia Di pegou as jóias e embrulhou-as novamente.
Quer que as leve ao joalheiro? — indagou Alison. — Tinha mesmo prometido levar Midnight para um passeio.
Por favor, querida. Mas desta vez terá que ser um dos joalheiros elegantes da Oxford Street. Vista sua melhor roupa e, por favor, não deixe Midnight entrar na loja.
Alison obedeceu e pouco depois caminhava para a cidade, em com​panhia do cachorro.
Não havia como negar, a chegada de tia Zenóbia iria mudar a vi​da delas, se não pelo dinheiro que possuía, ao menos pela presença diferente que teriam em casa.
Muitos preparativos precisavam ser feitos para receber a nova mo​radora. Necessitariam contratar mais alguém para ajudar e nisso já iria um pouco do dinheiro dos brincos.
Quando saiu da joalheria elegante levava uma quantia que a seus olhos era uma verdadeira fortuna. Ficou feliz por ter levado Mid​night para escoltá-la. Ele não era um animal agressivo, mas seu por​te desencorajaria qualquer batedor de carteiras. Estava tão imersa em seus pensamentos que levou um grande susto quando, ao virar a Tottenham Court, deparou com um garoto esfarrapado. Depois, suspirou aliviada ao reconhecê-lo e perguntou:
Olá, Squeak. Já vendeu todas as flores?
Sim, senhorita — respondeu ele, com voz estridente. — O jardim de dona Polly não produz muito nesta parte do ano. Sabe, tem a neve, o frio. As empadinhas de dona Cleo são muito mais compradas. As pessoas apreciam uma empada quentinha quando o tempo esta frio e chuvoso como hoje.
Alison assentiu, sorrindo, e continuou seu caminho.
Os dias que se seguiram foram de muito trabalho para as Larkin. A cortina precisava de remendos, os tapetes, de consertos, e as tias se esforçavam, buscando tornar a casa mais agradável para a irmã que estava por chegar.
Um dia, soou a campainha e Alisom correu para atender.
Na rua, uma carruagem elegante chamava a atenção dos transeun​tes. A porta se abriu e um imponente cavalheiro desceu, estendendo a mão para uma exuberante figura feminina que olhou ao redor, com ar ansioso, ao sair.
Logo vários ajudantes começaram a descarregar uma infindável bagagem e o cavalheiro conduziu a senhora até Alison.
Você deve ser Alison — arriscou tia Zenóbia Winkle.
Sim, madame — respondeu Alison, como fora instruída.
A viúva do mercador indiano entrou na casa e envolveu a sobri​nha num abraço caloroso.
As três irmãs se aproximaram e a emoção inundou o ambiente.
Aproveitando-se da distração das tias, Alison voltou para a porta e viu que Tarry Joe e Squeak estavam ajudando a carregar as deze​nas de caixas e pacotes que compunham a bagagem da recém-chegada. Mostrou a eles onde colocar as coisas e voltou para junto das comovidas senhoras.
Tia Zenóbia apresentou o cavalheiro que a acompanhava:
—	O sr. Osborne era sócio do meu pobre Winkle — explicou.
Alison fitou-o, curiosa. Alto, magro, era uma figura quase eté​rea, e a ser um homem bonito, com a pele morena e olhos muito negros. Animou-se quando ouviu-o prometer que voltaria para ver como estaria se dando a sra. Winkle. Acompanhou-o até a porta e quando o sr. Osborne ergueu o chapéu em uma saudação, ficou de​cepcionada. Assim que ele se afastou, suspirou tristemente. Pudera vê-lo melhor à luz do dia e sem o chapéu: o cavalheiro era um ho​mem de muita idade para ela, seus cabelos já começavam a exibir uma aura prateada.
Ao voltar, encontrou as tias na sala de visitas e viu que tia Zenóbia olhava desanimada para os móveis velhos.
Pelos céus, isto está uma catástrofe! — exclamou ela.
Percebendo que tia Di ia retrucar, Alison interferiu:
Fez uma boa viagem, tia Zenóbia?
—	Nem tanto, criança. Foi muito longa, cansativa, e eu não podia exigir que o pobre sr, Osborne fizesse o papel de dama de companhia. A minha acompanhante, a sra. Bowditch, sofre muito com viagens e tive de permitir que ficasse lá. Ela é viúva de um coronel e...
Ouvindo a história da sra. Bowditch, Alison pensou no sr. Osbor​ne. Talvez a vida num país tropical lhe houvesse causado envelheci​mento precoce... De repente, percebeu que tia Di falava com ela e empertigou-se toda.
—	Alison, por favor mostre o quarto para Zenóbia.
A jovem obedeceu e levou a tia para cima. Sentou-se na cama e ficou observando a aia, que ela trouxera, ajudá-la.
Conhece o sr. Osborne há muito tempo, tia? — perguntou, criando coragem.
Acho que há uns vinte anos. Ele foi trabalhar com meu marido com apenas dezessete e tornou-se um homem de negócios. Quando decidi voltar à Inglaterra, disse a ele que deveria vir comigo, arrumar uma esposa e constituir família.
Alison não ouviu o resto, pois estava concentrada em sua aritmé​tica mental. Dezessete mais vinte...
—	O jantar está servido — anunciou tia Di, entreabrindo a porta do quarto.
No momento em que tia Zenóbia olhou os pedaços de carne, do dia anterior teve outra reação de desgosto.
Não sabia que você viria hoje — declarou tia Cleo, na defensi​va. — Vou ver se consigo um ganso para amanhã.
Está delicioso, titia! — tentou apaziguar Alison.
Minhas queridas eu nunca sonhei que estavam vivendo em tais condições! — lamentou tia Zenóbia.
	 Não sei o que está querendo insinuar, mas devo lhe dizer que fazemos o que nos é possível — replicou tia Di. — Polly planta flo​res para vender e Cleo faz tortas, empadas e biscoitos para fora. Eu mesma crio terriers e tenho tido algum sucesso com a venda deles. Você sabe, a pensão que Hector deixou para Alison não foi muito grande...
Bem, como nosso irmão estava vivo quando me casei, não imaginei que as coisas chegariam a este ponto. Mas Winkle me deixou um bom dinheiro e vou ajeitar tudo por aqui.
Alison precisa de vestidos novos — falou Cleo, animada.
Tia Polly precisa de lareira em seu quarto, o reumatismo dela está ruim — foi a vez de Alison reivindicar.
Minhas queridas, podem ficar tranquilas que haverá lareira em todos os cómodos e muito mais — afirmou Zenóbia, sorrindo. — E quanto a Alison, acho que está na hora de apresentá-la à sociedade.
Quatro pares de olhos fitaram a recém-chegada com espanto. Foi Di quem primeiro retomou a presença de espírito:
—	Tenho certeza de que ela o merece, mas não temos relações com ninguém da alta sociedade.
Alison não se deixou desencorajar por tal comentário e já se ima​ginava toda faceira em sedas farfalhantes, jóias reluzentes, num ma​ravilhoso baile na corte.
—Vou contratar uma dama de companhia para Alison e ela deverá ter conhecimentos nos melhores círculos sociais da cidade. Quan​do se tem tanto dinheiro quanto eu — declarou Zenóbia, — nada é impossível. Alison terá a melhor apresentação que esta cidade já viu.
CAPITULO II
—Não posso aceitar sua recusa! — declarou Philip Trevelyan.
—	Tinha esperanças de que se casasse comigo.
Lady Emma Grant olhou com carinho para o rosto sério do ho​mem bonito que se encontrava à sua frente.
Não, Philip. Você é jovem demais, só tem vinte e nove anos, e ainda pode se apaixonar por alguém.
Duvido muito que isso venha a acontecer. Você é a única mu​lher que conheço que não me aborrece.
Esse não émotivo suficiente para alguém se casar. Gosto de trabalhar como dama de companhia de mocinhas. É ocupação bastante respeitável para uma viúva e me permite ir a bailes e festas sem ter qualquer despesa.
Mas tinha de ser com alguém da Ormond Street? Nenhum cidadão de classe mora naquela parte da cidade. Pelo menos, suas pro​tegidas anteriores eram de boas famílias.
Não preciso aceitar a srta. Larkin, se não simpatizar com ela —	comentou a dama, com tranquilidade. — A sra. Winkle mencionou que ela tem algum parentesco com a nobreza...
O cavalheiro fez ar de pouco caso, declarando:
Pior ainda. Isto deve significar que houve uma relação pro​míscua na família dela. Como é o nome da tia?
Zenóbia Winkle. Já ouviu falar? Pelo que soube, é viúva de um rico mercador que vivia na índia. Para ser franca, devo confessar que estou curiosíssima por conhecê-la, embora ainda não saiba se aceitarei ou não a sobrinha.
O sr. Trevelyan fez a pequena carruagem entrar na Southampton Avenue e logo depois tornou a dobrar à direita, entrando num beco bastante movimentado. Ele parecia zangado quando, depois de per​guntar a um garoto qual a melhor maneira de chegar lá, afinal al​cançou a Ormond Street.
—	Lugar horrível! — exclamou, sem se conter.
Crianças maltrapilhas brincavam na rua e algumas mulheres vo​ciferavam palavras pouco convenientes para damas. Lady Emma estava quase desistindo quando avistaram o número
que a sra. Winkle havia lhe dado. Para seu alívio, a residência das Larkin ficava na parte da Ormond Street onde as moradias eram bem melhores do que na parte inferior da rua. A casa pareceu-lhe razoá​vel e era até mesmo maior do que a dela, na Park Street, em Mayfair.
O sr. Philip parou em frente ao número quarenta e oito e um mo​leque de rua logo ofereceu-se para cuidar dos cavalos; tocou a cam​painha e a porta foi aberta por uma criada vestida com uniforme imaculadamente limpo. O hall atrás dela parecia bastante apresen​tável, sem qualquer sinal de pó.
A dama não esperou por ajuda para descer da carruagem e, quando juntou-se ao amigo, declarou:
Parece-me um local bastante respeitável.
Prefiro responder a isto daqui a meia hora, quando então ti​vermos uma visão do conjunto.
Ela sorriu e todo o encanto dos traços suaves de seu rosto revelaram-se naquele momento.A criada pediu que a acompanhasse e o cavalheiro voltou para a carruagem.
A sala para onde foi conduzida tinha móveis gastos e antigos. En​tretanto, ela mal teve tempo de observar os detalhes, pois encontrou-se como o centro da atenção de seis pares de olhos.
Sua curiosidade foi atraída pela figura de uma senhora com um vestido de seda amarela, bordado de lantejoulas prateadas. Enquanto ela tentava levantar-se, um forte perfume oriental espalhou-se no ar.
Um cavalheiro elegante, que estava ao lado da lareira, ergueu as mãos para evitar que a senhora levantasse.
—	Eu diria que lady Emma não se ofenderá se continuar sentada, sra. Winkle. — Concluindo a frase, o desconhecido deu um passo à frente. — Permita-me apresentar-me, madame. Sou Ralph Osborne, um amigo do falecido Aloysius Winkle.
Curvando-se com elegância, ele apresentou os demais, enquanto lady Emma apreciava a beleza um tanto mística do cavalheiro quase não prestando atenção no que dizia, até que ele apresentou a srta. Alison Larkin.
A jovem que a observava com olhar límpido e direto era muito graciosa. Tinha grandes olhos azuis sobressaindo no rosto de con​torno delicado. A pele aveludada criava um bonito contraste com os cabelos negros. Nem o simples traje azul que vestia ofuscava a delicadeza de sua figura.
—	Como tem passado, milady? — indagou ela, com voz mo​dulada.
A lady suspirou, satisfeita. Não havia qualquer sinal de vulgari​dade naquele timbre agradável de voz.
A sra. Winkle aguardou com evidente impaciência que a criada, que acabara de entrar na sala, deixasse o chá e Alison serviu-o, as​sim que ela se retirou. Em seus gestos não havia qualquer pretensão de elegância e lady Emma concluiu que era melhor que fosse assim.
—	Delicioso — murmurou, ao experimentar o saboroso biscoito que lhe fora servido. — Meus cumprimentos à sua cozinheira.
Para seu horror, a visitante notou que as faces, naturalmente co​radas, da srta. Cleo Larkin ficaram rubras.
—	Tia Cleo fez os biscoitos, madame — Alison disse, confirmando suas suspeitas. — É excelente cozinheira.
Talvez Philip estivesse certo e ela não devesse sequer considerar a possibilidade de ser acompanhante da moça, pensou e teve medo que tal pensamento houvesse transparecido em sua expressão, pois a sra. Winkle disse:
—	Só retornei da índia há uma semana, milady. Portanto, ainda não tive tempo de colocar as coisa nos eixos. Mas tenho certeza de que a senhora saberá como ensinar Alison a se comportar de maneira adequada. Ousaria dizer que ela aprenderá rapidamente. Seu avô era um visconde e, sem dúvida, o sangue deve ter deixado alguma herança.
Alison engoliu em seco. Um visconde! As tias nunca haviam lhe falado sobre a família de sua mãe e ela acabara presumindo que os parentes maternos eram da mesma classe social que os paternos.
A reação da elegante senhora não foi de tanta surpresa quanto a dela própria. Mas lady Emma indagou, cautelosa:
Um visconde?
Sim. E devo dizer-lhe que não existiu nenhuma ligação desonesta por parte de qualquer membro da família. A mãe de Alison era filha de lorde Deverill de Ballycarrick, mas ele a deserdou quan​do ela se casou com meu irmão.
Ah, percebo. Um título irlandês, não?
A euforia de Alison se esvaiu.
Um título irlandês não é legítimo? — indagou ela, séria.
Lady Emma sorriu com doçura:
Claro que é, minha querida. Perfeitamente legítimo.
—	Então, por favor, madame. Vai me levar para morar com a senhora e me ensinar como devo comportar-me?
—	Bem, se sua tia aprovar minhas qualificações...
Alison fitou tia Zenóbia, com grande ansiedade.
—	Eu diria que é a pessoa perfeita para o cargo, milady. E não precisa se preocupar, que não meterei o nariz onde não for chamada. Só conversaremos sobre seu salário e as demais decisões serão tomadas pela senhora, sem qualquer consulta. Quanto a você, Ali​son, pode ficar tranquila: o problema de dinheiro fica por minha conta. Não é bom que uma garota de sua idade se preocupe com tais coisas. Ah, milady, importa-se caso o sr. Osborne ficar conosco en​quanto conversamos sobre negócios? É ele quem toma conta de mi​nhas finanças, desde que o pobre sr. Winkle faleceu. As três irmãs entenderam a insinuação e saíram, com Alison.
Você gostou de lady Emma, não, querida? — indagou tia Di, quando estavam no corredor. — Sim, porque não deixaremos que vá, caso não queira ir, não importa o que Zenóbia diga.
Desde criança Zenóbia já gostava de controlar nossas vidas —queixou-se tia Cleo, aborrecida com as instruções que a recém-chegada a vinha obrigando a seguir.
Tia Polly apoiou a, com vigoroso aceno de cabeça. Alison abraçou e beijou as tias, assegurando:
—	Não precisam se preocupar, gostei de lady Emma. Ela é tão elegante e graciosa! Estou certa que a melhor coisa que tenho a fa​zer é seguir seus conselhos e tentar ser como ela.
Satisfeitas, as tias voltaram para seus afazeres.
A jovem ia subir quando ouviu fortes batidas na porta. Já se en​caminhava para atender quando recordou-se que agora tinham uma criada e que uma das funções dela era essa.
Enquanto continuava indecisa sobre se devia ou não atender à por​ta, os três terriers de tia Di surgiram, começando a saltar em torno da barra de seu vestido. Provavelmente, Bess, a criada, esquecera-se de prendê-los.
Ela sentiu-se atordoada: a pesssoa à porta batia com mais impa​ciência e os cães deveriam ser presos antes que se atendesse o visi​tante inesperado, que parecia ter pressa. Midnight apareceu e ficou a observar a hesitação da dona.
Finalmente ela decidiu-se e ordenou:
—	Sente-se, Drop! Sentem-se, Flake e Goose!
Quando obedeceram, abriu a enorme porta de carvalho.
O cavalheiro parado à sua frente lançou-lhe um olhar frio e ava​liador. Ele era de estatura bem acima da média, muitoelegante e bem vestido, com um casaco de uma sobrecapa. Seu rosto era bem feito, mas nada tinha de extraordinário, a não ser a determinação evidente na linha quadrada do maxilar.
Alison não pôde deixar de perceber a expressão de enfado dos olhos castanhos.
—Sou o acompanhante de lady Emma — anunciou ele. — Meu nome é Philip Trevelyan. Anuncie-me à sua patroa, menina.
Sou Alison Larkin — corrigiu-o a moça.
Os terriers decidiram que ela estava dando-lhes permissão para sair do castigo e avançaram em direção ao jovem cavalheiro. Dois deles farejavam as botas reluzentes, enquanto Flake apoiava as duas pati​nhas dianteiras nos joelhos do sr. Trevelyan e fitava-lhe o rosto.
—	Fora! — ordenaram Alison e o senhor, ao mesmo tempo.
Flake obedeceu, contudo, as marcas de suas patas sujas de lama ficaram no tecido caro da calça cinzenta.
Um suspiro aborrecido escapou dos lábios dele e Alison não con​seguiu esconder um sorriso divertido.
Antes que ela pudesse desculpar-se, foi a vez de Midnight fazer sua investida, fazendo-o quase cair e a expressão do sr. Trevelyan tornou-se perigosa.
Os animais são imprevisíveis, senhor — disse Alison, não ousando sequer desculpar-se. — Não gostaria de entrar? Acredito que lady Emma logo estará pronta para partir.
Espero que sim. Não gostaria de deixar meus animais na rua por muito tempo.
Quem está tomando conta deles? — Alison olhou para fora. — Que cavalos maravilhosos! Sempre achei os alazões mais boni tos. Ah, é Bubble quem está cuidando deles. Pode confiar — afirmou ela. — Bubble, cuide bem desses animais! — bradou, sem perceber o olhar consternado do cavalheiro.
Pode deixar que cuido bem, senhorita — gritou o garoto, exi​bindo um sorriso banguela.
Só então ela notou que o sr. Trevelyan a fitava atónito. Sabia que não era de bom tom gritar em meio da rua, mas estava tentando fa​zer com que os cavalos dele fossem bem tratados. Será que precisa​va parecer tão reprovador?
Repetiu o convite para o acompanhante de lady Emma entrar, só que com menos entusiasmo. Por alguma razão que lhe era desco​nhecida, a presença dele fazia o vestíbulo parecer ainda mais despo​jado do que sempre fora.
Informarei lady Emma de que está aqui, senhor — disse, esperando ter sido bastante formal. Então, um pensamento aterrador lhe ocorreu: — O senhor não é um lorde, é?
Não, srta. Larkin, não sou um lorde.
Ainda bem — suspirou ela, enquanto caminhava para a sala onde tia Zenóbia conversava com a senhora elegante.
Imaginou que teria sido uma catástrofe se o primeiro lorde que conhecesse fosse tão antipático quanto o sr. Trevelyan. Abriu a porta devagar e disse:
Com licença, tia Zenóbia. Um cavalheiro procura lady Emma. Philip está me chamando? — indagou a dama, levantando-se.
— Estamos de acordo, então, sra. Winkle. Seu advogado providenciará a papelada e Alison irá para minha casa, na segunda-feira. Obri​gada por sua ajuda, sr. Osborne.
Ralph Osborne também se levantara e beijava a mão da dama com tal gentileza que Alison ficou encantada ao vê-lo dominar com tan​ta classe a arte da etiqueta. Ele as havia visitado umas três vezes na semana passada, mas ela não notara qualquer sinal de tais hábitos requintados, galantes, e começara a vê-lo como um tio querido.
Assim que lady Emma, seu acompanhante e o sr. Osborne haviam saído, tia Zenóbia chamou Alison.
Vou para casa de lady Emma na segunda-feira? — quis saber a jovem.
Sim, querida, quanto antes melhor. A temporada já está começando e ainda é preciso comprar vestidos de noite para você ir às festas. Todas as despesas serão enviadas para mim, meu bem, por isto não se preocupe. Posso perfeitamente arcar com esses gastos e quero que poupe sua cabecinha linda. Você terá duas libras por se​mana para seu uso.
Duas libras? Tenho certeza de que não precisarei de tanto di​nheiro, tia Zenóbia.
Vai ter como usá-lo, querida. Deve se acostumar, pois tudo que tenho será seu um dia e, então, você será muito rica.
Oh, tia!
Bem, enquanto isto não acontece, eu disse à lady Emma que separarei uma quantia como seu dote. Não quero que tenha pressa de encontrar marido: sempre haverá Ralph...
O sr. Osborne?
Claro. Não lhe disse que ele veio à Inglaterra em busca de uma noiva e de uma vida tranquila? Ele ficaria muito feliz em desposar minha querida sobrinha.
Eu? Mas ele já está na meia-idade!
Nem tanto, criança. Não tem mais que trinta e sete anos. Não quero forçá-la a nada, mas ele é um homem muito rico, importante e bondoso. Deve considerar esta possibilidade de casamento com cui​dado, meu bem.
Sei que é muito gentil da parte do sr. Osborne, mas ele não é nem mesmo um sir! Gostaria de me casar com um lorde...
— Um lorde? Está voando muito alto, minha cara. Será melhor que se case com alguém de sua própria condição. Digo isto, pois vi​mos a experiência de seu pai e sua mãe... Você anda lendo muitos romances. Bem, vou deixar que tome suas próprias decisões, porém tenho certeza que irá perceber que Ralph Osborne é um grande partido.
Por mais que tentasse, Alison não conseguia associar a figura gentil do sr. Osborne com a imagen heróica do príncipe que aparecia em seus sonhos. Não que ele não fosse atraente, era até mais que isto, porém faltava alguma coisa para que se tornasse o nobre possuidor de seu coração.
Lembrou-se do sr. Philip Trevelyan. Sua opinião sobre ele decai​rá mais ao ouvi-lo dizer a lady Emma, enquanto saíam:
Claro que não pretende levar este negócio adiante, não é?
Pretendo sim — respondera lady Emma. — Achei a moça bonita e delicada. Precisa de algumas lições de boas maneiras e se trans​formará numa beleza de encanto e suavidade raros.
Não do jeito a que estamos acostumados, não é? — retrucara o cavalheiro. — Não nego que ela seja uma criança muito bonita, no entanto, um simples polimento não será suficiente para transformá-la em uma dama.
Ora, Philip! Ela é neta de lorde Deverill! Sua mãe foi deserda​da ao casar-se com um cidadão comum.
Sangue irlandês! Sem dúvida isto explica porque ela me lem​brou um duende de floresta encantada...
Tenha paciência, Philip! Está levando seus preconceitos muito longe.
Não estou, não. Acho que você ainda vai se arrepender de tê-la aceitado, Emma.
Ela não respondera e, em silêncio, haviam caminhado para a pe​quena carruagem.
No entanto, o sr. Philip não conseguia tirar a encantadora srta. Larkim da cabeça. Tinha ouvido quando ela dissera "Ainda bem" depois que ele afirmara não ser um lorde.
CAPITULO III
Estou igualzinha à mamãe — Alison fitava, embevecida, o espelho de moldura dourada do quarto de lady Emma. Os cabelos negros brilhavam mais depois que a camareira da lady aparara as pontas e os arrumara em madeixas que caíam em torno da face aveludada.
— Obrigada, srta. Cárter, fez um ótimo trabalho. Agora, vou lim​parei toda esta sujeira...
Não é necessário, senhorita — exclamou a serviçal, entre sur​presa e satisfeita pelo elogio a seu trabalho.
Vamos até seu quarto ver o que deve vestir hoje, Alison —apressou-se em intervir, lady Emma.
Sim, madame — concordou ela, sorridente. — Os vestidos no​vos são tão lindos que levarei séculos para escolher.
Embora pequeno, o quarto destinado a Alison era adorável. Em todos os detalhes da decoração, laçarotes, fitilhos de cetim e musse-lina repetiam o delicado motivo floral da colcha, em rosa e branco, da cama com dossel e da tapeçaria que forrava a parte inferior das paredes. Havia ainda uma pequena lareira diante da qual ficavam duas confortáveis poltronas estofadas em um tecido de brocado rosa-pálido.
Lady Ema conduziu Alison para uma das poltronas e sentou-se na outra. Inclinou-se para ela, séria, enquanto dizia:
Minha querida, não deve oferecer-se para fazer o serviço dos empregados. Não é próprio para alguém de sua condição.
Desculpe-me, milady. É que não estou acostumada a ter serviçais. Antes de tia Zenóbia chegar, tínhamos uma senhora que nos servia três vezes por semana, só para os serviços pesados. E a srta. Cárter cortou meu cabelo com tanto capricho que quis demonstrar-lhe meu agradecimento.
E, porfavor, não a chame de srta. Cárter, Alison.
Ah, ela é casada? Espero não tê-la ofendido.
Lady Emma suspirou profundamente, antes de explicar:
Não, querida. Deve chamá-la simplesmente Cárter.
Sou muito ignorante! Prometo que vou aprender.
Claro que vai. Agora, vamos ver que vestido deve usar.
Alison abriu o armário e mais uma vez não conteve uma exclama​ção de prazer diante da elegância dos trajes pendurados. Havia dois vestidos próprios para o dia; um era de musselina branca, com deli​cados motivos florais em rosa, e o outro, de cambraia branca, com vistosos laçarotes verdes na saia e na delgada cintura. O terceiro, um vestido de passeio, era de crepe azul-claro. Uma capa de veludo azul-escuro, elegantíssima, seria seu agasalho. O costureiro de lady Emma confeccionara aquelas roupas às pressas e preparava mais uma dezena, embora Alison não soubesse como iria usar todos aqueles vestidos encantadores.
O de musselina é o mais indicado — sugeriu lady Emma. —Estou esperando uma ou duas visitas esta tarde.
Visitas? Será que devo espanar... Não! Sua criada já limpou tudo... Desejaria fazer algo pela senhora, que tem sido tão boa. Haveria problema se lhe fizesse uma touca? Sempre fiz as de minhas tias, mas eram muito simples. Adoraria trabalhar com fitas e laços de cetim.
Acho muito adequado. Trabalho manual é ocupação perfeita para jovens donzelas e serve em momentos embaraçosos. Ficaria muito feliz se fizesse uma touca para mim. Cárter vai lhe dar o material necessário. Peça a ela.
O sr. Trevelyan virá? — indagou a moça, depois de hesitar um pouco. — Ele parece ser um grande amigo da senhora.
Não o estou esperando, mas pode ser que apareça. Conheço Philip desde pequena, ele costumava puxar minhas tranças...
Não consigo imaginá-lo como um garoto travesso! — Alison estava surpresa. — O sr. Trevelyan parece tão seguro de si e tem um ar tão severo que temo que ele me desaprove.
A opinião de Philip não deve nos preocupar. Mas a da sra. Talmage, sim. Ela será uma de nossas visitantes desta tarde. Quero que você fique sentada, tranquila, e escute a nossa conversa. Deve responder quando lhe for dirigida a palavra, mas ela raramente dá chance para que alguém fale.
Alison sorriu, assentindo. A princípio ficara assustada com a for​ma como lady Emma conduzia as coisas, mas começava a acostumar-se com o jeito dela. Sua dama de companhia parecia-lhe o ser hu​mano mais próximo da perfeição que já conhecera e, é claro, alguém digno de ser imitado.
Os cabelos de lady Emma, de um loiro-escuro, eram muito bri​lhantes e desciam, em cachos impecáveis, num penteado lateral, que valorizava a perfeição do rosto bonito. Alison sabia que seus pró​prios cabelos nunca iriam parecer tão bem arrumados. No entanto,
apesar de não poder imitá-la fisicamente, decidiu que iria conquis​tar a dignidade e a elegância graciosa que emanavam da encantado​ra dama.
Quando desceu, todos os detalhes estavam em perfeita ordem e naquele ambiente elegante foi recebida a sra. Talmage. Ela era alta e esguia, usando distinto traje verde-oliva. As palavras fluíam de seus lábios ágeis.
Alison ouviu quase toda a conversa sem ver interrompido seu tra​balho com as fitas de cetim. Foi somente na hora de se despedir que a visitante lhe dirigiu algumas palavras e,.depois, voltou-se para a dona da casa:
—	Bem, lady Emma, tivemos ótimos momentos nesta tarde e obrigada pelo chá — agradeceu a sra. Talmage, levantando-se para ir embora. — Tenha um bom dia, srta. Larkin.
Alison deixou de lado seu trabalho e, como havia aprendido, es​tendeu a mão para a senhora, dizendo, suave:
—	Obrigada, madame. Desejo-lhe o mesmo.
A visitante curvou-se para lady Emma e disse, baixinho:
—	Você tem aqui uma mocinha muito bem comportada. Tenho certeza que irá fazer muito sucesso.
Espero que sim, obrigada — sorriu a dama.
Depois que a visita se retirou, Alison quis saber:
Vou ter de aprender a falar sem parar, daquele jeito?
—	De forma alguma. Acho que tanta tagarelice em uma moci​nha só traria desgostos. Mas, Henrietta é bem intencionada.
—	Como ela consegue saber de tudo que acontece?
A lady sorriu, ao responder:
Ouvi dizer que tem uma criada só para descobrir o que está acontecendo em Londres. O fato é que suas informações são sempre exatas e nunca a ouvi contando histórias maledicentes sobre quem quer que fosse. Henrietta não é uma linguaruda e sempre tem uma palavra gentil sobre todas as pessoas que conhece. Nas próximas semanas a sociedade londrina estará sabendo que minha protegida é uma moça bem comportada.
Como a senhora é esperta! — exclamou Alison, oferecendo-lhe a touca que acabara de fazer.
Vou retribuir seu elogio dizendo que esta é a touca mais en​cantadora que já tive.
A senhora gostou? É muito fácil de fazer. Entretanto, uma vez tentei costurar um vestido e tia Di precisou refazê-lo, de tão ruim que ficou. Bem não temos necessidade que costure seus vestidos, mas acho que se mantiver as mãos ocupadas com trabalhos manuais, poderá tirar algum proveito, pois é um excelente tema para conversas. E, além disso, se não estiver certa sobre o que dizer, pode baixar os olhos para o trabalho e fingir que está concentrada. Vou lhe dar meu esto​jo de costura. É elegante o bastante para que o leve sempre consigo.
Aquele conselho provou ser bastante útil alguns minutos mais tar​de, quando da chegada do segundo visitante, Robert Gilchrist, o ir​mão mais jovem de lady Emma.
Os galanteios contidos no cumprimento do sr. Robert deixaram Alison enrubescida e ela ficou satisfeita em poder inclinar a cabeça para o trabalho.
Ele disse que meus olhos faziam-no pensar em um bosque repleto de borboletas azuis — contara ela a lady Emma, depois que o cavalheiro havia se retirado.
Nada original — afirmara a dama, pouco impressionada. —Contudo, não deve preocupar-se com Robert. E não o leve muito a sério: meu irmão pensa que é um poeta. Algumas vezes precisare​mos dele para acompánhá-la a festas. Por falar nisto, seu professor de dança vem amanhã.
As aulas de dança não foram a imensa alegria que Alison imagi​nara. O signor Pascoli era um homem alto e magro, com um finíssi​mo bigode que lhe dava ar de extrema melancolia. Era bastante exigente com os alunos.
Mais tarde Alison reclamara com sua protetora:
Não me parece justo ter aulas de danças originalmente britâ​nicas com um italiano.
Mas ele é o melhor de todos os professores e você está se saindo bem. Aliás, esforça-se bastante durante a aula.
É porque o quanto antes aprender, melhor — respondeu a mo​ça, sem dizer que, assim, ficaria logo livre do mal-humorado pro​fessor.
Fico muito satisfeita que pense assim.
Estou dando o melhor de mim.. Não posso desejar que um lor​de caia a meus pés se não me transformar numa lady.
Um lorde cair a seus pés? — questionou lady Emma, com um meio sorriso. — Está querendo conquistar muitos corações?
Oh, não! Não quero ferir os sentimentos de ninguém. Quando um lorde me oferecer seu coração, não vou recusar. Essa não será a coisa mais romântica que a senhora já viu?
Um olhar triste escureceu o rosto bonito de lady Emma. Foi rápi​do e logo desapareceu, mas havia uma certa melancolia em sua voz quando ela disse, com gentileza:
Devastadoramente romântico. Já tem um lorde em mente?
Não. Não conheço nenhum... Mas vou conhecer, não é mesmo?
Isto posso lhe garantir. Só espero que não esteja sonhando demais com sua apresentação, Alison. Por exemplo, não sei se conseguiremos convites para a festa do Club Almack — dizendo isto lady Emma calou-se, pensativa. — Espere um pouco, acho que posso dar um jeito... Philip é amigo dos Castlereagh e lady Castlereagh é uma das patronesses do clube.
Mas o sr. Trevelyan não me aprova — lembrou-a Alison, corando. — Creio que não vai dar certo... Não pense que não quero ir a esses bailes — apressou-se a explicar, ao ver a expressão surpresa da dama, — é que minha amiga Letty me contou que eles só ser​vem limonada e petiscos. É verdade?
E alguns pedaços de bolo — completou a lady, rindo.
Bem, então devo confessar que não me importo de nãoir. Acho que isto já é mais do que mereço — falou a moça, esboçando um gesto que englobava a casa elegante. — Às vezes tenho a impressão que vou acordar e que tudo terá desaparecido... Só espero ter algumas lembranças, como dançar com um lorde, mesmo que ele não se case comigo.
Desculpe-me, Alison, mas sua tia me deu a entender qiie você já tem um pretendente... O sr. Osborne.
Não é verdade. Já imaginou algo menos romântico do que ficar noiva com um mercador indiano de meia-idade? Tia Zenóbia só disse que se eu não encontrar um marido nesta primavera o sr. Os​ borne ficará feliz em desposar-me.
Percebo... Então, está livre para ter os admiradores que dese​jar. Todos desmaiando a seus pés!
Já leu os romances da sra. Cuthbertson? — indagou Alison, entusiasmada, reconhecendo aquelas palavras com parte do último livro que lera. — Em um dos livros, ela conta que vinte e sete rapazes desmaiaram por causa da mesma heroina! Nunca desmaiei em minha vida — comentou, pensativa. — Talvez a senhora possa ensinar-me como fazê-lo.
Lady Emma sorriu, divertida:
—	Se pensa fazê-lo, certifique-se de que haja alguém forte, atrás de você, capaz de ampará-la antes que, atinja o chão.
Alison riu ao ouvir o irónico e brincalhão comentário.
—	Por Deus! — exclamou lady Emma, num sobressalto. — Olhe que horas são! Vá vestir-se, temos que fazer compras.
Uma batida soou na porta da frente no momento exato em que Alison atravessava o vestíbulo. Precisou lutar contra o antigo hábi​to para não ir abrir e estava nos últimos degraus da escada quando o mordomo atendeu. Curiosa, parou por alguns instantes, para ouvir.
— Lady Emma está? — indagou a voz sonora do sr. Trevelyan.
Ela não queria encontrar-se com aquele homem que a menospre​zava. Sua vontade era trancar-se no quarto e permanecer lá, até que ele se fosse. Pensando melhor, achou que era ridículo permitir que o arrogante cavalheiro a intimidasse. Iria tratá-lo como merecia!
Decidida, foi para o quarto e trocou o vestido de casa pelo bonito vestido azul que realçava a cor de seus olhos.
Esperava que, pelo menos, o sr. Trevelyan tivesse o bom senso de reconhecer a melhora em sua aparência.
CAPITULO IV
Assim que entrou no vestíbulo da casa de lady Emma, o sr. Trevel​yan notou que uma figura feminina desaparecia no alto da escada. Um suspiro escapou de seus lábios quando percebeu que era Alison: ela o evitava. Lamentável, pensou, pois nunca negara que apreciava seus dotes físicos, o que o desagradava era sua educação cheia de falhas.
Então, a moça já está aqui... — comentou o sr. Philip, assim que cumprimentou a amiga de infância. — E eu tive esperanças de que você mudaria de ideia!
Muito pelo contrário — retrucou lady Emma —, fico cada dia mais orgulhosa de Alison. Ela aprende com rapidez e está ansiosa para se tornar uma dama. Veja que linda, foi ela quem fez esta tou​ca para mim.
Muito linda! — exclamou ele, com certa ironia. — Porém isto não muda minha opinião. Você vai se meter em problemas tentando apresentar essa menina ao mundo civilizado.
Tome cuidado, Philip, está ficando intransigente como os nobres idosos e ranzinzas que não admitem qualidades nas outras pessoas. É claro que não espero que Alison seja perfeita, afinal devo considerar que ela não teve muitos contatos enriquecedores. Entretanto, tenho certeza que aprenderá e terá sucesso em nossa sociedade. Não duvido que ela consiga casar-se com um lorde, como deseja.
Ela confessou-lhe isto? Bem, pelo menos, a pequena mercená​ria é honesta.
Dificilmente eu a consideraria uma mercenária, meu caro —retrucou a dama, secamente. — Saiba que a fortuna que a tia irá lhe deixar poderá comprar mais do que uma dezena de nobres fali​dos. Posso até citar alguns, se desejar.
Philip ficou surpreso pelo comentário ácido, mas reagiu:
Então, a mocinha só está perseguindo um título! Isto é muito comum, mas acho uma atitude desprezível.
Você pensa assim porque os Trevelyan recusam títulos de nobreza há gerações. Mas na minha família foi diferente: meu avô ficou satisfeito ao poder emprestar alguns milhares de libras a Henrique VII e, em troca, receber um título e seu condado. Acho é que você está determinado a não gostar de Alison. Muito longe de ser a pes​soa vulgar que imagina, Philip, ela é apenas uma jovem romântica.
A próxima coisa que me dirá é que ela não passa de uma es​crava de mitos criados pelos escritores românticos!
Mas isso é óbvio! — confirmou lady Emma.
Devia ter imaginado que você ia dizer tal coisa...
—	É que passei por essa fase, quando tinha a idade dela.
Philip revirou os olhos, num trejeito engraçado, e por fim, capi​tulou, com um sorriso:
Muito bem, você venceu. Suponho que agora vá querer que eu a ajude na apresentação da mocinha à sociedade.
Faria isto, Philip? Confesso que ficaria muito satisfeita se pudesse contar com seu apoio. Alison não tem nenhum parente que possa nos ajudar nesse sentido.-Robert concordou em auxiliar-nos, porém ele é tão avoado, tão infantil!
Um dia ele vai crescer, Emma. Você tem que admitir: ser poeta deve parecer muito mais interessante aos olhos de seu irmão do que viver no complicado mundo dos negócios.
Sei disto, mas fico me perguntando como ele irá se arranjar, mais tarde! — Com um suspiro, a bonita lady voltou-se para ver quem acabara de entrar na sala. — Ah, Alison, venha cumprimen​tar o sr. Trevelyan.
Philip olhou para a porta e constatou, perplexo, que uma estra​nha sensação expandia-se em seu peito, enquanto observava a gra​ciosa e encantadora figura parada ali. Desde os cabelos negros, do azul brilhante e profundo dos grandes olhos, até as pontas das deli​cadas botinhas de pelica que envolvia os pequenos pés, a srta. Ali​son Larkim era de uma beleza tão suave que parecia irreal, etérea. De novo ele pensou em um duende de floresta encantada...
Com passos decididos, que desfizeram a impressão de irrealida​de, ela aproximou-se. Os olhos azuis tinham uma expressão idefiní-vel, como se estivesse decidida a não deixá-lo conhecer o seu íntimo. Ao reparar no sorriso quase infantil de Alison, ele perguntou a si mesmo por que tentava impedir-se de gostar daquela moça.
De repente, um pensamento estranho cruzou a mente em polvo​rosa do sr. Trevelyan: por que, se ela desejava se casar com um lor​de, havia ficado tão feliz ao descobrir que ele não o era? Tratou de se dominar e indagou:
—	Será que me concederia a honra de passear comigo no Hyde Park esta tarde, srta. Larkin?
Seria bom para a mocinha ser vista com ele, justificou o convite para si mesmo, não costumava exibir-se em companhias femininas, ficariam curiosos e prestariam atenção nela.
—	Obrigada senhor, mas acredito que lady Emma tenha outros planos — replicou Alison, educada, porém imperturbável.
Ridiculamente desapontado, ele olhou para a amiga.
De fato, temos que fazer compras, Philip — confirmou a da​ ma. — Amanhã ela poderá ir, se estiver bem para você.
Bem, amanhã terei que estar em casa às quatro horas. Será que poderia vir buscá-la às duas?
A lady assentiu, sorrindo.
—	Será maravilhoso — comentou Alison, bem-educada.
Mas não parecia maravilhada, nem tampouco demonstrava estar ciente da honra que ele lhe concedia. Por isso, o sr. Philip foi embo​ra um tanto decepcionado.
Mal a porta se fechara, lady Emma disse, preocupada:
Iremos primeiro ao sr. Gribbins, ver se ele terminou mais um vestido de passeio, para você sair com Philip, amanhã.
Não posso usar este aqui mesmo, milady?
Poderia, se ele não a tivesse visto com ele. Seria imperdoável se voltasse a usá-lo amanhã. Venha, pegue o chapéu e vamos, que já é tarde.
Alison a seguiu com o cenho franzido, pensativa. Fez o que lady Emma mandara, mas não pôde deixar de se lamentar:
Quer dizer que não vou mais poder usar este vestido? É tão lindo e ainda nem estreei a capa!
Claro que poderá usá-lo, querida — respondeu a dama. — Mas não nos próximos dias, se Philip estiver por perto.
Duvido muito que ele se lembre de minhas roupas. O sr. Trevelyan não se importa com minha aparência.
Ah, criança! Com certeza você tem razão.Acho que usamos roupas diferentes principalmente para que as outras mulheres nos admirem e invejem. Os homens quase nem prestam atenção... Bem, vamos para o ateliê do sr. Gribbins.
Para satisfação das duas, boa parte dos trajes encomendados esta​vam prontos e Alison sorriu ao ver que o vestido de passeio que deve​ria usar no dia seguinte era ainda mais bonito do que esperava, de um lindo cinza-azulado, com fitas de veludo, no mesmo tom, bordadas.
No dia seguinte, Alison passou uma hora se preparando para sair. Comtemplou-se no espelho por diversas vezes a fim de resolver co​mo deveria pentear-se. Prendeu os cabelos em cachos grandes, jun​to às orelhas delicadas e colocou o pequeno chapéu forrado com o mesmo tecido do vestido.
Pensou que o sr. Trevelyan devia ter melhorado sua opinião so​bre ela, se a convidara para sair. Contudo, o cavalheiro imponente
ainda lhe provocava calafrios de temor.
Quando ele chegou e a ajudou a subir na carruagem verde-escuro, parecia tão enfadado que Alison teve vontade de desistir de ir pas​sear. Entretanto, decidiu que seria melhor não se deixar intimidar. Observando os fogosos alazões castanhos perguntou, timidamente, como se chamavam eles.
Espanhol e Conquistador — informou o sr. Philip.
Têm alguma coisa a ver com o duque de Wellington? — indagou a jovem, animada. — Só pode ter!
O sr. Trevelyan fitou-a surpreso e sorriu. Parecia quase um garo​to com os olhos castanhos brilhando, divertidos.
Nunca diga a ninguém que descobriu meu segredo, srta. Larkin! — pediu, rindo. — Foi a única pessoa, em um milhão, a perce​ber a ligação dos nomes de meus cavalos...
Chamou-os assim porque são alazões, não foi? Os alazões são originários da Espanha e quando potros são conhecidos como Conker, que o senhor expandiu para conquistador. Bubble e Squeak sempre conversavam comigo sobre cavalos.
Bubble é aquele garoto que tomou conta de meus cavalos, quan​do fui à sua casa, não é mesmo?
Sim, e Squeak é irmão dele. Os dois, mais Tarry Joe são o bando de tia Cleo. Bem, acho que lady Emma não aprovaria se soubes​se que lhe falei sobre os meninos.
Tem toda razão! Mas permita-me fazer-lhe uma pergunta, o que quis dizer com "bando de tia Cleo"?
Bem que lady Emma a proibira de que falar nos garotos!
—	Não posso mais falar sobre isto — declarou Alison, decidida. — Que dia maravilhoso estamos tendo, não?
Os raios de sol douravam a tarde e a brisa suave trazia em seu fres​cor o prenúncio de primavera. A carruagem cruzou o portão do Hyde Park e Alison notou que muitas pessoas já aproveitavam as delícias que a natureza oferecia.
Os primeiros narcisos despontavam sob os arbustos e, esquecendo-se de suas lições de boas maneiras, a jovem exclamou, entusiasmada:
Oh, olhe! Não são lindos? Tia Polly estava fazendo um canteiro de narcisos quando deixei nossa casa. São minhas flores prediletas, pelo menos até que floresçam as lindas rosas. Crisântemos também têm um encanto especial, mas o perfume e a suavidade do jasmim são...
Já sei, aprecia as flores em geral — completou por ela o sr. Trevelyan, rindo. — Quer colher algumas?
Sim, mas creio que lady Emma não iria aprovar.
Está determinada a seguir as recomendações de Emma, não?
Estou. Ela é tão boa para mim! Odiaria fazer algo que a desapontasse. Amanhã irá me apresentar à sua irmã, Bella. Quero dizer, lady Farfield. Lady Emma me disse para praticar com ela, porque é compreensiva e perdoará meus deslizes.
Emma sempre leva suas protegidas para praticar com a irmã — comentou ele, sorrindo. — Garanto qwe irá gostar de Bella. Na verdade, todos os Gilchrists são muito agradáveis.
Até agora só conheci pessoas agradáveis — comentou Alison, pensando que quando o sr. Trevelyan estava alegre era um homem muito atraente. — Olhe, aquele cavalheiro parece estar tentando chamar sua atenção — avisou-o, percebendo que um rapaz os fitava com insistência.
O sr. Trevelyan viu um jovem cavalgando na direção deles.
Aquele é lorde Fane. Pronta para conhecer seu primeiro lorde, srta. Larkin? Ou será que devo fingir que não o vi? — Havia
uma nota de sarcasmo naquela pergunta e, erguendo a cabeça, Alison aceitou o desafio:
Por favor, apresente-nos, senhor — pediu, um tanto aflita.
Em segundos, tentou rever todas as lições que lady Emma lhe en​sinara. Porém, quando a pequena carruagem e o cavalheiro se apro​ximaram, sentiu-se insegura.
—	Srta. Larkin — falou com pompa o sr. Trevelyan, — permita-me apresentar-lhe lorde Fane.
—	Muito prazer, milorde — murmurou ela, de olhos baixos.
O jovem lorde a fitava com embevecida admiração e quando ele ergueu o chapéu, cumprimentando, Alison notou que não havia co​mo duvidar: a linha aquilina do nariz revelava a descendência aris​tocrática. A voz dele era firme:
—	Fico feliz em conhecê-la, srta. Larkin. Ouso dizer que é a no​ va na cidade. Estou enganado?
Ele não poderia ter começado com uma pergunta mais fácil de ser respondida, pensou a moça.
—	Tem razão, milorde — sussurrou, em tom quase inaudível.
Era evidente que o sr. Philip continha uma gargalhada a custo, o que dificultava para Alison concentrar a atenção no que lorde Fane dizia. Felizmente, ele não disse nada que excedesse as frases feitas comuns.
Lindo dia, não acha?
Sim, milorde.
Se continuar, teremos uma primavera esplendorosa.
Tem razão, milorde.
O jovem lorde continuou com o mesmo tipo de conversa e ela não foi além de concordâncias e discordâncias. Então, ele indagou se po​deria tornar a vê-la. Alison lançou um olhar apelador para o sr. Trevelyan, que ajudou:
—	A srta. Larkin está hospedada em casa de lady Emma Grani. Acho que conhece lady Emma, não é?
Lorde Fane assentiu, todo sorrisos, e declarou que logo tornariam a ver-se. Cumprimentou, depois afastou-se.
—	Ah, foi melhor do que eu esperava! — exclamou Alison, ajeitando-se no assento. — Se o lorde voltar a procurar-me, deverei conversar mais apropriadamente com ele.
O sr. Trevelyan sorriu e procurou acalmá-la:
Fique tranquila, Emma a preservará de conversar com lorde Fane até que esteja bem preparada. Mas, se não me engano, ele é o tipo que prefere que as pessoas ouçam caladas o que tem a dizer.
Comportou-se muito bem, senhorita!
Mas não foi nada fácil fazê-lo, com o senhor segurando-se para não rir durante o tempo todo — resmungou ela, amuada. — Mas que exímio cavaleiro lorde Fane deve ser — comentou, observando o rapaz que já ia longe. — É muito elegante e simpático. Tem certe​za de que ele conhece lady Emma?
Emma conhece todo mundo e acredito que os Fane tenham parentesco com os Gilchrists. Só que ele, sendo mais jovem do que ela, não deve ser tão íntimo de nossa amiga.
Ele parece ter uns vinte e cinco ou vinte e seis anos... — calculou a jovem.
Idade perfeita — murmurou o sr. Philip com tanta suavidade que Alison não teve certeza de ter ouvido direito.
Ele se mostrava tão gentil que ela decidiu indagar:
Posso lhe fazer uma pergunta, senhor?
Claro que sim, embora eu não prometa que responderei. E, depois, também desejo lhe perguntar algo.
Alison ficou temerosa de que ele perguntasse sobre os garotos que ajudavam suas tias e respondeu com astúcia:
Fique à vontade para perguntar, senhor, embora eu não possa lhe garantir que irei responder.
É muito esperta, srta. Larkin. Então, vamos lá, pergunte.
Bem, eu gostaria de saber por que lady Emma não vive com a família, em vez de ficar se preocupando com moças ignorantes como eu. O senhor disse que os Gilchrists são pessoas agradáveis e ela fala sobre eles com muita afeição. Não quis fazer essa pergunta a lady Emma e temo que o senhor diga que não é de minha conta. Contudo, estou certa que ela teria uma vida muito mais fácil se morasse com seus familiares.
Na verdade, Emma passa grande parte do ano com a família. No Natal ela ficou em Farfield, com Bella, e no último verão passou vários meses com os pais. Mas não gosta de morar com eles, tem verdadeiro horror de depender dos outros; por isso, mantém sua ca​sa e preserva a liberdade que tanto aprecia. Não é uma excêntrica, nem gosta de viver sozinha: quando não temprotegidas para enca​minhar, uma prima sempre vai ficar com ela.
Lady Emma nunca fala sobre o marido. Acho que deve tê-lo amado muito... — murmurou Alison, pensativa.
Srta. Larkin, não pode esperar que eu lhe responda isto. Já fui bastante indiscreto e o fiz porque acreditei que seu interesse era motivado pela afeição.
E foi. Desculpe-me, não quis ser intrometida. Agora, qual é a sua pergunta?
Philip Trevelyan hesitou, como se não estivesse certo sobre qual a melhor maneira de indagar. Por fim, resolveu:
—	Quando fui à sua casa, perguntou-me se eu era um lorde; de​ pois que neguei eu a ouvi dizer "ainda bem". Por quê?
Alison sentiu-se absurdamente culpada. Não queria confessar a verdade, porém era o que deveria fazer depois de toda a atenção que ele dedicara às suas perguntas.
Bem, é que eu não havia gostado do senhor — murmurou ela, enrubescendo.
Percebo. Acho que não fiz muito para que tivesse boa impressão a meu respeito — disse ele, aborrecido. — Será que posso pedir que me perdoe?
Ah, agora gosto muito do senhor — apressou-se a esclarecer a moça. — Honestamente, não me lembro de ter gostado tanto de um passeio o quanto gostei deste!
Obrigado, srta. Larkin.
Depois de trocarem sorrisos, o sr. Philip encaminhou a pequena car​ruagem para fora do parque e retornaram. Quando se aproximavam da casa de lady Emma, Alison estremeceu: Bubble estava na esquina, ven​dendo flores. Com certeza o sr. Trevelyan iria reconhecê-lo e zangar-se...
Entretanto, para sua surpresa, ouviu o cavalheiro dirigir-se ao ga​roto com suavidade e, antes que compreendesse o que acontecia, viu em seu colo um enorme buque de narcisos amarelos, enquanto a car​ruagem punha-se a caminho de novo.
—	Acho que são suas flores favoritas, srta. Larkin — sorriu o sr. Philip. — Espero que goste.
Olhando para trás, ela viu Bubble rindo, feliz por ter esvaziado sua cesta. Fitou o homem a seu lado e percebeu que uma certa har​monia começava a existir entre eles.
CAPITULO V
Lady Arabella Farfield, era uma roliça e gentil senhora por volta dos trinta e cinco anos, com três filhos: dois rapazes e uma moci​nha, que estudavam fora.
Alison gostou muito da simpática dama. Se todas as anfitriãs que precisava visitar fossem como ela, seria maravilhoso.
Quando retornaram à casa de lady Emma, souberam que o sr. Tre-velyan e lorde Fane haviam estado lá e deixado cartões, com breves mensagens para a dona da casa.
Enquanto a lady lia o recado do sr. Philip Alison pegou o de lor​de Fane e examinou-o, emocionada.
O lorde cumpriu o que prometeu! — disse, como se não conseguisse acreditar. — Estou tão feliz! O sr. Trevelyan foi muito gentil em nos apresentar. Acho que não tinha obrigação de fazê-lo.
Não tinha, mesmo. Ele fez mais do que eu esperava, quando lhe pedi que nos ajudasse em sua apresentação, esperando que a levasse a alguns bailes e nada mais. Contudo, conhecendo Philip como eu conheço, deveria ter desconfiado que ele não pouparia esforços para aju​dar uma velha amiga. Mas, diga-me, querida, o que achou dele?
Para.ser franca, estava tão assustada que não consegui observá-lo corn atenção. Assim mesmo, percebi que seus traços são imponentes e aristocráticos, que é muito elegante.
Que tal as maneiras dele?
Bem, não notei nada de especial, embora eu mesma não soubesse direito como agir ou o que dizer... Fico feliz por não estarmos aqui quando lorde Fane veio nos visitar.
Será que está com medo, Alison? Não precisa temer, pois acho que se encontra quase pronta para enfrentar uma verdadeira conversa social. Fiquei satisfeita com a maneira que se comportou com Bella, por isso estou pensando em convidar Philip e Robert para um jantar formal, a fim de que você adquira mais experiência para essas ocasiões.
Neste caso, acho que devo ler alguns livros de poesia, assim poderei conversar melhor com o sr. Gilchrist.
Temo que você irá descobrir que Robert só se interessa por suas poesias... — comentou, com alguma tristeza, a irmã do pretenso poeta. — Deseja guardar o cartão de visitas do sr. Fane, como recorda​ção de seu primeiro lorde, querida?
—	Oh, sim, obrigada. Vou colocá-lo sob meu travesseiro e aí, quem sabe, sonharei com uma paixão devastadora.
Lady Emma meneou a cabeça, com um leve sorriso. Quando al​cançaram o topo da escadaria que levava ao piso superior, Alison exibiu um lindo sorriso matreiro.
—	Estive pensando... — explicou, ao ver que lady Emma notara que ria rindo. — Ainda bem que lorde Fane não desmaiou a meus pés, como eu sonhava, pois levaria um belo tombo e se machucaria bastante, porque estava montado a cavalo.
Quando, minutos mais tarde, Alison sentou-se em seu toucador para soltar os cabelos, um fato estranho ocorreu: seus pensamentos se voltaram para o sr. Philip Trevelyan e não para o lorde que espe​rava há tanto tempo.
Aquele homem arrogante só está sendo gentil com você para agradar lady Emma, disse a si mesma, severa. Desapontou-se ao pensar nisso. O sr. Trevelyam bem que poderia gostar de mim por minhas qualidades, em vez de me suportar, como um favor à amiga, concluiu, triste. Não que fosse assim tão importante ele gostar dela, já que não era um no​bre. Entretanto, estava disposta a aceitar a companhia do cavalheiro mesmo assim, pois lady Emma iria precisar de toda ajuda possível pa​ra introduzir na alta sociedade uma moça com um passado tão obscuro.
Olhando para o cartão que lorde Fane deixara, Alison voltou a sorrir. Ele parecia tê-la apreciado bastante. Com um pouco de encorajamento, e se ela soubesse agir de modo elegante, logo teria um lorde pronto para cair a seus pés. O sr. Trevelyam dissera que ele apreciava moças caladas e Alison jurou fazer o melhor que pudesse para satisfazê-lo.
Quando levantou-se para se despir, seus olhos deram com os es-plendoros jacintos amarelos que Cárter colocara em um enorme jarro, sobre a cómoda. Sorriu. Talvez, o sr. Trevelyam gostasse um pouco dela, pensou, gratificada.
No dia seguinte, quando o sr. Philip voltou a visitá-las, Alison es​tava tendo aula de dança com lady Emma ao piano, e sentiu dificul​dades em prosseguir quando notou que os olhos castanhos do visitante não se desviavam dela. Descontraiu-se no momento em que o pro​fessor italiano deu a aula por encerrada e retirou-se.
Sentiu falta da informalidade que havia dominado o passeio no parque, notando que o sr. Trevelyan voltara a exibir aquela expres​são de enfado que tanto a desgostava.
Lady Emma, entretanto, parecia satisfeita, ao dizer:
Muito bem, Alison, acho que mais uma aula será o suficiente. Só uma coisa me preocupa: embora o signor Pascoli seja uma ótimo pro​fessor, você precisa praticar com um cavalheiro. Valsar exige prática...
Será que é indireta? — indagou o sr. Philip, divertido e irónico. — Como sempre cumpro minhas obrigações sociais — continuou, levantando-se e curvando-se diante de Alison: — quer me dar o pra​zer desta valsa, srta. Larkin?
Alison aceitou, com uma reverência graciosa, depois de receber olhar aprovador de lady Emma, que começou a executar outra lin​da valsa ao piano.
O signor Pascoli dançara com ela bem distante, mal tocando de leve em seus braços, a fim de orientá-la, e o sr. Philip a desconcer​tou, enlaçando-lhe a cintura. Era uma sensação muito estranha aquela de ter um braço musculoso segurando-a com tanta firmeza. Ergueu, a medo, os lindos olhos azuis para ele; ao ver que sua expressão era muito séria, ela esqueceu o embaraço.
Se os modos dele a perturbavam, seu jeito de dançar a encantava. Philip Trevelyan rodopiou com ela por toda a sala, até que a moça sentiu-se flutuar. Quando a dança terminou e separaram-se, ela fi​cou decepcionada.
Realmente, Philip! — repreendeu-o lady Emma, sorrindo. —Precisava rodopiar tanto com a menina?
Foi perfeito — afirmou ele, enigmaticamente. — A "menina" dançou muito bem. Será que posso pedir-lhe que seja meu par no Club Almack, srta. Larkin?
—	Obrigada, senhor, eu adoraria, mas não irei a essa festa.
Ele arqueou as sobrancelhas e comentou:
—	Não parece devastada pelo fato, não é, senhorita? Acho que nunca ouviuos versos de Luttrell:
"Tudo nesta lista mágica depende de você, 
Fama, fortuna, elegância, amores, amigos:
Isto é, o que envergonha ou engrandece.
Se uma vez ao Almack você for,
Como os monarcas, vai viver no esplendor..."
Lady Emma franziu o cenho e Alison achou muito mau gosto da parte dele deixar tão evidente que ela estaya em busca de uma esca​lada social. Por isso, decidiu não lhe dar a satisfação de vê-la capi​tular e retrucou, altiva:
—	Na verdade, acho que já alcancei mais esplendor do que sonhei. Não vejo como essa festa poderia me acrescentar tantos valores. Lady Emma disse que eu deveria ir a reuniões e bailes, porém o Almack não me parece nada atraente, já que só servem limonada e alguns petiscos que mal satisfazem o apetite. Estou acostumada a comidas mais far​tas, uma vez que minha tia Cleo é uma esplêndida cozinheira.
Desta vez a expressão desgostosa da lady voltou-se diretamente para Alison. Pediu-lhe, com suavidade:
Minha querida, não fique sempre mencionando suas tias.
Tentarei, madame. Mas não pode esperar que eu as esqueça! — revoltou-se a moça, sentindo que suas faces se avermelhavam de indignação.
Claro que não — apoiou-a o sr. Trevelyan, calmo. — A credito que não tem visto sua família desde que se mudou para cá... Será que me permitiria levá-la para visitar suas tias, um dia destes?
Surpresa e agradecida, Alison aceitou. Aquele cavalheiro a deixava perplexa. Primeiro a magoava, citando suas deficiências e determinação de subir socialmente, depois a defendia de lady Emma e procurava aju​dá-la a rever as tias. Era um homem muito estranho, pensou, intrigada.
Ele, por sua vez, admirou a forma como ela defendera a família e es​se pareceu-lhe motivo suficiente para levá-la à Ormond Street. Mas havia outro propósito no oferecimento. Era a ocasião perfeita para descobrir o que Alison quisera dizer quando mencionara o "bando de tia Cleo"...
No dia marcado, uma forte garoa cobria toda Londres e não ser​via, de modo algum, para animar o sr. Trevelyam, que preferiria ficar em casa. No entanto, estoicamente, parara a carruagem verde-escuro diante da casa de lady Emma e na hora marcada puseram-se a caminho e ele percebeu que era impossível ficar de mau humor junto de uma jovem tão bela, que admirava até os fenómenos que a maio​ria das pessoas considerava desagradáveis.
Veja, o gramado está ainda mais verdejante sob os pingos da chuva! — comentou ela, radiante, quando cruzaram a Grosvenor Square. — Acho que nestes dias as plantas sorvem toda a água que conseguem, para permanecer esplendorosas durante toda a prima​vera. Que estação maravilhosa esta!
Todas as estações do ano têm seus encantos. Até o inverno — ponderou o cavalheiro. — Quer algo mais belo do que um alvo tapete de neve forrando a paisagem campestre, em um claro dia de inverno?
Nunca vi neve alva, como essa que fala... — confessou ela, pensativa. — Aqui em Londres a neve é cinzenta.
Provavelmente ela não tinha visto neve branca, mesmo, pensou ele, porque nunca saíra daquela cidade. Então, era lógico que consi​derasse a primavera a melhor época do ano.
—	Está com frio? — indagou o sr. Trevelyan, tentando não pensar naquele fato que o perturbava estranhamente.
—	Não. Estou de capa nova. Queria uma com pele, mas lady Emma achou que seria ostentação. Não me importei, porque esta é lin​da e combina com o vestido. Não é maravilhosa?
O sr. Philip sorriu, admirando a habilidade que Alison tinha de ver sempre a parte positiva de qualquer situação. Assim, conversan​do, logo alcançaram a Ormond Street.
Foram recebidos por uma criada e entraram no vestíbulo que de​monstrava ter sido pintado, pelo forte odor de tinta.
—	Posso ficar com seu guarda-chuva, senhor? — pediu a criada, enquanto ele ajudava Alison a tirar a capa.
A tarefa não era nada fácil, pois os olhos azuis e toda atenção de sua bela acompanhante estavam presos por um porta-chapéus. Era um móvel largo, com projeções pontiagudas que mais pareciam garras de um animal.
Deve ser coisa de tia Zenóbia — comentou Alison, incerta. De​ pois indagou, curiosa: — Oh, o que é isto?
Uma pata de elefante — informou a figura magra e esbelta que acabara de entrar no pequeno vestíbulo. — Para ser mais exata, é a pata do elefante que pisoteou o pobre sr. Winkle.
Um pesado silêncio abateu-se sobre os três.
—	Que horror! — murmurou a jovem, por fim.
O cavalheiro notou o tremor na voz e pensou como aquela histó​ria trágica devia chocar seus sentimentos sensíveis.
Que bom revê-la, Alison querida! — exclamou a tia, parecen​do dar o assunto por encerrado.
Oh, tia Di, como senti falta de vocês! — respondeu a moça,
abraçando a figura esbelta. — Deixe-me apresentá-la ao sr. Trevelyan, que fez a gentileza de acompanhar-me até aqui.
Muito prazer srta. Diana — cumprimentou Philip.
Di, por obséquio — pediu a senhora, com simplicidade. — Obrigada por trazer nossa criança para ver-nos, senhor. Bess, por favor, diga às senhoras que Alison está aqui e leve chá para sala de visitas.
Entraram numa saleta cheia de almofadas de seda verde e doura​da, outras com estampas de tigres e pássaros. Pelo olhar de Alison, Philip concluiu que a decoração era nova.
Um pouco espalhafatoso — disse a srta. Di, desculpando-se.
— Zenóbia é muito teimosa quando decide fazer alguma coisa. Mas por favor, sente-se sr. Trevelyan.
Obrigado, madame.
Ele ia sentar-se quando duas senhoras de mais idade entraram. Foi apresentado à tia Cleo, roliça e simpática, depois à tia Polly, que parecia a ponto de morrer de vergonha, em sua timidez.
Alison abraçou as duas senhoras, havendo troca muito grande de carinho entre as tias e a sobrinha. Era fácil compreender porque ela sentira tanta falta da família.
Quando todos estavam confortavelmente instalados em suas pol​tronas a criada serviu chá e bolo.
O sr. Philip ouvira elogios sobre as habilidades culinárias de tia Cleo e decidiu prestar atenção ao bolo. Porém a primeira garfada lhe revelou que não era tão saboroso assim. Pensava no que Alison lhe dissera, que a comida em sua casa era farta e ótima, quando a jovem indagou:
Esteve doente, tia Cleo?
Não, querida, é Zenóbia que exige que a cozinheira faça a maior parte das coisas.
Naquele momento a porta se abriu e uma figura envergando um vestido de seda vermelha entrou. Um forte aroma de patchuli inva​diu o aposento.
Tia Zenóbia, este é o sr. Trevelyan — apresentou-o Alison. —Ele é um grande amigo de lady Emma.
Muito prazer senhor, fique à vontade — falou Zenóbia Winkle, sentando-se na última poltrona disponível. — Venha cá Alison, deixe-me olhá-la.
A jovem aproximou-se da tia e a senhora a observou:
Está muito elegante. Só que eu gosto de um pouco mais de co​lorido. Um vestido cor de cereja lhe cairia muito bem.
Lady Emma acha que uma debutante só deve usar tons pastéis, tia... — explicou a moça.
Bem, vou falar com lady Emma antes de partir.
Partir? — indagou a srta. Di, revelando interesse.
Sim. Minha amiga, a viúva Bowditch, está em Londres e tem se sentido muito só e infeliz. Então, descobrimos que há muitos in​dianos vivendo em Cheltenham. Por isto, vou com ela até lá, a fim de ajudá-la a encontrar uma bonita casa, que tenciona comprar. Ah, Alison, não precisa se preocupar, pois o sr. Osborne prometeu tomar conta de você. Agora vou subir, que tenho de preparar as malas. Com licença, sr. Trevelyan.
Alison não ficou satisfeita com a situação, mas Philip captou um enorme alívio no olhar das senhoras e teve certeza que algo estranho acontecia. Ia descobrir o que era...
CAPITULO VI
O que está havendo aqui? — indagou Alison, pasmada. — Vo​cês estão contentes com a partida de tia Zenóbia?
Não é que não sejamos gratas — respondeu tia Di, sem jeito. —	Não nos preocupamos mais com dinheiro...
—	Eu não imaginava que ter lareira no quarto fosse tão bom... —	confessou tia Polly, num fio de voz, antes de olhar de soslaio pa​ra o sr. Trevelyan.
Alison também o fitou, preocupada. Embora parecesse entedia​do, o sr. Philip tinha a gentileza de escondê-lo sob uma máscara de polido interesse eAlison achou melhor voltar a atenção para o pro​blema das tias, mesmo que o cavalheiro pensasse mal do que acontecia.
É que não temos nada para fazer — revelou tia Cleo. — E a comida, bem, depois desse bolo não preciso nem falar!
Intragável — disse tia Di, com uma careta engraçada. — A in​feliz da cozinheira não sabe nem fritar um ovo direito. Veja, Ali​
son, depois que você foi para a casa de lady Emma, Zenóbia contratou criados. Podia ser até muito bom ter uma arrumadeira e uma criada permanentes, mas a cozinheira e o jardineiro estão enlouquecendo as pobres Cleo e Polly.
É verdade! — apoiou Cleo Larkin, animada. — Agora que Ze​nóbia vai viajar, poderemos despedi-los e...
Oh, não. Não podem fazer isso! — exclamou Alison, aflita. —	Pensem em como tia Zenóbia vai sentir-se ao ver sua generosida​ de rejeitada.
A generosidade de Zenóbia é extremamente opressiva — afir​mou tia Di, com rebeldia.
Não é só por nós, Alison. Pense nos garotos — manifestou-se tia Cleo. — Se não venderem as flores de Polly, nem meus pães e tortas, não terão como se sustentar.
Não tinha pensado nisso... — admitiu Alison.
Notou que o sr. Trevelyan, cuja presença quase esquecera, ficara interessado ao falarem nos meninos. Ele captou o olhar astuto da jovem srta. Larkim e no mesmo ins-
tante sua expressão voltou à antiga indiferença.
Alison ficou intrigada mas decidiu que havia coisas mais impor​tantes do que a opinião do sr. Trevelyan. Falou, com calma, enquanto pensava para encontrar uma saída.
—	Se os garotos não tiverem o que vender, talvez roubem... Tia Polly, não pode fazer o jardineiro ajudá-la?
Polly Larkin ficou pálida: não tinha coragem de dar ordens a nin​guém. Como não conseguia responder, Alison prosseguiu:
Ora, tia, não deixe que ele a assuste! O jardineiro pode fazer o serviço pesado como cavar, começar novos canteiros, enquanto a senhora cuida das plantas, colhe flores e cultiva espécies exóticas, como sempre sonhou.
Pode deixar, Polly, que eu falo com o jardineiro! — decidiu-se tia Di, sabendo que a irmã era insegura demais para fazê-lo. — Darei um jeito nisto assim que Zenóbia partir. E a cozinheira? Não podemos colocá-la para lavar panelas, já que temos criada para is​so. Aliás, Cleo já tentou ensiná-la a cozinhar e a mulher ficou muito ofendida! Não podemos continuar comendo mal desse jeito!
Tem razão, a cozinheira tem que ir embora, do contrário vo​cês vão morrer de fome — comentou Alison, com um sorriso. De repente, os olhos azuis brilharam mais: — Já sei! Tia Cleo, a senho​ra vai dar ordens a ela o tempo todo, explicar como fazer os pratos: ela ficará indignada e irá embora.
É uma ideia maravilhosa! — concordou Cleo, entusiasmada. —	Ficarei feliz em voltar a vender meus... — calou-se, assustada, ao olhar para a porta.
Zenóbia Winkler estava parada no umbral.
—	Não precisa trabalhar para ganhar uns míseros trocados, Cleo —	disse ela, com indulgência. — Tenho dinheiro.
E os garotos, Zenóbia? — insurgiu-se tia Di. — Para nós o pequeno ganho com esse trabalho não fará falta, mas para eles esses trocados são tudo que têm...
Suponho que não ganhem mais que uns poucos pence por semana — teimou a sra. Winkler. — Ficarei feliz em dar a quantia necessária para ajudá-los.
A voz do sr. Trevelyan fez-se ouvir:
Desculpem-me por interferir, senhoras, mas gostaria de frisar que há vantagens em permitir que os garotos ganhem seu próprio sustento. É preferível que eles aprendam a trabalhar do que deixá-los viver de caridade.
Tem toda razão, senhor — concordou a viúva Winkle, séria.
—	Mas não quero que pensem que minhas irmãs precisam trabalhar, quando eu tenho o bastante para manter-nos.
—	Pois então, senhora, poderia aplicá-lo, criando um fundo assistencial para os meninos desta rua.
Tia Zenóbia parecia inclinada a discordar.
Mas... — começou a dizer.
Está na hora de irmos embora, senhoras — atalhou o sr. Philip, interrompendo-a propositadamente. — Foi um prazer conhecê-las... — disse, com uma reverência.
Dirigiu-se para a moça, que ficara sem fala, pegou-a pela mão e Alison seguiu-o, mal tendo tempo para as despedidas.
Céus! — suspirou ela, enquanto iam para a casa de lady Emma. — Eu pensava que todos os problemas haviam acabado com a chegada de tia Zenóbia! Obrigada por sua sugestão, sr. Trevelyan. Os meninos são muito importantes para nós... Tive medo que ficasse chocado ao saber da existência deles e de seu relacionamento com minha família.
Para ser honesto — confessou o jovem cavalheiro, — achei que sua tia dirigia um grupo de ladrões...
Tia Cleo? — indagou Alison, aturdida. — Não está falando sério! — exclamou e não pôde conter uma gargalhada.
Pois é! — confirmou ele. — E a culpa foi sua, por ter usado a palavra "bando" para se referir a eles. Fiquei interessado porque sou membro de um dos comités que investigam a crescente onda de criminalidade que assola a cidade. Descobrimos que uma porção de casas, aparentemente respeitáveis, eram os pontos centralizadores de ações marginalizantes. Por isso, quis investigar sua tia Cleo.
O que seriam aquelas casas que ele chamava de "aparentente res​peitáveis"?, perguntou-se Alison. Na certa, coisa boa é que não eram. E os comités aos quais aludira?
Os comités são criados pelo Parlamento para investigar esses casos — explicou ele, como se lesse seu pensamento.
Agora compreendo porque o senhor vive cheio de compromis​sos, com hora marcada. É do Parlamento, então?
Sim, srta. Larkin.
Lorde Fane também faz parte da câmara dos lordes. No entanto, ele não mencionou nenhum comité.
Bem, sou um simples parlamentar e muitas de nossas comissões de inquérito são compostas por ilustres desconhecidos. Mas, diga-me, lorde Fane a visitou?
Sim, duas vezes. Na primeira não estávamos em casa, mas na segunda ele nos encontrou. É um cavalheiro muito gentil e o senhor tinha razão quando disse que eu não precisaria falar muito, somente ouvir com atenção.
Acho difícil acreditar que tenha feito isto, senhorita — brincou o sr. Philip. Depois disse, sério: — Acho que não preciso prevenila para não dizer nada a ele sobre Bubble, Squeak e... como é mes​mo o nome do outro menino?
Tarry Joe. Pode ficar tranquilo, também acredito que lorde Fane não entenderia. Além de que, lady Emma me fez prometer que não falaria sobre minhas tias com ele.
A propósito, creio que adivinhei os nomes de suas tias. — O sr. Trevelyan parecia orgulhoso do feito. — A srta. Di chama-se, de fato, Dido, não é mesmo? Descobri quando ela recusou-se a ser chamada Diana. O resto foi fácil, pois o nome Zenóbia me deu a pista. Cleo é Cleopatra e Polly, bem este foi um pouco mais difícil, é Hipólita. Todos são nomes de rainhas da Mitologia ou da História Clássica.
Alison ficou impressionada.
Muito esperto! Meu avô era estudioso de História Clássica. E ele não apreciava só personagens femininos: meu pai se chamava Hector, como um príncipe da Mitologia grega.
Um historiador? Profissão muito incomun para um... — ele interrompeu-se, confuso.
Para um plebeu? — completou a moça, sem mágoa.
Desculpe-me. Não deveria ter dito isto — falou o sr. Trevel​yan, aborrecido.
Mas o senhor não disse a palavra "plebeu". Fui eu que o fiz — assegurou ela, sorrindo. — É a verdade quer gostemos ou não. Infelizmente, meu avô era melhor com os clássicos do que como mercador. Por isto, só a chegada de tia Zenóbia foi capaz de nos dar alguma segurança financeira.
—	Que bom, assim poderá bem aproveitar a sua Temporada...
Alison duvidava que algo pudesse impedi-la de apreciar o período maravilhoso que estava vivendo. A visita de lorde Fane, que durara quase duas horas, aumentara a possibilidade de uma Temporada des​lumbrante. Afinal, não era sempre que uma jovem tinha chance de ser apresentada, à sociedade e de, mesmo antes disso, atrair a aten​ção de um autêntico lorde. Até parecia um dos romances de que tanto gostava!
Ainda bem que a única coisa que poderia diminuir seu prazer não acontecera: tia Zenóbia desistirá de falar com lady Emma sobre as cores de suas roupas. Tia Di enviara um bilhete, dizendo que ha​viam