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Manual de direito processual civil, volume 1 Ação 16ed

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Capítulo	VI
Da	ação
1.	A	ação	como	meio	de	instauração	do	processo.	A	lide
O	Estado	suprime	do	particular	o	poder	de	fazer	justiça	pelas	próprias	mãos	e
assume	a	obrigação	de	fazê-la	por	ele.	É	o	exercício	da	jurisdição.
Os	 litígios	 nascem	 em	 razão	 de	 conflitos	 de	 interesses,	 qualificados	 pela
pretensão	 de	 um	 e	 resistência	 de	 outro.	 Determinada	 pessoa	 pretende	 ser
proprietária	de	um	imóvel	e	dele	quer	a	posse	que	está	com	outra	e	dela	não	quer
dispor.	Eis	aí	o	litígio,	a	lide,	em	linguagem	processual	mais	técnica.
Como	 fenômeno	 processual,	 a	 lide	 não	 se	 revela	 nos	 moldes	 com	 que	 se
apresentou	na	vida	social.	Mister	se	faz	que	a	pretensão	seja	deduzida	sob	forma
de	 pedido	 específico	 de	 prestação	 jurisdicional.	 Não	 é	 possível	 ao	 juiz	 sair	 à
busca	 de	 litígios	 para	 solucioná-los,	 sendo	 necessário	 que	 os	 interessados	 o
façam,	 mas	 revelando-os	 no	 processo,	 através	 de	 pedido	 especificado.	 A
jurisdição,	em	princípio,	só	atua	provocada	(art.	2º).
Podendo	ocorrer	também	que	o	direito	já	esteja	reconhecido,	acertado,	através
de	sentença	judicial,	a	ela	se	dá	cumprimento,	desde	que,	em	prosseguimento,	a
obrigação	reconhecida	não	seja	satisfeita;	 também	por	vontade	dos	particulares
quando	a	 lei	 assim	o	 reconhecer,	 é	possível	 acertamento	que	 torne	a	pretensão
apenas	 insatisfeita.	 Neste	 caso,	 pode-se	 instaurar	 o	 processo	 de	 execução
autônomo	para	dar	cumprimento	efetivo	à	obrigação.
2.	Conceito	de	ação
O	direito	do	particular	de	 solicitar	prestação	 jurisdicional	 é	o	que	 se	 chama
ação.
Não	 há	 dúvida	 de	 que	 a	 ação	 seja	 um	 direito,	 mas	 seu	 próprio	 conceito	 e
natureza	muito	 variaram	na	 doutrina,	 através	 dos	 tempos.	Tal	 variação	merece
acurado	estudo,	já	que	de	seu	conceito	e	natureza	muito	vão	depender	institutos
de	direito	processual,	inclusive	o	da	coisa	julgada.
3.	Natureza	jurídica	da	ação	–	concepção	privatística
Dos	 romanos	 herdamos	 a	 concepção	 privatística	 da	 ação,	 também
desenvolvida	 por	 Savigny,	 no	 século	 passado.	 A	 ação	 é	 o	 próprio	 direito	 se
realizando,	 em	 posição	 defensiva.	 Não	 se	 consegue	 aqui	 separar	 a	 ação	 do
direito.	Ela	 é	 parte	 integrante	 dele.	Esta	 era	 a	 concepção	 adotada	 pelo	Código
Civil	de	1916,	quando	afirmava:	“A	todo	o	direito	corresponde	uma	ação,	que	o
assegura”	(art.	75)2.
4.	A	polêmica	entre	Windscheid	e	Muther
Doutrinadores	 germânicos	 chegaram	 a	 conclusões	 decisivas	 para	 a
consagração	 da	 autonomia	 do	 Direito	 Processual	 Civil.	 Além	 do	 conceito
romano	tradicional	da	actio,	no	direito	germânico	medieval,	criou-se	também	a
figura	da	klage,	que	não	é	o	direito	visto	de	seu	aspecto	defensivo,	mas	sim	um
outro	direito	de	pedir	tutela	jurisdicional.
Parte	 importante	 do	 problema	 é	 estabelecer-se	 a	 noção	 exata	 da	 ação	 como
direito.	Se	ela	é	um	direito,	há	de	haver	uma	obrigação	que	a	corresponda,	o	que
quer	 dizer,	 sempre	 haverá	 o	 sujeito	 ativo	 e	 o	 sujeito	 passivo	 da	 relação.
Windscheid	via	na	ação	o	direito	de	a	parte	reclamar	contra	o	adversário,	perante
a	Justiça.	Muther,	em	troca,	sustentava	que	a	ação	era	direito	público	subjetivo,
dirigido	contra	o	Estado,	para	que	este	 lhe	reconhecesse	o	direito,	obrigando	o
adversário	a	cumprir	o	que	fosse	devido.
5.	Teoria	da	ação	como	direito	concreto
Adolph	Wach,	em	1888,	escreveu	seu	famoso	livro	sobre	a	Ação	declaratória
e	chegou	a	conclusões	que	o	celebrizaram	como	idealizador	da	doutrina	da	ação,
como	 direito	 concreto,	 sendo	 o	 jurista	 que,	 definitivamente,	 deu	 cunho	 de
autonomia	ao	Direito	Processual	Civil,	ao	lado	de	Von	Bülow.	Não	há	nenhum
ponto	 de	 identificação	 entre	 a	 existência	 do	 direito	 e	 a	 ação,	 pois,	 nas	 ações
declaratórias	 negativas,	 o	 que	 se	 pretende	 é	 provar	 a	 inexistência	 do	 direito,
como	 seria	 o	 caso	 do	 suposto	 devedor	 promovendo	 ação,	 para	 que	 o	 juiz
declarasse	que	ele	não	devia.
Para	Wach,	 a	 ação	 seria	direito	público,	 dirigido	 contra	o	Estado,	 perante	o
réu,	 objetivando	 a	 prestação	 jurisdicional,	 mas	 autônomo	 por	 excelência.	 O
credor,	 por	 exemplo,	 teria	 o	 direito	 de	 recebimento	 de	 seu	 crédito	 e,	 como
portador	do	direito,	teria	também	o	de	requerer	ao	Estado	prestação	jurisdicional
para	o	dito	recebimento.
6.	A	ação	como	direito	abstrato
Outros	juristas	de	nomeada	fizeram	interessante	observação.	Como	dizer	que
a	ação	é	direito	de	quem	tem	razão	se	aquele	que	não	a	tem	põe	em	atividade	o
órgão	 jurisdicional	 e	 dele	 extrai	 um	 julgamento	 que	 constitui	 exatamente	 o
cumprimento	 da	 obrigação	 estatal,	 correspondente	 ao	 direito	 de	 ação?	 Alguns
chegaram	até	a	considerá-lo	como	simples	direito	de	petição,	exercido	perante	o
Poder	Judiciário,	como	é	o	caso	de	Couture,	no	Uruguai.	O	órgão	jurisdicional
está	obrigado	ao	despacho.	Despachada	a	petição,	mesmo	que	seja	para	 recusa
de	julgamento	do	pedido,	fez-se	o	exercício	do	direito	de	ação.
Essa	é	a	teoria	do	direito	abstrato.	Para	uma	corrente,	a	ação	é	direito	a	uma
sentença	 de	mérito,	 sendo,	 portanto,	 condicionado.	 Para	 outros,	 absolutamente
abstrato,	o	direito	de	ação	é	simples	modalidade	do	direito	de	petição.
7.	 Ainda	 a	 ação	 como	 direito	 concreto.	 Chiovenda.	 Direito	 potestativo.
Condições	da	ação
Chiovenda	fez	críticas	a	Degenkolb,	da	teoria	do	direito	abstrato.	Não	aceitou
ele	a	argumentação	do	direito	abstrato,	já	que	uma	coisa	é	a	faculdade	de	acionar
o	 órgão	 jurisdicional	 e	 outra	 é	 exercer	 o	 direito	 de	 ação.	 Contraditório	 seria
reconhecer	direito	a	quem	não	tem	nenhum	direito.
O	 direito	 de	 ação	 seria	 público	 ou	 privado,	 patrimonial	 ou	 não,	 tal	 fosse	 o
interesse	de	ordem	material	tutelado,	e	dirigido	contra	o	réu.	Verdade	que	ao	réu
não	 corresponde	 nenhuma	 obrigação	 efetiva,	mas	 ele	 não	 pode	 subtrair-se	 aos
efeitos	 do	 exercício	 do	 direito	 do	 autor.	 É	 caso	 típico	 de	 direito	 potestativo,
como	ocorre	com	o	que	tem	o	condômino	de	dividir,	a	qualquer	tempo,	o	imóvel
comum,	sem	que	se	reclame	atividade	efetiva	do	outro.
Como	 todo	 direito,	 tem	 ele	 condições	 de	 exercício.	 Em	 primeiro	 lugar,
autônomo,	mas	 subordinado	 à	 existência	 do	 direito	material	 demandado,	 teria
como	condição	a	própria	existência	do	direito.	O	credor	tem	o	direito	de	receber
seu	 crédito	 e	 de	 acionar	 o	 devedor	 para	 consegui-lo.	 Em	 sentido	mais	 amplo,
direito	 de	 quem	 tem	 razão,	 pois,	 às	 vezes,	 o	 que	 se	 discute	 é	 uma	 declaração
negativa.
Não	basta,	outrossim,	a	simples	existência	do	direito.	Se	ele	existe,	 só	pode
ser	 pleiteado	 por	 seu	 titular,	 ou	 por	 quem	 pode	 fazê-lo	 por	 ele.	 O	 filho,	 por
exemplo,	 pode	 ser	 credor,	mas	o	pai,	 em	nome	próprio,	 não	pode	demandar	o
crédito.	É	a	qualidade	de	quem	pede,	ou	legitimidade	para	causa.
Da	mesma	forma,	para	que	se	solicite	tutela	jurisdicional,	mister	se	faz	que	a
atuação	do	órgão	estatal	seja	de	necessidade,	ou,	pelo	menos,	de	utilidade,	para
que	possa	seu	titular	gozar	do	direito.	É	o	interesse.
8.	Carnelutti.	Conceito	de	lide
A	 teoria	 originalíssima	 de	 Carnelutti	 é	 de	 muita	 importância	 no	 Direito
brasileiro.	 Para	 ele,	 os	 “bens”	 da	 vida	 são	 limitados,	 mas	 ilimitadas	 são	 as
“necessidades	 humanas”.	 Chama-se	 “interesse”	 a	 posição	 de	 determinada
pessoa,	 para	 satisfazer	 uma	 necessidade,	 diante	 de	 determinado	 bem.	 Mas,
exatamente	pela	limitação	dos	bens,	pode	haver	choque	de	interesses	entre	duas
ou	mais	pessoas.	Dá-se,	então,	o	conflito	de	interesses.
O	 conflito	 de	 interesses	 pode	 ficar	 estático	 e,	 neste	 caso,	 permanece
socialmente	irrelevante,	mas,	se	qualquer	dos	sujeitos	do	conflito	pretender	e	o
outro	resistir,nasce	o	litígio	ou	a	lide.
Transferida	 para	 o	 processo,	 a	 lide	 dele	 vem	 a	 ser	 conteúdo	 exclusivo,
podendo	ser	deduzida	 integral	ou	parcialmente.	Se	se	pretende,	por	exemplo,	a
retomada	do	prédio,	que	se	 loca,	por	dois	 fundamentos	–	falta	de	pagamento	e
vencimento	do	contrato,	sendo	ambos	deduzidos,	tem-se	lide	integral	e	processo
integral;	apenas	um,	lide	parcial	e	processo	parcial.	A	ação	seria	o	instrumento
adequado	para	 a	 instauração	do	processo,	 com	objetivo	de	 julgamento	da	 lide.
Seria	direito	do	interessado,	direito	público	subjetivo	e	abstrato	por	excelência,
porque,	para	seu	exercício,	não	se	questiona	sobre	quem	venha	a	ter	razão,	mas
apenas	sobre	a	existência	de	um	litígio,	com	a	respectiva	solução.
9.	Liebman.	Reformulação	da	teoria	de	Carnelutti
Liebman	 reformulou	 a	 teoria	 de	 Carnelutti.	 Ele	 aceita	 o	 conceito	 de	 lide:
conflito	de	 interesses,	qualificado	pela	pretensão	de	um	e	resistência	de	outro.
Mas	 não	 a	 tem	 como	 fenômeno	 exterior	 ao	 processo,	 como	 se	 fosse	 simples
transferência	 de	 contenda	 da	 vida	 social	 para	 o	 processo.	 Não,	 a	 parte	 não
apresenta	apenas	uma	denúncia,	mas	formula	pedido	concreto	e,	neste	pedido,	é
que	se	configura	a	lide.	Não	há	lide	nem	processo	parcial	e	integral.	A	lide	será
sempre	a	que	se	informa	pelo	pedido.
A	ação,	para	Liebman,	é	o	direito,	o	poder	jurídico	que	a	parte	tem	para	pedir
tutela	 jurisdicional,	 isto	é,	o	 julgamento	do	pedido	formulado.	Direito	abstrato,
pois,	ao	decidir	sobre	o	pedido,	julgando	o	mérito,	o	juiz	não	se	compromete	a
tê-lo	por	procedente.
Cumpre	o	juiz	sua	função	jurisdicional,	simplesmente	julgando	o	pedido,	sem
importar	o	resultado.	A	ação	não	é	o	direito	à	sentença	favorável,	mas	à	sentença
de	mérito.	 O	 pretenso	 credor,	 por	 exemplo,	 tem	 o	 direito	 de	 ação	 e	 o	 exerce
integralmente,	 quando	o	 juiz	 julga	 o	 pedido,	 procedente	 ou	 improcedente,	 não
importa.
Tão	 abstrato	 é	 o	 direito	 de	 ação	 que	 se	 constitui	 até	 em	 ofensa	 a	 preceito
constitucional	a	proibição	cautelar	de	distribuição	de	causas,	ocorrida,	às	vezes,
no	fórum,	a	pedido	de	partes	menos	avisadas.
Mas,	 mesmo	 sendo	 abstrato,	 a	 ação	 como	 direito	 tem	 condições	 para	 ser
exercida.
Para	 Liebman,	 a	 simples	 faculdade	 de	 a	 parte	 recorrer	 a	 juízo,	 em	 sentido
geral,	constituía	antes	um	poder	jurídico	do	que	propriamente	um	direito.
Modernamente,	Fazzalari,	que	nega	ser	o	processo	relação	jurídica,	vê	a	ação
de	 uma	 posição	 subjetiva,	 revelada	 por	 quem	 possa	 ser	 destinatário	 de
determinado	provimento.	Para	chegar	a	este	provimento,	 todos	os	destinatários
participam	da	 formação	 do	 processo,	 e	 todas	 as	 faculdades,	 poderes	 e	 deveres
que	 se	 cumprem	 e	 se	 exercitam	 constituem	 ação,	 que	 não	 seria,	 em
consequência,	apenas	direito	de	quem	promove	o	processo,	mas	de	todos	os	que
pelo	provimento	serão	afetados	e	que	daquele	poderão	participar.
Os	 que	 participam	 do	 processo,	 sem	 interesse	 próprio,	 como	 o	 juiz	 e
auxiliares,	não	exercem	ação,	mas	função.
O	conceito	de	ação	em	tais	termos,	embora	não	adotado	pela	lei,	poderá,	sem
feri-la,	 justificar	determinadas	consequências	processuais,	mormente	quando	se
trata	 de	 estabelecer	 os	 limites	 subjetivos	 de	 um	 provimento	 judicial,	 com	 a
consequência	de	resguardo	ao	direito	à	jurisdição	e	ao	processo	como	técnica	de
realização	 e	 defesa	 do	 próprio	 direito	material.	 Explica-se,	 assim,	 o	 direito	 do
réu	 à	 sentença	 e	 à	 prática	 de	 atos	 na	 formação	 do	 processo,	 bem	 como	 a
participação,	voluntária	ou	provocada,	dos	chamados	terceiros	interessados,	com
poderes	 e	 faculdades	 que,	 na	 realidade	 prática,	 confundem-se	 com	 o	 que	 se
chama	direito	de	ação.
10.	A	ação	como	direito.	Condições	de	exercício
Sendo	a	ação	o	direito	à	sentença	de	mérito,	isto	é,	formulando-se	através	dela
um	pedido,	providência	concreta,	para	que	se	cumpra	a	obrigação	correspectiva,
é	 mister	 que	 ocorram	 certas	 condições.	 O	 direito	 material	 de	 propriedade	 é
previsto	em	lei,	mas	ele	só	pode	ser	invocado	por	quem	é	proprie​tário,	condição
essencial	de	seu	exercício.	Da	mesma	forma,	para	que	o	juiz	responda	ao	pedido
do	autor,	julgando	o	mérito,	a	lide,	é	preciso	que	o	autor	tenha	as	condições	de
agir.
11.	Condições	da	ação	e	pressupostos	processuais
As	condições	da	ação	não	se	confundem	com	os	pressupostos	processuais.	A
jurisdição	é	imparcial.	Para	que	se	faça	correto	julgamento,	mister	se	faz	que	o
processo	se	tenha	formado	validamente.	Existem,	assim,	três	ordens	de	matéria
que	 o	 juiz,	 necessariamente,	 enfrenta,	 quando	 julga	 no	 processo:	 matéria	 de
processo,	 matéria	 de	 ação	 e	 matéria	 de	 mérito.	 As	 duas	 primeiras,
conjuntamente,	 podem	 ser	 chamadas	 de	 condições	 de	 admissibilidade	 do
julgamento	da	lide.
12.	Legitimidade	para	a	causa
O	direito	de	ação	é	abstrato	e	a	relação	processual	autônoma	e	independente,
sem	nenhuma	vinculação	com	o	direito	material	deduzido	no	processo.	Em	razão
desta	abstração	e	autonomia,	não	se	pode	dizer	que	só	possa	propor	ação	quem
seja	sempre	o	titular	do	direito	e	que	o	pedido	só	pode	ser	feito	contra	o	obrigado
da	 relação	 de	 direito	 material.	 Não,	 afaste--se	 tal	 entendimento	 por	 demais
pernicioso.	A	pessoa	pode	não	ter	o	direito	e	ser	parte	legítima	para	propor	ação.
Alguém	se	diz	credor	de	outro	e	pretende	receber.	O	juiz	diz	que	o	crédito	não
existe,	 mas	 procurou	 receber	 quem	 se	 dizia	 credor	 contra	 quem	 alegava	 ser
devedor.	Há	legitimidade.
Para	 se	 aferir	 corretamente	 a	 noção	 de	 legitimidade,	 deve-se	 apegar	 muito
mais	 à	 característica	 de	 autonomia	 da	 relação	 processual	 do	 que	 ao	 conceito
abstrato	do	direito	de	ação.	A	relação	processual	é	outra.	Em	consequência,	duas
definições	 se	 fazem	 necessárias	 na	 lei,	 a	 da	 relação	 de	 direito	material	 e	 a	 da
relação	processual.	Definida	que	seja	a	primeira,	não	se	pode	dizer	que	também
o	 esteja	 a	 segunda.	 Há	 autonomia.	 Poderia	 ser	 absurdo	 filosófico,	 mas	 não
ilógico	e	contraditório,	afirmar-se	que	todo	credor	tem	direito	de	receber	de	seu
devedor,	mas	quem	tem	direito	de	propor	ação	para	recebimento	do	crédito	é	o
pai	 do	 credor,	 exatamente	 porque	 a	 definição	 da	 relação	 processual	 e,	 em
consequência,	 da	 legitimação	 para	 a	 causa	 é	 dada	 por	 conceito	 próprio	 e
exclusivo	não,	necessariamente,	coincidente	com	a	relação	de	crédito	e	débito	do
direito	material.
O	art.	18	do	novo	Código	de	Processo	Civil	brasileiro	diz:	“Ninguém	poderá
pleitear	 direito	 alheio,	 em	 nome	 próprio,	 salvo	 quando	 autorizado	 pelo
ordenamento	jurídico”.	Isto	quer	dizer	que	só	terá	legitimidade	ativa	para	a	ação,
em	princípio,	apenas	quem	pleiteia	direito	próprio,	ou,	melhor	dizendo,	direito
de	que	se	julga	portador,	caso	exista.	A	norma	é	de	direito	processual	e	apenas
por	coincidência	é	que	pode	haver	identificação	com	o	titular	do	direito	material,
muito	embora	coincidência	que,	no	maior	número	dos	casos,	se	repete.
Não	 seria	 nenhum	 absurdo	 a	 regra	 da	 legitimação	 sendo	 outra,	 como,	 por
exemplo,	“Compete	ao	Ministério	Público	pleitear	direito	dos	particulares”.	A
conveniência	da	norma	é	sempre	informada	pelas	razões	primeiras	do	direito,	e,
neste	caso,	a	regra	geral	de	legitimação	é	para	aquele	que	na	definição	hipotética
do	direito	é	seu	titular.
Por	exceção,	a	lei	permite	que	outros	postulem	direito	alheio,	como	é	o	caso
do	 marido	 que	 defende	 bens	 dotais	 da	 mulher	 (CC/16,	 art.	 289,	 III)3,	 do
Promotor	 de	 Justiça,	 quando	 propõe	 ação	 de	 indenização	 a	 favor	 da	 família
pobre	da	vítima	 (CPP,	 art.	 68),	ou	do	Sindicato,	 ao	pleitear	melhorias	 salariais
para	 toda	 a	 classeque	 representa	 (CLT,	 art.	 872,	 parágrafo	 único).	 São	 casos
chamados,	vulgarmente,	de	substituição	processual,	mas	que,	no	fundo,	em	razão
de	ser	a	ação	direito	abstrato	e	ser	autônoma	a	relação	processual,	é	legitimação
que	decorre	da	lei	e	consequentemente	sem	nenhuma	anomalia.	Legitimação	tão
normal	que	o	próprio	titular	tem,	em	princípio,	plena	disponibilidade	da	ação,	a
ponto	de	poder	propô-la,	quando	quiser,	 sem	que	aquele	para	quem	se	pleiteia
possa	 impedi-lo	 e	 mesmo	 interferir	 negativamente,	 como	 seria	 o	 caso	 de
pretender	formular	a	própria	desistência.
A	legitimação	para	a	causa	é	vista	de	ambos	os	polos	da	relação	processual,	a
ativa	 e	 a	 passiva	 respectivamente,	 e	 não	 se	 confunde	 com	 a	 legitimação
processual,	ou	capacidade	de	estar	em	juízo.	Um	menor	de	dezesseis	anos	pode
ter	 legitimidade	 para	 a	 causa,	 mas	 não	 tem	 capacidade	 de	 estar	 em	 juízo,
devendo	ser	representado	(art.	71).
A	 ilegitimidade	 para	 a	 causa	 pode	 ser	 manifesta	 e	 pode	 depender	 de
indagação.	Ocorre	a	primeira,	quando,	pela	simples	leitura	da	petição	inicial,	ela
se	revela.	O	locatário,	como	tal,	pleiteia	reconhecimento	de	servidão	a	favor	do
proprietário,	 ou	 alguém	o	 pleiteia	 contra	 ele,	 reconhecendo-o	 locatário.	O	 pai,
sem	representação,	em	nome	próprio,	intenta	receber	crédito	do	filho.
A	ilegitimidade	que	depende	de	indagação,	ao	contrário,	é	aquela	que	não	se
revela	 na	 petição	 inicial,	 nem	 pelos	 documentos	 fundamentais	 ou	 substanciais
que	a	ela	acompanham.	O	sindicato,	que	pode	defender	 interesses	da	categoria
(art.	8º,	III,	da	Constituição	Federal),	às	vezes,	está	a	desviar-se	das	finalidades
de	sua	atuação,	defendendo	outros	que	não	aqueles,	e	sua	legitimidade	depender
de	provas.	O	caso	é	de	ilegitimidade	para	a	causa,	mas	não	pode	ser	reconhecida
de	plano,	por	haver	matéria	probatória	a	se	questionar.
A	ilegitimidade	para	a	causa	pode	ser	reconhecida	a	qualquer	momento	(art.
485,	VI),	a	manifesta	pode	ser	causa	de	indeferimento	liminar	da	petição	inicial
(art.	330,	II).
13.	Interesse	processual
O	Estado	se	obriga	à	prestação	jurisdicional.	Ao	cumpri-la,	evidente	que	deva
fazê-lo	 movido	 pela	 necessidade	 ou,	 pelo	 menos,	 pela	 utilidade	 de	 sua
intervenção.	O	pai	comparece	a	cartório	e	registra	o	filho.	Levado	mais	tarde	por
questões	íntimas,	o	filho	propõe	investigação	de	paternidade	contra	o	pai.	Ora,	já
havendo	o	reconhecimento	legal,	qual	a	necessidade	ou	utilidade	da	atuação	do
Estado?	O	imóvel	já	é	de	propriedade	indiscutível	e	incontestável	da	parte,	posto
que	fora	sujeito	a	Registro	Torrens4.	Mesmo	assim,	a	parte	pede	declaração	de
propriedade,	sem	denunciar	nenhuma	contestação	séria.	O	procedimento	especial
de	consignação	em	pagamento,	previsto	pelos	arts.	539	e	seguintes	é	obrigatório,
pois,	para	seu	desenvolvimento,	mister	se	faz	o	depósito	prévio	da	importância	a
ser	 consignada.	 O	 autor,	 porém,	 faz	 o	 pedido	 no	 procedimento	 ordinário,
requerendo	 simplesmente	 a	 condenação.	 O	 juiz,	 logicamente,	 não	 deverá
examinar	o	pedido	por	sua	completa	inutilidade,	já	que	o	procedimento	especial
é	imposição	intransacionável.
Nos	exemplos	supracitados,	no	caso	da	 investigação	de	paternidade	e	no	do
Registro	Torrens,	não	há,	na	verdade,	nenhum	conflito	de	interesses,	nem	efetivo
nem	eventual.	Na	hipótese	da	consignação,	há	falta	de	adequação	do	pedido	do
autor,	 já	 que	 a	 providência	 concreta	 solicitada	 (condenação)	 não	 pode	 ser
atendida,	porque	o	autor	só	se	libera	se	o	bem	objeto	do	pagamento	estiver	em
depósito.
A	ausência	de	conflito	de	interesses	e	a	falta	de	adequação	do	pedido	do	autor
revelam	falta	de	interesse	processual,	que	é	a	segunda	condição	da	ação.
Por	falta	manifesta	de	interesse	processual	também	pode	a	petição	inicial	ser
liminarmente	indeferida	(art.	330,	III).
Nenhuma	 correspondência	 há	 entre	 as	 condições	 da	 ação	 e	 a	 existência	 do
direito.	 As	 condições	 da	 ação	 são	 examinadas	 exclusivamente	 do	 ângulo
processual.	 Não	 se	 faz	mister	 que	 o	 direito	 pleiteado	 exista,	 para	 que	 a	 parte
tenha	ação.	No	entanto,	se	o	processo	é	instrumento	de	composição	das	lides	e
de	efetivação	do	direito,	sem	razão	fica	o	exercício	da	ação,	quando	o	pedido,	a
providência	 invocada	 pelo	 autor	 não	 tem	 permissibilidade,	 em	 abstrato,	 no
ordenamento	 jurídico	 respectivo.	 Mulher	 que	 convive	 maritalmente	 com
determinado	cidadão,	pelo	espaço	de	trinta	anos,	pretende	que	o	juiz	os	declare
casados,	 por	 decurso	 de	 tempo.	 Caso	 típico	 de	 impossibilidade	 jurídica	 do
pedido,	 pois	 nosso	 direito	 não	 reconhece	 tal	 espécie	 de	 matrimônio,	 embora
pudesse	até	ser	de	justiça.
A	 possibilidade	 jurídica	 do	 pedido,	 no	 Código	 revogado,	 era	 condição,
atendendo,	 inclusive,	 a	 posição	 primitiva	 do	 inspirador	 do	 estatuto,	 Enrico
Liebman5.
A	falta	de	possibilidade	jurídica	do	pedido	pode	revelar,	na	verdade,	falta	de
interesse	processual,	não	podendo	confundir	sua	mera	declaração	com	o	mérito
da	causa,	cujo	julgamento,	estando	sujeito	à	coisa	julgada,	não	permite	o	retorno
da	questão	em	outro	processo,	o	que	não	ocorrerá	se	a	possibilidade	jurídica	da
hipótese	 vier,	 posteriormente,	 a	 ser	 consagrada.	 O	 divórcio,	 negado	 como
possibilidade	 jurídica,	 quando	 ainda	 não	 adotado	 no	 Brasil,	 pode	 ser
reexaminado	em	feito	posterior,	após	a	adoção	do	instituto.	A	matéria	sujeita-se	à
preclusão,	 mas	 não	 à	 coisa	 julgada,	 como,	 aliás,	 agora,	 se	 consagra
expressamente	no	art.	473,	§	1º	(“No	caso	de	ilegitimidade	ou	falta	de	interesse
processual,	a	nova	propositura	da	ação	depende	da	correção	do	vício”).
Também	 a	 proibição	 de	 determinada	 providência	 é	 caso	 de	 impossibilidade
jurídica,	 como	 seria,	 no	 caso,	 por	 exemplo,	 de	 se	 pretender	 a	 existência	 de
paternidade,	realizada	em	cartório	apenas	com	informação	de	testemunhas.
14.	Carência	de	ação
A	 falta	 de	 qualquer	 das	 condições	 da	 ação	 faz	 com	 que	 o	 juiz	 extinga	 o
processo,	sem	julgar	o	pedido,	o	mérito,	a	lide	(art.	485,	VI).	O	julgamento	é	de
carência	de	ação,	expressões	usadas	no	Código	anterior	(art.	330,	X).
Carência	de	ação	e	improcedência	do	pedido	não	se	confundem.	A	primeira,
se	 reconhecida,	 não	 inibe	 o	 autor	 de	 renovar	 o	 pedido,	 instaurando	 novo
processo,	 tal	 como	 ocorre	 quando	 falta	 pressuposto	 processual	 (art.	 486),
exatamente	porque	a	definitividade	do	 julgamento	 só	 se	verifica	na	decisão	da
lide	(art.	490),	que	se	identifica	com	o	mérito	nas	hipóteses	do	art.	474,	I	a	III.
Com	 referência	 ao	 último	 exemplo	 dado	 de	 interesse	 processual,	 deve-se
lembrar	 que	 a	 falta	 de	 adequação	 que	 nela	 se	 traduz	 não	 se	 refere	 ao
procedimento,	mas	ao	pedido,	à	providência	concreta	solicitada.	Destarte,	se	se
pede	 prestação	 de	 contas	 adequadamente,	 mas	 o	 caso	 não	 é	 de	 prestação	 de
contas,	o	julgamento	que	assim	o	reconhece	é	do	próprio	pedido,	do	mérito,	da
lide	 e	 está	 sujeito	 à	definitividade,	 à	 coisa	 julgada	material,	 dentro	dos	 limites
propostos,	isto	é,	somente	prestação	de	contas.
15.	Condições	de	admissibilidade	do	julgamento	da	lide.	Reconhecimento	de
ofício
Matéria	referente	a	pressupostos	processuais,	neles	se	incluindo	coisa	julgada,
litispendência	 e	 perempção,	 e	 matéria	 referente	 a	 condições	 da	 ação,	 em
qualquer	 tempo	 e	 grau	 de	 jurisdição,	 antes	 de	 proferida	 sentença	 de	 mérito,
podem	 ser	 examinadas,	 até	 mesmo	 de	 ofício	 pelo	 juiz	 ou	 tribunal,	 ainda	 que
sobre	elas	já	tenha	havido	pronunciamento	expresso	(art.	485,	§	3º,	c/c	art.	485,
IV,	V,	VI	 e	 IX).	 Tais	matérias	 interessam	diretamente	 ao	 poder	 jurisdicional	 e
apenas	 indiretamente	 às	 partes.	 São	 deordem	 pública	 e	 importam	 ao	 próprio
funcionamento	 da	 jurisdição,	 cujas	 finalidades	 são	 a	 solução	 dos	 litígios	 e	 a
efetivação	dos	direitos	já	reconhecidos.
O	 Código	 atual	 adota,	 expressamente,	 o	 entendimento	 de	 que,	 mesmo
podendo	repetir	a	demanda,	no	caso	de	falta	de	condições	da	ação,	a	reiteração
só	poderá	ocorrer,	se	o	vício	for	sanado	(art.	486,	§	1º),	não	bastando	a	repetição
pura	 e	 simples	 da	 ação.	A	questão	não	 se	 acoberta	 por	 coisa	 julgada,	mas	por
simples	preclusão,	pois,	submetida	à	jurisdição,	foi	decidida.	Portanto,	até	que	se
demonstre	sanado	o	vício,	a	rejeição	da	ação	está	de	pé.
16.	Ação	e	pretensão
A	ação	é	o	direito	de	pedir	tutela	jurisdicional.	Direito	que	se	exercita	contra	o
Estado,	tendo-o	como	sujeito	passivo	da	relação.	De	tal	ângulo,	pode-se	entender
Liebman	que	a	ação	seria	o	poder	jurídico	de	requerer	tutela	jurisdicional,	o	que,
evidentemente,	não	a	desnatura	como	direito.
A	pretensão	é	um	ato	concreto,	realizado	perante	o	juiz,	mas	com	relação	ao
réu.	 É	 uma	 afirmação,	 objetivando	 o	 reconhecimento	 ou	 a	 inexistência	 de	 um
direito,	 com	 efeitos	 específicos,	 ou	 ainda	 a	 efetivação	 do	 que	 já	 está
reconhecido.
A	pretensão	é	o	conteúdo	da	ação.	Reivindicando	bens,	o	autor	solicita	do	juiz
tutela	jurisdicional	e	afirma	a	providência	efetiva	que	quer,	através	do	pedido	de
condenação	 do	 réu,	 para	 que	 ele	 lhe	 entregue	 o	 que	 reivindica.	 O	 pedido	 de
tutela	jurisdicional	é	a	ação	e	a	reivindicação	afirmada,	a	pretensão.
Havendo	nítida	diferença,	não	se	pode	classificar	a	ação	pela	pretensão.
O	Código	de	1973,	de	início,	no	art.	10,	parágrafo	único,	I,	falava	em	ações
reais	imobiliárias.	Constituía	erro	terminológico,	pois	só	a	pretensão	é	que	pode
ser	real	ou	pessoal	6,	erro	que	não	comete	o	novo	Código,	já	que	fala	também	em
“direitos	 reais	 imobiliários”,	 para	 exigir	 o	 consentimento	 de	 outro	 cônjuge	 e	 a
citação,	quando	um	deles	for	réu.
Da	 mesma	 forma,	 é	 erro	 dizer	 ação	 reivindicatória,	 ação	 negatória,	 ação
revocatória,	ação	de	depósito,	ação	de	prestação	de	contas	etc.,	pois	a	ação	só
objetiva	 tutela	 jurisdicional	 generalizada,	 sendo	 a	 pretensão	 que	 caracteriza	 a
providência	 concreta	 invocada.	 A	 não	 ser	 que	 se	 tenha	 um	 outro	 conceito	 de
ação,	que	não	processual.
Hoje,	pelo	entendimento	de	haver	também	processos	especiais,	e	não	apenas
procedimentos	 especiais,	 em	 razão	 da	 própria	 finalidade	 e	 especialidade	 do
procedimento	 básico,	 parece	 que	 se	 pode	 afirmar:	 ação	 rescisória,	 ação	 de
mandado	de	segurança,	ação	de	injunção,	ação	de	habeas	data	etc.
17.	Ação	de	conhecimento	e	de	execução
A	 ação	 é	 o	 direito	 do	 particular	 de	 requerer	 tutela	 jurisdicional.	 Sua
classificação	deve	atender	à	espécie	de	tutela	invocada,	na	sua	generalidade.	Se
se	pretender	a	solução	de	uma	lide,	a	ação	será	de	conhecimento;	se	se	pretender
a	efetivação	de	direito	já	acertado,	será	de	cumprimento	da	sentença,	se	tal	for	o
acertamento;	 se	 o	 acertamento	 ocorrer	 entre	 os	 próprios	 particulares	 conforme
admitido	 em	 lei,	 para	 a	 efetivação	 da	 obrigação	 instaura-se	 o	 processo	 de
execução;	 se	 se	pretender	 acautelar	 outros	processos,	 será	de	 cautela.	Ação	de
conhecimento	e	ação	de	execução	correspondentes,	respectivamente,	ao	processo
de	conhecimento	e	processo	de	execução.
Tem-se	procurado	dar	outra	 ideia	de	 tutela	 jurisdicional,	de	 forma	 tal	que	a
ação,	 continuando	 como	 sendo	 direito	 a	 uma	 sentença	 de	 mérito,	 passa	 a	 ser
também	forma	de	dar	efetivação	ao	direito	material,	com	resultados	eficientes	e
justos.	Em	outras	palavras,	para	que	o	processo	atinja	sua	finalidade,	não	basta
que	 o	 interessado	 logre	 alcançar	 uma	 sentença	 de	 mérito,	 mas	 também	 o
resultado	adequado,	na	forma	e	momento	também	próprios.	Vale	a	pena,	embora
não	seja	o	 sistema	do	 livro,	citar	passagem	de	Cândido	Dinamarco:	“O	 direito
moderno	 não	 se	 satisfaz	 com	 a	 garantia	 da	 ação	 como	 tal	 e	 por	 isso	 é	 que
procura	extrair	da	formal	garantia	desta	algo	de	substancial	e	mais	profundo.	O
que	 importa	 não	 é	 o	 oferecer	 ingresso	 em	 juízo,	 ou	 mesmo	 julgamentos	 de
mérito.	 Indispensável	 é	 que,	 além	 de	 reduzir	 os	 resíduos	 de	 conflitos	 não
jurisdicionalizáveis,	 possa	 o	 sistema	 processual	 oferecer	 aos	 litigantes
resultados	 justos	 e	 efetivos,	 capazes	 de	 reverter	 situações	 injustas	 e
desfavoráveis.	 Tal	 é	 a	 ideia	 de	 efetividade	 da	 tutela	 jurisdicional,	 coincidente
com	 a	 da	 plenitude	 do	 acesso	 à	 justiça	 e	 a	 do	 processo	 civil	 de	 resultados”
(Tutela	Jurisdicional,	RF,	334:18).
18.	Ação	declaratória,	condenatória	e	constitutiva
Toda	 ação	 de	 conhecimento	 é	 declaratória,	 pois,	 de	 qualquer	 forma,	 ela
sempre	objetiva	a	declaração	da	existência	ou	inexistência	de	relações	jurídicas
entre	as	partes.	Chama-se,	porém,	simplesmente	declaratória	a	ação	que	apenas
declara	 a	 existência	 ou	 inexistência	 de	 relação	 jurídica	 (investigação	 de
paternidade	 –	 declaração	 de	 filiação)	 ou	 autenticidade	 ou	 falsidade	 de
documento	(art.	19,	I	e	II).
Se	à	simples	declaração	se	adere	a	imposição	de	cumprimento	de	determinada
prestação	pelo	réu,	tem-se	a	ação	condenatória	(o	credor	pede	o	reconhecimento
do	crédito	e	a	condenação	do	réu	ao	pagamento).
Se,	pela	declaração,	há	a	criação,	modificação	ou	extinção	de	um	estado	ou
relação	 jurídica,	 tem-se	 a	 ação	 constitutiva	 (rescisão	 de	 contrato,	 pedido	 de
anulabilidade	do	negócio	jurídico	por	fraude	contra	credores,	separação	judicial
e	o	divórcio	contencioso).
O	pedido	simplesmente	declaratório	é	admissível,	ainda	que	haja	violação	de
direito	(art.	20),	ou	seja,	decisão	que	poderia	gerar	condenação.
O	art.	584	do	Código	de	1973	diz	que	“São	títulos	executivos	judiciais:	I)	a
sentença	condenatória	proferida	no	processo	civil”.
Ao	disciplinar	o	“cumprimento	da	sentença”,	a	Lei	n.	11.232/2005	rompeu	a
tradição	de	se	considerarem	apenas	condenações	expressas	para	se	dar	efetivação
a	 direito	 reconhecido	 e	 adotou,	 no	Código,	 no	 art.	 475-N,	 a	 seguinte	 posição:
“São	 títulos	executivos	 judiciais:	 I)	A	sentença	proferida	no	processo	civil	que
reconheça	a	existência	da	obrigação	de	fazer,	não	fazer,	entregar	coisa	ou	pagar
quantia	 certa”.	 O	 art.	 502,	 I,	 do	 novo	 Código	 registra	 o	 seguinte	 dispositivo:
“São	 títulos	 executivos	 judiciais...:	 I.	 As	 decisões	 proferidas	 no	 processo	 civil
que	reconheçam	a	exigibilidade	de	obrigação	de	pagar	quantia,	de	fazer,	de	não
fazer	ou	de	entregar	coisa”.	Em	razão,	pois,	da	nova	orientação,	é	de	se	entender
que,	 se	 a	 sentença	declaratória	 reconhecer,	 ainda	que	 seja	 a	 favor	do	autor,	ou
mesmo	do	réu,	em	ação	declaratória	negativa,	ou	em	sentença	de	improcedência,
obrigação	 de	 fazer,	 não	 fazer,	 entregar	 ou	 pagar,	 a	 declaração	 equivale	 à
verdadeira	 sentença	 condenatória	 que	 enseja	 cumprimento	 de	 sentença,
ressalvadas,	 certamente,	 as	 obrigações	 ainda	 não	 exigíveis	 e	 as	 sentenças	 que
apenas	 declararam	 relação	 jurídica,	 sem	 estabelecer,	 em	 razão	 de	 sua	 própria
natureza,	 qualquer	 obrigação	 a	 ser	 cumprida,	 como	 seria,	 por	 exemplo,	 a
investigação	de	paternidade.
19.	Coisa	julgada	e	questões	prejudiciais
A	coisa	julgada	recebe	sua	limitação	objetiva	pela	lide.	A	lide	é	o	pedido	com
sua	 fundamentação.	 O	 proprietário	 do	 imóvel	 propõe	 ação	 contra	 o	 vizinho,
objetivando	 reconhecimento	de	 servidão.	O	 réu	 contesta,	 negando	o	direito	 do
autor,	 sob	 fundamento	 de	 que	 servidão	 não	 pode	 existir,	 porque	 ambos	 os
imóveis	são	de	sua	propriedade,	contrariando	o	pedido	do	autor	o	art.	1.378	do
Código	Civil	de	2002,que	exige	prédios	de	donos	diferentes.	Julgando	o	pedido
procedente	 ou	 improcedente,	 embora	 forçado	 a	 se	 pronunciar	 sobre	 a
propriedade,	 entendia-se	 que	 o	 juiz	 sobre	 ela	 nada	 decidira,	 com	 força	 de
definitividade,	já	que	a	limitação	da	lide	estaria	no	pedido	de	servidão.	A	questão
da	propriedade	seria	mera	prejudicial	(art.	469,	III,	do	Código	de	1973).
Se	 qualquer	 das	 partes	 pretendesse,	 poderia,	 no	 próprio	 processo,	 formular
pedido	declaratório	 incidente,	para	que	o	 julgamento	 incidisse	 também	sobre	a
questão	prejudicial	 (arts.	5º,	325	e	470).	Era	a	ação	declaratória	 incidental	que
existia	ao	lado	da	declaratória	comum.
O	Código	atual,	embora	não	ignorando	a	existência	das	questões	prejudiciais,
mudou	a	orientação,	 admitindo	a	ocorrência	de	 coisa	 julgada	 sobre	 elas,	 se	da
resolução	depender	o	julgamento	de	mérito;	se	tiver	havido	contraditório	prévio
e	 efetivo,	 não	 se	 aplicando	 no	 caso	 de	 revelia;	 se	 o	 juízo	 for	 competente	 em
razão	da	matéria	e	da	pessoa	(art.	503,	§	3º,	I	a	III).
20.	Ação	executiva	lato	sensu	e	ação	mandamental
Recentemente,	 parte	 da	 doutrina	 pretende	 ainda	 a	 existência	 de	 mais	 duas
espécies	de	ações:	a	executiva	 lato	sensu	 e	 a	mandamental.	A	primeira	 seria	 a
correspondente	à	sentença	a	que	se	aderisse	o	elemento	da	auto-	executividade,
como	 ocorre	 nos	 pedidos	 de	 reintegração	 de	 posse.	A	 segunda	 seria	 ação	 que
objetivasse	 sentença	ultrapassando	a	 simples	declaração,	determinando	ainda	o
cumprimento	 ou	 abstenção	 de	 fato.	 É	 o	 caso	 do	 mandado	 de	 segurança	 e	 do
interdito	proibitório.
Obras	consultadas
Ada	Pellegrini	Grinover,	Ação	declaratória	incidental,	Revista	dos	Tribunais,	1972;	Adroaldo	Fabrício,
A	ação	declaratória	incidental,	Forense,	1976;	A.	C.	de	Araújo	Cintra,	Ada	Pellegrini	Grinover,	Cândido	R.
Dinamarco,	Teoria	geral	do	processo,	4.	ed.,	Forense;	Aroldo	Plínio	Gonçalves,	Técnica	processual	e	teoria
do	processo,	Aide,	1992;	Arruda	Alvim,	Código	de	Processo	Civil	comentado,	Revista	dos	Tribunais,	v.	1;
Buzaid,	Agravo	 de	 petição,	 Saraiva,	 1956;	 A	 ação	 declaratória	 no	 processo	 brasileiro,	 1933;	 Cândido
Dinamarco,	Tutela	jurisdicional,	RF,	334:19-41;	Carlos	Ramirez,	Areila,	La	pretensión	procesal,	Editorial
Temis,	1986;	Carnelutti,	Instituciones,	 trad.	esp.	Sentís	Melendo,	5.	ed.,	EJEA;	Celso	Barbi,	Comentários
ao	 Código	 de	 Processo	 Civil,	 2.	 ed.,	 Forense,	 v.	 1;	 Chiovenda,	Principios,	 trad.	 esp.,	 3.	 ed.,	 Ed.	 Reus;
Instituições,	 trad.	 bras.,	 Saraiva;	 Couture,	 Fundamentos,	 3.	 ed.,	 Depalma;	 Elio	 Fazzalari,	 Istituzioni	 di
diritto	processuale,	5.	ed.,	CEDAM,	1989;	Enrique	Vescovi,	La	acción	y	la	excepción,	in	Curso	de	derecho
procesal,	 Instituto	 Uruguayo	 de	 Derecho	 Procesal;	 Flávio	 Luiz	 Yarshell,	 Tutela	 jurisdicional,	 ed.Atlas,
1999;	Humberto	Theodoro	Júnior,	Processo	de	conhecimento,	1.	ed.,	Forense;	José	Carlos	Barbosa	Moreira,
O	 novo	 Código	 de	 Processo	 Civil	 brasileiro,	 5.	 ed.,	 Forense;	 José	 Frederico	 Marques,	Manual,	 l.	 ed.,
Saraiva;	José	Roberto	dos	Santos	Bedaque,	Direito	e	processo,	Malheiros	Ed.,	1995;	Liebman,	Manuale,	3.
ed.,	Giuffrè;	trad.	esp.	Sentís	Melendo,	EJEA;	trad.	bras.	Cândido	Dinamarco,	4.	ed.,	v.	1;	Lopes	da	Costa,
Direito	processual	civil	brasileiro,	2.	ed.,	Forense;	Rogério	Lauria	Tucci,	Da	ação	e	do	processo	civil	na
teoria	e	na	prática,	Saraiva,	1978.
2.	O	Código	Civil	atual	não	adotou	qualquer	conceituação	da	ação	em	moldes	processuais,	mas,	ao
tratar	de	prescrição,	 falou	em	pretensão	e	não	em	ação	(art.	189),	evitando	penetrar	na	seara,	hoje
exclusiva	do	Direito	Processual	Civil.
3.	O	Código	Civil	 em	 vigor	 não	 acolheu	 o	 regime	 dotal	 de	 bens	 no	 casamento,	mas,	 enquanto
existirem	bens	dotais,	provenientes	de	anteriores	regimes,	a	 legitimação	marital	ainda	persiste	 (art.
2.039,	c/c	art.	2.043).
4.	Não	se	deve	confundir	a	situação,	quando	não	se	tratar	de	Registro	Torrens.	Usucapião	é	forma
de	 adquirir,	 como	 a	 transcrição.	 Nesse	 caso,	 embora	 transcrito	 o	 imóvel,	 o	 que	 cria	 presunção
simplesmente	iuris	tantum,	é	possível	de	declaração.	O	Torrens,	porém,	é	a	indiscutibilidade	absoluta
da	transcrição.
5.	Na	terceira	edição	de	seu	Manual,	Leibman	excluiu	a	possibilidade	jurídica	do	rol	das	condições
da	ação.
6.	A	Lei	 n.	 8.952/94	 corrigiu	 o	 erro,	 dando	 ao	 art.	 10	 a	 seguinte	 redação:	 “O	 cônjuge	 somente
necessitará	 do	 consentimento	 do	 outro	 para	 propor	 ações	 que	 versem	 sobre	 direitos	 reais
imobiliários”.	 O	 Código	 Civil	 atual	 faz	 nítida	 diferença	 entre	 direito,	 ação	 e	 pretensão,	 quando
afirmar	que	a	prescrição	vai	incidir	sobre	esta	última.	E	com	razão,	porque	sujeito	passivo	da	ação	há
de	ser	sempre	o	Estado,	de	quem	se	pede	tutela	jurisdicional,	enquanto	a	pretensão	se	dirige	contra	a
parte	contrária.

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