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Humberto Theodoro Júnior - pressupostos processuais condições da ação e mérito da causa

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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS, CONDIÇÕES DA AÇÃO E MÉRITO DA CAUSA
 
 
 
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS, CONDIÇÕES DA AÇÃO E MÉRITO DA CAUSA
Revista de Processo | vol. 17/1980 | p. 41 - 49 | Jan - Mar / 1980
Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 2 | p. 105 - 117 | Out / 2011
DTR\1980\18
	
Humberto Theodoro Júnior 
 
Área do Direito: Civil; Processual
Sumário:  
- 2.Ação - 3.Processo como meio de prestação da tutela jurisdicional - 4.Autonomia da ação - 5.Objetivo da ação - 6.Mérito da causa - 7.Pressupostos processuais - 8.Condições da ação - 9.Natureza das condições da ação - 10.Possibilidade jurídica
 
1. Monopólio estatal da justiça 
Ao vetar a seus súditos fazer justiça pelas próprias mãos e ao assumir a plenitude da jurisdição, o Estado não só se encarrega da tutela jurídica dos direitos subjetivos privados, como se obriga a prestá-la sempre que regularmente invocada, estabelecendo, de tal arte, em favor do interessado, a faculdade de requerer sua intervenção sempre que se julgar lesado em seus direitos (Hugo Alsina, Tratado, I, p. 36). 
Do monopólio da justiça decorrem, portanto, duas importantes conseqüências: a) a obrigação do Estado de prestar a tutela jurídica aos cidadãos (Arruda Alvim, Cód. Pr. Civ. Coment., I, 231); e b) um verdadeiro e distinto direito subjetivo o direito de ação oponível ao Estado-juiz e que se pode definir como o direito à jurisdição (Liebman, Manuale, I, n. 13, p. 38). 
2. Ação
A parte, frente ao Estado-juiz, dispõe de um poder jurídico, que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios direitos ou interesses, ou para obter a definição das situações jurídicas controvertidas. É o direito de ação, de natureza pública, por referir-se a uma atividade pública, oficial, do Estado. 
"O exercício da ação colima, pois, um ato de jurisdição da parte do Estado; ao exigir o cumprimento de uma obrigação, aspira-se, em última análise, que o devedor entregue algo de seu patrimônio, preste um fato ou que se esclareça uma situação incerta; mas, sob o ponto de vista processual, o que se pretende é o restabelecimento da ordem jurídica, circunstância que caracteriza esta função de direito público" (Alsina, op. cit., I, p. 36). 
"A ação é, portanto, o direito subjetivo que consiste no poder de produzir o evento a que está condicionado o efetivo exercício da função jurisdicional", na lição de Liebman.
Isto porque, embora atividade da soberania estatal, a jurisdição só atua, concretamente, por meio de provocação da parte interessada. Não há jurisdição ex officio. 
Exerce o direito de ação, como direito subjetivo público à tutela jurisdicional, não apenas o autor mas igualmente o réu, visto que este também, ao se opor à pretensão do primeiro, pede um provimento contrário ao reclamado na propositura da causa, isto é, postula a declaração de ausência do direito subjetivo invocado pelo autor. 
De antemão, o Estado não se compromete a tutelar o interesse de nenhuma das partes, pois a missão da função jurisdicional não é proteger o direito subjetivo nem do autor nem do réu, mas assegurar que a situação litigiosa encontre, em sua atividade de julgador imparcial, uma solução que importe realização da ordem jurídica. Em última análise, a preocupação do juiz é a de manter o império da lei (cfr. Carlo Furno, Teoria de la Prueba Legal, n. 8, pp. 33-34). 
3. Processo como meio de prestação da tutela jurisdicional
A satisfação do direito de ação não é dada arbitrariamente pelos agentes do Estado. Existe um método ou sistema jurídico de prestar a tutela jurídica à parte que se sente envolvida numa situação litigiosa. É o processo, relação jurídica de direito público, através da qual o Estado, vinculando-se aos sujeitos da lide, toma conhecimento da pretensão das partes e lhes dá a solução preconizada pela ordem jurídica vigente. Em outras palavras: o órgão jurisdicional soluciona o conflito de interesses tornando concreta a vontade abstraía da lei, que antes figurava apenas objetivamente na legislação. 
"O processo civil" como ensina o Min. Buzaid na Exposição de Motivos de nosso Código é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observava Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio de interesses de ambas. O interesse das partes não é senão um meio que serve para conseguir a finalidade, do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a quem a tem. Ora, dar razão a quem tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda a sociedade. Assim entendido, o processo civil é preordenado a assegurar a observância da lei" (Buzaid, "Exp. de Motivos", n. 5). 
4. Autonomia da ação
Para o direito processual moderno, o direito à tutela jurisdicional do Estado não é o direito à proteção do direito subjetivo material da parte. Direito de ação é o direito à composição do litígio pelo Estado, que, por isso, não depende da efetiva existência do pretenso direito material da parte que provoca a atuação do Poder Judiciário. Mesmo quando a sentença nega a procedência do pedido do autor, não deixa de ter havido ação e composição da lide. É, assim, suficiente para o manejo do direito público de ação, que o autor invoque um interesse abstratamente protegido pela ordem jurídica. 
É com referência a esse hipotético direito do autor que o Estado está obrigado a exercer a atividade jurisdicional e a proferir uma decisão, que tanto poderá ser favorável como desfavorável. Na verdade, "sendo a ação dirigida ao Estado, é ele o sujeito passivo, de tal direito" (Araújo Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria Geral, n. 131, p. 216). 
Daí por que, modernamente, prevalece a conceituação da ação como um direito público subjetivo exercível pela parte para exigir do Estado a obrigação da tutela jurisdicional, pouco importando seja esta de amparo ou desamparo à pretensão de quem o exerce. É, por isso, abstrato. É, ainda, autônomo, porque pode ser exercitado sem sequer relacionar-se com a existência de um direito subjetivo material, em casos como o da ação declaratória negativa. É, finalmente, instrumental, porque se refere sempre à decisão a uma pretensão ligada ao direito material (positiva ou negativa) (Araújo Cintra-Grinover-Dinamarco, op. cit., n. 134, p. 219). 
5. Objetivo da ação
O fim último do processo é a composição do litígio. E o direito de ação é exercitado com o fito de alcançar essa pacificação da situação litigiosa. 
O processo é um método para formulação ou para aplicação do direito, que busca solucionar a lide e alcançar a paz, aquela paz que Carnelutti entende que deva ser justa e certa (Instituciones, I, n. 1, p. 22). 
Sendo método ou sistema de formulação e atuação do direito, nas situações litigiosas, o processo serve ao direito, como um dos mais preciosos instrumentos de manutenção da ordem jurídica. 
Buscando a solução dos conflitos de interesse instalados na convivência social, caracteriza o processo o objetivo de compor a lide, o que se concretiza através da aplicação, pelo órgão jurisdicional, da norma jurídica abstrata ao fato concreto deduzido em juízo. 
Quando esse desiderato é atingido diz-se que houve solução de mérito da causa. Quando o processo se frustra e se extingue prematuramente sem atingir o seu objetivo, ocorre encerramento da relação processual sem solução do mérito. 
6. Mérito da causa
Em nosso Código de Processo Civil (LGL\1973\5), lide e mérito da causa são uma só coisa. "Lide é, consoante a lição de Carnelutti, o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitivade mérito. A lide é, por certo, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes" (Buzaid, "Exposição de Motivos", n. 6). 
No processo, o pedido do autor é duplo: um imediato que é a prestação da tutela jurisdicional, e outro mediato, que é a providência concreta que se pretende seja tomada contra o réu, através ou em razão da tutela jurisdicional de que o promovente se julga merecedor. 
Dupla, também, é a solução que se há de esperar do Estado: a primeira refere-se a existência ou não do direito de ação; e a segunda à procedência ou não da pretensão de direito material do autor. Só neste último caso é que teremos uma solução de mérito, isto é, uma solução da lide. 
7. Pressupostos processuais
O processo é uma relação jurídica que envolve as partes e o juiz. 
Como toda e qualquer relação jurídica, tem sua formação e eficácia subordinada a determinados requisitos legais. 
Sem atender a esses pressupostos jurídicos, não se estabelece ou não se desenvolve o processo como instrumento hábil a propiciar a composição jurisdicional do litígio. 
Isto quer dizer que o direito de ação, isto é, o direito à tutela jurídica do Estado, tem o seu exercício condicionado à existência de um processo regularmente formado e desenvolvido. 
A doutrina e o próprio legislador dividem os pressupostos processuais em dois grupos: I pressupostos de formação do processo; e II pressupostos de desenvolvimento válido do processo. 
Todos eles acham-se agrupados nos arts. 267 e 301, ao lado das condições da ação e figuram, ainda, nos demais dispositivos do Código que regulam as exigências legais para a plena validade do processo. 
Fala-se em pressupostos de formação quando os requisitos são condições indispensáveis para o próprio estabelecimento originário e perfeito da relação processual. Cuida-se de pressupostos de desenvolvimento quando, já formada a relação processual válida, cumpre, ainda assim, às partes a observância de certos requisitos a fim de que o processo tenha curso eficaz até a solução final de mérito. E que a relação processual, diversamente do que se passa com a relação jurídica comum de direito privado, é uma relação dinâmica e compreende, necessariamente, uma sucessão de atos, para cuja prática os pressupostos de validade e eficácia se renovam a todo momento de sua tramitação. 
De uma forma geral, os pressupostos processuais são doutrinariamente classificados em objetivos e subjetivos, conforme se relacionem com os elementos objetivos ou subjetivos do processo. 
São pressupostos processuais subjetivos: a) a capacidade das partes; b) a competência do juízo; c) a capacidade de postulação do representante processual da parte. 
É lógico que sendo o processo uma sucessão de atos jurídicos só possa participar dele quem esteja no gozo da plena capacidade civil (art. 7.º), ou, em se tratando de incapaz, quem esteja representado ou assistido na forma da lei civil (art. 8.º). 
Por outro lado, estando o poder jurisdicional distribuído entre vários órgãos do Judiciário, cumpre verificar, diante do caso concreto, qual será o órgão competente para processá-lo: vale dizer que, também, o juízo há de ser capaz processualmente de prestar a tutela jurisdicional reclamada do Estado. 
Por último, em se tratando de um método complexo, que reclama conhecimentos especiais e técnicos de quem pretende utilizá-la, o processo exige das partes a representação por quem, necessariamente, detenha referidos predicados. Assim, há, a parte, de fazer-se representar por advogado, sob pena de não serem ouvidas suas alegações em juízo. Somente os advogados, legalmente habilitados e inscritos na respectiva Ordem, é que detêm o ius postulandi, isto é, a capacidade de postular em juízo. 
São pressupostos objetivos aqueles que se referem à validade da relação processual por questões outras inerentes ao processo, mas que não se referem diretamente à capacidade dos sujeitos processuais. 
Compreendem a ausência de todas as causas objetivas de nulidade do processo. E podem ser assim resumidos: 
a) a observância da forma ou procedimento adequado para exercício do direito de ação; 
b) a presença, nos autos, de documento hábil para comprovar a representação da parte pelo advogado que age em seu nome; 
c) a inexistência de quaisquer dos fatos previstos em lei que impedem a formação ou o desenvolvimento eficaz do processo, como: 
I - inépcia da petição inicial; 
II - perempção; 
III - litispendência; 
IV - coisa julgada; 
V - compromisso arbitral; 
VI - nulidades processuais. 
8. Condições da ação
Uma relação processual perfeita, quanto aos seus pressupostos objetivos e subjetivos é conditio sine qua non, portanto, para que se obtenha a composição judicial da lide. 
Mas, para tanto, não basta a simples validade jurídica do processo, como relação processual regularmente estabelecida e movimentada. Para atingir-se a prestação jurisdicional, ou seja, a solução do mérito, é necessário que a lide seja deduzi da em juízo com observância de alguns requisitos básicos, sem cuja presença o órgão jurisdicional não estará em situação de enfrentar o litígio e dar às partes uma solução que componha definitivamente o conflito de interesses. 
É que a prestação jurisdicional realizada através do processo e em resposta à ação, não é dispensada à parte como simples assessoramento consultivo ou acadêmico; pressupõe, ao contrário, uma situação litigiosa concreta a dirimir em que o manejo do direito de ação tenha realmente interesse tutelável. 
Embora abstrata, a ação não é genérica, de modo que para obter a tutela jurídica é indispensável que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da atividade jurisdicional do Estado. Vale dizer: a existência da ação depende de alguns requisitos constitutivos que se chamam "condições da ação", cuja ausência, de qualquer um deles, leva à "carência de ação" (Liebman, op. cit., I, n. 14, p. 40), e cujo exame deve ser feito em cada caso concreto, preliminarmente à apreciação do mérito, em caráter prejudicial. 
Nessa ordem de idéias, condições ou requisitos da ação, como os conceitua Arruda Alvim, "são categorias lógico-jurídicas, existentes na doutrina e, muitas vezes na lei (como é claramente o caso do direito vigente), mediante as quais se admite que alguém chegue à obtenção da sentença final" (op. cit., I, p. 315). 
Por conseguinte, à falta de uma condição da ação, o processo, embora estabelecido válida e regularmente, será extinto prematuramente, sem que o Estado dê resposta ao pedido de tutela jurisdicional do autor, isto é, sem julgamento de mérito (art. 267, VI). Haverá, na verdade, ausência do direito de ação, ou, na linguagem dos processualistas, ocorrerá carência de ação. 
9. Natureza das condições da ação
Não é pacífico na doutrina o problema da determinação da natureza jurídica das condições da ação. Há correntes que as assimilam ao próprio mérito da causa e outras que as colocam numa situação intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito da causa. Fala-se, portanto, ora em binômio, ora em trinômio das questões que o juiz há de solucionar no processo. 
Nosso Código, todavia, optou claramente pela teoria do "trinômio", acolhendo em sua sistemática as três categorias fundamentais do processo moderno, como entes autônomos e distintos. quais sejam: os pressupostos processuais. As condições da ação e o mérito da causa. 
Parece-nos que foi muito feliz a opção do legislador brasileiro, pois a melhor e mais atualizada doutrina é, sem sombra de dúvida, a que se filia ao aludido trinômio. 
Como bem registra Ada Pellegrini Grinover, "o fenômeno da carência de ação nada tem a ver com a existência do direito subjetivo afirmado pelo autor, nem com a possível inexistência dos requisitos, ou pressupostos, da constituição da relação processual válida. É situação que diz respeito apenas ao exercício do direito de ação e que pressupõe a autonomia desse direito" ( As Condições da Ação Penal, n. 16, p. 29). 
Por isso mesmo, "incumbe ao juiz, antes de entrar no exame do mérito, verificarse a relação processual, que se instaurou, desenvolveu-se regularmente (pressupostos processuais) e se o direito de ação pode ser validamente exercido, no caso concreto (condições da ação)". 
"Em última análise prossegue a notável processualista quer os pressupostos processuais, quer as condições da ação são requisitos prévios, cuja inobservância impede que o juiz chegue ao conhecimento e julgamento do mérito; mas com o mérito não se confundem: nada têm a ver com a eventual existência do direito subjetivo material afirmado pelo autor. É exatamente isto que é preciso ter em mente, ao delinear e classificar as condições da ação" ( op. cit., n. 16, pp. 29-30). 
Para os que, segundo as mais modernas concepções processuais, entendem que a ação não é um direito concreto à sentença favorável, mas sim um poder jurídico de provocar a sentença de mérito, isto é, a sentença que componha definitivamente o conflito de interesses de pretensão resistida (lide), a conceituação das condições da ação deve ser procurada apenas no campo do direito processual, e não no do direito material controvertido. Isto porque qualquer solução baseada no direito substancial já importa em solução do próprio mérito da causa, como resposta definitiva ao pedido do autor. 
Na doutrina e mesmo em nosso direito positivo (arts. 3.º, 6.º e 267, VI, do CPC (LGL\1973\5)), as condições da ação, em realidade, são três: a) a possibilidade jurídica do pedido; b) o interesse de agir; e c) a legitimidade de parte. 
10. Possibilidade jurídica
Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação (Buzaid, Agr. de Petição, n. 39, p. 88; Liebman, op. cit., I, n. 14, p. 45). 
Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico (Arruda Alvim, op. cit., I, p. 316). 
Predomina na doutrina o entendimento de que o exame da possibilidade jurídica deva ser feito sob o ângulo da adequação do pedido ao direito material a que eventualmente correspondesse a pretensão do autor. Juridicamente impossível seria, assim, o pedido que não encontrasse amparo no direito material positivo. 
Allorio, no entanto, demonstrou o equívoco desse posicionamento, pois o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda (Problemas, II, p. 270). 
Diante dessa aguda objeção, impõe-se restringir a possibilidade jurídica do pedido ao seu aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação, como requisito prévio de admissibilidade do exame da questão de mérito. 
Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice, já que pode ser desdobrado tecnicamente em: a) o pedido imediato, contra o Estado, pedido esse que se refere à tutela jurisdicional; b) o pedido mediato, contra o réu, e que se refere à providência de direito material que se pretende aplicar, caso logre êxito na causa. 
A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor. Assim, um caso de impossibilidade jurídica do pedido poderia ser encontrado nos dispositivos legais que vedam a ação investigatória de paternidade adulterina, na constância do casamento do genitor adúltero (Lei 883, de 21.10.49). Outros casos similares são os da ação de acidente do trabalho, sem que antes se discuta a questão na esfera administrativa, os de ação em torno de herança de pessoa viva ou de dívida de jogo. 
Em todos esses exemplos, a lei não permite que a lide acaso existente entre as partes seja trazida a juízo: daí a impossibilidade jurídica de qualquer pedido que tenha por fim instaurar processo para resolver semelhantes litígios (Calmon de Passos, artigo in Rev. Dir. Proc. Civil, 1964, IV/54). 
Essa distinção entre a impossibilidade jurídica do pedido imediato (direito de ação) e a do pedido mediato (pretensão de direito material) foi, aliás, expressamente agasalhada pelo Código de Processo Civil (LGL\1973\5), no art. 295, parágrafo único, ao cuidar dos casos de indeferimento da inicial. 
Com efeito, o n. II do referido dispositivo considera inepta a petição inicial quando "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão" (vale dizer, quando ocorrer impossibilidade de direito material, posto que do fato arrolado não decorre o direito subjetivo pretendido). 
Já o n. III do mesmo parágrafo declara, também, a inépcia da petição inicial quando "o pedido for juridicamente impossível" (aqui, como é lógico, a impossibilidade só pode ser a de direito instrumental, ou seja, a que decorre de ausência de condição da ação, propriamente dita). 
Diante do sistema adotado pelo legislador é fácil concluir que fosse a impossibilidade jurídica (condição da ação) relacionada às regras de direito material, como entende grande parte dos processualistas, não teria sentido a dupla disposição da matéria, nos ns. II e III do parágrafo único do art. 295, já que a do n. II necessariamente estaria compreendida na do n. III. 
Dessa distinção que se impõe, entre a impossibilidade jurídica material (inexistência do direito subjetivo substancial) e a impossibilidade jurídica de ordem processual (condição da ação), resulta importante conseqüência prática e jurídica. 
Assim é que na hipótese de indeferimento da inicial por incidência do n. II do parágrafo único do art. 295, teremos, na verdade, a apreciação do mérito da causa e a rejeição liminar do pedido fará coisa julgada material, impedindo que o autor possa renovar o processo (exemplo: é julgamento definitivo de mérito o indeferimento da petição inicial em que o cônjuge judicialmente separado pretendesse reivindicar meação em bem adquirido pelo outro consorte após a dissolução da sociedade conjugal). Não se trata, como se vê, de solução de uma preliminar, pois, o juiz ao indeferir a inicial estará negando o direito material do autor e, conseqüentemente, dando solução final à lide. 
Somente na hipótese do n. III do parágrafo único do art. 295 é que teremos uma verdadeira condição da ação, pois o que o juiz então vai decidir é que o pedido de tutela jurisdicional é insuscetível de apreciação. O autor, por isso mesmo, será declarado carecedor da ação, através de julgamento que não alcançará o mérito. Não ocorrerá, por conseguinte, coisa julgada material e a parte não estará impedida de voltar a propor a ação, depois de preenchido o requisito que lhe faltou na primeira oportunidade. 
O empregado, por exemplo, que foi julgado carecedor da ação acidentária, poderá, depois de resolvida sua pendência na esfera administrativa, voltar a ajuizar a mesma ação que originariamente lhe fora negada. Da mesma forma, o filho adulterino que foi considerado carecedor da ação porque invocou a tutela jurisdicional ainda na constância do casamento do pai adúltero, poderá voltar a aforar a investigatória depois da dissolução do casamento. 
11. Interesse de agir 
A segunda condição da ação é o interesse de agir, que também não se confunde com o interesse substancial, ou primário (o interesse que está em conflito na lide), para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial (Liebman, op. cit., I, n. 14, p. 41). 
Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual "se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais" (Buzaid, op. cit., n. 39, pp. 88-89). 
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade,mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação "que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares)" (Arruda Alvim, op. cit., I, p. 318). Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta acadêmica. Só o dano ou perigo de dano, representado pela lide, é que autoriza o exercício do direito de ação. 
12. Legitimidade de parte 
Por fim, a terceira condição da ação, a legitimidade (legitimatio ad causam), é a titularidade ativa e passiva da ação, na linguagem de Liebman. "É a pertinência subjetiva da ação" (Buzaid, op. cit., n. 39, p. 89). 
Entende Arruda Alvim que "estará legitimado o autor quando for o possível titular do direito pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença" (op. cit., I, p. 319). 
A lição, data venia, impregna-se excessivamente do conteúdo material da relação jurídica deduzida em juízo e não condiz bem com a idéia de direito autônomo e abstrato que caracteriza a moderna concepção da ação, como direito à composição da lide. Deve-se, outrossim, lembrar que há ações em que autor postula justamente a declaração de inexistência de relação jurídica material. 
Se a lide tem existência própria e é uma situação que justifica o processo, ainda que injurídica a pretensão do contendor, é melhor caracterizar a legitimação para a causa com base nos elementos da lide e não no direito debatido no processo. 
Destarte, legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse daquele que resiste à pretensão (Amaral Santos, Primeiras Linhas, 5.ª ed., vol. I, n. 129, p. 146). 
De par com a legitimação ordinária, ou seja da que decorre da posição ocupada pela parte como sujeito da lide, prevê o direito processual, em casos excepcionais, a legitimação extraordinária que consiste em permitir, em determinadas circunstâncias, que a parte demande em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio. Ressalte-se, porém, a excepcionalidade desses casos de substituição processual, que ocorrem, por exemplo, com o marido na defesa dos bens dotais, com o Ministério Público na ação de acidente do trabalho ou na ação de indenização civil do dano ex delicto, quando a vítima é pobre etc. 
A não ser, portanto, nas exceções expressamente previstas em lei, a ninguém é dado pleitear, em nome próprio, direito alheio (art. 6.º do CPC (LGL\1973\5)). 
Em conclusão: como as demais condições da ação, o conceito da legitimatio ad causam só deve ser procurado com relação ao próprio direito de ação, de sorte que "a legitimidade não pode ser senão a titularidade da ação" (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., n. 65, p. 141). E, para chegar-se a ela, de um ponto de vista amplo e genérico, não há um critério único, sendo necessário pesquisá-la diante da situação concreta em que se achar a parte em face da lide e do direito positivo. 
13. Formas de extinguir a relação processual 
A ausência de pressupostos processuais não impede que a parte se dirija ao órgão judiciário e lhe formule o pedido de tutela jurisdicional. 
O juiz, diante de qualquer petição, está sempre obrigado a despachar, ainda que seja para indeferir a pretensão liminarmente. 
Mas, o próprio indeferimento da petição inicial já dá origem a uma relação processual, por enquanto ineficaz para obter uma solução de mérito, é verdade, mas que vincula o requerente e o Estado, dando causa a pronunciamento judicial e ensejando até mesmo recurso aos órgãos superiores da hierarquia jurisdicional. 
Cumpre, pois, para melhor e mais técnica solução desses incidentes do processo a caminho ou em busca da composição do litígio, caracterizar e precisar a natureza e nomenclatura de cada provimento judicial. 
Assim, podemos classificar as situações de encerramento da relação processual da seguinte forma: 
a) a verificação liminar da ausência de pressupostos processuais leva a indeferimento da petição inicial por inépcia; 
b) a ausência de pressuposto apurada no curso do processo é causa de nulidade da relação processual, que o juiz declara através de sentença de extinção do processo, sem julgamento de mérito; 
c) a ausência de condições da ação, isto é, de legitimidade de parte, de interesse de agir ou de possibilidade jurídica, conduz à sentença de carência de ação; 
d) a composição, a final, da lide, mediante comprovação da existência efetiva do direito subjetivo material invocado pelo autor, ou reconhecimento da ausência dele, conduz à sentença de mérito, que só é possível quando presentes todos os pressupostos processuais e todas as condições da ação. 
Esse julgamento há de ser, portanto, de procedência ou improcedência do pedido, e nunca, como é de viciosa praxe forense, de procedência ou improcedência da ação. 
Isto porque, sendo a ação o direito à composição do litígio (isto é, o direito a uma sentença de mérito), não importa qual seja o teor da decisão que dá solução à lide. Se a ação é direito abstrato à tutela jurisdicional, sempre que concorrem os pressupostos processuais e as condições de ação, há procedência de ação. 
O que o juiz repele, no caso de sucumbência do autor, é o seu pedido (pretensão de direito material formulada contra o réu), nunca o seu direito de ação, portanto.

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