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REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 75 O Código Civil da Alemanha (BGB) e a Lei Fundamental1 Jörg Neuner2 Resumo: A presente contribuição tem por objetivo analisar a relação entre o Código Civil da Alemanha (BGB) e a Lei Fundamental, a qual estabelece tanto princípios materiais como uma ordem de competências que assegura espaços concorrentes de liberdade aos sujeitos jusprivatistas. As tensões daí decorrentes são analisadas criticamente e tra- balhadas do ponto de vista dogmático, sobretudo no que diz respeito às doutrinas da eficácia dos direitos humanos e fundamentais no direito privado e dos deveres de prote- ção estatais, bem como relativamente à posição do Tribunal Constitucional Federal no controle dos atos legislativos e judiciais. Palavras-chave: Constituição. Direito privado. Hierarquia normativa. Jurisdição constitucional. Abstract: +e following essay aims to address the relationship between the German Civil Code (BGB) and the German Constitution, the latter laying down on the one hand material principles and on the other hand establishing an order of competences, which guarantees competing areas 1 Este artigo foi originalmente publicado na coletânea organizada por Ingo Wolfgang Sarlet, Constitui- ção, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003 e apresentado na Palestra proferida no dia 26 de setembro de 2008, por ocasião da Jornada ESMESC, 20 anos da Constituição: direitos fundamentais/cidadania – seus limites. 2 Doutor e Livre-Docente em Direito. Professor Titular de Direito Privado, Filosofia do Direito e Direito do Trabalho na Universidade de Augsburg, Alemanha. 76 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 of freedom for private law actors. +e thereof following tensions are critically analysed and further developed from the point of view of legal theory regarding particularly the German Doctrine of the Effect of Fundamental Rights between Private Parties (Drittwirkung), the Doctrine of the State’s Duties of Protection (Schutzpflichten) and the German Constitutional Court’s role with respect to the control of legislative und judicial acts. Keywords: Constitution. Private law. Hierarchy of norms. Constitutional jurisdiction. I. INTRODUÇÃO Em 1950 Gustav Böhmer afirmou: “O Direito público passa, o Direito Privado permanece.”3 A partir dessa perspectiva uma palestra sobre o tema “O BGB sob a LF” parece ser relativamente infecun- da, importando essencialmente mostrar que a Constituição assegura os valores tradicionais, alegadamente apolíticos do Direito Priva- do.4 O mesmo autor, todavia, escreveu também a seguinte frase em 1941: “Desde que a visão de mundo do nacional-socialismo passou a orientar o sentimento popular, o teor dos ‘bons costumes’ também é determinado por ela.”5 Entrementes deveria fazer parte do conheci- mento consolidado que o Direito Privado no passado não foi a rocha inamovível em meio à tempestade deflagrada pelos diversos regimes, mas esteve exposto em todos os lugares a implementações ideoló- gicas, tendo sido codeterminado por projetos políticos.6 Por isso a 3 Grundlagen der Bürgerlichen Rechtsordnung. 1º Livro. 1950, p. IX. 4 V. a respeito dessa idéia da tradição maiores detalhes: Raiser. Grundgesetz und Privatrechtsordnung, in: Verhandlungen des Deutschen Juristentages 1966, Vol. II, 1967, B 5 ss. (B 5 ss.), com abrangente documentação comprobatória. 5 ZAKDR 1941, 73 s. (73); v. contudo, em perspectiva crítica e argumentando em termos constitucio- nais, id. in: Winters/Wolff. Beamten-Handbuch I, 1932, p. 494, de acordo com o que uma colocação dos judeus em situação de desvantagem faria “retroceder a roda da história em mais de um século” e “naturalmente também ofenderia o princípio de igualdade do Art. 109 bem como a garantia da proprie- dade do Art. 153 I da Constituição de Weimar [Reichsverfassung]”. 6 Cf. especialmente Rüthers. Die unbegrenzte Auslegung. 5ª ed. 1997, pp. 1 ss.; v. outrossim tam- bém Limbach. FG Zivilrechtslehrer 1934/35, 1999, pp. 383 ss. (383 ss.); Schmoeckel. NJW 1996, REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 77 relação entre o BGB e a LF é extremamente complexa e constitui atualmente um forum central de desenvolvimento e reformulação de controvérsias sobre os fundamentos da ciência jurídica.7 A com- plexidade já inicia no plano hermenêutico, na medida em que a LF emprega diversos conceitos tradicionais de Direito Privado, ao passo que inversamente também algumas normas mais recentes do Direito Privado só podem ser compreendidas diante do pano de fundo da Constituição. Além disso, é característico que a LF, por um lado, es- tabelece critérios de aferição no tocante a conteúdos, mas constitui, por outro lado e simultaneamente, também uma ordem de compe- tências que assegura espaços concorrentes de liberdade aos atores do Direito Privado, a saber, aos sujeitos jusprivatistas individuais, bem como ao legislador jusprivatista. A tudo isso se sobrepõe ainda, no plano do Judiciário, a questão sobre até que ponto o Tribunal Cons- titucional Federal ou os Tribunais especializados estão vocacionados para serem guardiães do Direito Privado e do Direito Constitucio- nal. Nas reflexões subseqüentes esse problema deverá ser analisado em passos distintos. II. A RELAÇÃO HIERÁRQUICA O ponto de partida é a constatação de que a LF antecede, na condição de “lex fundamentalis”8, o Direito Privado como direito “ordinário”. 1. A hierarquia das normas A idéia de uma tal estrutura do ordenamento jurídico em vários degraus, encimada pela Constituição, baseia-se na suposição de um 1697 ss. (1699). 7 Assim foi também retoricamente apenas uma questão de tempo até que e.g. fosse mobilizada uma comparação com a Escola do Direito Livre; v. Diederichsen. AcP 198 (1998), pp. 171 ss. (199). 8 V. a respeito desse conceito, a partir de uma perspectiva histórica, informações detalhadas em Mohnhaupt. Die Lehre von der „Lex Fundamentalis“ und die Hausgesetzgebung europäischer Dynastien, in: Kunisch, Der dynastische Fürstenstaat. 1982, pp. 3 ss., com documentação comprobatória adicional. 78 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 caráter vinculante ao menos presumido das leis estatais. É certo que em termos de teoria das fontes do direito podemos imaginar também modelos jusnaturalistas de ordenamento ou modelos derivados da história, mas o seu primado não produziria apenas perdas maciças de segurança jurídica, mas seria, sobretudo, também incompatível com os princípios fundamentais, genericamente consensuais, do Estado definido pela soberania popular e divisão dos poderes. Se, por con- seguinte, partirmos de um primado prima facie de normas estatais, a posição da Constituição como lex superior resulta, já em termos de imanência sistêmica, dos artigos. 1º, inciso III, 20 inciso III, e 100, inciso I, todos da LF, bem como de toda a pretensão de validade da LF.9 Além disso, é também novamente uma conseqüência do prin- cípio da divisão dos poderes, bem como dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, que decisões do pouvoir constituant enquanto atos de autovinculação fundamental-democrática erigem barreiras à maioria parlamentar simples.10 2. A concorrência das normas Contra o modelo de uma supremacia da Constituição costu- mam ser apresentadas sobretudo duas objeções de ordem metódico- construtiva. a) A tese da disparidade O núcleo dessa antítese pode ser formulado nos seguintes ter- mos: os direitos fundamentais e o Direito Civil não possuem ne- nhum objeto comum de regulamentação, encontrando-se, portan- to, justapostos sem nenhuma relação; daí a inexistência liminar de problemas de concorrência.11 De acordo com essa antítese,o Di- 9 Cf. Wahl. Der Staat 20 (1981), pp. 485 ss. (485 ss.); Felix. Einheit der Rechtsordnung. 1998, pp. 177 ss.; K. Hesse. Grundzüge des Verfassungsrechts. 20ª ed. 1995, cota 198 ss.; Badura, Staatsrecht. 2ª ed. 1996, cota D 49 ss., com documentação comprobatória adicional. 10 Cf. Starck. Verfassung und Gesetz. in: id. Rangordnung der Gesetze, 1995, pp. 29 ss. (29 ss.). 11 Cf. Isensee, in: FS Großfeld. 1999, pp. 485 ss. (492). REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 79 reito Privado representa um sistema autárquico e assegura os valo- res decisivamente importantes já a partir de si mesmo. Do ponto de vista da crítica da ideologia essa perspectiva suscita, no entanto, imediatamente a pergunta de como os valores fundamentais podem ser derivados isoladamente do Direito Privado, pois o conceito de Direito Privado afirma, em delimitação ao de Direito Público, tão- somente que nenhum titular de soberania na sua qualidade de titular do poder público participa de uma relação jurídica.12 Tal descrição formal não equivale a duvidar da autonomia da qual, em princípio, goza o Direito Privado, mas o Direito Público e o Direito Privado assentam num pedestal comum de princípios jurídicos fundamen- tais, aos quais pertence, nomeadamente, o mandamento do respeito recíproco.13 Esse fundamento genérico é necessário devido à simples razão de o Direito Privado ser definido apenas negativamente pela ausência de titulares de soberania, não podendo, por conseguinte, nem definir a priori a partir de si mesmo quem detém o status de sujeito jusprivatista. Só assim se pode, e.g., explicar que em períodos obscurantistas do Direito Privado tenha sido discutida a possibilida- de de restringir a capacidade jurídica em conformidade com BGB §1 aos „companheiros de etnia“ [Volksgenossen]14.15 Acresce que o valor central da autonomia privada somente se desenvolve efetivamente por meio da legislação estatal na forma de normas de competência. Mesmo se consideramos a autonomia pri- vada como possibilidade de formatacao (Gestaltung) que precede o direito positivo, ela carece do reconhecimento em princípio e de um 12 Cf. F. Bydlinski, in: AcP 194 (1994), pp. 319 ss. (333 ss.); Maurer. Allgemeines Verwaltungsrecht. 13ª ed. 2000, § 3 cotas 12 ss., 18, com documentação comprobatória adicional. 13 V. para maiores detalhes, também no atinente ao ancoramento desse imperativo na história das idéias, Larenz. Richtiges Recht. 1979, pp. 45 ss., com documentação comprobatória adicional. 14 Termo usado pelos nazistas para distinguir os ‘arianos’ dos ‘não-arianos’. [Nota do Tradutor] 15 Cf. e.g. Larenz, in: Id.. Grundfragen der neuen Rechtswissenschaft. 1935, pp. 225 ss. (241); v. a respeito também K. W. Nörr. Zwischen den Mühlsteinen. 1988, pp. 42 s., com documentação compro- batória adicional. 80 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 detalhamento maior por parte do ordenamento jurídico.16 De resto, a garantia mais ampla possível de espaços de liberdade individual não pode ser efetivada sem justiça distributiva.17 Conseqüentemen- te, a autonomia privada é um valor categorialmente autônomo, mas simultaneamente vinculado (o valor) a essa autonomia coletiva exer- cida em conjunto pelos cidadãos no âmbito da legislação. De resto, é historicamente característico que o legislador jusprivatista exerceu múltiplas vezes a função de constituinte propriamente dito,18 mas isso por sua vez não altera em nada a ordem hierárquica constituída pelo soberano atual, segundo a qual princípios constitucionais diver- gentes têm primazia sobre a lei ordinária. b) A tese da identidade Na argumentação subseqüente uma concorrência de normas é contestada também inversamente com o argumento de que os valo- res fundamentais do ordenamento jusprivatista burguês foram ab- sorvidos pela LF, existindo assim uma congruência em larga escala.19 Essa tese é correta na medida em que diferentes conceitos de direito constitucional, como “propriedade” ou “família”, só são explicáveis se considerarmos a prévia definição jusprivatista do seu conteúdo. Por outro lado, essa inelutabilidade hermenêutica não pode condu- zir a uma contestação da autonomia da Constituição ou da relati- vidade dos conceitos jurídicos. Assim a visão orientadora [Leitbild] do Constituinte justamente não foi apenas o Direito Privado tradi- cional, mas nomeadamente também a Declaração Universal dos Di- 16 V. também, sobre os tempos mais recentes, Singer. Selbstbestimmung und Verkehrsschutz im Recht der Willenserklärungen. 1995, pp. 6 ss.; Neuner, Privatrecht und Sozialstaat. 1998, pp. 219 ss., com documentação comprobatória adicional. 17 V. a respeito da determinação controvertida da relação entre justiça compensatória e distributiva mais de perto Habermas. Faktizität und Geltung. 1992, pp. 504 s.; Canaris. Die Bedeutung der iustitia distributiva im deutschen Vertragsrecht. 1997, pp. 26 ss.; mais recentemente Kersting. Theorien der sozialen Gerechtigkeit. 2000, pp. 42 ss. 18 Cf. K. Hesse. Verfassungsrecht und Privatrecht. 1988, pp. 8 ss.; Diederichsen, in: Starck, Rangordnung der Gesetze. 1995, pp. 39 ss. (45, 61), com documentação comprobatória adicional. 19 Cf. Diederichsen, in: Starck. Rangordnung der Gesetze (supra nota de rodapé 11), pp. 70 ss. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 81 reitos Humanos.20 Por essa razão o povo alemão assume os direitos humanos expressis verbis tal como estatuído no artigo 1º, inciso II, da LF. Acresce, de uma perspectiva histórica, que a LF de Bonn consti- tui, de certo modo, uma “anticonstituição”21 e com isso, ao mesmo tempo, um “anti-Direito Privado” em relação à ausência de Direito [Unrecht] característica do nacional-socialismo. Considerando esses objetivos bem concretos, a LF contém, em parte, valorações essencialmente mais precisas do que o Direito Pri- vado “simples”. Assim é necessário apenas referir, em caráter mera- mente argumentativo, a típica legislação nacional-socialista para que possamos demonstrar o que é definitivamente incompatível com o atual ordenamento jusprivatista. Em outros campos, os enunciados da Constituição também são às vezes nitidamente mais precisos em comparação com o arcabouço conceitual abstrato do BGB. Para verificar isso exemplificativamente, só precisamos questionar se cir- cunstância de um turista ser compelido a ver (e tolerar) um deficien- te por ocasião de uma viagem representa, ou não, uma violação do contrato firmado com a agência de turismo, em conformidade com o parágrafo 651c, do BGB.22 Este, por sua vez, não fornece orienta- ções prévias concretas a respeito desta hipótese, mas apenas um con- ceito abstrato de falha que não define mais de perto a qualidade a ser apresentada pela prestação em pauta. Em contrapartida, o artigo 3º, inciso III, frase 2, da LF, determina por assim dizer more geometrico, que a qualidade da deficiência, enquanto tal, não pode ser aduzida como critério para uma prestação deficiente.23 Tudo somado, nem o argumento da identidade nem o da disparidade logram abalar o primado da Constituição sobre o Direito Privado. 20 Cf. apenas JöR 1 (1951), pp. 50, 58; v. outrossim v. Mangoldt, DÖV 1949, 261 ss. (261). 21 V. sobre esse conceito as explanações detalhadas de Fromme. Von der Weimarer Verfassung zum Bonner Grundgesetz. 1960, pp. 8 s., com documentação comprobatória adicional. 22 Nota do revisor: o autor utiliza-se aqui de exemplo extraído da jurisprudência alemã onde justamente tal aspecto foi objeto de uma apreciação pelos Tribunais, tendo em conta a demanda indenizatória pro- posta por um turista alegadamente perturbado em sua viagem contra a empresa de turismo. 23 V. a respeito também infra nota de rodapé 36 s. 82 | JÖRG NEUNER REVISTADA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 III. A ORDEM FUNDAMENTAL FORMAL Se assumirmos uma perspectiva primacialmente constituciona- lista com base na posição de primazia, imanente ao sistema, devere- mos atentar inicialmente para a ordem de competências24 estabele- cida pela LF. 1. Os titulares de competências Por um lado, a LF atribui ao legislador democrático a compe- tência de editar normas no âmbito do Direito Privado. Em confor- midade com o artigo 74, inciso I, nº 1, da LF o Direito Civil está sujeito aqui à legislação concorrente. Por outro lado, reconhece-se, no quadro do catálogo dos direitos fundamentais, também a com- petência dos sujeitos jusprivatistas para configurar relações jurídicas com autonomia, isto é, celebrar contratos,25 estabelecer disposições testamentárias ou contrair matrimônio.26 2. A relação concorrencial A relação concorrencial existente entre o legislador e os sujei- tos jusprivatistas é dissolvida pela Constituição mediante recurso a princípios do Estado de Direito, especialmente mediante recurso aos direitos fundamentais, porque (e à medida que) estes representam normas negativas de competência para o Legislativo. Mas nesse to- cante não se pode extrair da Constituição um primado ou uma pre- sunção de competência em benefício do cidadão individual. Mesmo se compreendermos a autonomia privada como direito de liberdade a priori e reconhecermos a autonomia de entidades sociais meno- res, não se vincula a isso nem um primado do homo singularis nem 24 V. a respeito, genericamente, Alexy. Theorie der Grundrechte. 1986, pp. 211 ss. 25 V. especificamente sobre a liberdade de contratar enquanto liberdade de competência também Enderlein. Rechtspaternalismus und Vertragsrecht. 1996, pp. 71 ss. 26 Cf. Höfling. Vertragsfreiheit. 1991, pp. 4 ss.; Manssen. Privatrechtsordnung durch Hoheitsakt. 1994, pp. 130 ss., com documentação comprobatória adicional. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 83 uma preponderância típica de direitos de liberdade,27 pois a LF parte da idéia de uma Constituição de uma sociedade aberta e inclui no artigo 79, inciso III, da LF28, entre os princípios fundamentais do Estado (especialmente o do Estado democrático e social de Direito: nota do revisor), a soberania popular, bem como, em termos iguais, a liberdade do indivíduo. Por isso a autonomia privada mantém uma relação potencialmente tensa com a soberania popular, mas simulta- neamente significa uma relação de complementação recíproca, pois o direito à autodeterminação, na sua dimensão coletiva, também constitui um direito humano. IV. A ORDEM FUNDAMENTAL MATERIAL A Constituição não se restringe a regulamentar formalmente uma série de competências, mas estabelece, paralelamente, uma or- dem de princípios materiais. 1. A proteção da dignidade humana em conformidade com o artigo 1º da LF Se reconstruirmos a decisão dos Constituintes em prol da dig- nidade da pessoa humana e de sua proteção, duas diretrizes adqui- rem significância: por um lado, a dignidade da pessoa não pode ser violada apenas por atos contrários à lei, mas também pela injustiça [Unrecht, literalmente: não-direito] na forma da lei.29 Um exemplo negativo na área do Direito Privado é o “Decreto sobre o Emprego de Judeus” do ano 1941.30 Por outro lado, a dignidade da pessoa não pode ser violada apenas pela ação do Estado, mas também por 27 Cf. Scholz, in: Isensee/Kirchhof. Handbuch des Staatsrechts VI. 1989, § 151, cota 39; Knöpfle, in: FS Rauscher. 1993, pp. 151 ss.; Diversamente, Isensee. Subsidiaritätsprinzip und Verfassungsrecht. 1968, pp. 278 s. 28 Nota do revisor: o dispositivo mencionado contém o elenco das assim denominadas “cláusulas pétreas” da LF. 29 V. para maiores detalhes Neuner. Die Rechtsfindung contra legem. 1992, pp. 6 ss., com ampla documentação comprobatória. 30 RGBl. 1941 I, pp. 675 ss. 84 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 cidadãos individuais. Nos trabalhos preparatórios da Constituição menciona-se o exemplo de um empresário privado que participa da escravização de trabalhadores.31 É, nesse sentido, característico que a LF rechaça um pensamento jurídico puramente formal, rejeitando assim um positivismo legal rigoroso tanto quanto uma separação hipertrófica de Estado e sociedade. À guisa de restrição, devemos acrescentar imediatamente que o artigo 1º, da LF apenas tutela pa- drões existenciais mínimos e não pode ser instrumentalizado para neutralizar estruturas jusprivatistas. Sem essa base, o Direito Privado naturalmente perderia a sua legitimidade, de modo que agora im- porta determinar no detalhe a eficácia do artigo 1º da LF. a) A eficácia externa imediata De acordo com a doutrina dominante e, no nosso sentir, correta, o artigo 1º da LF produz uma eficácia externa imediata.32 Para além da intenção reguladora do Constituinte essa tese encontra respaldo na expressao literal do artigo 1º, incisos I e II, da LF, assim como no fato de ter sido incluída no elenco das cláusulas de imutabilidade previstas no artigo 79, inciso III, da LF. Além disso, também é pos- sível argumentar com base numa leitura a contrariu sensu do artigo 1, inciso III, da Lei Fundamental, de acordo com o qual as normas de direitos fundamentais (e a própria dignidade da pessoa) vinculam todos os órgaos estatais. Em se considerando uma perspectiva teleo- lógica, é igualmente patente que a dignidade da pessoa não pode ser violada apenas por medidas do Estado, mas também por desmandos de sujeitos privados, sendo, neste contexto, igualmente carente de tutela.33 31 Relatório sobre a convenção constituinte em Herrenchiemsee de 10 a 23 de agosto de 1948, p. 21. 32 Cf. nomeadamente Stern, in: Isensee/Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts V, 1992, § 108 cota 7; Zippelius, in: Bonner Kommentar, posição de abril de 1999, comentário ao art. 1, incisos I e II, cota 34 s.; Starck, in: v. Mangoldt/Klein/Starck. Das Bonner GG, vol. 1, 4ª ed. 1999, Art. 1 I cota 28 s.; Diederi- chsen, in: Starck, Rangordnung der Gesetze (supra nota de rodapé 11), pp. 39 ss. (53). 33 V. maiores detalhes a respeito em Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra nota de rodapé 17), pp. 150 ss. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 85 A eficácia externa imediata do artigo 1º, da LF, significa que também sujeitos jusprivatistas devem respeitar a vida humana, a in- tegridade física, bem como o núcleo absoluto da personalidade. Esse último valor abrange, mais especificamente, a proibição da discrimi- nação em conformidade com o artigo. 3º, inciso III, da LF, uma vez que justamente também a concepção de uma sociedade jusprivatista se baseia na idéia da liberdade e igualdade jurídicas de todos os cida- dãos. Assim, para citar apenas um exemplo, Franz Böhm neutraliza a objeção de que uma sociedade de Direito Privado encarnaria um mero jogo lotérico, coerentemente com a referência ao lucro de in- formação para o agente: “Agora ele sabe ao menos como as outras pessoas [seine Mitmenschen] reagiram e tentará extrair as suas infe- rências dessas reações e organizar correspondentemente o seu com- portamento futuro.”34 Mas justamente isso é impossível para ele, se ocorre uma fundamentação com base em fatores objetivos, previa- mente dados pela natureza, como raça ou gênero. Muito pelo con- trário, a pessoa afetada corre o risco – como a história documenta de modo impressionante - de perder sistematicamente seu status de membro da “sociedade de Direito Privado” com base em uma regra geral. Por isso, a intenção expressa do legislador constituinte foi, me- diante a introdução do artigo 3º, inciso III, frase 2, da LF, fortalecer não apenas a posição de pessoas portadoras de deficiências na relação entre Estado e cidadãos, mas,de modo genérico, na esfera de toda a ordem jurídica e na sociedade.35 Disso segue, por exemplo, que um operador de viagens turísticas ou o dono de um restaurante ou ho- tel, que rejeita sem razão objetiva [sachlichen Grund] um deficiente como parte contratante unicamente em virtude da sua deficiência, está sujeito, por forca da Constituicao, a uma contratação compul- sória (Kontrahierungszwang).36 34 Ordo 17 (1966), pp. 75 ss. (89). 35 BT-Drs. 12/8165, pp. 28 s. (p. 28: „Exclusões sociais e jurídicas deveriam ser evitadas“); v. outros- sim, sobre a eficácia externa imediata do art. 3º, inc. III, frase 2 ,da LF, Badura. Staatsrecht (supra nota de rodapé 10), cota C 47. 36 V. explanações mais detalhadas em Neuner, NJW 2000, 1822 ss. (1823 s., 1829). 86 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 b) Os limites da desistência Ao lado da eficácia externa imediata, o artigo 1º da LF ainda apresenta uma outra especificidade de relevância jusprivatista, sub- traindo o cerne absoluto da dignidade da pessoa e dos direitos hu- manos também à disponibilidade irrestrita por parte do próprio ti- tular do direito. aa) Interesses de terceiros De início, importa distinguir as constelações, nas quais simulta- neamente interesses de terceiros são afetados, da problemática da de- sistência de um direito fundamental.37 Podemos pensar aqui, e.g., na desistência por parte do pai ao direito de ter contato com seu(s) filho (s) por razões de cunho patrimonial. A ineficácia de tal negócio38, em princípio, não decorre apenas de ponderações de ordem tutelar, em benefício do pai, mas já advém do interesse da criança em ter con- tato com ambos os pais, em conformidade com o parágrafo 1684, inciso I, do BGB, em combinação com o artigo 6º, inciso II, da LF. Como esse exemplo revela simultaneamente, existem, tanto no pla- no cível quanto no plano constitucional, direitos prestacionais ori- ginários diante de terceiros. Por isso, a própria dignidade da pessoa humana não se deixa reduzir a um puro direito à autodeterminação, mas é co-definida por componentes sociais. Um outro exemplo disso é o direito de uma criança de receber da mãe a informação sobre o seu pai biológico. É certo que esse direito deve ser ponderado com direitos fundamentais colidentes da mãe39, mas ocorre uma violação do artigo 1º da LF quando (e se) uma ponderação é impossibilitada liminarmente, quando, e.g, por ocasião de uma inseminação hete- 37 V. a respeito também Schwabe, JZ 1998, 66 ss. (70 ss.). 38 Cf. apenas BGH, NJW 1984, 1951 s. (1952); Heinrichs, in: Palandt, BGB, 59ª ed. 2000, cota 56 ao §138. 39 Cf. BVerfGE 96, 56 ss.; Canaris. Grundrechte und Privatrecht. 1999, pp. 63 s. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 87 róloga, a documentação acerca da pessoa do doador do sêmen não é desde logo elaborada.40 bb) Interesses de bem-estar da coletividade Além de interesses de terceiros merecedores de tutela, devemos excluir do conceito da desistência de um direito fundamental restri- ções de direitos fundamentais em virtude de interesses legítimos da coletividade. Neste conceito enquadram-se, e.g., regulamentações que visam proteger a saúde pública, impedir o desemprego ou ain- da garantir a segurança jurídica e a segurança do tráfego.41 Mesmo encargos puramente financeiros podem entrar em cogitação, pois um Estado de Bem-Estar Social, obrigado em conformidade com o artigo 1º, da LF, a garantir o mínimo necessário para a subsistência a pessoas carentes deve estar legitimado a impedir já a limine solici- tações desproporcionais de auxílio material, e.g. por parte de vítimas de acidentes.42 cc) Interesses próprios Se nas explanações subseqüentes nos limitarmos à pergunta se a dignidade da pessoa, por si só, legitima a proteção do titular do di- reito, devemos ressaltar, de antemão, que a desistência de um direito fundamental só entra em cogitação se a pessoa afetada decide em regime de livre autodeterminação. Esse pressuposto43 é problemáti- co, nomeadamente em relações trabalhistas e locativas, pois a pessoa afetada se vê inserida na relação de um modo existencial. Dúvidas ainda mais relevantes no concernente ao caráter voluntário de uma 40 Cf. Zimmermann, FamRZ 1981, 929 ss. (932 ss.); Starck, JZ 1989, 338 s. (338 s.); Diversamente, A. Koppernock. Das Grundrecht auf bioethische Selbstbestimmung. 1997, pp. 153 ss. 41 Cf. também Alexy. Theorie der Grundrechte (supra, nota de rodapé 25), p. 98; v. outrossim, especi- ficamente com vistas a normas de proteção do trabalho, Bleckmann, RdA 1988, 332 ss. 42 V. também Schwabe, JZ 1998, 66 ss. (72 ss.). 43 V. a respeito também Singer, JZ 1995, 1133 ss. (1139 ss.); Id. volume em memória de Bernd Jeand’Heur, 1999, pp. 171 ss. (183 ss.). 88 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 desistência surgem quando alguém aliena, e.g., um órgão do seu cor- po.44 De direito, sabemos que o Estado assegura o mínimo necessário para a subsistência, mas no caso de uma análise realista e incluindo o significado do bem jurídico em pauta devemos supor que a decisão regularmente sofrerá o influxo de uma forte pressão econômica e so- cial. Assim, à medida que, com base no disposto no parágrafo 17 da lei sobre os transplantes de órgãos (Transplantationsgesetz) em com- binação com o parágrafo 134, do BGB, existem aqueles que criticam especialmente a proibição do tráfico de órgãos como constituindo um paternalismo ilegítimo45, acaba por ser ignorado o cunho igua- litário deveras majestoso da lei, já que esta proíbe tanto aos pobres quanto aos ricos o uso comercial dos órgãos do seu corpo. Se, contudo, partirmos da premissa de uma livre elaboração da decisão, mesmo uma tal desistência de um direito fundamental estará sujeita a restrições objetivas externas, no sentido de que direitos fun- damentais sociais não podem ser disponibilizados integralmente.46 Isso já se justifica pelo fato de que, a partir de um critério sistêmico- imanente, também o regime democrático, de lege lata, igualmente não está à disposição irrestrita dos envolvidos na relação jurídica.47 De resto, do artigo. 1º, inciso II, da LF, também decorre diretamente que uma auto-interdição no contexto de um negócio jurídico ou ou- tra disposição sobre atributos humanos elementares não é deixada ao bel-prazer do titular do direito. Se por um lado, a dignidade humana consiste, de modo expresso, na sua maior parte, na capacidade de definir tais atributos em regime de autodeterminação, não há como olvidar que o artigo 1º, inciso II, da LF, expressamente declara ina- 44 V. a respeito também BVerfG, NJW 1999, 3399 ss. (3402). 45 Cf. König, in: Roxin/Schroth. Medizinstrafrecht. 2000, pp. 265 ss. (273); sobre questões de princí- pio cf. também Schroth, JZ 1997, 1149 ss. (1154). 46 Só direitos sociais são a partir da sua estrutura acessíveis a uma desistência, mas não direitos fundamentais de liberdade, pois esta é definida apenas pelo respectivo titular do direito fundamental; v. a respeito maiores detalhes em Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 166 ss., 281 ss. 47 Cf. apenas os arts. 20 inc. 4; 21 inc. 2 da LF, bem como, da bibliografia especializada, Becker, in: Isensee/Kirchhof. Handbuch des Staatsrechts VII, 1997, § 167 cotas 14 ss. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 89 lienáveis os direitos humanos e não reduz o indivíduo a “uma acu- mulação de bens comercializáveis, permutável a qualquer tempo”.48 A Constituição, de tal sorte, repudia toda e qualquer forma de totalitarismo, razão pela qual podemos ler o artigo 1º, 1ª frase, do an- teprojeto à LF, elaborado em Herrenchiemsee, também no seguinte sentido: “A economia de mercado existe com vistas ao ser humano enão este em função do mercado.” Conseqüentemente a inalienabili- dade dos direitos humanos também não se fundamenta unicamente na idéia da maximização da liberdade;49 muito pelo contrário, ela de- riva abrangentemente da personalidade do titular do direito e impli- ca mais especificamente uma proteção contra a ausência de esperan- ça. Disso seguem, em primeiro lugar, barreiras contra a desistência de um direito fundamental no tocante ao tempo. Um exemplo disso é o princípio segundo o qual relações de endividamento permanente são denunciáveis depois de transcorrido um determinado lapso tem- poral, para evitar uma vinculação por toda a eternidade.50 A atual le- gislação sobre a insolvência tem um telos similar, na medida em que concede ao devedor depois de um determinado período de tempo, a perspectiva de um recomeço. Ao lado dessas restrições na dimensão temporal, diversos atributos humanos de antemão só se prestam de modo restrito como objetos das relações jurídicas,51 o que se aplica, nomeadamente, ao próprio corpo, à religião, bem como às relações familiares. No caso individual deve-se respeitar o quanto possível o direito à autodeterminação, de modo que em vez da ineficácia do negócio jurídico poder-se-ia cogitar também, a título de intervenção 48 Eidenmüller. Effizienz als Rechtsprinzip. 1995, p. 386. 49 Assim, porém, nomeadamente Enderlein. Rechtspaternalismus und Vertragsrecht (supra nota de rodapé 32), pp. 20, 25 ss., 158 s., 265 ss., passim. 50 V. apenas Oetker. Das Dauerschuldverhältnis und seine Beendigung. 1994, pp. 251 ss., com docu- mentação comprobatória adicional. 51 Cf. também Canaris, AcP 184 (1984), pp. 201 ss. (232 ss.); id., JuS 1989, 161 ss. (164 ss.). 90 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 mais suave, de um direito à retratação do negócio ou a constatação da inexistência dos pressupostos de sua exeqüibilidade.52 À guisa de resumo, devemos registrar que o artigo 1º, da LF, na condição de fundamento do ordenamento jurídico, desenvolve uma eficácia erga omnes obrigando, por conseguinte, também os sujeitos jusprivatistas de tal sorte que, em parte, também não está à disposi- ção dos mesmos. 2. A proteção da liberdade de acordo com os artigos 2º e seguintes da LF Se analisarmos, no próximo passo, a influência dos direitos fun- damentais no Direito Privado, em conformidade com os artigos 2º e seguintes, da LF,53 impõe-se distinguir três complexos distintos: cabe identificar, em primeiro lugar, a finalidade da norma; depois, importa identificar os destinatários do direito fundamental; por fim, cabe esclarecer se os dispositivos referidos representam uma regula- mentação conclusiva ou se ainda existem outras influências por parte do Direito Constitucional sobre o Direito Privado. a) Os Direitos fundamentais como direitos de defesa Se formos interpretar os direitos fundamentais segundo os prin- cípios gerais da metodologia jurídica, todos os canones apontam para uma função primacialmene defensiva.. A partir de uma exegese lite- ral, bem como considerando a intenção do legislador e as inferências sistemáticas decorrentes de regulamentações especiais, tal como o 52 Objeta-se à indisponibilidade em princípio daqueles traços distintivos instauradores da identidade, com um argumento a fortiori, que segundo o nosso ordenamento jurídico um suicídio realizado de plena posse das faculdades mentais seria admissível; cf. Niedermair. Körperverletzung mit Einwilligung und die Guten Sitten. 1999, p. 111; (v, de resto, com referência à opinião dominante, segundo a qual o suicídio é subsumido ao art. 2º inc. 1 da LF, apenas Schwabe, JZ 1998, 66 ss., 69, com ampla documentação comprobatória). Mas essa comparação não é convincente ao menos com vistas ao Direito Civil, pois um suicídio configura muitas vezes uma reação à falta de esperança: um estado que precisamente importa evitar. 53 V. sobre a evolução histórica da discussão em torno da eficácia externa maiores detalhes em Florenz. Grundrechtsdogmatik im Vertragsrecht. 1999, pp. 19 ss. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 91 artigo 6º, incisos II e IV, da LF, segue que os direitos fundamentais objetivam, em primeira linha, assegurar ao indivíduo uma abrangen- te margem de liberdade de ação em regime de autodeterminação e responsabilidade perante si mesmo. Inversamente isso significa que os artigos 2º e seguintes da LF em princípio não possuem uma di- mensão prestacional e não podem ser interpretados como direitos fundamentais sociais.54 No entanto, sob ponto de vista teleológico, pode-se objetar que a liberdade não subsiste sem a presenca de cer- tos pressupostos e que o gozo dos direitos de defesa assenta numa dimensão prestacional. Por isso Peter Häberle insistiu na necessidade de uma compreensão “realista” dos direitos fundamentais e conside- ra que os mesmos encontram-se sob uma “reserva social”, mediada pelo princípio do Estado de Bem-Estar Social, em combinação com o artigo 3º, da LF (que consagra o princípio da isonomia e o direito geral de igualdade-nota do revisor)55 Exigências dogmáticas análogas encontramos significativamente também no Direito Privado. Assim, sobretudo Manfred Wolf expôs, no seu estudo sobre “liberdade de decisão em negócios jurídicos e compensação contratual de inte- resses”, que ao lado de critérios formais também as possibilidades fático-econômicas da ação pertencem aos pressupostos de validade de uma declaração de vontade.56 Tais doutrinas, porém, encontram-se expostas a uma objeção, que é a de conduzir a uma mistura de princípios divergentes, incor- rendo assim simultaneamente no risco de não considerar suficiente- mente a lex lata. De resto, também o discurso científico subseqüente é pouco diferenciado, se nomeadamente a teoria dos deveres de tute- la é enriquecida automaticamente mediante a adição de componen- 54 Cf. Zacher, in: Isensee/Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts I, 1987, § 25 cotas 98 ss.; Karpen, Auslegung und Anwendung des Grundgesetzes. 1987, p. 73; Starck. Über Auslegung und Wirkungen der Grundrechte, in: id., Praxis der Verfassungsauslegung, 1994, pp. 21 ss. (33). 55 VVDStRL 30 (1972), pp. 43 ss. (69 ss.); v. outrossim sobre o mandamento da „interpretação dos direitos fundamentais em conformidade com os direitos humanos“ também Häberle, Rechtstheorie 24 (1993), pp. 397 ss. (403 s., 412 s., 421). 56 Rechtsgeschäftliche Entscheidungsfreiheit und vertraglicher Interessenausgleich. 1970, pp. 123 ss. 92 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 tes sociais, tanto pelos seus defensores quanto pelos seus críticos. Do ponto de vista do método, tal constatação de modo nenhum exclui o reconhecimento de direitos constitucionais sociais. Trata-se, toda- via, de um direito constitucional em larga escala não-escrito, sujeito, portanto, a correspondentes exigências de fundamentação.57 b) Os destinatários dos direitos fundamentais Se, por conseguinte, considerarmos os artigos 2º e ss. da LF pre- ponderantemente como direitos de defesa, quer dizer, formalmente no sentido de direitos de liberdade, coloca-se desde logo a pergunta em torno de qual o destinatário desses direitos fundamentais. aa) O legislador jusprivatista Segundo o teor literal do artigo 1º, inciso III, da LF, o destina- tário dos direitos fundamentais é, em primeira linha, o legislador jusprivatista. O argumento material em favor da vinculação deste aos direitos fundamentais está no fato do cidadão individual ser res- tringido nos seus direitos de liberdade por normas do Direito Priva- do de modo similar ao que ocorre com as normas do Direito Públi- co.58 Basta mencionar, como exemplos, as determinações atinentes ao direito que regulamenta as relações de vizinhança ou ao direito que regulamenta as demissões. No fundo,o critério de aferição, no sentido da proibição do excesso [Übermassverbot], também é ade- quado. Pensemos e.g. em regulamentações do direito de proteção ao consumidor, que, pelo prisma da necessidade, devem preservar a au- tonomia privada no grau máximo possível, de modo que os direitos de esclarecimento e revogação do negócio gozam, em princípio, de uma primazia em relacao às intervenções de conteúdo. Além disso, é significativo que medidas redistributivas mediante o Direito Privado 57 V. infra nas notas de rodapé 88 ss. 58 Cf. Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), pp. 11 ss. (com referência adicional ao Art. 93 inc. 1 nº 4a da LF); Pietzcker, FS Dürig. 1990, pp. 345 ss. (350); Hager, JZ 1994, 373 ss. (374 s.). REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 93 podem atingir cidadãos individuais de modo puramente acidental, ao passo que o legislador tributário logra distribuir os ônus sociais de modo justo, de acordo com a capacidade contributiva do indivíduo. Imaginemos como exemplo que em vez de um aumento das contri- buições de assistência social, financiadas por impostos, sejam proibi- dos aumentos dos aluguéis a expensas dos beneficiários da assistência social. Por essa razão o legislador jusprivatista chega a estar vinculado aos direitos fundamentais por uma inferência do tipo ‘justamente em virtude disso’. Ainda que alguns críticos apontem para um esvaziamento e uma perda de função do Direito Privado,59 deve-se contestar que o artigo 1º, inciso III, da LF, somente implementa coerentemente a idéia da liberdade no âmbito dos direitos fundamentais, um interesse que corresponde justamente também à compre- ensão tradicional do Direito Privado. De resto a problemática da vinculação é precedida pela pergunta se uma norma jusprivatista contém genericamente uma intervenção em um direito fundamen- tal. Assim há diversas normas que apenas detalham um direito fun- damental em benefício de uma pessoa privada,60 sem restringi-lo às suas expensas.61 Deve-se pensar, aqui, e.g., na pretensão de entrega do bem por parte do proprietário, em consonância com o parágrafo 985 do BGB. Mas aqui poderíamos ver ao mesmo tempo também uma intervenção em direitos do possuidor não-legitimado, hipótese que, no entanto, é eliminada de antemão, se rejeitamos a idéia de um direito fundamental ao roubo, desfalque ou ocupação de pré- dios e assumirmos, nessa medida, uma exclusão de tais condutas do suporte fático.62 Mas mesmo se defendermos uma teoria ampla 59 Cf. Medicus, AcP 192 (1992), pp. 35 ss. (54 ss.); Diederichsen, AcP 198 (1998), pp. 171 ss. (212); Windel, Der Staat 37 (1998), pp. 385 ss. (387 ss.). 60 Cf. Alexy. Theorie der Grundrechte (supra, nota de rodapé 25), pp. 300 ss. 61 V. também com referência aos exemplos contrários os argumentos pertinentes em Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), p. 21. 62 Cf. Starck, JuS 1981, 237 ss. (245 s.); Isensee, in: Isensee/Kirchhof. Handbuch des Staatsrechts V, 1992, § 111 cota 176. 94 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 do suporte fático, trata-se apenas de um „caso potencial de direito fundamental“63, pois a liberdade de ação do possuidor evidentemen- te é limitada pela garantia da propriedade e a argumentação, em termos de direitos fundamentais, restringe-se, quando muito, a um mínimo, para que não ocorra uma desestabilização do sistema jus- privatista. bb) A jurisprudência jusprivatista Além disso, ao lado do legislador jusprivatista, também a juris- prudência está vinculada aos direitos fundamentais, em conformida- de com os artigos 1º, inciso III, e 20, inciso II, ambs da LF64, ficando sujeita ao imperativo da interpretação e do desenvolvimento judicial do direito em conformidade com a Constituição. Tal aplicação do direito deverá, contudo, observar a ordem de competências fixada na Constituição e pressupõe, por conseguinte, déficits de regula- mentação no plano infraconstitucional.65 De resto, relativamente às leis que um tribunal considera inconstitucionais, deve-se realizar um procedimento de controle de normas, tal como prevê o artigo 100, inciso I, da LF. c) Os direitos fundamentais como deveres de proteção Diversamente dos órgaos estatais, os sujeitos jusprivatistas não estão vinculados aos direitos fundamentais, consoante o artigo 1º, inciso III, da LF.66 É, no entanto, uma questão problemática se os direitos fundamentais (para além do seu cerne de dignidade huma- 63 Alexy. Theorie der Grundrechte (supra, nota de rodapé 25), p. 296. 64 Cf. Schwabe, AöR 100 (1975), pp. 442 ss. (444 ss.); Rüfner, volume em memória de Martens, 1987, pp. 215 ss. (219). 65 V. maiores detalhes em Stern. Staatsrecht III/2, 1994, § 90 II 3 (pp. 1147 ss.); Neuner. Die Rechtsfindung contra legem (supra, nota de rodapé 30), pp. 128 ss.; A. A. (especialmente para um judicial self-restraint dos tribunais especializados) Voßkuhle, AöR 125 (2000), pp. 177 ss. (194 ss.). 66 Cf. apenas Lücke, JZ 1999, 377 ss. (381, 383); Singer, JZ 1995, 1133 ss. (1135 s.); em perspectiva crítica, Gerstenberg, ARSP Beiheft 74 (2000), pp. 141 ss. (143 ss.). REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 95 na) obrigam os órgãos estatais a proteger um cidadão contra os des- mandos de outro.67 aa) A fundamentação Contra uma compreensão dos artigos 2º e ss., da LF, como de- veres de proteção, podemos aduzir, de início, uma inferência inversa [Umkehrschluss] a partir do artigo 1º, inciso I, frase 2, da LF, segun- do o qual só é possível assegurar uma tutela mínima contra os delitos contra a vida, bem como contra outros ataques frontais à dignidade humana. A partir de uma interpretação teleológica, podemos ainda chamar a atenção ao fato da decisão constituinte não poder ser neu- tralizada contra uma eficácia externa imediata por meio da teoria dos deveres de proteção.68 Não obstante, as razões mais fortes reco- mendam interpretar os artigos 2º e ss. da LF também no sentido de deveres de proteção. Assim, num primeiro momento, não é possível documentar geneticamente que o artigo 1º, inciso II, alínea 2, da LF, tenha sido concebido como regulamentação taxativa.69 Muito pelo contrário, do ponto de vista genético é característico que uma ga- rantia abrangente da paz pertence desde sempre às funções centrais do Estado.70 Também a partir do seu teor literal os direitos funda- mentais não excluem uma interpretação como deveres de proteção, quando sempre se fala de “assegurar” e dos “direitos de outros”.71 Outrossim, é significativo, do ponto de vista das competências, que sem a existência de deveres de proteção, a margem de ação do le- gislador ordinário seria idêntica à do legislador que emenda a Cons- tituição, o que não seria congruente com a força hierárquica superior 67 V. com referência à argumentação subseqüente também maiores detalhes em Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 158 ss., com documentação comprobatória adicional. 68 Cf. Diederichsen, AcP 198 (1998), pp. 171 ss. (205). 69 Diversamente, Starck. Grundrechtliche Schutzpflichten, in: id.. Praxis der Verfassungsauslegung (supra, nota de rodapé 55), pp. 46 ss. (75); Diederichsen, AcP 198 (1998), pp. 171 ss. (225). 70 V. maiores detalhes em Isensee. Das Grundrecht auf Sicherheit. 1983, pp. 3 ss. 71 Em perspectiva crítica Diederichsen, AcP 198 (1998), pp. 171 ss. (225). 96 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 do princípio da soberania popular. Além disso, chegar-se-ia, a partir da perspectiva dos sujeitos jusprivatistas, também a uma assimetria nada justa, se o atacante pudesse fazer controlar constitucionalmente normas restritivas da liberdade, ao passo que a seus oponentes não assistiriamdireitos análogos.72 Assim, e.g., não se pode compreen- der porque o perturbador pode-se defender contra leis jusprivatistas de proteção contra imissões prejudiciais, ao passo que as medidas contrárias por parte do vizinho prejudicado, nas hipóteses de inação do legislador, devem ser tidas como vedadas. Na seqüência dessa argumentação também não é coerente supor, em conformidade com os artigos 2º e ss. da LF, que deveres de proteção apresentem uma tendência ameaçadora da liberdade, já que aqui só está em pauta a delimitação de esferas colidentes de liberdade, não se cuidando de intervenções sociais, especificamente na área dos negócios jurí- dicos.73 bb) A estrutura dos deveres de proteção A existência de um dever de proteção pressupõe, de modo mais detalhado, que um direito fundamental efetivamente tenha sido afe- tado em seu correspondente suporte fático por terceiros, o que tam- bém pode ocorrer em caso de meras ameaças.74 Diferentemente de uma eficácia externa imediata, não devemos examinar aqui a inter- venção do terceiro com base na proibição de excesso [Übermassge- bot]; isto é, o terceiro não necessita justificar o seu comportamento, mas os órgaos estatais devem observar os deveres de proteção cone- xos aos direitos fundamentais de acordo com as exigências do dever de proporcionalidade.75 72 Cf. também Geddert-Steinacher. Menschenwürde als Verfassungsbegriff. 1990, pp. 96 ss. 73 V. com referência a esse último argumento infra, notas de rodapé 80 ss. 74 Cf. Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), pp. 76 ss.; Dietlein. Die Lehre von den grundrechtlichen Schutzpflichten. 1992, pp. 105 ss., 111 ss.; v. outrossim a respeito do direito subjetivo à proteção Dietlein, op. cit., pp. 133 ss. 75 Deve se, no entanto, considerar que direitos fundamentais sem reserva somente podem ser res- tringidos à medida que isso é imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais; v. a REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 97 Diante disso, as violações de direitos fundamentais são também qualificadas como omissões por parte do Estado, para as quais vale uma proibição especial de déficit (Untermass).76 Essa categorização, todavia, esbarra, pelo menos no Direito Privado, em dificuldades, especialmente em se considerando que nesta esfera devem ser com- pensados tão-somente interesses divergentes de liberdade e que não existe nenhuma reserva legal. Partindo de uma apreciação mais apro- ximada, há que distinguir entre duas alternativas: caso o legislador jusprivatista negue a proteção estatal, declarando, e.g., expressamen- te admissíveis determinadas imissões em conformidade com o pa- rágrafo 906 do BGB, ele faz uso aqui da liberdade de configuração legislativa, de tal sorte que a respectiva norma - tal como outros atos legislativos – poderá ser controlada com base no dever de propor- cionalidade.77 O mesmo vale se o legislador nega uma proteção por meio de uma proibição de analogia ou indução, quando, exempli- ficativamente, concede, em conformidade com o parágrafo 253 do BGB, uma indenização por danos imateriais apenas nos casos deter- minados por lei. Todavia, mesmo se o legislador não tiver tomado nenhuma decisão definitiva, por não ter identificado a problemática ou mesmo por não tê-la querido regulamentar, o juiz estará legitima- do, em conformidade com o artigo 20, inciso III, da LF, a arbitrar o conflito pela via do livre desenvolvimento judicial do direito. Um dos numerosos casos que aqui poderiam ser colacionados, é a assim chamada „Decisão sobre os fornos de nitração“78, na qual o Superior Tribunal Federal rejeitou a aceitação de um contrato com deveres de tutela em benefício de outros comitentes. Também uma tal negação respeito também Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 41 ss.; por dever de coerência o teor literal dos direitos fundamentais também deve ser considerado na ponderação com direitos constitucionais de terceiros. 76 V. sobretudo Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), pp. 37 ss., 55 ss., 71 ss., com documentação comprobatória adicional. 77 V. também Geddert-Steinacher. Menschenwürde als Verfassungsbegriff (supra, nota de rodapé 73), pp. 101 s., com documentação comprobatória adicional. 78 BGHZ 133, 168 ss. 98 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 judicial da tutela não significa, em termos qualitativos, uma omis- são, mas representa um ato criador de direito cuja ratio decidendi7974 – pensada como norma – por sua vez não pode negligenciar despro- porcionalmente deveres de tutela constitucionalmente prescritos. Ao lado de ponderações de ordem ontológico-funcional contes- ta-se, adicionalmente e do ponto de vista teleológico, a necessidade de uma tutela simétrica de bens jurídicos entre agente e prejudica- do80, com fundamento na máxima „in dubio pro libertate“, bem como com fundamento em uma interpretação extensiva do princí- pio da subsidiaridade.81 No entanto, uma correspondente suspeição em benefício da liberdade de ação não é compatível com a pretensão abrangente dos direitos fundamentais, com o princípio da democra- cia, bem como com a idéia de uma constituição aberta da socieda- de.82 Assim resta, ainda, a objeção do ponto de vista do direito das competências, segundo o qual o legislador jusprivatista, por força da doutrina dos deveres de proteção, encontra-se limitado pelas exigên- cias das proibições de excesso e de déficit, deixando, nesse sentido, de existir uma margem de configuração democrática.83 Importa, po- rém, contra-arrestar esse perigo não pela modificação da doutrina do Untermass, mas mantendo aberto esse mecanismo aparentemente constrangedor, no sentido de que um controle judicial da proporcio- nalidade essencialmente se restringe a um exame negativo da evidên- cia dr uma violação. 84 79 Cf. nessa medida também Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), pp. 26 s.; v. de resto mais de perto acerca da identificação da ratio decidendi Langenbucher. Die Entwicklung und Auslegung von Richterrecht. 1996, pp. 63 ss. 80 V. a respeito também Hager. in: Staudinger. Kommentar zum BGB. 13ª versão refundida. 1999, Considerações preliminares aos §§ 823 ss. cota 71, com documentação comprobatória adicional. 81 Cf. Canaris. Grundrechte und Privatrecht (supra, nota de rodapé 40), p. 47. 82 Cf. também Schwabe. Probleme der Grundrechtsdogmatik. 1977, p. 51; K. Hesse. Grundzüge des Verfassungsrechts (supra, nota de rodapé. 10), cota 72; v. outrossim já supra na nota de rodapé 28. 83 V. a respeito genericamente Denninger. FS Mahrenholz. 1994, pp. 561 ss. (567 ss.); H. A. Hesse/ Kaufmann, JZ 1995, 219 ss. (222). 84 V. nesse tocante também infra notas de rodapé 106 s. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 99 3. A tutela de interesses sociais em conformidade com o artigo 1º, inciso II, da LF Considerando que a explanação efetuada até o presente momen- to concentrou-se no telos libertário dos artigos 2º e ss. da LF, deve- mos discutir agora a até que ponto a Constituição também reconhe- ce direitos sociais. Há nesse tocante essencialmente duas correntes. Ao passo que um grupo nega, em princípio, a existência de direitos constitucionais sociais, atribuindo, portanto, à LF substancialmente uma função de ordenamento liberal,85 a doutrina dominante tenta definir os artigos 2º e ss. da LF também como direitos sociais.86 Afas- tando-se destas duas acepções, a própria Constituição indicia uma terceira via, mais especificamente, apontando para a dimensão que o artigo 1º, inciso II, da LF, possui em termos de direitos humanos.87 a) A norma contida no artigo 1º, inciso II, da LF O ponto de partida dogmático para o reconhecimentode direi- tos sociais é o próprio texto do artigo 1º, inciso II, da LF, que afirma que a norma fundamental nele contida não se reduz à mera norma definidora dos objetivos do Estado88, mas que os direitos humanos são incorporados à Constituição “na condição de fundamento de toda e qualquer comunidade humana”. Também a posição siste- mática no título dos direitos humanos sustenta a eficácia jurídico- 85 V. nomeadamente Isensee. Der Staat 19 (1980), pp. 367 ss.; coerentemente Isensee rejeita por essa razão também uma tutela dos direitos fundamentais „contra consigo mesmo“; cf. Id.. FS Großfeld. 1999, pp. 485 ss. (500 ss.), com documentação compronatória adicional. 86 V. a jurisprudência e.g. BVerfGE 84, 133 ss.; 89, 1 ss.; cf. outrossim também já supra, nota de rodapé 56. 87 V. quanto ao que segue detalhadamente Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra nota de rodapé 17), pp. 73 ss., 128 ss., com documentação comprobatória adicional. 88 Assim, porém, Brugger. Menschenwürde, Menschenrechte, Grundrechte. 1997, pp. 12 ss., 45 ss., com documentação comprobatória adicional; de uma mera “suposição jurídica fundamental fala e.g. também Lepsius, in: Bertschi. Demokratie und Freiheit. 1999, pp. 123 ss. (137); criticamente com relação à suposição de uma incorporação de direitos sociais em conformidade com o Art. 1 inc. 2 da LF, ainda Sommermann, in: v. Mangoldt/Klein/Starck. Das Bonner GG. Vol. 2, 4ª ed. 2000, Art. 20 inc. 1 cotas 131 ss. 100 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 subjetiva desses direitos cardeais. De resto, os protocolos da Cons- tituinte igualmente testemunham que os autores da LF quiseram recepcionar os direitos humanos in toto, isto é, inclusive nas suas dimensões subjetiva e social.89 Acresce que tal recepção abrangente não constitui nenhuma singularidade em termos de Direito Compa- rado, mas encontra numerosos paralelos internacionais.90 Por isso os direitos fundamentais sociais devem ser derivados e fundamentados em primeiro lugar pela via da remissão ao artigo 1, inciso II, da LF. Isso exige a prova de que os direitos humanos gerais possuem um componente social e são suficientemente determinados no que diz com os seus conteúdos. b) A legitimação dos direitos humanos sociais Os direitos humanos em geral podem ser divididos em duas categorias. Por um lado, em direitos humanos liberais, que corporifi- cam direitos puros de defesa em face do Estado, objetivando a prote- ção da liberdade; por outro, em direitos humanos sociais, destinados a criar os pressupostos fáticos da liberdade e democracia, produzir a igualdade material e a paz jurídica, bem como servir abrangente- mente a dignidade da pessoa. Por essa razão os direitos humanos sociais formam, justamente em épocas da “globalização”, a respos- ta jurídica imprescindível à concentração transfronteiriça do poder econômico. Além disso, o reconhecimento de direitos fundamen- tais sociais baseia-se num amplo consenso internacional91, enraizado também no ordenamento jurídico nacional.92 Por isso os direitos humanos sociais estão hoje vinculados inseparavelmente à idéia geral 89 Cf. JöR 1 (1951), pp. 48 ss. 90 Cf. Häberle. Rechtstheorie 24 (1993), pp. 397 ss. (401 s., 419 s.), com ampla documentação comprobatória. 91 Cf. apenas a „Declaração Universal dos Direitos Humanos“ de 10.12.1948, bem como a documen- tação comprobatória infra na nota de rodapé 99. 92 V. por exemplo mais de perto Lange. in: Böckenförde/Jekewitz/Ramm. Soziale Grundrechte. 1981, pp. 49 ss., com abrangente documentação comprobatória. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 101 dos direitos humanos e constituem o correlato necessário dos direi- tos humanos liberais.93 c) O sistema dos direitos humanos sociais Se considerarmos as convenções internacionais de direitos hu- manos, as estruturas do Estado de Bem-Estar Social herdadas da tra- dição, bem como seu respectivo telos, os direitos humanos sociais po- dem ser subdivididos em quatro grupos de casos: em primeiro lugar, em direitos prestacionais materiais que servem sobretudo à garantia do mínimo necessário para a subsistência; em segundo lugar, em di- reitos prestacionais de cunho informacional, aos quais pertence, e.g., o direito a receber informações; em terceiro lugar, em direitos ideais de proteção que asseguram e.g. a assalariados o seu entorno exis- tencial, protegendo-os num sentido bem genérico contra situações para as quais não se vislumbram perspectivas de saída; e em quarto e último lugar, em direitos coletivos para a proteção da família, bem como de coalizões justrabalhistas. Em homenagem à coerência, essa categorização não se restringe apenas ao plano constitucional, mas adentra profundamente o Di- reito Privado e abre ao legislador opções para uma configuração jus- privatista da sociedade.94 Mencionemos, à guisa de ilustração, dentre os direitos prestacionais materiais, apenas os direitos a pensões de 93 Cf. Tugendhat, in: Gosepath/Lohmann. Philosophie der Menschenrechte, 1998, pp. 48 ss. (55 ss.); Gosepath, in: Gosepath/Lohmann, op. cit., pp. 146 ss.; Höffe. Demokratie im Zeitalter der Globalisierung. 1999, pp. 74 ss., 407 ss. (que, porém, enfatiza demasiadamente a dependência de recursos); Lohmann, in: Kersting. Politische Philosophie des Sozialstaats. 2000, pp. 351 ss. (354 ss). Divergindo, v. Kersting. Theorien der sozialen Gerechtigkeit (supra, nota de rodapé 18), que contesta sem fundamentação suficiente a dimensão de direitos humanos do Estado de Bem-Estar Social (p. 397) e propaga um „paradigma da solidariedade política“ (pp. 376 ss.); por outro lado, Kersting distancia-se de libertarians como Nozick (pp. 301 ss.) e reconhece que a audodeterminação exige mais do que apenas a liberdade negativa (p. 345) e que um minimalismo de bem-estar não é suficiente (pp. 392 s.); v. outrossim, para a defesa do Estado de Bem-Estar Social contra o crescente fogo cerrado do (neo-)liberalismo em argumentação detalhada e perspicaz Koller, in: Kersting. Politische Philosophie des Sozialstaats. 2000, pp. 120 ss. 94 Cf. com vistas a maiores detalhes Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 230, 237 ss. 102 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 natureza alimentícia e cogente celebração de contratos, dentre os di- reitos prestacionais informacionais apenas as pretensões derivadas e originárias de recebimento de informações, dentre os direitos ideais de tutela apenas a indisponibilidade de direitos extremamente pes- soais, bem como, de resto, as numerosas determinações de proteção em benefício das famílias e das coalizões justrabalhistas. d) A autonomia dos direitos sociais A distinção categorial entre direitos sociais e liberais apresenta as vantagens de não mesclar interesses divergentes e de que o ônus da argumentação recai sobre quem deduz direitos sociais do texto aberto da norma do artigo 1º, inciso II, da LF. Além disso, o dever de proteção estatal alcança apenas os já mencionados padrões sociais mínimos. Por outro lado, a desistência de um direito fundamental só é parcialmente possível em se tratando de direitos fundamentais sociais, pois, no que diz com os direitos de liberdade, é de compe- tência exclusiva do titular do direito fundamental definir para si o conceito de liberdade.95 Tendo em conta que os direitos sociais não são abertamente caracterizados, mas que, e.g., se deriva um direito possessório do locatário sobre a moradia a partir do artigo 14, inciso I, da LF, 96 verifica-se que, ao lado do distanciamento em relação às máximas tradicionais de interpretação e da dogmática juscivilista costumeira, assume relevância o risco de decisões subseqüentes susbtancialmente incorretas, como, e.g., a proteção de um herdeiro que não vive na moradia do locatário.97Por esse motivo, os direitos fundamentais li- berais e sociais são distinguidos regularmente no plano internacional 95 V. também já supra na nota de rodapé 47. 96 Cf. BVerfG, NJW 2000, 2658 ss. (2659); BVerfGE 89, 1 ss.; Hager, JZ 1994, 373 ss. (375). 97 V. a respeito dessa problemática maiores detalhes em Canaris. FS Fikentscher. 1998, pp. 11 ss. (35 ss.), com documentação comprobatória adicional. REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 103 em diversas convenções.98 Além disso, essa idéia deve ser transferi- da com plena abrangência para o Direito Privado, pois ela legitima apenas intervenções sociais tópicas e, em princípio, não questiona uma situação de equilíbrio entre pessoas privadas, mas, muito pelo contrário, a tem como premissa. V. A POSIÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FEDERAL Se observarmos, por fim, a posição do Tribunal Constitucio- nal Federal, devemos distinguir principalmente dois conflitos de competência:99 1. O controle de atos legislativos Em se tratando de examinar leis, o objeto da ação será uma de- cisão parlamentar. Por isso, uma rejeição de normas jusprivatistas em princípio só entra em cogitação se ela se puder apoiar na autoridade superior do Constituinte. Por outro lado, o Tribunal Constitucional Federal não tem competência para substituir decisões do legislador democrático por decisões próprias, mas encarna um órgão da apli- cação do direito. Mesmo se defendermos no plano da teoria jurídica uma “one right answer thesis”,100 tal posição não permitirá compre- ender princípios constitucionais fora do seu âmbito nuclear como diretivas concretas e totalmente abrangentes direcionadas ao legis- lador. Por isso, exigências de uma interpretação restritiva da cons- tituição ou de um “judicial self-restraint” são justificadas à medida 98 Cf. em escala global o „Pacto internacional sobre direitos civis e políticos“ (BGBl. 1973 II, pp. 1533 ss.), bem como o „Pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais“ (BGBl. 1973 II, pp. 1569 ss.); v. outrossim, com vistas à Europa, a „Convenção sobre a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” (BGBl. 1952 II, pp. 685 ss.), bem como a “Carta Social Européia” (BGBl. 1964 II, pp. 1261 ss.); da bibliografia especializada, v. sobre essa distinção fundamental nomea- damente Zacher. Sozialpolitik und Menschenrechte in der Bundesrepublik Deutschland. 1968, p. 29. 99 V. a respeito também maiores detalhes em Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 45 ss., com documentação comprobatória adicional. 100 V. nesse tocante maiores detalhes em Langenbucher. Die Entwicklung und Auslegung von Richterrecht (supra, nota de rodapé 80), pp. 30 ss., com documentação comprobatória adicional. 104 | JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 que querem ver preservado o princípio da soberania popular. Mas, no cerne, a defesa de uma atitude contida por parte do Judiciário constitui um enfoque falho, pois já no estágio preliminar importa legitimar genericamente o poder judicial que anula a lei.101 2. O controle de atos judiciários No exame de sentenças dos órgãos judiciários, a preservação da sua competência em relação aos atos do legislador democraticamen- te legitimado igualmente ocupa o primeiro plano. Por essa razão, o Tribunal Constitucional Federal deve controlar decisões dos tribu- nais especializados com vistas à sua legalidade e constitucionalidade strictiore sensu102. Mas se um ato do Judiciário não é determinado por uma orientação prévia do legislador, se conseqüentemente a senten- ça é prolatada no âmbito livre da lei, surge tão-somente um conflito competencial com os tribunais especializados, que se processa dentro do Poder Judiciário. É de considerar, ainda, que os órgaos judiciários especializados dispõem de uma proximidade essencialmente maior com a matéria, constituindo, por conseguinte, também a instância 101 Deve-se, no entanto, enfatizar, a título complementar, que a rejeição de uma norma por parte do Tribunal Constitucional Federal não necessariamente representa a intervenção mais forte no primado do Parlamento enquanto órgão instituidor de leis. Isso é mostrado exemplarmente na controvérsia em torno do desenvolvimento do Direito Comercial. De acordo com a opinião preponderante, os §§ 1 e 2 do HGB [Código Comercial] na sua versão mais antiga eram regulamentações evidentemente falhas. Diante desse pano de fundo Karsten Schmidt defendeu um desenvolvimento judicial do direito até a elaboração de um Direito Empresarial (JuS 1985, pp. 249 ss.). Mas tal prática judicante contra legem configuraria uma intervenção substancialmente mais grave no arcabouço da divisão dos poderes, pois não apenas atropelaria a competência exclusiva de rejeição de normas do Tribunal Constitucional Federal, mas ignoraria também o fato de que uma mera declaração de inconstitucionalidade remete a decisão de volta ao Parlamento, uma vez que e à medida que há diferentes opções para substituir uma regulamentação arbitrária (cf. Neuner, ZHR 157, 1993, pp. 243 ss., 290; v. outrossim, genericamente no tocante à declaração de incompatibilidade de uma norma inconstitucional, Schlaich. Das Bundesverfassungsgericht. 4ª ed., 1997, cotas 359 ss., com documentação comprobatória adicional). 102 A expressão im engeren Sinn foi traduzida pelo comparativo latino da expressão latina stricto sensu, strictiore sensu, pois a tradução portuguesa disponível, no sentido mais estrito, é ambígua e pode expressar tanto o comparativo quanto o superlativo. [Nota do Tradutor] REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 O CÓDIGO CIVIL DA ALEMANHA (BGB) E A LEI FUNDAMENTAL | 105 mais adequada para o desenvolvimento judicial do direito.103 Mas uma restrição dessa prerrogativa só é cogitada para tutelar direitos pessoais muito estreitamente referidos à dignidade da pessoa, como, exemplificativamente, o direito geral de personalidade, bem como sob o aspecto da unidade do ordenamento jurídico. Em tais casos excepcionais especiais a sentença de um tribunal especializado deve ser cassada, mesmo se ela, concebida como decisão legislativa, ainda não violar a constituição. Inversamente isso significa que o legislador pode “intervir” contra sentenças do Tribunal Constitucional Federal e e.g. revogar parcialmente uma determinada proteção social. VI. CONSIDERAÇÃO CONCLUSIVA Em retrospectiva, constatamos que a descrição do primado da Constituição restringe, num primeiro momento, a percepção da autonomia do Direito Privado. Essa impressão resta enrobustecida quando os direitos fundamentais são considerados abrangentemente como mandamentos de otimização. Do ponto de vista do método, porém, vale para o Judiciário o primado do plano das regras sobre o plano dos princípios, de modo que só é possível recorrer à Constitui- ção excepcionalmente supplendi ou corrigendi causa104. Além disso a interpretação da Constituição deve, em princípio, ser orientada para uma reconstrução da vontade legislativa.105 Por essa razão, o risco de que a democracia parlamentar venha a transformar-se num Es- tado Judicial [Jurisdiktionsstaat] não deve ser enfrentado por meio de uma redução unilateral dos direitos fundamentais e humanos à funcao de direitos de defesa contra o Estado, mas já no grau anterior da metódica constitucional, por meio de um fortalecimento renova- do geral do princípio da soberania popular. Isso significa, sobretudo, 103 Cf. apenas Oeter, AöR 119 (1994), pp. 529 ss. (557); Voßkuhle, AöR 125 (2000), pp. 177 ss. (196). 104 Em caráter supletivo ou corretivo [Nota do tradutor] 105 Cf. Neuner. Privatrecht und Sozialstaat (supra, nota de rodapé 17), pp. 13 ss.; v. com referência a concepções contrárias, nomeadamente na discussão nos EUA, Hiesel, ZfRV 2000, 53 ss. 106| JÖRG NEUNER REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008 que os direitos fundamentais só podem ser compreendidos, com vis- tas ao seu objetivo de regulamentação mínima, como diretivas cons- tituintes definitivas, restringindo por assim dizer apenas e negativo a margem de ação do legislador jusprivatista.106 À essa constatação de natureza metodológica corresponde a descoberta gnoseológica, segundo a qual é substancialmente mais seguro dizer o que é injus- to do que o que é justo.107 Não em último lugar, isso também diz respeito aos abismos históricos que radicam na base do do artigo 1º, da LF, e que sujeitaram todo o pensamento jurídico, inclusive a compreensão do Direito Privado atual, a uma mudança negativa de paradigma.108 Traduzido por Peter Naumann Tradução revista por Ingo Wolfgang Sarlet 106 Restritivamente também nomeadamente Medicus, AcP 192 (1992), pp. 35 ss. (50 ss., 69); Lerche. FS Odersky. 1996, pp. 215 ss. (224 s.). 107 Cf. também Hofmann. FS Henckel. 1999, pp. 547 ss.; Ott. Der Rechtspositivismus. 2ª ed. 1992, p. 201. 108 V. nesse tocante também Lyotard. Streitgespräche, oder: Sprechen „nach Auschwitz“. s. d., pp. 7 ss.; Adorno. Negative Dialektik. 1966, pp. 354 ss.; Id., Ob nach Auschwitz noch sich leben lasse. Ed. Tiedemann, 1997, pp. 31 ss. Nota do revisor: cumpre destacar, para viabilizar a correta compreensao da última frase do artigo, que está a se fazer referência à trágica experiência do nacional-socialismo, especialmente às violacoes sistemáticas da dignidade da pessoa humana, tal como ocorreu com os campos de extermínio, apenas para citar o exemplo mais dramático e conhecido.
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