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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO” A PSICOMOTRICIDADE COMO PROMOTORA DA QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE POR: Luciane Guimarães Martins Bastos Orientador: Profº Ms. Nilson Guedes de Freitas Rio de Janeiro Julho/2004 2 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO” A PSICOMOTRICIDADE COMO PROMOTORA DA QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE POR: Luciane Guimarães Martins Bastos Trabalho apresentado em cumprimento às exigências para a obtenção do grau de especialista no curso de Pós- graduação em Psicomotricidade da Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez do Mestre Rio de Janeiro Julho/2004 3 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho á minha avó Margarida, a grande responsável pelo meu amor a Terceira Idade, aos meus queridos pacientes, que me fazem crescer em experiência a cada dia. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço aos professores da UCAM, em especial ao meu orientador Nilson, pela paciência e dedicação. Á minha filha, Carolina que mesmo inconscientemente entendeu os meus momentos de ausência. 5 EPÍGRAFE “A maior felicidade do ser humano, é acreditar que pode superar todas as fases de sua vida, não encarando como obstáculo e sim como um desafio” Autor desconhecido 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................... 08 1. GERIATRIA E GERONTOLOGIA.................................................... 10 2. FENÔMENO DO ENVELHECIMENTO............................................ 16 3. PSICOMOTRICIDADE..................................................................... 23 4. QUALIDADE DE VIDA NA VELHICE.............................................. 32 5. O REFLEXO DA RETROGENESE PSICOMOTORA..................... 45 NO GERONTE 6.O PAPEL DA ATIVIDADE PSICOMOTORA EM GRUPO................51 CONCLUSÃO.......................................................................................57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 59 ANEXOS.............................................................................................. 60 ÍNDICE..................................................................................................61 FOLHA DE AVALIAÇÃO ....................................................................62 7 RESUMO O presente trabalho se propõe a fazer uma abordagem atualizada, com base na revisão bibliográfica de diversos autores como Lukesi, Freitas,Fonseca, entre outros, sobre o aumento significativo da perspectiva de vida , da realidade e das necessidades de idosos acima de 60 anos, para que seja então analisada o aumento da qualidade de vida propiciada a camada senil da população através de uma proposta psicomotora. Durante o trabalho de pesquisa , foi abordado fatores que possibilitam promover o retardo dos declínios decorrentes do envelhecimento, prevenindo doenças e buscando saúde, contribuindo assim para melhora na qualidade de vida. Enfatizamos a integração dos próprios sentimentos e sua ação, da alma e a motricidade, objetivando seja , a educação e reeducação dos movimentos de forma globalizada e eficaz,por fim sob uma visão sistêmica, enfocamos a terceira idade tanto no aspecto natural como ciclo biológico da vida, como também no aspecto psicossocial, e com isso , concluímos ao longo da pesquisa a importância na relação da psicomotricidade como promotora da qualidade de vida na terceira idade. Palavras-chave: Psicomotricidade. Terceira idade. Qualidade de vida. 8 INTRODUÇÃO O século XX marcou definitivamente a importância do estudo da velhice, fruto, de um lado, da natural tendência de crescimento do interesse em pesquisar e estudar o processo de envelhecimento que já se anunciava nos séculos anteriores. Por outro lado, o aumento do numero de idosos em todo o mundo exerceu pressão passiva sobre os desenvolvimentos desse campo. Sendo assim, terceira idade requer cuidados especiais, principalmente quando vivemos numa sociedade que privilegia os bens em detrimento do Ser. A "velhice" traz consigo muitos preconceitos com relação à capacidade produtiva do ser humano nesta faixa etária, mas é nesta fase que a sabedoria adquirida com as experiências de vida pode trazer nova luz para os que se sentem à margem do sistema social. O principal objetivo deste trabalho consiste em abordar a terceira idade, tanto no aspecto natural como ciclo biológico da vida, como também no aspecto psicossocial,fazendo considerações entre a fisioterapia e psicomotricidade como promotora da qualidade de vida em idosos acima de 60 anos. Considerando tal importância , esta pesquisa visa, através de revisão bibliográfica de diversos autores, analisar as situações vividas no decorrer da vida , que vão deixando marcas no corpo, refletindo-se em gestos, posturas e movimentos, atuando sobre a forma de ser, sobre a forma de atuação no dia-a-dia. Não só o corpo é afetado pelas alterações psicológicas, pelas emoções, como também suas condições interferem no processo intelectual, emocional e nos reflexos. No primeiro segmento deste trabalho será possível ao leitor entender as limitações físicas com que se depara a terceira idade e analisar que tais limitações decorrem muito mais do abandono de si mesmo, isto é, do abandono de nossas necessidades mais íntimas do que propriamente um processo natural de perda de aptidões. Assim, a consciência corporal pode se tornar o maior aliado na nossa busca de auto-conhecimento, recuperação da auto-estima, criatividade e descoberta de novos potenciais. 9 No decorrer deste trabalho, a partir do segundo segmento, abordamos no primeiro capítulo, definições sobre Geriatria e Gerontologia, fazendo considerações sobre a ciência do envelhecimento e suas ramificações, que em conjunto atuam sobre os múltiplos aspectos do fenômeno do envelhecimento e suas conseqüências. Focalizamos em seguida no segundo capitulo, o fenômeno do envelhecimento, onde esclarecemos as diferenças entre envelhecimento, velhice, senescência, senilidade, autonomia e independência , para que possamos analisar, o quão importante é entender e classificar tais conceitos. Em seguida, no terceiro capitulo nos detivemos em analisar a psicomoticidade e sua relação com a fisioterapia e sua aplicabilidade, evidenciando a relação existente entre os processos cerebrais e afetivos/emocionais com o ato motor. No quarto capítulo, objetivamos definir a qualidade de vida na velhice, onde o principal desafio que se propõe a indivíduos e às sociedades é conseguir uma sobrevida cada vez maior, com uma qualidade de vida cada vez melhor. No capítulo seguinte, o quinto, esclarecemos o reflexo da retrogênese psicomotora no geronte e enfatizamos que ativar pela psicomotricidade os neurônios corticais pode ser essencial para previnir o envelhecimento,e dessa forma ampliarmos a qualidade de vida . Chegamos então, ao sexto capítulo onde determinamos a atuação do trabalho psicomotor em grupoe foi possível entender que quando o idoso se integra a um grupo , começa a entender melhor a realidade do seu dia-a-dia , com perdas e ganhos, conscientizando-se dos desafios a enfrentar e, principalmente , de como lidar com tudo isso. Assim concluímos que sendo a psicomotricidade uma ciência preocupada com o bem estar do indivíduo humano; tendo a gerontologia desmistificado a concepção de inutilidade á terceira idade, é importante que a camada senil, redescubra antigos potenciais. E este caminho começa pelo próprio corpo, o templo da nossa existência terrena. 10 1- GERIATRIA E GERONTOLOGIA O processo do envelhecimento e sua conseqüência natural, a velhice, são uma das preocupações da humanidade desde o inicio da civilização. A História demonstra que as idéias sobre a velhice são tão antigas quanto a origem da humanidade. Leme(1996) lembra que poucos problemas tem merecido tanta atenção e preocupação do homem como o envelhecimento e a incapacidade funcional associada a este processo. Como a gerontologia e a geriatria são campos científicos e profissionais relativamente novos, parece a muitos que a preocupação com a velhice teve origem nos nossos dias, mas essa é uma falsa crença. Feitas essas ressalvas,é preciso deixar claro que,realmente, o século XX marcou grandes avanços na ciência do envelhecimento, graças aos conhecimentos adquiridos por meio dos estudos que se desenvolveram desde que os pioneiros Metchnikoff e Nascher, em 1903 e 1909, respectivamente, estabeleceram os fundamentos da geriatria e da gerontologia. Acreditavam ambos que estas ciências correlatas iriam se transformar, em um futuro próximo,em campos profícuos de realizações cientificas. Embora ainda reste um longo caminho a ser percorrido para elucidar os pontos obscuros do fenômeno do envelhecimento, a verdade é que principalmente nas últimas décadas do século XX, pode ser observado um aumento no somatório de conhecimentos neste campo de estudo. 1.1- Considerações Iniciais Os múltiplos aspectos que caracterizam o processo do envelhecimento clamam para a necessidade de propiciar a pessoa idosa atenção abrangente á saúde, colocando em pratica o preconizado pela Organização Mundial da Saúde.Busca-se com isso não somente o controle das doenças, mas principalmente o bem estar físico, psíquico e social, ou seja, em ultima analise,a melhora da qualidade de vida. A atenção passa a ser prioritariamente multidimensional e, portanto, para atender a essa diretriz é importante a participação de outros profissionais da saúde alem do medico que em conjunto, respeitando-se a especificidade de cada área e de cada caso, definirão a melhor conduta a ser seguida. 11 O mesmo argumento utilizado para justificar a avaliação multidimensional para atendimento a saúde da pessoa idosa, também se aplica para a pesquisa e para o ensino no campo da ciência do envelhecimento, onde a preocupação com os problemas médicos-sociais da população idosa, resulta da pressão passiva exercida pelo crescimento exponencial do número de idosos, particularmente na última metade do século XX. O atraso na construção do conhecimento em gerontologia ou, mais particularmente nas areas de pesquisa de ensino, embora hoje já possam ser consideradas como altamente promissoras, tem algumas justificativas: x� A importância que a medicina, ou mais especificamente, a geriatria teve durante muito tempo sobre os demais campos da gerontologia x� A dificuldade da gerontologia se firmar como disciplina ou mesmo ciência e, com isto, poder definir um campo de atuação e de construção de conhecimentos. x� A resistência á realização de investigação com caráter interdisciplinar. Durante décadas, a geriatria teve um peso maior cronológica e quantitativamente que as demais áreas que compõe a gerontologia, graças aos avanços no estudo dos aspectos diagnósticos e terapêuticos das pessoas que envelhecem. Para ter este lugar de relevância, a geriatria, como ciência, os geriatras, como profissionais interessados na saúde do idoso, utilizaram como base de apoio conhecimentos e tecnologia de outros campos da medicina. Como era esperado, este fato deu um destaque especial á geriatria, criando-se a impressão de que seriam áreas totalmente independentes. A caracterização da gerontologia e a definição de sua área de abrangência, são, portanto, fundamentais. Sabendo-se que o fenômeno do envelhecimento é multifacetado e admitindo-se que ele também é multifatorial, é fácil compreender que a gerontologia tem como objetivo tratar dos aspectos biológicos, sociais, psíquicos e legais, entre outros, e promover pesquisas que possam esclarescer os fatores envolvidos na sua gênese . 12 Assim como na medicina surgiu a geriatria para fazer frente as necessidades do velho enfermo, nas ciências sociais surgiu a gerontologia social, que percebe a velhice como um problema social. Cresceu ao lado dos médicos e de outros profissionais responsáveis pelo estudo dos processos orgânicos do fenômeno do envelhecimento, o numero de profissionais ligados a área dos estudos sociais. De fato, sendo o envelhecimento não necessariamente acompanhado de manifestações patológicas , embora seja freqüente as doenças nesta faixa etária, assumem particular importância os problemas de discriminação social a que esta submetida a maioria dos idosos, aspectos cuja abordagem é atribuição da gerontologia social. Percebe-se do exposto que, para dar atenção holística a população idosa, a atuação deixa de ser centralizada em uns poucos profissionais e passa a ser exercida com maior competência por aqueles que são responsáveis por determinadas áreas de conhecimento. Esta visão abrangente da atenção a saúde é apanágio da gerontologia e é atribuição dos gerontólogos, dentro de suas respectivas áreas, implementar medidas tendentes a tornar efetiva esta forma de assistência ao idoso, além de estimular e realizar pesquisas e transmitir conhecimento sobre o fenômeno do envelhecimento. 1.2- Ciência do envelhecimento A ciência do envelhecimento tem a responsabilidade de ser o centro do qual emanam suas ramificações __GERONTOLOGIA SOCIAL, GERONTOLOGIA BIOMÉDICA E GERIATRIA __ que em conjunto, atuam sobre os múltiplos aspectos do fenômeno do envelhecimento e suas conseqüências. A gerontologia social, que aborda os aspectos não-organicos, e a geriatria e a gerontologia biomédica, que se atem aos aspectos orgânicos, são divididas de acordo com as especialidades que a compõe . Assim a primeira compreende os aspectos antropológicos, psicológicos, legais, sociais, ambientais , economicos, éticos e politicos de saúde. A geriatria tem sob os seus domínios os aspectos curativos e preventivos de atenção a saúde e, para realizar este mister, tem uma relação estreita com disciplinas da 13 área medica, como a neurologia, cardiologia, psiquiatria,pneumologia, entre outras, que deram origem a criação de subespecialidades , como a neurogeriatria, psicogeriatria, a cardiogeriatria e neuropsicogeriatria, entre outras. A gerontologia biomédica tem como eixo principal o estudo do fenômeno do envelhecimento , do ponto de vista molecular e celular, enveredando pelos caminhos de estudos populacionais e de prevenção de doenças associadas. Busca-se, segundo Jeckel-Neto (2000), a geração de conhecimentos para que se possam entender as alterações progressivas observadas no envelhecimento e como elas influenciam o status funcional do individuo. O objetivo fundamental deste conhecimento, deve ser o envelhecimento com sucesso e com qualidade de vida ,que será obtido através de estudos interdisciplinares; da integração deáreas, que vai desde o estudo de fatores puramente biológicos até os sociais; e da formação de recursos humanos com profissionais de várias disciplinas, interessados no estudo do processo de envelhecimento. 1.3- Biologia do envelhecimento Durante séculos, o estudo da longevidade e do envelhecimento em seres vivos, foi relegado a um papel meramente acessório nas diferentes disciplinas da Biologia. Estudos de genética, bioquímica, fisiologia e ecologia abordavam superficialmente temas ligados ao envelhecimento , sem, contudo, se preocuparem da elaboração de convenções instrumentais ou de terminologia que pudessem ser usados para facilitar a exploração dos mesmos.Até então , estudos sobre mudanças nas propriedades morfofuncionais de indivíduos ou de populações com o passar do tempo, constituíam pouco mais do que uma curiosidade, explorada mais por diletantismo do que por qualquer outra razão. O século XX viria a mudar este cenário radicalmente por dois motivos: primeiro, nunca em toda a historia da humanidade, populações apresentaram expectativas de vida tão altas, fruto, principalmente, da implantação de políticas de saúde publica e de medicina preventiva, tais como vacinação contra diversas moléstias infecto-contagiosas 14 e planejamento e controle sanitário; segundo coincidentemente, nunca em toda a historia, da Biologia, o instrumental disponível para pesquisa foi tão avançado, permitindo aos investigadores níveis de abordagem impossíveis ate então. Inicialmente, a abordagem biológica do processo de envelhecimento deu-se do ponto de vista fisiológico e, mais tarde, bioquímico. Com o avanço do conhecimento genético, cresceu também a busca por padrões de hereditariedade da longevidade. A partir da década de 40, abordagens a partir dos conhecimentos sobre a evolução dos seres vivos foram incorporando uma serie de novos conceitos, permitindo uma avaliação mais profunda do tema do envelhecimento. Dada a variedade de abordagem aos temas envelhecimento e longevidade, é importante estabelecer alguns conceitos básicos. Porém, devido a sua breve existência, a pesquisa biogerontológica enfrenta a dificuldade de estabelecer convenções a respeito da terminologia empregada por diferentes autores. Apesar de não estar estabelecido oficialmente, o termo envelhecimento, é freqüentemente empregado para descrever as mudanças morfofuncionais ao longo da vida, que ocorrem após a maturação sexual, e que progressivamente, comprometem a capacidade de resposta dos indivíduos ao estresse ambiental e á manutenção da homeostasia. Porém, vários pesquisadores definem envelhecimento como “ o que acontece com o organismo com o passar do tempo”. Se por um lado,existem funções que não são significativamente alterada pela idade, como a troca de células do epitélio intestinal, é necessário lembrar que o envelhecimento apresenta como única característica universal a ocorrência de mudanças ao longo do tempo, independentemente de terem ou não efeito deletério sobre a vitalidade e a longevidade. O envelhecimento não é somente a soma de patologias agregadas e de danos induzidos por doenças. Inversamente, nem todas as mudanças em estrutura e função dependentes da idade podem ser consideradas como alterações fundamentalmente ligadas a idade por si só. Num esforço para incorporar este rigor dentro de um definição operacional, foi proposto que as mudanças fundamentais relacionadas com a idade devem obedecer a quatro condições: 15 1. Devem ser deletérias, ou seja, devem reduzir a funcionalidade. 2. Devem ser progressivas, isto é, devem se estabelecer gradualmente. 3. Devem ser intrínsecas, isto é, não devem ser um resultado de um componente ambiental modificável. Cabe ressaltar,aqui, que o ambiente tem forte influencia sobre o aparecimento e velocidade dessas mudanças, apesar de não ser a sua causa. 4. Devem ser universais : todos os membros de uma espécie deveriam mostrar tais mudanças graduais com o avanço da idade Por esses motivos, surge o termo senescencia para descrever as mudanças que ocorrem num organismo, relacionados com a idade, afetando adversamente sua vitalidade e funções, porem, mais significativamente, aumentando a taxa de mortalidade em função do tempo. Senilidade seria o estágio final da senescência, quando o risco de mortalidade beira os 100%. É preciso ressaltar, porém, que o tempo é uma variável independente. Em vez de usar o calendário para medir o envelhecimento, é preciso encontrar maneiras de usar as mudanças em variáveis fisiológicas importantes para medir o envelhecimento (ARKING, 1998). Quanto ao termo longevidade, apresenta como dificuldade principal a existência de diversidade de padrões de desenvolvimento e o tempo de maturação em diferentes organismos. Embora a literatura em biogerontologia freqüentemente tome como longevidade o tempo transcorrido entre o nascimento e a morte, muitas espécies possuem desenvolvimento especialmente prolongado, ou longa existência em estágios juvenis e breves períodos de vida adulta seguidos de rápida senescência. 16 2- O FENOMENO DO ENVELHECIMENTO A percepção do fato de que os organismos vivos envelhecem não gera controvérsias. A partir da simples observação da realidade, é possível perceber esse fenômeno. Pode-se, também, planejar e executar estratégias de investigação para identificar e analisar vários aspectos do envelhecimento. Porém, vários pontos de controvérsia surgem no momento de estabelecer indicadores para as variáveis envolvidas no processo. Ao surgir discordância sobre quais seriam os indicadores capazes de identificar ou mensurar as variáveis envolvidas no fenômeno, estabelece-se a dificuldade de construir conceitos fundamentais que possam ser articulados em construções lógicas explicativas do envelhecimento. Essa variedades de conceitos, muitas vezes conflitantes, que procuram representar as variáveis envolvidas no processo de envelhecimento por meio de suas características gerais, provoca a formulação de uma grande variedade de definições para um mesmo aspecto do fenômeno. Assim, a inclusão de determinado fato, característica ou função em classes que permitam organiza-los num sistema torna-se extremamente difícil dentro da área de conhecimento denominada de Gerontologia ou Ciências do Envelhecimento. Como resultante disso, surge um grande numero de teorias que se propõe a explicar o fenômeno, porem cada um com o próprio conjunto de conceitos, fatos e indicadores. Outro aspecto que tem forte influencia na determinação desta variedade de teorias é o fenômeno do envelhecimento em si. Os organismos vivos são sistemas interativos de subsistemase, portanto, complexos, hierárquicos e não lineares. Formam, figurativamente, um grande mosaico de processos ou um grande fractal dinâmico. Assim, algumas teorias tem dificuldade de se sustentar, pois apóiam-se numa concepção ingênua segundo a qual uma dada alteração biológica que ocorre com o passar do tempo poderia ser provocada por uma causa particular, o que contraria a noção de sistemas hierárquicos interativos. É por isso que não há possibilidade de intervir em algum ponto do sistema de modo a afeta-lo de maneira global e alterar o curso das mudanças ao longo do tempo. Em outras palavras, é por esse motivo que, dificilmente, 17 existirá o elixir da juventude, o gene que controla o envelhecimento ou o tratamento rejuvenescedor. Frente a complexibilidade inerente a um sistema hierárquico interativo, aparece a dificuldade de investigar o fenômeno do envelhecimento como um todo e, em conseqüência, de demonstrar a validade das hipóteses formuladas atravésde metodologia cientifica rigorosa. Essa dificuldade pode ser resumida nos pontos que seguem: 1. A ausência de uma definição clara e de aceitação geral do próprio processo do envelhecimento 2. O estudo do processo de envelhecimento dos seres humanos é fortemente influenciado pelo contexto cultural das populações investigadas e dos próprios pesquisadores 3. Apesar do processo do envelhecimento evocar curiosidade e expectativas individuais altas, muitos investigadores e agencias de fomento da pesquisa não demonstram muito interesse pelo tema, pois as investigações são complexas, caras e demoradas, com baixo retorno em termo de números de publicação e de aplicabilidade imediata. 4. Por ser complexo e envolver todos os aspectos do ser vivo, o estudo do envelhecimento exige que ele ocorra, no mínimo de forma multidisciplinar, tornando-se necessário a constituição de equipes de pesquisadores de diversar áreas atuando de maneira integrada, o que, na maioria das vezes, é muito difícil organizar. A conjunção de fatores expostos, em especial o ultimo, conduz a formulações teóricas sintéticas, limitadas a visões próprias de uma pessoa ou grupo, que, por esse motivo, se tornam parciais, dentro de uma abordagem restrita. Tudo isso leva a proposições com algum víeis de origem, geralmente unidimensionais, contrariando a multidimensionalidade do envelhecimento e gerando sistemas teóricos não preditivos. 18 2.1-Envelhecimento, velhice e velho O envelhecimento (processo), a velhice (fase da vida) e o velho ou idoso (resultado final), constituem um conjunto cujos componentes estão intimamente relacionados. 2.1.1. Envelhecimento Apesar de ser o envelhecimento um fenômeno comum a todos os animais , surpreenda que ainda hoje persistam tantos pontos obscuros quanto a dinâmica e a natureza desse processo. Pode-se considerar o envelhecimento, como admite a maioria dos biogerontologistas, como a fase de um continuum que é a vida, começando esta com a concepção e terminando com a morte. Ao longo desse continuum, é possível observar fases de desenvolvimento, puberdade e maturidade, entre as quais pode ser identificados marcadores biofisiológicos, que representam limites de transição entre as mesmas.Ao contrario do que acontece com as outras fases, o envelhecimento não possui um marcador biofisiologico de seu inicio . De qualquer forma, a demarcação entre a maturidade e o envelhecimento é arbitrariamente fixada mais por fatores socioeconômicos e legais do que biológicos. A incapacidade de mensurar o fenômeno do envelhecimento, que esta intimamente vinculada a dificuldade de definir a idade biológica, justifica a falta de segurança para adotar quaisquer tais teorias existentes sobre o fenômeno . Os mesmos motivos justificam a inexistência de uma definição de envelhecimento que atenda aos múltiplos aspectos que o compõem. Respeitando-se as limitações assinaladas e dentro de uma visão prioritariamente biogerontológica, o envelhecimento é conceituado como um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas, que determinam perda da capacidade de adaptação do individuo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por leva-lo á morte (PAPALÉO NETTO, 1996). Esta definição pode ser completada com um outro conceito, este predominantemente funcional, elaborado por Comfort (1979), segundo o qual o envelhecimento se caracteriza por redução da capacidade de adaptação homeostática, perante situações de sobrecarga funcional do organismo. 19 2.1.2. Velhice e velho As manifestações somáticas da velhice, que é a ultima fase do ciclo da vida, as quais são caracterizadas por redução da capacidade funcional, calvície e redução da capacidade de trabalho e da resistência, entre outras, associam-se perdas dos papeis sociais, solidão e perdas psicológicas, motoras e afetivas. Na maioria das pessoas, tais manifestações somáticas e psicossociais começam a se tornar mais evidentes já a partir do fim da terceira década de vida, ou seja, muito antes da idade cronológica que demarca socialmente o inicio da velhice. É preciso esclarescer, que estas manifestações são facilmente observáveis quando o processo que as determina, encontra-se em toda sua plenitude. Deve ser assinalado, que não há uma consciência clara de que, através de características físicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais, possa ser anunciado o inicio da velhice. Segundo Baldessin (1996), alguns parecem velhos aos 45 anos de idade e outros jovens aos 70 anos de idade. Se o inicio exato da velhice é rigorosamente indefinido e, portanto, torna-se difícil tentar fixa-lo, maior dificuldade talvez resida nas diferentes formas como a sociedade vê o fenômeno e o idoso: preconceituosa com aqueles que tem origem em classes sociais mais baixas, benevolente para os que ocupam classes sociais mais elevadas (NERI, 2001). Essas considerações deixam claro que, ao lado dos problemas médicos, psicológicos e legais, muito mais acentuados e frequentes na velhice, assumem particular importância os problemas sociais nas classes mais desfavorecidas. 2.2- Envelhecimento comum e envelhecimento bem sucedido A grande heterogeniedade existente entre os idosos, nos aspectos morfológicos, funcionais, psicológicos e sociais, decorrentes, entre outros fatores, da grande amplitude desta faixa etária, que começa cronologicamente aos 60 anos e atinge 100 anos de idade ou mais, tem originado questionamentos sobre o conceito de normalidade, quando se faz referencia a pessoa idosa. Por outro lado, é conhecido o fato de que o ritmo de declinio das funções orgânicas varia de um órgão a outro, mesmo entre idosos que tem a mesma 20 idade. Esta observação justifica a impressão de que os fatores determinantes do envelhecimento, produzem efeitos deletérios de uma pessoa a outra. Segundo Rowe e khan (1987),este fato impele para o desenvolvimento de uma distinção conceitual dentro da categoria de envelhecimento normal em que pesem a todos os questionamentos que possam ser feitos ao conceito de normalidade. Admitem- se hoje, duas formas distintas de envelhecimento: o usual ou comum e o bem sucedido e o saudável. Admite-se que na forma de envelhecimento comum os fatores extrínsecos, tais como tipo de dieta, sedentarismo e causas psicossociais , intensificariam os efeitos adversos que ocorrem com o passar dos anos, enquanto na forma de envelhecimento saudável estes não estariam presentes ou, quando existentes, seriam de pequena importância. A crença sobre a importância destes fatores, se acha expressa na ênfase que atualmente tem sido dada para o potencial benéfico dos exercícios, para a moderação na ingestão de bebidas alcoólicas, para a cessação do habito de fumar, para a observância da dieta adequada, entre outras medidas (PAPALÉO NETTO E BRITTO, 2001). As principais condições associadas a velhice bem-sucedida, segundo os dois autores citados, seriam: baixo risco de doenças e de incapacidades funcionais relacionadas ás doenças; funcionamento mental e fisico excelentes; e envolvimento ativo com a vida. 2.3- Envelhecimento normativo A grande heterogeneidade entre os idosos, decorrente, de um lado, da maior ou menor influencia dos fatores extrínsecos referidos, e, de outro, da grande extensão do período abrangido pela velhice, torna difícil definir numa população de pessoas idosas aquelas que podem ser consideradas normais, tanto para fins de pesquisa quanto para a pratica diária. Esta dificuldade de definir o que é normal em geriatria conduziuao conceito de envelhecimento normativo. Já que o normal não pode ser adequadamente definido, é impossível selecionar “pessoas idosas normais”como controle ou como material para estudo dos efeitos da idade. Assim, a expressão envelhecimento normativo 21 representaria o processo natural de desenvolvimento em fases avançadas da vida (FRIES E CRAPO, 1981) O envelhecimento normativo pode ser de dois tipos: primário e secundário. O primeiro é universal, presente em todas as pessoas, geneticamente determinado ou pré programado. O segundo é resultante da interação entre influencias externas e é variável entre indivíduos em diferentes meios. Seria decorrente de fatores cronológicos, geográficos e culturais. Se tais fatores não forem considerados , as diferenças encontradas entre grupos de pacientes podem ser erroneamente atribuídas ao envelhecimento intrínseco ou primário, quando na verdade são conseqüentes as influencias externas citadas. 2.4—Senescência ou senectude e senilidade A distinção entre senescência ou senectude, que resulta do somatório de alterações orgânicas, funcionais e psicológicas próprias do envelhecimento normal, e a senilidade, que é caracterizada por modificações determinadas por afecções que freqüentemente acometem a pessoa idosa, é por vezes,extremamente difícil. O exato limite entre os dois estados não é preciso e caracteristicamente apresenta zonas de transição freqüentes, o que dificulta discriminar cada um deles. Essa dificuldade que os profissionais enfrentam no seu dia a dia e que esta presente em todas as áreas que compõe a ciência gerontológica é conseqüência da indefinição da idade biológica, da grande variabilidade de comportamento do idoso, perante fatores estressantes e do fator genético, cuja importância já foi referida. Não somente na pratica diária, no entanto, e importante a distinção entre essas duas condições , mas também é relevante na área da pesquisa em gerontologia. Assim, acreditamos que varias investigações relativas ao fenômeno de envelhecimento deveriam ser reavaliadas, principalmente as realizadas em seres humanos, desde que os resultados obtidos são muitas vezes decorrentes da presença de doenças associadas e não reconhecidas, e não somente do envelhecimento propriamente dito. Outro fato que merece ser destacado é que, diferentemente das pessoas mais jovens, nos idosos portadores de doenças, que freqüentemente são múltiplas, somam-se 22 os efeitos das alterações fisiológicas próprias do envelhecimento normal e os decorrentes de modificações funcionais produzidas pela presença de doenças concomitantes. Não se pode desconhecer que os efeitos da primeira, podem atuar sobre o da ultima, induzindo graus variáveis de interação, a ponte de produzir ação deletéria muito acentuada. (PAPALEO NETTO E BRITO, 2001). 2.5- Autonomia e independência Segundo Evans (1984) chama de autonomia o estado de ser capaz de estabelecer e seguir as próprias regras e diz que, para um idoso, a autonomia é mais útil que a independência como um objetivo global, pois pode ser restaurada por completo, mesmo quando o individuo continua dependente. Independência e dependência são conceito ou estados que so podem existir em relação a alguma outra coisa. Na mesma pessoa é possível identificar, por exemplo, independência financeira e dependência afetiva. Segundo Wilkin (1990), dependência é um estado no qual um individuo confia em outro, para ajuda-lo a alcançar necessidades previamente reconhecidas. Estas definições e também outras transmitem a impressão de que a dependência sempre se refere a uma relação social. Ela, portanto, não é um atributo individual, mas sim de um individuo em relação a outros. O que se procura obter é a manutenção da autonomia e o máximo de independência possível e, em ultima analise, a melhora da qualidade de vida. Isto só poderá ser obtido através de uma avaliação gerontológica abrangente, que tem a finalidade de atuar sobre o desempenho físico, psíquico (cognitivo e afetivo)e social. 23 3. PSICOMOTRICIDADE De acordo com Vitor da Fonseca (1983), a psicomotricidade é uma ciência que busca perspectivar as relações incessantes e permanentes dos fatores neurofisiológicos, psicológicos e sociais, que intervem na integração, elaboração e realização do movimento humano,ou seja, a psicomotricidade lança mão de metodologias e técnicas com a finalidade de fazer aflorar as possibilidades do indivíduo e aponta-las de maneira que se acredite cada vez mais capaz de progredir e dominar o seu corpo, através do movimento. Ao falar de psicomotricidade, fala-se da integração dos próprios sentimentos e sua ação, da alma e a motricidade, objetivando seja, a educação ou reeducação dos movimentos de forma agradável, globalizada e eficaz. A psicomotricidade é portanto, uma atividade que propõe, partindo do corpo e da motricidade corporal, agir sobre o psiquismo, tanto no plano mental quanto afetivo, esses dois planos estando, estreitamente ligados ao nível do inconsciente. Em outro enfoque, temos a partir da vivencia psicomotora, na medida onde ela é realmente “vivida”, a estruturação do psiquismo e dessa forma uma melhor posturação e uma adequação motora. Temos na psicomotricidade, o desenvolvimento em conjunto da motricidade e do psiquismo e não apenas a preocupação do paciente em apresentar melhor rendimento em determinadas habilidades, portanto a função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados e a psicomotricidade, visa justamente destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global do paciente por meio de um técnica. 3.1. Psicomotricidade e Fisioterapia: compreendendo a relação A motricidade não esta limitada as superfícies corporais, ela é a projeção de um mundo (próprio homem), noutro mundo (envolvimento). Segundo Le Boulch (1990), se a motricidade insiste sobre o componente Tonico motor na melodia gestual, a psicomotricidade se acha naturalmente associada,ou prepara 24 terreno para outras reeducações especializadas. Com base nessa afirmativa é que integramos a Psicomotricidade e a Fisioterapia em uma relação essencial. O movimento é sempre a expressão de uma existência, a manifestação vital da pessoa humana, envolvendo o ser no mundo, o que se faz concordar que não há possibilidade de se ter uma visão mecanicista da motricidade, arma principal de trabalho do fisioterapeuta e sendo assim, a utilização de protocolos na reabilitação dos pacientes que procuram assistência fisioterapêutica torna-se agressivo, dificultando o processo de reabilitação. Observa-se a relação entre a psicomotricidade e a fisioterapia no momento que , de forma grotesca, entendemos a necessidade de nosso paciente,ter definido a sua lateralização e esquema corporal, para a recuperação funcional de uma lesão no joelho, quando solicitamos que levante uma de suas pernas.Encontra-se relação quando propiciamos uma relaxação e adequamos o ritmo em uma paciente em atendimento fisioterapeutico respiratório com quadro de taquipneia com conseqüente equilibração de suas emoções.Ao treinar a marcha de um paciente sequelado de AVC, em conjunto trabalha-se o seu equilíbrio dinâmico, coordenação motora ampla, planejamento motor entre outros, bem como atua-se no seu psiquismo, restaurando sua confiança, auto estima e amor próprio. Pode-se entender a relação acontecendo em três aspectos ao mesmo tempo distintos e únicos. A necessidade de um amadurecimento psicomotor para o entendimento dos exercícios fisioterapeuticos e para a posssibilidade de execução;a atuação direta da psicomotricidade como técnica fisioterapeutica e a pratica fisioterapeutica com respostas psicomotoras no cliente. Encontra-se ainda, a psicomotricidade atuando no próprio prazer do movimento como terapia, com a proposta de que sejam quebradas as “receitas de bolo”, a rotina dos atendimentos fisioterapeuticos, através de jogos psicomotores, atividades lúdicas, musicais, de expressão corporal, de respiração e relaxamento; interferindo na socialização, emoções, expressividade, aceitação pessoal e de suas limitações, o que irá favorecer a própria reeducação. 25 E importante ressaltar que nesta integração, a atividade não deve parecer uma exigência, sendo vivido em uma situação de julgamento, acompanhada pela ansiedade do fracasso ou do sucesso, mas como elemento para se explorar as descobertas feitas espontaneamente pelo cliente com relação as suas capacidades, respeitando suas motivações. Espera-se que o termo, tão incessantemente argumentado pelos fisioterapeutas, “tratar o paciente como um todo”, seja visto não como um “todo-corpo”, mas sim possa ser levado em consideração, desde já,o dialogo interior, tendências e capacidades do cliente. E ainda que os próprios terapeutas envolvidos possam depender da possibilidade pessoal, de experiências/vivencias, uma vez que a psicomotricidade e a sua integração com a fisioterapia não se deixa compreender, em sua realidade profunda, num mero jogo de palavras. Devemos lembrar que o corpo não é uma maquina posta em movimento por um psiquismo que habita o cérebro, nem o ser humano pode ser explicado através de seus ossos, articulações e músculos. 3.2. A Psicomotricidade e sua aplicabilidade A psicomotricidade evidencia a relação existente entre os processos cerebrais e afetivos/emocionais com o ato motor. Significa a inter-relação desses processos que são externados, representados, decifrados e que se manifestam através dos atos motores. 3.2.1. Desenvolvimento motor Segundo Costallat (1998), o desenvolvimento motor é o resultado da maturação de certos tecidos nervosos, aumentando em tamanho e complexibilidade do sistema nervoso central, crescimento de ossos e músculos. São portanto comportamentos não aprendidos que surgem espontaneamente desde que a criança tenha condições adequadas para exercitar-se. Esses comportamentos não se desenvolverão , caso haja algum tipo de distúrbio ou doença. As principais funções psicomotoras é um bom desenvolvimento da estruturação do esquema corporal que mostre a evolução da apresentação da imagem do corpo e o reconhecimento do próprio corpo, evolução de preensão e da coordenação óculo-manual 26 que nos proporciona a fixação ocular e prensão e olhar e desenvolvimento da função tonico e da postura em pe e reflexos arcaicos da estruturação espaço-temporal. De acordo com Costallat (1998),um perfeito desenvolvimento de nosso corpo ocorre não somente mecanicamente, mas sim que são aprendidos e vivenciados junto a família, onde a criança aprende a formar a base da noção de seu “eu corporal”. 3.2.2 Imagem corporal Conforme Gonçalves (2000) a imagem corporal é ao mesmo tempo, constante e mutável. A imagem do corpo é, pois, uma reconstrução constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações inconscientes que ele traz de seu diálogo com o mundo. Todo conhecimento - inclusive o de si mesmo - passa pelo corpo. É o corpo que está envolvido no processo de compreender, de recordar e de sociabilizar-se com outros corpos. Assim, um novo entendimento sobre o corpo do homem que vive, se tornou imprescindível para tentarmos compreender o ser humano e sua existência como sujeito individual e social. Todas as experiências vivenciadas estão marcadas no corpo/história do homem, e elas se mostram nas relações, ou melhor nas inter-relações estabelecidas com os outros e com o meio, revelando a totalidade do homem que integra os sentimentos, os pensamentos e as ações. Para Gonçalves (2000), “não existe assim, pensamento separado da ação e dos sentimentos, nem ação sem pensamento e sentimento”. A imagem corporal é definida como a uma imagem visual e mental do corpo do indivíduo, e que inclui sentimentos acerca do seu corpo, especialmente em relação à saúde e doença; e esquema corporal, referendo-se a um modelo postural do corpo, inclusive a relação das partes corporais, umas com as outras, e a relação do corpo com o ambiente, a consciência do corpo devido à integração das sensações táteis, proprioceptivas e exteroceptivas, além dos sentimentos subjetivos do indivíduo acerca de seu corpo (O’Sullivan, 1998). Capsiano (s.a.) ainda diz que a imagem corporal não é mera sensação ou 27 imaginação. É a figuração do corpo em nossa mente, é a imagem do corpo estruturalizada em nossa mente, no contato direto do indivíduo consigo mesmo e com o mundo que o rodeia. 3.2.3 Corpo O corpo é a expressão de uma existência. É a forma de colocação no mundo e de integração com ele. Através de possibilidades corporais, em seus movimentos e gestos, o homem torna-se capaz de revelar a dor, a saudade e a ansiedade; de sentir o outro através do abraço ou do beijo, do toque. Desde o principio existe o envolvimento neste universo, que é o corpo: a gestação, o toque, o primeiro olhar, o banho, a amamentação, a memória afetiva. É a partir deste corpo e da relação que se constrói com ele que depende o amanhã de todos e o equilíbrio de diversos papeis que desempenhamos no dia a dia. Este ser humano apresenta o corpo físico, o corpo vida, o corpo sentido e o “eu” e a integração harmoniosa deste conjunto proporciona a saúde nos seus diversos aspectos, inclusive a saúde social e emocional. O movimento, o gesto e a expressão dependem da integração do ser humano com o seu corpo, e são por vezes mais significativos do que palavras. Novas vivencias propiciam condições favoráveis ou não na linguagem corporal e postura. O corpo não sabe mentir, ele sempre revela a verdade. O corpo sofre influencias constantes durante seu processo de crescimento e desenvolvimento. A hereditariedade da cultura, a rigidez da educação e as diferentes formas de estimulação conseqüentes as experiências por ele vividas. Essa possibilidade de individualização na formação e estruturação do corpo físico, vida,sentido e do próprio “eu” que proporciona a diferença biopsicosocial dos seres humanos no seu pensar e querer. De acordo com Gislene de Oliveira (1997), o corpo é a maneira de ser. É através dele que estabelece contato com as entidades do mundo, que se engaja no mundo, que compreende os outros, ou seja a corporeidade descreve a historia de cada um, a condição 28 de presença, participação e significação do individuo no mundo. Esse corpo não pode deixar de ser visto através de uma dialética completa entre o interpessoal e o intrapessoal, manifestando um dinamismo integrador e totalizador , mas também, mantem a sua porção mecânica, que possibilita na utilização de ossos e músculos a realização motora da experiência corporal, experiência de elementos corporais, uns em relação aos outros. A experiência corporal a qual todos são submetidos durante todo o processo de maturação sensório motora que proporcionará a construção do esquema e imagem corporal- o reconhecimento das partes do corpo, a nomeação e a capacidade de funcionalizar, bem como o reconhecimento dos limites corporais e das possibilidades de expressão. Segundo Houareau (1979), cuidando do corpo, anima-se o espírito. Enquanto o nosso corpo for um estranho, todo o nosso espírito permanecerá estranho a vida. Quanto mais zonas mortas tiver o nosso corpo,pior nos sentiremos na nossa pele e assim pode se afirmar que a estruturação corporal é a base na formação do individuo, capacitando-o para a integração e desenvolvimento neuropsicomotor (lateralidade, equilíbrio, coordenação, orientação espaço temporal e ritmo) e socioafetivo . Assim, sempre que se fizer referencia ao corpo, estabelece-se a ligação entre a motricidade, sensação, cognição e sentimento, uma vez que toda relação corporal implica uma relação psicológica, pois o movimento não é um processo isolado e esta em estreita relação com a conduta e a personalidade. 3.3- Fatores e subfatores psicomotores Compreendem os elementos que concorrem para a produção ou não de resultados motores. São eles: A- FATORES PSICOMOTORES 1A. Estruturação espaço- temporal 2A. Praxia global 29 B- SUBFATORES PSICOMOTORES 1B. Organização 2B. Representação topográfica 3B. Coordenação óculo-manual 4B. Coordenação óculo-pedal 5B. Dissociação A- FATORES PSICOMOTORES 1A. Estruturação espaço- temporal Resulta da integração de uma estrutura temporal e de outra espacial e que estão relacionados as percepções auditivas, visuais e proprioceptivas. A estruturação espaço temporal surge durante os movimentos e quando da relação com os objetos e pessoas distribuídos(as) pelo espaço, onde ocorrem as experiências com a lateralidade, com a equilibração e da percepção que o ser tem do seu corpo. Segundo Costallat (1992), o corpo é provido de um sofisticado sistema neurofisiológico, que permite interpretar as informações do espaço em que esta “mergulhado” o individuo. Este localiza-se a si próprio para depois se localizar no espaço e localizar os objetos e pessoas. 2A. Praxia global A praxia global tem como principal função a organização da atividade consciente e a sua regulação , programação e verificação. Compreende tarefas motoras seguidas e simultâneas que se desenrolam num determinado período de tempo e que exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares. A praxia evoca quatro condições básicas: um projeto, vários engramas, ligações projeto-engramas e instrumentos neuromusculares de expressão e 30 comandos em função do projeto. Observa-se uma intenção por trás do movimento que sera mantida ou modificada por uma programação (que faz uma consulta a linguagem interior), uma analise dos efeitos (receptores das ações) e uma auto-regulação (estabelecida por um controle da atenção voluntária). (COSTALLAT, 1992). B- SUBFATORES PSICOMOTORES 1B. Organização Compreende a habilidade em calcular distancias e promover os ajustes necessários dos planos motores para percorrer um determinado espaço, baseando- se nas capacidades de analise espacial, processamento e julgamento das distancias e das direções, planificação motora e verbalização simbólica da experiência. A tarefa requer a fusão de dados direcionais e espaciais ao mesmo tempo que intervem uma programação do comprimento dos passos. A estrutura espacial é guiada pela área de integração visual que contribui no fornecimento de informações para os centros motores a fim de ajustamento das passadas. 2B. Representação topográfica Refrata a noção espacial e a capacidade de interiorização de uma trajetória espacial, apresentada num levantamento topográfico e das coordenações espaciais. 3B. Coordenação óculo-manual Compreende a capacidade de coordenar movimentos com os membros superiores de acordo com as referencias perceptivo-visuais presentes no espaço. Envolve a percepção de distancias, alturas e características dos alvos ou objetos tais como forma, altura, comprimento, largura, textura, etc;e a consciência cinestesica do segmento corporal que ira executar o movimento. 31 Durante o ato motor, entram em ação a capacidade de reprogramação de seqüências motoras em face de uma analise de todos os efeitos decorrentes desde o ato motor até a seleção dos engramas (experiência motora memorizada) 4B. Coordenação óculo-pedal Compreende a capacidade de coordenar movimentos com os membros inferiores de acordo com as referencias perceptivo-visuais presentes no espaço. 5B. Dissociação Compreende a capacidade de individualizar a utilização dos segmentos corporais durante a execução de um ou mais atos motores intencionais. A dissociação precede a um planejamento motor e um certo grau de automatismo da seqüência de padrões espaciais e temporais relacionados, onde entram em atividades inúmeras e rápidas interações entre os dados aferentes e eferentes e entre dados perceptivos e motores. 32 4. QUALIDADE DE VIDA NA VELHICE A longevidade cada vez maior do ser humano acarreta uma situação ambígua, vivenciada por muitas pessoas, mesmo pelas ainda não-idosas: o desejo de viver cada vez mais e, ao mesmo tempo, o temor de viver em meio a incapacidades e à dependência. De fato, o avanço da idade aumenta a chance de ocorrência de doenças e de prejuízos à funcionalidade física, psíquica e social. Mais anos vividos podem ser anos de sofrimento para o indivíduo e suas famílias; anos marcados por doenças, com seqüelas, declínio funcional, aumento da dependência, perda da autonomia, isolamento social e depressão. No entanto, se os indivíduos envelhecerem com autonomia e independência, com a boa saúde física, desempenhando papéis sociais, permanecendo ativos e desfrutando de senso de significado pessoal, a qualidade de sua vida pode ser muito boa. O desafio que se propõe aos indivíduos e às sociedades é conseguir uma sobrevida cada vez maior, com uma qualidade de vida cada vez melhor, para que os anos vividos em idade avançada sejam plenos de significado e dignidade. Semelhante resultado, assim como seu oposto, uma velhice patológica, dependem da historia de desenvolvimento e de envelhecimento, que é marcada por influências genético- biológicas, psicológicas e sócio-culturais, algumas das quais podem ser controladas. Tradicionalmente, o atendimento médico era focalizado no diagnóstico e no tratamento, e o resultado medido por meio de dois indicadores objetivos: morbidade e mortalidade. Nas últimas décadas ocorreu uma mudança de enfoque, e o resultado das condutas médicas tem sido avaliado, também, através de variáveis subjetivas, que incorporam as percepções dos pacientes em relação ao seu bem-estar e à sua qualidade de vida. Na verdade, as ciências da saúde hoje abrangem conceitos que há tempos vinham sendo discutidos por economistas, cientistas sociais e políticos. Ãs medidas clínicas e às de caráter objetivo, isto é, realizadas por equipamentos ou por um observador treinado, somaram-se outras, de caráter subjetivo, em que o indivíduo é chamado a opinar sobre a qualidade global de sua vida, ou sobre aspectos particulares, tais como saúde, sexualidade, memória, capacidades funcionais e relações sociais, dentre outras. 33 O fenômeno qualidade de vida tem múltiplas dimensões, como, por exemplo, a física, a psicológica e social, cada uma comportando vários aspectos. Entre eles, a saúde percebida e a capacidade funcional são variáveis importando vários aspectos. Entre eles, a saúde percebida e a capacidade funcional são variáveis importantes que devem ser avaliadas, assim como o bem-estar subjetivo, indicado por satisfação. 4.1. Evolução do Conceito de Qualidade de Vida Segundo Wood-Dauphinee (1999), relata que o termo qualidade de vida foi mencionado pela primeira vez em1920, por Pigou, em livro sobre economia e bem-estar material, The Economics of Welfare, onde discutia o suporte governamentalpara indivíduos das classes sociais menos favorecidas e o impacto sobre suas vidas e sobre o orçamento do Estado. Não foi notado, nem valorizado, e o termo caiu no esquecimento. Após a II Guerra Mundial, a Organização Mundial de Saúde redefiniu saúde, incorporando a noção de bem-estar físico, emocional e social e desencadeando uma discussão considerável a respeito da possibilidade e possibilidade de medir o bem-estar. Mais tarde, o termo qualidade de vida ressurgiu, sendo usado para criticar políticas cujo objetivo era o crescimento econômico sem limites. Musschenga (1997), relata que dois economistas, Ordway (1953) e Osborn (1957), apontaram que, em longo prazo, haveria exaustão de recursos e poluição cada vez maior do meio ambiente. Os efeitos devastadores do crescimento econômico poriam em risco as condições futuras para uma boa vida. Estavam, assim, preocupados com a qualidade das condições externas de se viver. Os autores citados anteriormente insistiram na necessidade de rever as idéias dominantes sobre o que seria uma boa vida e o que seriam valores, já que considerar o crescimento material como o valor mais importante para uma boa vida, a seu ver, era empobrecer o conceito. Para eles, o crescimento econômico desmesurado colocaria em risco a qualidade das condições externas de se viver. Graças a essa ideologia, pouco a pouco o conceito de qualidade de vida foi sendo incorporado a políticas sociais, como indicador de resultados, em adição ou substituição a outros de significado parecido, tais como boa vida, felicidade e bem- 34 estar. Na década de 1960, nos Estados Unidos, surgiram movimentos sociais e iniciativas políticas, cuja finalidade era melhorar a vida de todos os cidadãos, minimizando a desigualdade social. Surgiu uma nova área de atuação – a da pesquisa sobre qualidade de vida -, com o objetivo de munir os políticos de dados que os ajudassem a formular políticas sociais efetivas. Em seguida, o conceito se ampliou, para significar, além do crescimento econômico, desenvolvimento social expresso em boas condições de saúde, educação, moradia, transporte, laser, trabalho e crescimento individual. Os indicadores também se ampliaram, tendo sido incluídos: mortalidade infantil, esperança de vida, taxa de evasão escolar, nível de escolaridade, taxa de violência (suicídios, homicídios, acidentes), saneamento básico, nível de poluição, condições de moradia e trabalho, qualidade do transporte e lazer, dentre outros. Muitos países estabeleceram políticas de bem-estar social, o assim chamado Welfare State (Farquhar, 1995b; Bowling, 1995 a). Logo ficou claro que, embora todos fossem importantes para avaliar e comparar qualidade de vida entre países, regiões e cidades (qualidade de vida objetiva), esses indicadores não eram suficientes para medir a qualidade de vida de indivíduos que se inseriam diferentemente naquela sociedade e que podiam distanciar-se, de forma importante, do índice médio da população como um todo. Parecia necessário avaliar a qualidade de vida percebida pelas pessoas e o quanto estavam satisfeitas ou insatisfeitas com a qualidade de suas vidas (qualidade de vida subjetiva). Passou-se a valorizar, então, a opinião dos indivíduos, ou seja, o dono da vida é quem deveria avaliar a qualidade de sua vida. O pesquisador/planejador não poderia construir a priori um modelo do que julgasse ser boa qualidade de vida e tentar enquadrar os indivíduos em seu modelo. Denominou-se esse novo conceito de qualidade de vida subjetiva, em contraposição às condições objetivas, que qualificariam, também, a vida das pessoas. 4.2.Dificuldades para definir Qualidade de Vida A natureza abstrata do termo qualidade explica por que boa qualidade tem significados diferentes, para diferentes pessoas, em lugares e ocasiões diferentes. É por 35 isso que há inúmeras conceituações de qualidades de vida; talvez cada individuo tenha o seu próprio conceito. Assim, qualidade de vida é um conceito que está submetido a múltiplos pontos de vista e que tem variado de época para época, de país para país, de cultura para cultura, de classe social para classe social e, até mesmo de indivíduo para indivíduo. Mais que isso, varia para um mesmo indivíduo, conforme o decorrer do tempo e como função de estados emocionais e da ocorrência de eventos cotidianos, sócio-históricos e ecológicos. Essa multiplicidade de conceitos, colocados de forma tão heterogênea, dificulta comparações. A falta de consenso reflete-se nos diferentes significados assumudos pelos pesquisadores. Revendo os conceitos empregados na literatura, Bowling conclui que qualidade de vida é um conceito vago, multidimensional e amorfo, incorporando, teoricamente, todos os aspectos da vida humana, e que por isso é utilizado por tantas disciplinas. Para Grimley-Evans (1987), qualidade de vida tem a desvantagem de ser um conceito em moda, em que cada um se sente obrigado a fazer uma profissão de fé. Minayo (1997), explica melhor o porquê de tamanha variabilidade de conceitos. Para ele, o termo é uma construção social, relativizada por valores culturais e por aspectos subjetivos. Os conhecimentos, valores e experiências de indivíduos e coletividades, de variadas épocas, espaços e histórias diferentes, juntam-se para compor o significado do construto. Para cada fase de seu desenvolvimento, em cada etapa histórica, uma sociedade constrói um parâmetro de qualidade de vida. Cada nação, guiada pelas tradições, hierarquiza valores e necessidades. Assim, determinantes históricos e culturais determinam a relatividade da noção de qualidade de vida. Além disso, os padrões e concepções de bem-estar são estratificados, pois, em sociedades onde as desigualdades são muito importantes, a qualidade de vida está relacionada ao bem-estar dos estratos superiores e à passagem de um estrato a outro. 4.3. Definindo Qualidade de Vida O grupo de especialistas em Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde que elaborou um instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida, usando um enfoque transcultural (The WHOQOL Group, 1995), considera que, embora não 36 haja definição consensual de qualidade de vida, há concordância considerável entre os pesquisadores acerca de algumas características do construto (The WHOQOL Group, 1995). Segundo esse documento, há três características principais do construto, compartilhadas por diversas correntes de opinião: subjetividade, multidimensionalidade e bipolaridade. Cada vez se reconhece mais que o construto é subjetivo. Não é subjetividade total, pois há condições externas às pessoas, presentes no meio e nas condições de vida e trabalho, que influenciam a avaliação que fazem de sua qualidade de vida. O WHOQOL Group (1995) propõe que as questões do instrumento se preocupem com as percepções das pessoas, em níveis diferentes de questionamento, fazendo uma distinção entre percepções de condições objetivas (recursos materiais, por exemplo) e aspectos subjetivos. Por exemplo: a) Quantas horas você dormiu na última noite? (informação a cerca do desempenho); b) Você dormiu bem? (avaliação subjetiva global do desempenho); e c) Você está satisfeito com seu sonho? (avaliação altamente subjetiva e personalizada do desempenho). Ou seja, a primeira pergunta é uma avaliação objetiva, seguida por avaliações subjetivas. Segundo o WHOQOL Group (1995), devem-se fazer questões que envolvam avaliação global de comportamentos, estados emocionais e capacidades das pessoas e de sua satisfação/insatisfação com tais comportamentos, estados e capacidades, pois esse tipo de questionamento sobre as percepções das pessoas traz informações sobre a qualidade devida, enquanto o relato do funcionamento traz a informações sobre o estado de saúde. Quanto à multidimensionalidade, /e consenso entre os pesquisadores de que a qualidade de vida inclui pelo menos três dimensões: a física, a psicológica e a social. Ao avaliar qualidade de vida, outras dimensões podem ser acrescentadas, por razões conceituais, pragmáticas, empíricas. O próprio WHOQOL inclui uma dimensão espiritual (a percepção da pessoa sobre o significado de sua vida, ou sobre as crenças pessoais que estruturam e qualificam a sua experiência existencial). Em relação à bipolaridade, considera-se que o construto possui dimensões positivas e negativas, que podem ser aplicadas a condições tão diversas como o 37 desempenho de papéis sociais, a mobilidade, a autonomia, a dor, a fadiga e a dependência. Duas outras características podem ser acrescentadas: complexidade e mutabilidade. Por ser multidimensional, bipolar e subjetivo, o conceito torna-se complexo e difícil de avaliar. Por outro lado, a avaliação de qualidade de vida muda com o tempo, pessoa, lugar e contexto cultural; para uma mesma pessoa, muda conforme seu estado de humor. Essa característica também aumenta a dificuldade de avaliação. A definição de qualidade de vida apresentada pelo grupo de especialistas da Organização Mundial de Saúde (The WHOQOL Group, 1995), que é compatível com o teor da discussão que estamos apresentando, é a seguinte: qualidade de vida é a percepção do indivíduo a cerca de sua posição na vida, de acordo com o contexto cultural e sistema de valor com os quais convive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. 4.4. O que é Qualidade de Vida na Velhice Segundo Lawton (1983), construiu um modelo de qualidade de vida na velhice em que a multiplicidade de aspectos e influencias inerente ao fenômeno é representada em quatro dimensões inter-relacionadas. A primeira, condições ambientais, diz respeito ao contexto físico,ecológico e ao construído pelo homem, que influi na e dá as bases para a competência adaptativa (emocional, cognitiva e comportamental). Ou seja, o ambiente deve oferecer condições adequadas à vida das pessoas. A segunda, competência comportamental, traduz o desempenho dos indivíduos frente às diferentes situações de sua vida e portanto, depende do potencial de cada um, de suas experiências e condições de vida, dos valores agregados durante o curso da vida e do desenvolvimento pessoal, que, por sua vez, é influenciado pelo contexto histórico- cultural. A terceira, qualidade de vida percebida, reflete a avaliação da própria vida, influenciada pelos valores que o indivíduo foi agregado e pelas expectativas pessoais e sociais. Igualmente, a pessoa avalia as condições de seu ambiente, físico e social, e a 38 eficácia de suas ações nesse ambiente. A quarta, bem-estar subjetivo, significa satisfação com a própria vida, satisfação global e satisfação especifica em relação a determinados aspectos da vida,; reflete as relações entre condições objetivas (ambientais), competência adaptativa e percepção da própria qualidade de vida, as três dimensões precedentes. É mediada pelos antecedentes pessoais (históricos, genéticos e sócio-econômico-culturais), pela estrutura de traços de personalidade e pelos seus mecanismos de auto-regulação (senso de significado pessoal, sentido da vida, religiosidade/transcendência, senso de controle, senso de eficácia pessoal e adaptabilidade). Estudos empíricos indicam que existem fortes associações entre a qualidade de vida percebida, o bem estar subjetivo e mecanismos da personalidade, como, por exemplo, o senso de controle, o senso de eficácia pessoal, o senso de significado e as estratégias de enfrentamento. Elas têm fortes relações com a competência adaptativa, que se expressa em competência emocional (capacidade de lidar com fatores estressores), em competência cognitiva (capacidade de resolução de problemas) e em competência comportamental (desempenho e competência social). Em conjunto, essas competências se refletem no exercício de papeis sociais, na manutenção de atividades sociais, nas relações sociais e no ajustamento pessoal, e têm importante relação com a saúde física e mental (Néri, 2001 b). Para o mesmo autor, a qualidade de vida na velhice pode ser definida como a avaliação multidimensional referenciada a critérios sócio-normativos e intrapessoais, a respeito das relações atuais, passadas e prospectivas entre o indivíduo maduro ou idoso e o seu ambiente (Lawton, 1983). 4.4.1. Questões Associadas à Avaliação da Qualidade de Vida dos Idosos Se o estudo e a avaliação da qualidade de vida têm mostrado sua importância em vários segmentos e disciplinas, eles se revelam também importantes para a população idosa. Como o envelhecimento é uma experiência heterogênea, cada indivíduo pautara sua vida de acordo com padrões, normas, expectativas, desejos, 39 valores e princípios diferentes. Há, assim, necessidade de instrumentos multidimensionais, sensíveis à grande variabilidade dessa população. Algumas características da velhice tornam os idosos particularmente suscetíveis ao uso acrítico de medidas de qualidade de vida. Entrem elas Grimley-Evans (1992) menciona a diminuição da adaptabilidade biológica associada ao envelhecimento, com redução das reservas fisiológicas dos órgãos e sistemas do organismo e a conseqüentemente redução da capacidade de manter a homeostase. Há, também, redução da adaptabilidade social, ocasionada pela aposentadoria e pela perda de poder aquisitivo, além do isolamento social devido à perda de familiares e amigos e da redução do suporte social. Existe um desnível cultural entre jovens e velhos nas sociedades contemporâneas em constante transformação, em que os juízos e valores dos jovens podem ser estranhos aos idosos, nascidos e criados em outro contexto cultural e tecnológico. \assim, os mais velhos podem não se familiarizar com conceitos e situações que os jovens enfrentam sem dificuldade. Além disso, as sociedades ocidentais incorporaram vários preconceitos que dificultam a vida dos idosos, como por exemplo: a) os valores dos idosos são, necessariamente, antiquados e, dessa forma, são inferiores; b) os idosos são menos habilidosos para fazer julgamentos e críticas; c) têm menos valor que os jovens e, por isso, precisam de menor atenção; d) a capacidade de desfrutar dos prazeres da vida diminui inevitavelmente à medida que se envelhece. O pior é que os próprios idosos adotam esses preconceitos e podem, muito facilmente, sub-valorizar-se, ou então tentar corresponder àquilo que acreditam que se espera deles. Para população mais velha, haverá maiores prejuízos, injustiças e manuseio inapropriado, se a escolha dos cuidados se basear na média, já que existe grande heterogeneidade no envelhecimento. Por fim, em razão das características citadas, os idosos são mais suscetíveis a influências ambientais imediatas, tais como guerras, violência urbana, catástrofes, epidemias e migração. 40 Há outras questões que afetam a confiabilidade dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida, quando aplicados à velhice. Geralmente, os idosos têm mais dificuldade que os jovens quanto a trabalhar conceitos de probabilidade e tomar decisão. Isto pode afetar seu desempenho em testes, assim como a opinião que tem sobre a situação, o medo de errar e a expectativa sobre qual a reposta esperada em questão que pedem valoração de estados de saúde ou de satisfação. Por outro lado, avaliar qualidade de vida em idosos implica lhe dar com questões éticas associadas aos limites da intervenção profissional: qual o direito dopesquisador ou do profissional de saúde em intervir para melhorar uma situação, se os idosos relatam estar satisfeitos? Qual é o limite da intervenção considerando-se a relação custo- benefício para o idoso? Segundo Grimlly(1992), alguns fatores são críticos à manutenção da integridade, da independência e da autonomia de uma pessoa. Primeiro existe grandes diferenças individuais entre os idosos mas que em qualquer outro grupo etário; são diferenças em quase todos os tipos de características, as físicas, mentais, psicológicas, condições de saúde e sócio-econômicas, o que torna as conclusões a respeito de qualidade de vida e do cuidado necessário altamente individualizados. Esse envelhecimento heterogêneo leva a duas situações-limites. Muitos idosos podem permanecer bastante saudáveis e com boa habilidade funcional até anos tardia, mantendo estáveis suas características físicas, mentais, de personalidade e sociais. Se há hábitos e estilos de vida saudáveis, e na ausência de uma doença importante, haverá adaptabilidade e reserva funcional suficiente da maioria das atividades. Os idosos podem adquirir incapacidades em qualquer dos domínios citados, e elas podem não ser passiveis de recuperação. As condições crônico-degenerativas, progressivamente mais prevalentes, vão levando à incapacidade, minando as reservas funcionais e levando à deterioração funcional. É verdade que adaptações e modificações ambientais podem ser feitas, além de reabilitação as perdas funcionais, manter atividade e, assim, contribuir para o bem-estar do idoso, de sua família e da sociedade. Quando o idoso se torna independente o grande desafio é saber respeitar sua individualidade e a sua autonomia. 41 Estereótipos em relação à velhice comprometem a possibilidade de uma qualidade de vida melhor. Em nosso meio, a velhice é comumente associada a perdas, incapacidade, dependência, impotência, decrepitude, doença, desajuste social, baixos rendimentos, solidão, viuvez, cidadania de segunda classe, e assim por diante. O idoso é chato, rabugento, implicante, triste, demente, oneroso. Generalizam-se características de alguns idosos para todo o universo. Tal visão estereotipada, aliada à dificuldade de distinguir entre envelhecimento normal e patológico, senescência e senelidade, vontades e desejos. Em parte por esses motivos as pessoas idosas tendem a ignorar sintomas (por exemplo, de tristeza, dor ou cansaço), ou então os sintomas são ignorados pelos profissionais de saúde. Muitos profissionais tentam explicar os sintomas ou as queixas trazidas pelos idosos como fazendo parte do processo natural do envelhecimento o que se traduz em omissão e negligência impedindo o tratamento, reabilitação e adaptação (Ory & Cox, 1994), com conseqüências negativas para a vida e sua qualidade. Assim muitas idosas não se queixam de incontinência urinária por vergonha ou por acharem normal, e acostumam-se com ela apesar de ser causa de isolamento social e, secundariamente, de depressão. A própria depressão, que é causa de grande sofrimento humano, não é tratada nem diagnosticada, por que existe o preconceito de que “os idosos são um pouco tristes mesmo”. 4.4.2. Qualidade de Vida na Velhice: A Importância da Dimensão Psicossocial De acordo com Bowling (1995), trabalhando com idosos, enfatiza-se a dimensão bem-estar psicológico, também designado como ajustamento, estado de espírito (morale), felicidade, contentamento, satisfação de vida e outros. Uma parte da literatura gerontológica tem trabalhado os conceitos de envelhecimento bem-sucedido, envelhecimento positivo e qualidade da velhice sob enfoque de satisfação de vida, como também é uma dimensão-chave nas avaliações de estado de saúde na velhice. Psicólogos, sociólogos e gerontólogos têm tentado medir o bem-estar e entender o que as pessoas querem dizer com a expressão boa vida (Bowling, 1995 b). De acordo com Larson (1978) pesquizou fatores associados à satisfação de vida entre idosos e encontrou saúde ótima, nível sócio-econômico mais alto, ser casado e maior atividade 42 social. Em contra partida, idade, raça, sexo e emprego não mostraram relação significativa. Os fatores predisponentes mais importante foram saúde, atividade social e prazer sexual. Uma revisão de literatura feita por Diener e Suh (1998, apud Néri, 2001a, 2001b) aponta os seguintes dados sobre a relação entre eventos objetivos e subjetivos e a avaliação da qualidade de vida na velhice: a) Os eventos subjetivos mostram maior associação com qualidade de vida na velhice do que os objetivos, tais como renda, arranjo de moradia e saúde física. b) Há forte relação entre ter medo de ficar velho, solidão e isolamento, senso de desamparo e de incompetência comportamental, com depressão, baixa saúde percebida e insatisfação com a vida. c) A despeito do declínio da saúde, da viuvez e da diminuição de renda que ocorre na velhice, existe estabilidade no senso de bem-estar dos idosos, que geralmente pontuam alto em escalas de satisfação. d) Os jovens são mais pessimistas e exigentes quanto à qualidade de vida do que os idosos. e) Os idosos mais ajustados são os que têm metas de vida e que são mais capazes de adapta-las às condições impostas pela velhice. f) Doenças e incapacidades que determinam restrições nas oportunidades de acesso à estimulação prazerosa e ao envolvimento social relacionam-se com depressão e com afetos negativos. g) Os idosos têm vida emocional menos intensa do que os adultos, possivelmente como resposta adaptativa aos limites da velhice, ou, então, como reflexo de um processo de seleção de interesses. Conceituar e avaliar qualidade de vida não é tarefa das mais fáceis, dada a quantidade e a complexidade das variáveis envolvidas. Numerosas disciplinas e profissões têm se ocupado dessa tarefa, desde que, há cerca de 50 anos, o assunto 43 começou a chamar, primeiro de cientistas sociais e de políticos, depois de pessoal do campo da saúde e, final e literalmente, de todas as áreas da atividade humana. Devido à importância do tema, tanto para avaliação de resultados, condutas, tratamentos e políticas, quanto para avaliação de atendimento e serviços, há vários conceitos e instrumentos, alguns gerais e outros específicos, para sua avaliação. Poucos porém, foram desenvolvidos tendo como alvo a população idosa. Um dos modelos mais conhecidos sobre qualidade de vida na velhice foi desenvolvido por Lawton (1983), que a define como resultado da avaliação multidimensional referenciada a critérios socio-normativos e intrapessoais, a respeito das relações atuais, passadas e prospectivas entre um indivíduo maduro ou idoso e o seu ambiente. O modelo descreve quatro dimensões conceituais: a) Competência comportamental: avaliação do funcionamento do individuo no tocante à saúde, à funcionalidade física, à cognição, ao comportamento social e à utilização do tempo, referenciada a parâmetros clínicos, bioquímicos e comportamentais; b) Condições ambientais, que são relativas ao contexto físico e ao construído pelo homem e têm relação direta com a competência comportamental. Devem oferecer adequadas condições de acesso, manejo, conforto, segurança, variabilidade, interesse e estética, o que inclui instrumentos, equipamentos e adaptações construtivas; c) Qualidade de vida percebida, que é subjetiva e relativa à variação da própria saúde e do próprio funcionamento em qualquer domínio; e d) Bem-estar subjetivo: diz respeito à avaliação pessoal que o idoso faz do conjunto e da dinâmica das relações entre as 3 áreas precedentes. É indicado principalmente por satisfação, felicidade e estado de espírito.
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