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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4 2 DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM .......................................................................... 5 3 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR DA CRIANÇA ................................ 6 4 FUNÇÕES MENTAIS SUPERIORES ..................................................................... 14 4.1 PERCEPÇÃO. ......................................................................................................... 17 PERCEPÇÃO................. ............................................................................................... 17 4.2 PERCEPÇÃO PROPRIOCEPTIVA OU CINESTÉSICA ...................................................... 20 4.3 PERCEPÇÃO OLFATIVA E GUSTATIVA ........................................................................ 20 4.4 PERCEPÇÕES COMPLEXAS ..................................................................................... 20 4.5 PERCEPÇÕES ESPACIAIS ........................................................................................ 21 4.6 PERCEPÇÃO TEMPORAL ......................................................................................... 21 4.7 PERCEPÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL ............................................................................ 21 4.8 PERCEPÇÃO FIGURA-FUNDO ................................................................................... 21 4.9 PERCEPÇÃO ANÁLISE-SÍNTESE ................................................................................ 22 4.10 MEMÓRIA. ......................................................................................................... 22 4.11 TIPOS DE MEMÓRIA ........................................................................................... 23 4.12 ATENÇÃO.......................................................................................................... 24 4.13 DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO ....................................................................... 25 4.14 LINGUAGEM ...................................................................................................... 26 5 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL INTER-RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO FÍSICO E INTELECTUAL ........................................ 28 5.1 FATORES QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA ................................ 30 5.2 RELAÇÃO ESCOLA CULTURA ................................................................................... 32 5.3 RELAÇÕES ENTRE GRUPOS SUA IMPORTÂNCIA NO DESENVOLVIMENTO ....................... 34 5.4 PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL E NO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS ....................................................................................... 34 6 DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E APRENDIZAGEM ................................. 37 6.1 SÍNDROMES PSICOMOTORAS .................................................................................. 38 6.2 SÍNDROME DE DEBILIDADE MOTORA E MENTAL .......................................................... 44 3 6.3 SÍNDROMES DE INSUFICIÊNCIA PSICOMOTORA E TIPOS PSICOMOTORES ...................... 49 6.4 SÍNDROME DE HIPERTONIA – CORÉIA MOTORA E MENTAL (SÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA MESENCEFÁLICA OU EXTRAPIRAMIDAL INFERIOR E MÉDIA) ................................................ 55 6.5 SÍNDROME DE AUTOMATISMO MOTOR E EMOCIONAL (SÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA DIENCEFÁLICA OU EXTRAPIRAMIDAL SUPERIOR) .............................................................. 60 6.6 SÍNDROME CÓRTICO-ASSOCIATIVA .......................................................................... 62 7 CONCEPÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA PSICOMOTRICIDADE ....................... 65 8 ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ASSOCIADOS À LINGUAGEM E À COMUNICAÇÃO ................ 67 8.1 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM .............................................................................. 67 8.2 RENDIMENTO NAS ATIVIDADES ESCOLARES .............................................................. 70 8.3 O QUE ACONTECE NO BRASIL ................................................................................. 72 8.4 OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ............................. 72 8.5 OS DISTÚRBIOS DE COMUNICAÇÃO .......................................................................... 75 8.6 EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ....................................................... 77 9 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 79 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM Nas definições propostas por diversos autores encontra-se implícito no termo aprendizagem a relação bilateral tanto da pessoa que ensina, como também da que aprende. Assim sendo, pode-se definir mais claramente aprendizagem como um processo evolutivo e constante que implica uma sequência de modificações observáveis e reais no comportamento do indivíduo (físico e biológico) e no meio que o rodeia (atuante e atuado). Esse processo se traduz pelo aparecimento de formas realmente novas (POPPOVIC, 1968). O interesse pela fisiologia da aprendizagem nasceu posteriormente a muitas dessas teorias, como resposta a perguntas que até então não tinham sido respondidas por leis gerais. Um dos aspectos fundamentais foi a valorização dos processos neurais envolvidos na aprendizagem. O cérebro humano é um sistema complexo, que estabelece relações com o mundo que o rodeia. São duas as suas especificidades: a primeira é referente às vias que levam, da periferia ao córtex, informações provenientes do mundo exterior; a segunda diz respeito aos neurônios. São estas características que permitem determinar áreas motoras, sensoriais, auditivas, ópticas, olfativas, etc., estabelecendo noções exatas e ricas no aprendizado. O aprender implica, portanto, certas integridades básicas, que devem estar presentes quando oportunidades para a aprendizagem são oferecidas. O termo Distúrbio de Aprendizagem tem sido usado para indicar uma perturbação na aquisição e utilização de informações ou na habilidade para solução de problemas (VALLET, 1977). Portanto, quando existe uma falha no ato de aprender, está exige uma modificação dos padrões de aquisição, assimilação e transformação, seja por vias internas ou externas ao indivíduo. A tentativa de definir e esclarecer os termos relacionados a essa falha na aprendizagem tem sido uma tarefa bastante difícil. 6 Fonte: www. blog.psiqueasy.com.br 3 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTORDA CRIANÇA O desenvolvimento da criança é caracterizado pela aquisição de um repertório de habilidades em diversas áreas, como: motora, sensorial, cognitiva, comportamental e da linguagem. Tem seu início no momento da concepção, sendo relacionado ao amadurecimento do sistema nervoso e as relações socioafetivas (OPAS, 2005). O entendimento sobre o desenvolvimento normal da criança em todos os seus aspectos, incluindo as influências ambientais, além de detectar possíveis alterações do desenvolvimento, auxiliam na integralidade do cuidado. Atividades de promoção da saúde saem do foco da doença e atentam para os pontos fortes sobre a família e como os profissionais de saúde podem ajudá-los a melhorar as potencialidades da criança. Atividades de promoção da saúde da criança focam no bem-estar e supervisão da saúde (HAGAN, SHAW, DUNCAN, 2017). O processo de desenvolvimento motor é caracterizado por marcos relacionados com a idade cronológica, os quais podem ser considerados habilidades ou comportamentos adquiridos ou modificados (GALLAHUE, OZMUN, GOODWAY, 2013). As mudanças ocorrem de maneira gradual, em períodos contínuos a partir de uma sequência ou sobreposição de etapas. A sequência do desenvolvimento 7 acontece na direção céfalo-caudal, ou seja, ocorre a partir do controle da cabeça em direção ao controle das extremidades, geralmente no sentido proximal para distal, por exemplo, do tronco em direção aos membros, e ainda dos movimentos mais amplos e globais para aqueles mais específicos (WILLRICH, AZEVEDO, FERNANDES, 2009; HALPERN et al., 2002). Há consenso na literatura especializada sobre o tema de que o desenvolvimento motor da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores, como os biológicos, os relacionais, os afetivos, os simbólicos, os contextuais e os ambientais (FORMIGA, PEDRAZZANI, TUDELLA, 2010; GONÇALVES, GONÇALVES, PEROTTI JÚNIOR, 1995). Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas com o desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos lactentes e das crianças, na maneira como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes. Com isso, sabe-se que ambientes desafiadores agem de forma positiva na aquisição das habilidades motoras, minimizando assim, possíveis atrasos no desenvolvimento motor (CAÇOLA et al., 2011). Observe abaixo, no Quadro 1, os marcos do desenvolvimento motor do nascimento até os três anos de idade: Quadro 1. Marcos do desenvolvimento motor (0 - 3 anos) Pode-se dizer que a aquisição de marcos motores de desenvolvimento pelas crianças depende do funcionamento do SNC e do funcionamento dos diferentes sistemas do organismo, bem como da quantidade e da qualidade dos estímulos, e das relações que a criança vivencia. Naturalmente, fatores endógenos e exógenos que perturbem o desenvolvimento podem provocar, com maior ou menor intensidade, desvios nesse processo. 8 9 10 11 12 13 Ressalta-se que cada criança tem um ritmo de aquisição de marcos motores e não necessariamente irão adquiri-los de acordo com o quadro acima. No entanto, é importante que haja um acompanhamento do desenvolvimento infantil e, para que isto aconteça de fato, é importante a utilização de algum, ou alguns, instrumentos que possibilitem conhecer as etapas do desenvolvimento, possibilitando a identificação de sinais indicativos de alterações e de necessidade de encaminhamento para avaliação e intervenção terapêutica precocemente. A orientação preventiva é um processo no qual os profissionais de saúde antecipam questões emergentes que uma criança e sua família podem enfrentar, fornecendo orientação. Para que a orientação antecipatória seja eficaz, ela deve ser oportuna (ou seja, realizada na idade certa), apropriada para a criança e a família em sua comunidade e relevante, para que as principais recomendações sejam adotadas pela família (HAGAN, SHAW, DUNCAN, 2017). Os mesmos autores citam que é uma oportunidade de abordar tópicos importantes de segurança, ajudar a família a resolver problemas de relacionamento, acessar serviços comunitários e se envolver com a família, escola, bairro e religião. O desenvolvimento infantil pode ser acompanhado pela Caderneta de Saúde da Criança, que é um documento de extrema importância para acompanhar o desenvolvimento infantil e possibilitar a antecipação de orientações. É um documento acessível, gratuito e individual, nele é possível observar o desenvolvimento, do nascimento até os 10 anos de idade. Após os 10 anos, utiliza-se a Caderneta de Saúde do Adolescente (BRASIL, 2019). Fonte: www.msjoinville.com.br 14 4 FUNÇÕES MENTAIS SUPERIORES Os seres humanos com o passar dos anos começaram a desenvolver a capacidade de pensar em objetos ausentes, imaginar fatos nunca vividos, planejar ações a serem efetivadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerado como ações “superiores” porque se diferencia de mecanismos mais elementares, de origem biológica, presentes no ser humano, tais como ações reflexas, reações automatizadas ou processos de associações simples entre eventos. Na segunda metade do século XX, houve grande repercussão das teorias sobre a origem das funções mentais superiores, partindo de três grandes autores - Jean Piaget, Henry Wallon e Lev Vygotsky. Estes autores assumiram uma posição materialista e defendiam uma perspectiva genética. Piaget apresentou uma tendência hiperconstrutivista em sua teoria, com ênfase no papel estruturante e nas leis de origem biológica do desenvolvimento. Propôs descobrir uma espécie de embriologia da inteligência, investindo nos estudos da psicogênese. (PIAGET, 2004) Wallon (2007) enfatizou a importância da vida emocional e relacional no progresso psíquico. Ele problematizou a relação entre emoção e consciência, ressaltando que a vida intelectual pressupõe a vida social. Vygotsky destacou as contribuições da cultura, da interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental (VYGOTSKY, 2007). Partindo desse pressuposto Vygotsky dedicou-se ao estudo das Funções Mentais Superiores – ou Funções Psicológicas Superiores (FPS) – enquanto ações mediadas, isto é, ações construídas nas relações que os seres humanos mantêm entre si e com a natureza. Ele chamou de funções mentais superiores os processos tipicamente humanos como: memória, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, imaginação, capacidade de planejar, estabelecer relações, ação intencional, desenvolvimento da vontade, elaboração conceitual, uso da linguagem, representação simbólica das ações propositadas, raciocínio dedutivo, pensamento abstrato. (VYGOTSKY, 2006). O desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na perspectiva da teoria Histórico-Cultural, é consequência da atividade prática dos indivíduos. Dessa forma, nessa perspectiva, trabalho e linguagem funcionam como instrumentos 15 mediadores, que além de básicos tornam-se essenciais em relação à elaboração da consciência no ser humano. Vygotsky (2007), quando trata da organização dessas funções enfatiza a importância das interações humanas para a internalização da cultura. A história do desenvolvimento das funções psicológicassuperiores seria impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas e de seu arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento, surge durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural. (VYGOTSKI, 2007, p.42). Vygotsky e seus colaboradores construíram um referencial teórico que se propõe a explicar o desenvolvimento do psiquismo humano através das relações entre as funções mentais e a atividade humana. Suas pesquisas os levaram a compreender que: Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social (VYGOTSKY, 1989, p. 33). Essa abordagem enfatiza a origem social do desenvolvimento pessoal, pois entende que as vivências ou processos sociais são internalizados, isto é, apropriados, pelo indivíduo através de funções mentais. Na visão de Oliveira (1992, p. 24): Vygotsky, rejeitou, portanto, a ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas funções criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações morfológicas no órgão físico. Plasticidade é a qualidade daquilo que pode ser moldado pela ação de elementos externos. Diante das imensas possibilidades de realização do ser humano: o cérebro pode servir a novas funções criadas pela cultura na história do ser humano, sem que sejam necessárias transformações na estrutura do órgão físico. O 16 funcionamento cerebral é moldado tanto ao longo da história da espécie como no desenvolvimento individual, isto é, a estrutura e o funcionamento do cérebro não são inatos, fixos e imutáveis, mas passam por mudanças no decorrer do desenvolvimento do indivíduo devido a interação do ser humano com o meio físico e social. O desenvolvimento das FPS está fortemente ligado aos modos culturalmente construídos de ordenação do real. É pela mediação que a criança vai progressivamente desenvolvendo as funções psicológicas superiores. Mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação, que deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento (PASQUALINI, 2006). Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passam a predominar sobre as relações diretas. Com o “auxílio da imitação na atividade coletiva, guiada pelos adultos, a criança pode fazer muito mais do que com sua capacidade de compreensão de modo independente” (VYGOTSKY, 2002, p. 14). Dessa forma, a relação do ser humano com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma ação mediada. Quando uma criança agarra o caule de uma rosa e retira a mão ao sentir a dor causada pelo espinho, está estabelecida uma relação direta entre o espinho e a retirada da mão. Se, em outra ocasião, a criança, ao ver a rosa, examinar o caule verificando a existência de espinhos, a relação estará mediada pela lembrança da experiência anterior. Entretanto, se noutra ocasião, a criança observar o caule da rosa quando a mãe lhe disser que ela pode ferir sua mão num espinho, a relação estará mediada pela intervenção da mãe. (WALLON, 2007, p.18) Essa concepção liga o desenvolvimento da pessoa à sua relação com o ambiente sociocultural em que vive e a sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente, sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. 17 Fonte: www.youtube.com 4.1 Percepção Percepção é um processo que ocorre no cérebro e possui muitos estágios, envolvendo seleção, processamento, organização e integração das informações recebidas pelos sentidos (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Para Hurtado (1983) percepção é o reconhecimento de objetos por meio dos sentidos, é a estratégia de organização das sensações registradas pelos órgãos sensoriais, as quais são causadas por estímulos ambientais. Tipos de percepções Simples Percepções simples são as primeiras a se desenvolverem, elas aparecem desde o nascimento e vão sendo aprimoradas até atingirem sua forma madura. O desenvolvimento desse tipo de percepção é fundamental para a aquisição das percepções complexas. São classificadas como percepções simples a percepção, auditiva, tátil, visual, proprioceptiva ou cinestésica, olfativa e gustativa (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). 18 Percepção auditiva é a capacidade de distinguir sons através do sistema auditivo, ao nascer o ouvido já está estruturalmente completo, mas a sensibilidade auditiva só é adquirida e refinada com a maturidade e por influência ambiental (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A acuidade auditiva desenvolve-se marcantemente até a adolescência, os níveis sonoros pouco discriminados pelos bebês são eficazmente discriminados pelas crianças mais velhas, sendo capazes de diferenciar sons graves, agudos, estridentes ou suaves (BEE, 1996). Percepção tátil São habilidades de reconhecimentos de presenças, formas, tamanhos e temperaturas de diferentes objetos no próprio corpo (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). As primeiras partes do corpo mais sensíveis e utilizadas para explorar o ambiente em que a criança está inserida são a boca, os lábios e a língua (PAYNE; ISAACS, 2007). Para Gallahue e Ozmun (2005) alguns conceitos são formados a partir desse tipo de percepção, como suave-áspero, duro-mole, arredondado pontudo, tornando a percepção tátil indispensável para as habilidades manipulativas fundamentais. Percepção visual Percepção visual é a habilidade de reconhecer e discriminar diferentes estímulos visuais, interpretando-os e, posteriormente, associando-os a experiências prévias. Ao nascer o bebê possui as estruturas necessárias para a visão quase que totalmente desenvolvidas (GALLAHUE; OZMUN, 2005). No entanto, o bebê ainda possui a fixação, o foco e a coordenação dos movimentos visuais deficientes, tendo em vista que a fóvea não está completamente formada, bem como os músculos oculares são imaturos (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Para melhor compreender o desenvolvimento da visão, é imprescindível que se comente sobre alguns termos específicos: a. Acuidade visual: é a habilidade de distinguir detalhes nos objetos, sendo que quanto mais delicados forem esses detalhes, maior se considera a acuidade visual. Classifica-se a acuidade visual em estática, ou seja, o grau de detalhes perceptíveis 19 observados quando algo de interesse visual está estacionário; e acuidade visual dinâmica, ou seja, a habilidade de distinguir detalhes em algo que está se movimentando (GALLAHUE; OZMUN, 2005 p.186). b. Acomodação visual: é habilidade do límpido de cada olho modular sua curvatura para poder acomodar qualquer imagem retínica (GALLAHUE; OZMUN, 2005), tornando o foco preciso. Sabe-se que nos primeiros meses de vida, essa habilidade de focalização ainda não está totalmente formada (GALLAHUE; OZMUN, 2005). c. Visão periférica: é a utilização da visão para perceber o campo visual que não pode ser observado, sendo feito sem alteração na fixação dos olhos (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A visão periférica é muito utilizada para ações como dirigir, onde a habilidade de perceber alémda focalização dos olhos é sempre muito exigida. d. Binocularidade, fixação e acompanhamento: esses três conceitos são tratados em um único tópico pela crença de que são dependentes um do outro. A binocularidade é a utilização em conjunto dos olhos para perceber visualmente um objeto que está sem movimento, ocorrendo neste momento a fixação, ou com movimento, ocorrendo então o acompanhamento (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Destacando-se os conceitos relacionados a percepção simples, os conceitos relacionados a percepção visual também são importantes para o entendimento de como se dá o processo perceptivo. Entre esses conceitos destaca-se a percepção da cor, da forma, de profundidade e a coordenação visual motora. A Percepção de cor é a habilidade do indivíduo em distinguir diferentes tons de cores, desde o mais claro até o mais escuro. Aos 3 anos essa habilidade já está definida, sendo refinada com o passar dos anos. Percepção da forma é a habilidade de perceber diferentes formas e diferenciar baseado numa informação preestabelecida (GALLAHAUE; OZMUN, 2005). Essa é uma habilidade pouco desenvolvida nos bebês, uma vez que eles somente visualizam em distâncias entre 20 e 30 centímetros, somente aos 6 meses essa percepção já está bem desenvolvida (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Ainda de acordo com Gallahue e Ozmun (2005) percepção de profundidade é a habilidade de julgar a distância de um objeto, tendo como ponto de partida a si mesmo. Está intimamente ligada a habilidade de visualizar tridimensionalmente algo ou alguém. Quando se observa objetos ou pessoas estáticas utiliza-se a percepção de 20 profundidade estática; quando há movimentação, trata-se da percepção de profundidade dinâmica (WILLIAMS, APUD GALLAHUE; OZMUN, 2005). Essa percepção é desenvolvida nos dois primeiros anos, observando-se um grande avanço em seu desenvolvimento entre os 2 e 5 anos. Para finalizar, coordenação visual motora está relacionada à habilidade de seguir e avaliar maneiras eficazes de interceptação de objetos em movimento (GALLAHUE; OZMUN, 2005). 4.2 Percepção Proprioceptiva ou Cinestésica Cinestesia é a sensação e consciência que o indivíduo tem dos movimentos do seu corpo, conforme o posicionamento de articulações e tensões geradas pelos músculos (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). A propriocepção é a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais sem utilizar a visão (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). Esse tipo percepção permite a manutenção do equilíbrio e a realização de diversas atividades práticas, sendo resultado de vários fatores, entre eles a interação das fibras musculares de sustentação, informações táteis e sistema vestibular (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p.54). 4.3 Percepção olfativa e gustativa O olfato é responsável pela percepção de odores pelo nariz e o paladar pela percepção de sabores pela língua. Destaca-se que essas duas percepções estão intimamente ligadas, sendo que o estímulo elucidado em qualquer uma delas será estimulador da outra (GALLAHUE; OZMUN, 2005). 4.4 Percepções complexas Estas são adquiridas posteriormente a percepções simples, pois exigem um desenvolvimento cognitivo mais evoluído para serem interpretadas de maneira correta e utilizadas em conjunto. Dentre a classificação de complexas estão as percepções espacial, temporal, espaço-temporal, figura-fundo e analise-síntese. 21 4.5 Percepções espaciais É a percepção do espaço que circunda o indivíduo aliado ao seu funcionamento motor dentro deste (PAYNE; ISAACS, 2007). Quando desenvolvemos a percepção espacial, desenvolvemos a consciência espacial das localizações das coisas que nos rodeiam. Para fazer isso, é necessário perceber as localizações dos objetos e os conceitos de distância, velocidade e posicionamento (para cima, para baixo, por cima, por baixo. etc.). 4.6 Percepção temporal A percepção temporal circunda características que, unidas ou não, possibilitam ao indivíduo uma capacidade de formar ou abstrair informações com base nas relações temporais (PAYNE; ISAACS, 2007). Para Gallahue e Ozmun (2005) as características que englobam esta percepção é velocidade, intensidade, noção de tempo, sequência, duração, sucessão e ritmo. Porém as crianças têm dificuldade nessa habilidade, uma vez que a mesma tem dificuldade em distinguir o tempo ficcional e o tempo real em que ela vive. Sendo que é fundamental o desenvolvimento desta percepção nas crianças, pois é isto que faz com que ela possa desenvolver os hábitos diários como hora de dormir, de comer, tomar banho, etc. 4.7 Percepção espaço-temporal Refere-se à utilização simultânea das percepções espacial e temporal exigindo do indivíduo uma capacidade de coordenação, adaptação e adequação à mudanças que ocorrem rapidamente. É habilidade do indivíduo em projetar seu corpo baseado na noção de espaço disponível e tempo adequado. 4.8 Percepção figura-fundo É aquela na qual a percepção de bordas e limites faz diferenciar um objeto de uma figura. 22 Por volta dos 4 anos, esse tipo de percepção começa a melhorar e aproximadamente entre 6 e 8 anos elas têm um grande avanço relacionado a extração de itens de um fundo, porém elas apresentam grande dificuldade quando esses itens são com formas geométricas e abstratas. Por volta dos 8 anos, essa criança tem grande sucesso na percepção figura-fundo, apresentando as mesmas condições de um adulto (WILLIAMS apud HAYWOOD; GRETCHELL, 2004) 4.9 Percepção análise-síntese Assim como a percepção figura-fundo, a percepção análise-síntese utiliza as bordas e limites de um objeto, no entanto esse tipo de percepção configura-se por empregar esses limites para diferenciar parte de um objeto do todo desse objeto. Segundo Haywood; Getchell (2004), crianças possuem mais dificuldades de perceber toda a figura, pois elas prestam mais atenção em objetos simples, nesse sentido, elas descrevem apenas parte da situação visualizada e não toda. Já os adultos têm maior facilidade para perceber as duas situações simultaneamente. 4.10 Memória Luria (1991, p.39) entende memória como “registro, conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior”. Memória são os registros que nos deixam aptos para reunir informações e agir de acordo com sinais e experiências passadas. Para Lent (2001), há uma sequência de eventos nos processos mnemônicos; o primeiro é a aquisição da informação, segue-se o armazenamento e por último a recuperação da informação através da recordação. Rubinstein apud Manganotti (2008, p. 10-11) afirma que: A percepção da realidade só é possível com o auxílio da memória que retém uma ordem de sucessão, grava um determinado estado de coisa ou acontecimento. Não é um conhecimento impessoal, generalizado, de objetos fora do espaço e do tempo – mas, para nos orientarmos é preciso uma sucessão de diferentes percepções, com o auxílio da qual se conhece a realidade integrada no processo evolutivo da personalidade. A necessidade imposta pela vida social organizada impõe o domínio dos processos mnésicos e o desenvolvimento de formas de retenção cada vez mais especializadas que se convertem num ato consciente e intencionadas. A retenção de informação se faz necessária para atender as demandas de conhecimento que o ser humano precisara no decorrer de sua vida para cumprir com suas obrigações. A todo o momento o homem precisa recordar conteúdos de formar 23 organizada e sistemática a fim de reproduzir ou recriar o passado, a partir daquilo que o indivíduo experimentou. Sem a memória seríamos seres acorrentados ao presente. O nosso passado estaria morto para o futuro. O presente, tal como decorre agora, desapareceria irrecuperavelmente no passado. Não haveria nem conhecimentos nem hábitos baseados no passado. Não haveria vidapsíquica que, na unidade da consciência pessoal, pudesse tirar conclusões, mantendo-se fechada sobre si mesma. Não existiria o estudo contínuo, que decorre ao longo de toda a nossa vida, fazendo de nós aquilo que somos (RUBINSTEIN APUD MANGANOTTI, 2008, p14.) Segundo Vygotsky (2007) a memória e percepção se desenvolvem praticamente ao mesmo tempo o que se tornam uma das funções psicológicas centrais, pois é entorno dela que as demais funções são formadas. O autor ainda afirma que durante a infância a questão de memória é mais intensa e conforme o processo de desenvolvimento do homem ela pode sofrer um enfraquecimento pelo fato do tecido neurocerebral se desenvolver melhor na infância. A memória, em fases bem iniciais da infância, é uma das funções psicológicas centrais, em torno da qual se constroem todas as outras funções. [...] o ato de pensar na criança muito pequena é, em muitos aspectos, determinado pela sua memória e, certamente não é igual à mesma ação em crianças maiores. Para as crianças muito pequenas, pensar significa lembrar, em nenhuma outra fase, depois dessa muito inicial da infância, podemos ver a conexão entre as duas funções psicológicas. (VYGOTSKY, 2007, p. 47-48) 4.11 Tipos de Memória Sternberg (2000) relata a existência de diferentes categorias de memória, que são processadas por áreas diferentes do cérebro, fazendo com que cada memória tenha uma função no cérebro. A memória de curta duração (ou memória de trabalho e de curto prazo) faz a retenção de informação, no entanto não dura mais que segundos. Através dela, armazenamos informações essenciais para a resolução de problemas, para uso do raciocínio rápido ou elaboração de comportamentos podendo usar como exemplo quando uma pessoa dita um número de telefone, na hora você lembra, mas quando passa uns segundos é incapaz de recordar. A memória de longa duração (ou permanente) é responsável por armazenar todo o conhecimento de uma pessoa. Em comparação com as duas anteriores é a 24 que tem maior tempo de duração, podendo durar dias, semanas, meses e até mesmo anos. Consolidação é o processo de armazenar novas informações nessa memória. Para que haja uma transição da informação entre a memória de curto prazo para memória permanente é preciso aguçar nossos sentidos ou por meio de repetição das ações. Um exemplo é quando um ator repete várias vezes suas falas antes da gravação de um filme, isso faz com que a informação que estava na memória de curto prazo passe para memória de longa duração (ALBUQUERQUE, 2001). 4.12 Atenção A atenção pode ser definida como a capacidade de o indivíduo responder predominantemente aos estímulos que lhe são significativos entre outros que não tem um grande significado no momento. Nesse processo o cérebro é capaz de manter um contato seletivo com as informações que chegam através dos órgãos sensoriais assim dirigindo a atenção para aqueles que são comportamentalmente relevantes (BRANDÃO, 1995). Desse modo a atenção está voltada ao processo preferencial de determinada informação. William James citado por Kandel, 1997, p. 323 cita: “Milhões de itens (...) são apresentados aos meus sentidos e nunca entram propriamente na minha consciência. Por quê? Porque não tem interesse para mim. Minha experiência é aquilo que eu concordo em prestar atenção (...). Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse pela mente, de forma clara e vívida, de um dentre o que parecem ser vários objetos possíveis e simultâneos ou linha de pensamento. A focalização e a concentração da consciência são suas essências. Esta implica, a abstenção de algumas coisas para poder lidar eficazmente com outras” O sistema atencional atua como um filtro que “abre” para as informações a serem atendidas e “fecha” para as ignoradas. Dessa maneira os estímulos rejeitados são descartados gerando uma determinada falta de atenção. Vários fatores podem influenciar no processo de atenção de um indivíduo, como o contexto no qual está inserido, as características dos estímulos, motivação, relevância da tarefa desempenhada, estado emocional e experiências anteriores (DAVIDOFF, 1983; CORTESE et al. 1999) Lent (2002) classifica o processo atencional em dois aspectos fundamentais, sendo o primeiro um alerta que representa 25 estado geral de sensibilização dos órgãos sensoriais e o estabelecimento e mutação do tônus cortical para recepção dos estímulos. Já o segundo é a atenção propriamente dita que envolve a focalização do alerta sobre determinados processos mentais neurobiológicos. É de suma importância ressaltar que a atenção pode ter como foco outras coisas além dos estímulos sensoriais que chegam pelos sentidos. Muitas vezes ela pode dirigir-se a memórias, pensamentos, recordações, execuções de cálculos mentais. Quando o foco é voltado para o ambiente externo pode ser chamada de percepção seletiva e quando é voltado para o ambiente interno pode ser chamada de cognição seletiva (GAZZANIGA et al., 1998; LENT, 2002). 4.13 Desenvolvimento da Atenção No decorrer do desenvolvimento do ser humano a atenção transita por diferentes fases, que são classificadas em: involuntária, voluntária e flutuante. A primeira atenção manifesta pelo bebê é a involuntária. Nos primeiros anos de vida a atenção involuntária tem caráter de um simples reflexo orientado para estímulos fortes ou novos (LURIA, 1979). Observam-se os primeiros sintomas de manifestação do reflexo orientado: a fixação do objeto pelo olhar. Os primeiros reflexos condicionados começam a formar-se no recém-nascido com base no reflexo orientado, ou seja, somente se a criança presta atenção ao estímulo, discrimina-o e se concentra nele. A atenção voluntária nos permite fazer uma escolha do objeto a que voltaremos nossa atenção. Essa atenção, nos leva a focalizar um determinado objeto, “desligando-nos” dos demais estímulos que estão ao nosso redor. Imagine se tentando atravessar a Rua 25 de Março, numa terça feira ao meio dia, a duas semanas do Natal. Camelôs fazendo propaganda de seus produtos a altas vozes, sons vindos de dentro das lojas lembrando o Natal, carros buzinando, vozes em todas as direções, motores ligados, apitos de aviso dos guardas de trânsito, sinais luminosos dos faróis para carros, para pedestres, cartazes de preços, outdoors, layout de lanchonetes, das lojas, a voz de seus acompanhantes ou filhos reclamando de alguma coisa. No entanto, você atravessa a rua com certa tranquilidade, escolhe a direção que deseja seguir, escolhe 26 a loja para entrar e ainda responde ao que lhe perguntam, numa ordem tal que sua organização mental e física não se confunde (OLIVEIRA 2003). Já a atenção flutuante (FERNÁNDEZ, 2001) permite atender de modo simultâneo a várias situações. É um estado artificial da atenção, cultivado pela necessidade do momento. Fernández (2001, p.218) menciona três questões que contribuíram para a necessidade de uma atenção flutuante: 1. Os modos de representação de tempo e espaço mudaram, na atualidade, graças à telemática, impondo uma miniaturização e vertiginosidade que exigem a atenção aberta à simultaneidade. 2. A estética de videoclipe, segundo a denominação de Jorge Gonçalves, também introduz uma atenção volátil. 3. As exigências do mercado de trabalho impuseram o que se chama de “feminização do trabalho”. Cada vez menos se dispõe de uma só fonte de renda. Quem tem trabalho, cada vez trabalha mais em fragmentos ocupacionais diversos e simultâneos, os quais exigem também um tipo de atenção “dispersável”. Parecida à da mulher: dona de casa, mãe e trabalhadora, que está acostumada a atender ao filho, ao telefone, à comida, às tarefas, à televisão e, simultaneamente, a preparar a aula que deve dar no dia seguinte. Hoje em dia é comum observarmos esse tipo de atenção nos jovens, para exemplificar de uma maneira clara é só prestar atenção na maneira comoeles estudam. Eles simultaneamente leem, escrevem, ouvem rádio, riem, contam casos, falam por telefone, tomam chá e até preparam coisas. Nada parecido com o modelo unidirecional da atenção de Fernández (2001). 4.14 Linguagem O processo de concepção da linguagem é extenso, inicia-se desde o nascimento e vai até a adolescência. O desenvolvimento de uma criança é elaborado por vários fatores, dentre eles há o processo cognitivo, que é essencial para a evolução e aprendizagem da criança. É no ambiente em que a criança se constitui como sujeito. Porem os objetos do mundo físico, os papéis das palavras e as categorias linguísticas não se encontram inicialmente, é no processo de desenvolvimento cognitivo e através da situação cronológica e interação com adultos e os estímulos sistematizados que acontecerá a aquisição da palavra, signos ou conceitos. Isto acontece por conta de que a criança já está em uma fase que consegue dar significado e ter uma melhor compreensão do mundo que a cerca, interiorizando tudo aquilo que adquiriu de vivência e exteriorizando por meio da linguagem aquele 27 sentimento retirado das vivências. Pavlov, apud Lúria&Yudovich (1985), asseguram que a fala é a maneira pela qual os seres humanos tendem a, orientar-se e adaptar- se ao meio que os cercam, sendo a mesma componente fundamental na socialização e interação da criança. Nesta ocasião a influência dos adultos tem considerável importância, pois, é a partir orientações propostas pelos mesmos que a criança vai adquirindo sua formação de conceitos. Piaget (1998) complementa dizendo que, a aprendizagem da linguagem oral e escrita é um componente importante para que as crianças possam expandir suas capacidades de inserção e de atuação nas diferentes práticas sociais. Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas, além disso, os seus significados culturais, e assim compreender, interpretar e representar a sociedade em que vivem. Para Vygotsky (1993) a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, a mesma modela o pensamento, proporciona o surgimento da imaginação, o uso da memória e a elaboração da ação. Nesta acepção a linguagem sistematiza as experiências diretas dos sujeitos, adquirindo uma função central no desenvolvimento cognitivo reorganizando os processos que nele estão em andamento. Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-los e dirigi-los. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação dos conceitos este signo é a palavra, que em princípio tem papel de meio na formação de conceito e posteriormente, torna-se o seu símbolo (VYGOTSKY,1993, p.70). A interação para a aquisição da linguagem se denota como meio para que a criança aprenda na medida em que se socializa com outro sujeito. O processo de aprendizagem é intangível, caracterizando-se pela busca de sentido e compreensão. A linguagem assim sendo é um processo de expansão e extensão de uma maneira de descoberta. Ler, falar e escrever são campos de desenvolvimento integral do sujeito, tanto na socialização formal com o outro, como no processo escolarização. Para Smith (1989), as crianças aprendem com base no que outras pessoas fazem e as ajudam a fazer. 28 5 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL INTER-RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO FÍSICO E INTELECTUAL O desenvolvimento psicossocial, como o processo do desenvolvimento do eu ou do self, influenciado socialmente e culturalmente, consiste em oito estádios ao longo do ciclo de vida, cada um dos quais desenvolve-se em torno de uma crise especifica ou ponto de viragem em que o indivíduo é confrontado com desafio de alcançar um equilíbrio saudável entre características alternativas positivas e negativas. O desenvolvimento psicossocial envolve a integração do desenvolvimento psicológico com a formação de relações sociais. Ambos os processos necessitam ocorrer de uma forma paralela. (Erikson citado por Papalia (2001). Expondo sobre a crise, Erikson refere-a como sendo um ponto decisivo e necessário, um momento crucial em que a criança terá que decidir qual é a melhor forma de ultrapassar as dificuldades que a vida lhe impõe. Através da resolução do conflito em cada estádio de desenvolvimento o indivíduo adquire novas capacidades, como tornar-se independente dos pais, o que lhe abre novas oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, Rocha (2002) cita Erikson, quando este considera que o desenvolvimento da personalidade acompanha todo o ciclo da vida. Mais, destaca que as crianças até a idade do pré-escolar podem passar por três estádios de desenvolvimento sociais e emocionais. Para compreendermos a problemática do desenvolvimento psicossocial das crianças em idade pré-escolar, iremos expor os estádios proferidos por Erikson que aponta os seguintes estádios, para esta fase: A 1ª Idade – Estádio denominado por Confiança Versus Desconfiança, que vai dos 0 aos 18 meses. Afirma que a criança nesta idade vai aprender o que é a ter ou não confiança. Salientando que esta confiança está muito relacionada com a interação do bebê com a mãe. O bebê aprende a ter confiança partindo da relação com a mãe, que deve proporcionar as crianças momentos agradáveis onde possam ter boas recordações das suas relações visto que ela é o principal modelo do desenvolvimento psicossocial da criança. Citamos: “As mães criam nos filhos um sentimento de confiança através daquele tipo de tratamento que na sua qualidade combina o cuidado sensível das necessidades individuais da criança e um firme sentimento de fidedignidade 29 pessoal dentro do arcaboiço do estilo de vida da sua cultura. Isso cria na criança a base para um sentimento de identidade que mais tarde combinará um sentimento de ser aceitável de ser ela mesma, e de se converter no que os demais confiam que chegará a ser”. Erikson, E. H., Infância e Sociedade, Zahar, 1976(a), P.229 O importante no primeiro estádio é a segurança que se cria ou é desenvolvida a partir da confirmação das expectativas e esperança da criança, pela mãe. A 2ª Idade – Estádio da Autonomia versus Dúvida e Vergonha vai dos 18 meses aos 3 anos. Segundo Monteiro Manuela (2005) citando Erikson o segundo estádio psicossocial, caracteriza-se pela autonomia versus dúvida e vergonha, onde é dominado pela contradição entre a autonomia, o exercício de uma vontade própria e o controlo sobre o meio e o seu versus negativo constituído pela dúvida e vergonha. A progressiva independência em relação à mãe permite-lhe explorar o meio que a cerca. Deste modo, a criança precisa de poder experimentar e de se sentir protegida no processo de autonomização. Segundo Erikson citado por Rocha (2002), é neste período que as crianças aprendem a exercer a sua vontade e a controlar-se, ou então torna inseguras e duvidando que sejam capazes de fazer as coisas sozinhas. Ainda refere que uma criança de 3 anos ao conseguir controlar o seu comportamento, se no jardim-de- infância lhe for pedido para desempenhar um papel que exige, determinado interesse e ela conseguir sair com sucesso, sentir-se-á orgulhosa. Tendo em conta que a criança nesta fase inicia a sua socialização fora do núcleo familiar, ela carece de estímulo, incentivo para poder ganhar a sua autonomia e superar a insegurança e a vergonha, caso a criança encontra no jardim-de-infância o educador deve incentivar e encorajá-las a desenvolver as atividades de modo a sentir capaz e valorizada pelos outros. Para reforçar a ideia supracitada, convém salientar que as crianças precisam sempre de uma pessoa amiga, que ajudem a desenvolver atitudes que visam desenvolver a autoestima e autoconfiança. É, sobretudo nos primeiros anos de vida que a criança necessita de várioscuidados e apoio de modo a prepara-lhes quer social e psicologicamente para socializar-se e integrar na sociedade controlar o comportamento e conquistar a confiança em si e em relação aos outros. Dentro do segundo estágio, Monteiro destaca que: 30 “ Depois de ter conquistado confiança naqueles que as tratam, as crianças começam a descobrir que têm vontade própria. Afirmam o seu sentimento de autonomia ou independência. Realizam a sua vontade. Se as crianças são demasiado reprimidas ou castigadas severamente é provável que desenvolvam um sentimento de dúvida e vergonha. ” A 3ª Idade – Estádio Iniciativa Versus Culpa vai dos 3 aos 6 anos. Segundo Erikson citado por Rocha (2002), a terceira crise do desenvolvimento psicossocial ocorre entre 3 e os 6 anos. As crianças aprendem a desenvolver as suas próprias atividades, têm prazer quando são bem-sucedidas e tornam-se determinadas. Se não lhes é permitido desenvolver as suas próprias iniciativas, podem desenvolver sentimento de culpa por querer ser independentes. Monteiro (2005) cita também Santrok que diz: À medida que as crianças em idade pré-escolar enfrentam um mundo social cada vez mais alargada, aumentam os desafios e necessitam de desenvolver comportamentos mais significativos para responder a esses desafios. Pede- se às crianças que assumam mais responsabilidades. No entanto podem surgir sentimentos desagradáveis de culpa se as crianças não são responsabilizadas, sentindo-se muito ansiosas. 5.1 Fatores que Influenciam o Desenvolvimento da Criança Exposta a questão da compreensão de desenvolvimento psicossocial, para uma compreensão integral desse processo, é necessário ver os fatores que estão na origem desse desenvolvimento. Em Bento e Monteiro os fatores influenciadores no desenvolvimento psicossocial de um ser humano, são do tipo biológico, sociopsicológico e cultural. Hereditariedade: segundo Bento (2004) a abrange todas as influências biológico genéticas transmitidas dos pais ás células que se fundem para formar o novo ser. Ainda na mesma linha de pensamento este autor afirma-nos que a hereditariedade consiste na herança individual que cada criança recebe de seus pais ao ser concebida. Maturação Neuropsicológica: é considerada um outro fator importante que influi no desenvolvimento psicossocial. Ela se refere às mudanças determinadas internamente, tais como o tamanho do corpo, desenvolvimento dos órgãos, desenvolvimento de habilidade de arrastar-se, andar, correr, agarrar. Do ponto de vista de Shaffer (2004), a maturação é importante alegando que as crianças acabam por desenvolver essas competências pela maneira como são feitas, atribuindo a 31 responsabilidade aos adultos tendo em conta que o desenvolvimento ocorre devido à forma como a criança é tratada pelos adultos. Destaca o próprio papel da criança, no sentido em que é sua participação nas atividades relevantes que conceberá o aparecimento de novas conhecimentos. Enquanto esses dois fatores são do tipo biológico Bento (2004) refere ao meio sócio psicológico como o conjunto de influências e estimulações que alteram o padrão de comportamento do indivíduo tendo em conta o grupo social em que a criança vive influenciando constantemente o seu comportamento. Relativamente aos fatores acima mencionados, Piaget nos diz que têm uma grande importância no desenvolvimento da criança, cada um à sua maneira com a sua função, mas frisa-nos que nenhum deles pode atuar de forma isolada, visto que cada um depende do outro enquanto fatores do processo de desenvolvimento, portanto todos entre si para poder atuar com eficiência e eficácia. Segundo Sousa (2008) a família desempenha um papel determinante nos primeiros anos de vida da criança. Todavia, o seu papel é insubstituível, neste sentido os valores e os conhecimentos adquiridos no núcleo familiar ajudam a criança a saber atuar e interiorizar os comportamentos cívicos de modo a preparar-se para viver e participar na sociedade a que pertence. Ela é considerada como primeiro contexto de socialização, o contexto em que a criança interage e participa de forma cotidiana, onde recebem as primeiras influencias para avançar na construção de seu desenvolvimento social e pessoal. Ainda na perspectiva do mesmo autor a partir do nascimento, a criança é inserida num contexto familiar que torna responsável pelos cuidados físicos, pelo desenvolvimento psicológico, emocional, moral e cultural desta criança na sociedade. É a partir da família que a criança estabelece a ligação emocional próxima, intensa e duradoura sendo crucial para a socialização (revista Iber americana 1681). Segundo a abordagem ecológica de Bronfenbrener (1979), para melhor compreendermos o desenvolvimento, devemos estudar a criança no contexto múltiplo, ou seja, devemos ter em conta os vários ambientes ou sistemas ecológicos nos quais ela se desenvolve. Por sua vez a teoria Ecológica, citado por Spodek [1998], designa esses ambientes como a família, a escola, a comunidade e a cultura, alegando de que são elementos interdependentes e influenciam mutuamente. Deste modo vê-se que o desenvolvimento da criança não pode ser realizado unicamente pelo grupo familiar, 32 pela escola, pelo grupo social, pela comunidade ou pela cultura individualmente, mais sim sendo ela um processo está constantemente influenciado por um conjunto de fatores. Afinal, juntos a escola e a família são responsáveis pela formação do indivíduo. Não se pode valorizar a escola em oposição à educação familiar e vice-versa. Nesta mesma linha, a escola também não deve ser vista isolada da comunidade, sendo ela, uma das responsáveis pela transformação dos indivíduos. Com efeito, a criança quando entra na escola, possui já uma bagagem cultural transmitida e aprendida no seio da comunidade em harmonia com a família e o grupo social. Pimenta (1999). Na perspectiva de Hobbs e Colab ‘1984 as famílias constituem o elemento fundamental no desenvolvimento de crianças saudáveis, competentes e responsáveis afinal, elas só conseguem exercer melhor as suas funções se tiverem o apoio forte e responsável da comunidade, pois esta fornece os suplementos formais e informais aos recursos da família. Partindo da ideia Pimenta (1999), podemos afirmar que a escola não deve ignorar a comunidade específica que a rodeia, caso contrário a escola instala-se como um corpo estranho no seio da mesma e não cumpre o seu papel de educadora possuindo o seu estatuto próprio e regendo-se por determinadas normas sociais poderá que contrariar os valores que vigoram na própria comunidade onde se instalou. 5.2 Relação Escola cultura Ao entrar na escola a criança encontra uma cultura diferente da cultura da casa, se atendermos ao que diz Pimenta (1999) quando afirma que a escola, enquanto instituição, possui uma cultura específica, onde o aluno vai encontrar um conjunto de hábitos, costumes valores e conhecimentos que uma vez complementam o que já possui e ainda depara com outros que desconhecem onde sentem a necessidade de estabelecer uma ligação com os quais já tinham aprendido. Para este autor a escola deve aproveitar a bagagem cultural das crianças que lhe são confiadas, transmitindo afeto, valoriza-las e imprimir uma nova dinâmica que irá acelerar e integrar, de modo equilibrado permitindo o seu desenvolvimento psicossocial. Para que se efetive processo de desenvolvimento psicossocial, a cultura da escola deve tocar a criança 33 como sujeito social e histórico, ou seja, inserida numa sociedade, o que irá marca-la profundamente. Se esses fatores de desenvolvimento psicossocial forem trabalhados em conjunto consegue-se abranger as mais importantes áreas de referência da criança. Todos são considerados como ambiente de formação e compartilhamento, e o (segundo como o elemento primordial na formação do indivíduo, pois é o núcleomais particular e onde a criança aprende as regras básicas e os valores. Segundo Zabalza (1992), a nível relacional é importante que a escola complemente a família e que, ao mesmo tempo, se estabeleçam padrões diferentes de relação de maneira a que a criança vá alargando o espectro de fórmulas relacionais (com os adultos, com os professores, com os companheiros. Neste autor, para as crianças da pré-escolar, os professores da escola infantil, e, ainda mais pelo próprio papel que desempenham, fazem parte desses adultos significativos. Dessa forma possuem o maior protagonismo na configuração da imagem social da criança. Estão mais próximos das crianças, mais presentes nas suas experiências, do que o conjunto dos outros agentes socializadores. Os educadores não só mantêm com elas (as crianças) uma relação formativa no sentido de aquisição de novas aprendizagens sociais, como também é formativa a nível mais profundo pelo facto de afetar o desenvolvimento da própria capacidade de se relacionar de integrar a imagem social e a própria exigência do meio. Zabalza (1992) afirma que a escola infantil pode prestar uma grande colaboração como agente social capaz de dinamizar o seu meio, de entender a cultura, de disseminar critérios para uma melhoria da educação familiar e para uma melhoria das condições ambientais que afetam o desenvolvimento integral da criança. Terminamos este item referindo a concepções de base de três autores clássicos: - Vygotsky (1896- 1934) na sua concepção via a criança não individualmente, mas como fazendo parte da cultura envolvente. - Dewey (1859-1952), que a escola devia apoiar-se nas experiências vividas pela criança no seio da família e conduzir o seu crescimento gradualmente para fora da vida familiar, aprofundar e alargar os valores da criança, previamente desenvolvidos no contexto da família. Erikson (1902- 1994) na mesma perspectiva enfatiza o papel da cultura no desenvolvimento da criança. Ele afirma que as primeiras experiências da criança com o meio cultural em que nasceu têm um papel primordial no seu desenvolvimento 34 5.3 Relações entre grupos sua importância no desenvolvimento O jardim de infância é o espaço onde a relação da criança em grupo acontece de forma mais sistemática, continua e intencional. Segundo Bento (2004) a criança necessita do outro para o seu desenvolvimento e aprendizagem é, através das interações com o grupo que ela desenvolve e socializa, experimenta a cooperação, a amizade, a aceitação respeito. Por outro lado, Schaffer (2004) considera que as relações entre grupos de pares assumem para o desenvolvimento duas formas: social e intelectual. Parte do princípio de que a primeira tarefa básica da infância é estabelecer um sentido de identidade. Diz também que o autoconceito é primeiramente construído no contexto de relações de início com os pais e em seguida, cada vez mais com os pares. Tendo em conta a idade das crianças do pré-escolar, considera-se importante, as formas como elas se relacionam umas com as outras pois isso condiciona a maneira como elas se vão sentir valorizadas pelos colegas. Erikson por sua vez considera relevante o processo de construção da identidade e a dimensão psicossocial no desenvolvimento. Na perspectiva de Papalia (2004) o desenvolvimento psicossocial não ocorre de forma compartimentada. As relações estabelecidas em casa têm impacto nas relações estabelecidas fora de casa. Nesse aspecto, os pais são considerados importantes, porque o modo como usam as técnicas educativas irá influenciar e afetar os traços da personalidade da criança. Por outro lado, as experiências da criança com os seus pares têm implicações no seu autoconceito e da personalidade que ela desenvolve. Destaca-se ainda que no seio do grupo, as crianças também descobrem o tipo de papel social que é mais adequado para ela dentro do grupo. Nessa perspectiva, a importância da família, no item a seguir particularizamos a questão da família. 5.4 Papel da família no desenvolvimento psicossocial e no processo de socialização das crianças Como já dito a família desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da criança quando no seu seio as crianças sentem-se protegidas de todos os perigos que põem em causa a sua integridade física e psicológica. Segundo (Klein & Hundeide, 1991) as crianças precisam de um relacionamento estável e seguro 35 sobretudo dos pais, caso não exista este relacionamento seguro, elas não terão a coragem de explorar e investigar novos ambientes e relacionamentos. Ainda o autor afirma que as crianças que beneficiam de um cuidado afetuoso e lhes é dedicado o sentimento de carinho, são dados as bases para começarem o seu desenvolvimento psicossocial saudável. O problema que levantamos, no entanto, é que nem todas as famílias conseguem transmitir o amor e o carinho aos filhos. Assim mesmo, temos pais ausentes na educação dos filhos e consequentemente crianças abandonadas na rua e de rua, devido a essas e outros fatores que já tínhamos mencionado. Sabemos que, a situação deste lado oposto, a ausência de uma pessoa para prestar cuidado e atenção nos primeiros anos de vida da criança, torna-se, sem dúvida, no fator mais prejudicial para o desenvolvimento físico e mental saudável. Segundo Novais (1984) a afetividade deve estar patente na educação das crianças desde muito cedo uma vez que a carência afetiva determina uma série de fatores que prejudicam o desenvolvimento global da criança, tanto no âmbito físico e psíquico. Ainda salienta que o afeto que a mãe dedica a criança nos cinco primeiros anos de vida, é responsável por grande parcela da sua personalidade na vida adulta. Neste sentido a família é tida como um modelo importante para a criança sobretudo para o seu desenvolvimento psicossocial, isto porque, quando ocorre algum desajuste ou problema emocional, poderá dificultar a interação desta com o meio social. Erikson (1950) mostra-nos que a criança no primeiro estádio carece de alguns cuidados por parte dos pais e ou das pessoas próximas para poder adquirir a confiança. Ainda o autor alerta-nos de que é importante que as crianças se confrontem com alguns obstáculos, pois é a partir daí que elas vão aprender a definir quais as possibilidades de ultrapassar os obstáculos e passam a ter a noção das regras que regem a sociedade. Para o autor a criança nesta fase tem uma admiração pela mãe e é a única referência social que ela tem. Se esta relação for boa ou positiva ela vai criar o seu primeiro e bom conceito de si e do mundo. Reafirmando as ideias mencionadas, os adultos devem dar às crianças a oportunidade de aprenderem, de modo a lhes transmitir confiança, a possibilidade de elas vivenciarem as suas experiências fazendo escolhas, deixando-lhes a sensação de autonomia. Também o apoio do adulto é importante quando está perto, deve encorajá-las e auxilia-las nos momentos que a tarefa estiver além das suas capacidades sem, entretanto, superproteger. Estudos realizados, indicam que os pais muitas vezes 36 preocupam-se com a aparência física e esquecem do psicológico. Sobre isso, relembramos o papel que as famílias têm na proteção e nas possibilidades para apoiar emocionalmente as crianças para a realização dos conflitos, podendo formar uma barreira ofensiva contra as agressões externas. É deste modo que Fallon (et .al) (cit por idem) afirma que essa proteção ajuda a manter a saúde física e mental do indivíduo por construir o maior recurso natural para lidar com situações potencializadoras de stress associadas a influência da comunidade. Dentro do tema em estudo consideramos Bowlby, (1952; 1969) ao afirmar que a saúde psicossocial de uma criança é determinada pelo bom relacionamento que ela pode formar com as pessoas que estão regularmente junto delas». Neste contexto a afetividade pode ser considerada importante na relaçãocriança e todos quantos estão próximas delas. É nesta óptica que classifica o lado afetivo desenvolvido pelos pais de extremamente importante, uma vez que isso dá todo conforto à criança, ajudando- a com o lado inseguro e dando-lhe mais confiança para se desenvolver com segurança. Deste modo, atribui o vínculo pais filho, como sendo um importante fator para o desenvolvimento da criança. Nessa linha do pensamento, ele define a vinculação como uma ligação emocional recíproca muito duradoura entre o bebe e a figura parental, em que cada um contribui para a qualidade de relação. Ela tem um valor adaptativo para o bebé, assegurando-lhe que as suas necessidades psicossociais e físicos são satisfeitas. Sendo assim, o autor acaba por considerar esse vínculo de grande importância para o desenvolvimento seguro e confiante. Schaffer (2004) apresenta duas funções da vinculação: função biológica que significa proteção da criança e a psicológica que está relacionado a segurança. Segundo as investigações efetuadas por John Bowlby (1969, 1973), citado por Schaffer (2004), aquele, referiu questões importantes sobre a formação de modelos internos mentais produtos das interações vividas diariamente com as figuras de vinculação, o que explicou mediante quatro tipos de vinculação: 1-Vinculação segura: a criança revela um nível moderado de procura de proximidade com a mãe; 2-Vinculação insegura: evitante: a criança evita o contato com a mãe, em especial quando da reunião após a separação; não revela grande perturbação quando deixada com estranhos. 37 3-Vinculação insegura: resistente: a criança muito perturbada pela separação da mãe; muitas vezes é difícil de consolar, tanto procura o contato como lhe resiste. 4-Vinculação desorganizada: a criança não manifesta um sistema coerente de lidar com o stress. 6 DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E APRENDIZAGEM Wallon (1973), já no seu tempo, sugere que se repense o espaço e o tempo escolares (neste aspecto particular, já há uma perspectiva ecológica da educação). Para esse autor, a escola tradicional, na sua organização espaço-temporal, ativa os comportamentos disruptivos, os conflitos eu outro, o egocentrismo, o insucesso escolar, etc. De acordo com Wallon, a escola do futuro deveria criar mais oportunidades e facilitar mais a expressividade do sujeito, não só na aquisição e na expressão de vivências corporais e subjetivas na arte e na ciência, como também refletir sobre os espaços, os materiais, o mobiliário, os laboratórios, as bibliotecas, os tempos de estudo, os tempos livres, etc., de forma a aumentar a oferta e a qualidade das situações de interação social e de participação em grupos variados. As reflexões educacionais de Wallon tiveram um grande impacto na França, após a ocupação nazista, e têm, ainda hoje, em vários países, uma grande atualidade. O Projeto Langevin-Wallon, por exemplo, é um documento de referência consultado por peritos e historiadores de educação, e nele todas estas ideias que apresentei se encontram dimensionadas em uma espécie de utopia educacional, que de alguma forma espelha a visão político-social com que Wallon concebeu a sociedade. Em síntese, na concepção psicomotora da psicogênese está presente que o ato mental projeta o ato motor, e esse é o conceito central do desenvolvimento e da aprendizagem em Wallon. A teoria walloniana suscita que a prática terapêutica e educacional seja enfocada nas necessidades da criança e do jovem nos planos motores, afetivo- emocionais e cognitivos, que, no seu conjunto, devem promover o desenvolvimento das suas personalidades em todos os seus níveis e de forma verdadeiramente integrada. A criança e o jovem, considerados como um todo, devem ser pensados como seres corpóreos, seres concretos com eficiência postural, com modulação tônica, com riqueza somatognósica e excelência práxica, plástica e expressiva. 38 O êxito na aprendizagem só é possível com a integração neurofuncional de tais requisitos psicomotores, exatamente porque a motricidade (posturas, atitudes, gestos, mímicas, etc.) nos ilustra e nos informa sobre os estados mais íntimos da criança e do jovem. A instabilidade psicomotora (impulsividade, desatenção, hiperatividade, agitação, etc.) que caracteriza hoje grande percentagem da população escolar (segundo algumas fontes, 50% de casos nas consultas de psiquiatria infantil) reflete as disposições mentais e os estados afetivos de muitas crianças e jovens na sociedade agitada atual. A tradição intelectualista do ensino e de muitos dos seus responsáveis não concebe que a postura, a tonicidade e a psicomotricidade de muitas crianças e jovens em risco devem merecer também a atenção devida no sistema de ensino, e não só o desenvolvimento intelectual que constitui, para muitos deles, a preocupação exclusiva e a meta única da educação. Wallon (1973) É contra a sua natureza tratar a criança e o jovem de forma fragmentada – educação intelectual para um lado, educação artística e motora para outro. A criança e o jovem, em cada idade, são um todo indissociável e original, em termos motores, afetivos e cognitivos. São seres em metamorfose, cujo potencial só se pode enriquecer e ampliar em um contexto social promotor dessa unidade dialética. Wallon lança-nos um desafio quando afirma: “Um dos grandes passos a realizar pela psicologia é aquele que deve unir o orgânico ao psíquico, o corpo à alma, o indivíduo à sociedade”. Com uma visão extremamente adiantada para sua época, Wallon (1973) abre, assim, pela psicomotricidade, a via para uma nova concepção de educação e de terapia, introduzindo já uma neuropsicológica da aprendizagem, sendo, pela sua obra monumental, um dos seus pioneiros mais relevantes. 6.1 Síndromes psicomotoras Para se estudar as síndromes psicomotoras Wallon, torna-se importante desde já definir alguns termos-chave da sua teoria, daí tocar novamente, e de forma tanto quanto possível mais sistemática, nas relações dialéticas entre o psiquismo e a motricidade, tendo como elo a neurologia, ou melhor, a gênese do sistema nervoso, visando a divulgar a obra deste autor como um dos primeiros pioneiros da neuropsicológica, disciplina atualmente fundamental para compreender as relações 39 entre a organização neurocerebral e a organização, planificação, regulação e execução da motricidade. O psiquismo e a motricidade compartilham o mesmo corpo para se estruturar e organizar. Ambos se envolvem e integram no comportamento, ambos estão inter- relacionados e participam na conduta e ambos se evidenciam na observação de qualquer manifestação expressiva. A sua diferença está no enfoque e nos métodos utilizados para os avaliar. Como o psiquismo e a motricidade se inter-relacionam em termos de comportamento, só a compreensão do sistema nervoso nos pode elucidar sobre a qualidade dessas relações, o que pressupõe, obviamente, uma transdisciplinariedade entre a neurologia, a psicologia e a motricidade, ou seja, aquilo que Ajuri Guerra (1961, 1974, 1976, 1980) designou por neuropsicomotricidade. Em neurologia, o estudo do comportamento é um meio para atingir um fim, isto é, a compreensão do sistema nervoso e o tratamento das doenças nervosas. Em psicologia, o estudo do comportamento é, simultaneamente, um fim em si próprio e um meio para predizer e para controlar o comportamento. Na motricidade, o estudo do movimento (entendido desde o reflexo mais simples à expressão práxica mais complexa) só é viável e equacionável com o contributo tanto dos enfoques quanto das metodologias, isto é, o estudo das relações entre as funções do comportamento e as estruturas do sistema nervoso, demonstrando, concomitantemente, a sua integração e interação sistêmica. Em síntese, é impossível estudar a motricidade isolada da psicologia e da neurologia. No fundo, o pensamento walloniano aponta desde sempre paraesta síntese. O estudo sistêmico, dinâmico e neurofuncional do comportamento e da aprendizagem humanos, logo, da psicomotricidade, permite hoje, à luz dos conhecimentos atuais das três disciplinas, rejeitar o falso isolamento dos processos mentais em relação aos processos motores, como já tinha adiantado Wallon nos anos de 1930. De fato, observando os produtos motores, podemos desenhar inferências acerca da produção da motricidade, ou seja, dos processos mentais nela envolvidos, e perspectivar deduções sobre as estruturas dos seus substratos neurológicos subjacentes, algo fundamental para entender o desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem na criança e no jovem. Os processos motores são gerados por sistemas e subsistemas neuroanatômicos, filogenética, sociogenética e ontogeneticamente estruturados, desde a tonicidade à praxia fina, desde a proto 40 motricidade à neomotricidade, da primeira à terceira unidade funcional do cérebro, de acordo com a teoria introduzida por Luria (1966b, 1966c, 1969a, 1975), que veremos mais adiante neste livro (Fonseca, 1980, 1985, 189, 1992). As perturbações dos processos motores subentendem, consequentemente, disfunções ou funções dos processos mentais. Inúmeros casos clínicos que segui ao longo de 30 anos de experiência clínica sustentam esta hipótese. A motricidade, entendida nos seus vários fatores psicomotores (tonicidade, equilíbrio, lateralização, somatognosia, estruturação espaço-temporal e organização práxica), fornece, portanto, indicadores e sinais funcionais sobre a integridade dos substratos neurológicos e dos processos psicológicos sistemicamente envolvidos na sua regulação e execução. Foi essa lógica neurofuncional que Wallon nos legou, e é esta interpretação da intrincação e do enredo dos processos mentais com os motores que Luria nos oferece mais recentemente, e que penso ser essencial para a atualização da psicomotricidade como disciplina científica. Em termos neuroevolutivos, filogenéticos, sociogenéticos e ontogenéticos, os processos mentais são um produto do desenvolvimento sócio histórico e sociocultural (Vygotsky, 1962, 1978, Wallon, 1963a, 1963d, 1966, 1968, Fonseca, 1989, 1992, 1998, 1999). No comportamento humano, os fatores biológicos e os fatores sociais têm uma influência inquestionável na organização neurológica (Luria, 1973). Pela mesma lógica inferencial, os processos mentais monitorizam e substituem os processos motores, em um a espécie de delegação funcional vicária. As relações entre o psiquismo e a motricidade são extremamente intricadas, o nosso conhecimento e a nossa compreensão sobre tais relações fundamentais são ainda fragmentados, todavia as linhas gerais dessas relações foram já apontadas há cerca de 70 anos por renomados autores, como Dupré (1909, 1915), Gourevitch (1926) e Goldstein, Homburger, Collin, McGraw e tantos outros, citados por Wallon (1973) e Ajuriaguerra (1974). Entre nós, autores como S. de Athyde (1972), Alvim (1962) e, principalmente, João dos Santos (1977) e Arquimedes S. Santos (1973, 1999) traçam, igualmente, as linhas mais relevantes dessas relações tão importantes para a compreensão das interações dialéticas entre os processos mentais e os processos expressivos ou motores. Psiquismo e motricidade combinam-se, pendular e hermeneuticamente, em termos de comportamento filogenético, sociogenético, ontogenético, disontogenético e retrogenético, tendo em atenção que todo o estado psíquico se traduz em um estado 41 motor ou tônico-motor, em proporções distintas desde a infância à senescência, passando pela adolescência e pela vida adulta. A mesma dialética interativa se observa em dimensões específicas e dialógicas entre o normal e o patológico, o paranormal e o parapatológico, o atípico e o desviante, o evolutivo e o involutivo. Toda a emoção e todo o pensamento exprimem-se e atualizam-se em mímicas, gestos e praxias, como se a motricidade consubstanciasse uma linguagem do psiquismo – a comunicação não-verbal de Argyle (1975) e Corraze (1980) e a linguagem corporal de Fonseca (1999) –, como se todo o processo motor refletisse uma representação mental concomitante. O psiquismo e a motricidade constituem-se em uma contínua interação e em uma tensão equilibrada entre o centro e a periferia, que, no seu todo, equaciona uma espécie de equivalência e simpatia funcional, em que os processos motores se relacionam com os processos mentais, demonstrando que o processo perceptivo de captação e de recepção de dados se flexibiliza e ajusta sistemicamente com os processos motores de expressão e de comunicação, consubstanciando uma totalidade somatopsíquica e psicossomática integrada com e nos vários ecossistemas. Werner e Wapner (1957) adiantam mesmo, na sua teoria sensorio-tônica, que a regulação psicomotora envolve uma interdependência entre o componente perceptivo (input), o componente psíquico (integração e planificação) e o componente motor (output). Em uma perspectiva próxima à de Wallon, esses autores evocam que a função perceptiva de captação e de extração de dados de informação do mundo exterior joga com uma interação recíproca entre os processos sensoriais e motores emanados do estado geral do organismo, pressupondo uma integração multissensorial coerente, decorrente de um estado de vigilância tônico-postural sustentado por uma unidade interativa e retroativa entre a percepção e a ação. Segundo os mesmos autores, a percepção ascende aos níveis corticais superiores por meio de uma interdependência vicária de dois processos que ocorrem simultaneamente: o desequilíbrio (extracorporal), provocado pelo estímulo sensorial oriundo do mundo exterior, e o equilíbrio sensório-tônico (intracorporal), que se opera no corpo, emergido e organizado, portanto, no mundo interior. Não basta, consequentemente, que a sensação seja recebida; para que ela seja integrada, processada e transformada, é necessário que a informação sensorial seja transportada da periferia do corpo e dos órgãos sensoriais aos centros do cérebro, 42 através de uma compensação e de um reajustamento tônico que a promove como aferência, ou seja, a um processo mais complexo de integração cortical, para aí ser, então, processada e modificada em percepção. Para que isso ocorra, o controle postural e a complexa rede vestibular e cerebelar subjacente à estimulação do mundo e do espaço exterior devem prevenir o corpo de se desequilibrar pelo seu efeito. Ao contrário, a função sensório-tônica equilibra o corpo, prevenindo-o de se perturbar com a estimulação, garantindo uma contra-reação tônico-muscular e postural compensatória, equivalente a um sistema de alerta básico e essencial, que previne o corpo de ser afetado pelo bombardeamento dos estímulos (dos objetos e das situações), possibilitando, assim, a organização de um sistema de atenção que ajusta os componentes motores aos perceptivos, algo perturbado que se observa em muitas crianças com instabilidade e hiperatividade. Ao distinguir três tipos de estimulação simultânea, a teoria sensório-tônica, dá um enfoque muito importante à sensibilidade proprioceptiva, a que Wallon se refere. Ao distinguir a estimulação objetal (emergida diretamente dos objetos) da estimulação situacional (decorrente do envolvimento espacial e situacional) e, finalmente, da estimulação proprioceptiva (surgida do interior do corpo e do estado tônico dos seus músculos), o processo psicomotor só poderá desencadear-se quando todas essas estimulações multimodais vicariadas se integrarem no cérebro por equivalência funcional, conjugando dados perceptivos com motores, mediatizados por retroações circulares. Só dessa forma a motricidade reflete, em termos de retroação, uma organização psíquica interior deveras complexa e integrada. A evolução humana, a filogênese e a ontogênese, em síntese, são reflexo disso.
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