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TRABALHO INTERMITENTE X CONTRATO EXISTENCIAL *Roberta de Oliveira Souza Recentemente, tive a oportunidade de ler o artigo da dra. Luciane Cardoso Barzotto, magistrada do trabalho do TRT4, sobre “o controvertido contrato de trabalho intermitente” na obra “Desafios da Reforma Trabalhista” organizada pelos drs. Luciano Martinez e Ricardo Pereira. Fiquei impressionada com o diferencial do artigo da magistrada Barzotto. Afinal, embora tenha escrito sobre o tema na perspectiva do direito comparado, no capítulo 171 da Coletânea “A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho”2 e, igualmente, tenha participado da obra “Desafios da Reforma Trabalhista” escrevendo o capitulo 12, sobre a “análise do negociado versus o legislado”3 certas nuances na perspectiva civilista que eu nunca havia vislumbrado foram levantadas pela magistrada, o que enriqueceu minha formação e, por isso, gostaria de compartilhá-las e, se me permitirem, recomendar a obra. Barzotto aborda a perspectiva do “contrato existencial” dentro de uma concepção de reclassificação humanística das relações privadas. Segundo a autora, a “European Social Contract” estabeleceu princípios que devem orientar a elaboração, a execução e a interpretação dos contratos ditos “sociais-existenciais”, neles incluído o contrato de trabalho. 1 “Reforma Trabalhista e trabalho intermitente: limites conforme o direito comparado (Brasil & Itália)” 2 “A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho” é uma coletânea organizada pelos drs. Carolina Tupinambá e Fábio Gomes, que conta com a participação dos Ministros do TST, Agra Belmonte e Aloysio Veiga, além de capítulos escritos pelos Desembargadores Vólia Bomfim, Bezerra Leite e Enoque Ribeiro dos Santos, além do próprio Luciano Martinez, coordenador de outra coletânea, a “Desafios da Reforma Trabalhista”. Cada autor escreveu um artigo sobre o tema escolhido de forma densa e aprofundada. 3 Na obra Desafios da Reforma Trabalhista, o capítulo 12, que redigi, recebeu o seguinte título “análise do negociado versus o legislado: perspectivas doutrinaria, jurisprudencial e orçamentária da reforma trabalhista considerando os argumentos favoráveis e contrários à constitucionalidade da Lei 13.467, de 2017, e as modificações implementadas pela Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017”. Contudo, o que são contratos existenciais? Ora, os contratos existenciais são aqueles que “dizem respeito à subsistência da pessoa humana e a preservação de sua vida, com garantias no plano constitucional”. Feita a conceituação do instituto, quais seriam os 3 princípios que regem os contratos existenciais: 1. o princípio da ênfase na dimensão humana, isto é, “o direito deve controlar o poder que se exerce sobre as relações humanas, a fim de permitir o desenvolvimento pleno dos envolvidos”; 2. o princípio da atenção à situação do contratante vulnerável, porquanto “as condições materiais, sociais e psicológicas devem ser consideradas para proteger a parte mais frágil da relação, garantindo um nível de proteção adequado ao objeto contratual, a sua duração e à importância na vida dos sujeitos envolvidos”; 3. o princípio da garantia do mínimo existencial, afinal, a parte deve “possuir um mínimo de recursos para assegurar sua subsistência”. Nessa perspectiva, a magistrada Barzotto concluiu que, no trabalho intermitente, tal qual regulado hoje, com a prevalência do interesse do empreendedor (o que acarreta uma assimetria ainda maior na relação empregado/empregador), há notória violação à noção de contrato de trabalho rompendo-se a noção da tradicional teoria da relação de emprego. De par com isso, como já levantado em artigo que escrevi para a capa da 4ª Edição da Revista Metta4 (A Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho: o trabalho intermitente, o dever de consistência e o decisionismo judicial), o elemento da não eventualidade (ou da habitualidade) é flexibilizado para que, com menos requisitos, o vinculo seja formado entre o intermitente e o tomador. Assim, o trabalho intermitente é prestado com períodos de atividade e inatividade, sem que isso desconfigure o vínculo. Não obstante, ainda que se admita que o 4 http://www.mettacursos.com.br/revista4 numero de empregos seja eventualmente aumentado, é esse o tipo de contrato que queremos preservar? Precário? Inseguro? Que abre as portas para a discriminação? São números em detrimento de qualidade? Indo além, retornando ao artigo da magistrada Luciane Cardoso Barzotto, sinaliza a autora que o fato de o empregado poder responder negativamente à convocação dos serviços corresponderia à flexibilização da subordinação classicamente concebida, ou seja, para o empregado intermitente cria-se, legalmente, a subordinação-expectativa de realização de trabalho. Outrossim, a expectativa de ser convocado apresenta-se como um limitador da liberdade individual. No tocante ao direito comparado, remeto o leitor ao capítulo 17 da obra “A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho” na qual analisei o ordenamento italiano para demonstrar as lacunas ofertadas pela Lei 13.467/2017 e opções para supri-las, envolvendo aspectos de limitação etária, de jornada, de contratação (quando os empregados contratados a tempo indeterminado estão em greve ou percebendo algum tipo de beneficio governamental pela redução da jornada), além da perversa questão discriminatória envolvida. Por fim, cito mais uma autora da coletânea “Desafios da Reforma Trabalhista”, qual seja Juliana Cruz5, que, à fl. 149, desenvolveu com maestria a ideia de que “restou violada a exigência de consulta prévia às organizações de trabalhadores prevista na Convenção 144 da OIT” de modo que há “severo risco de que o texto legal não seja aplicado em razão do controle de convencionalidade”. Para artigos como esses, lúcidos, críticos e combativos sobre a reforma trabalhista leia as coletâneas a seguir, que irão garantir um estudo de ponta na matéria: 1. A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho (coordenada por Carolina Tupinambá e Fabio Gomes) – para adquiri- 5 No artigo “contrato de trabalho intermitente” de fls. 149 a 156 da Obra “Desafios da Reforma Trabalhista” organizada por Luciano Martinez e Ricardo Pereira Guimarães. la acesse o site da Editora Fórum em http://loja.editoraforum.com.br/a-reforma-trabalhista-o-impacto-nas- relacoes-de-trabalho e; 2. Desafios da Reforma Trabalhista (coordenada por Luciano Martinez e Ricardo Pereira Guimarães) – para adquiri-la acesse o site da livraria da Revista dos Tribunais em https://www.livrariart.com.br/produto/desafios-da-reforma- trabalhista-1-edicao-78239 Fontes: REVISTA DOS TRIBUNAIS, vol. 985. São Paulo: Ed. RT, novembro de 2017, p. 23 a 243. DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários à Lei 13.467/2017. Editora LTr, outubro de 2017, p. 153-157 MAIOR, Jorge Luiz Souto. SEVERO, Valdere Souto. Resistência. Aportes Teóricos Contra o Retrocesso Trabalhista. 1ª Edição. Editora Expressão Popular. São Paulo, 2017, p. 317-327 (Patrícia Maeda, presidente da AMATRA15). MELO, Raimundo Simão de. ROCHA, Cláudio Jannoti. Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas Trabalhista e Previdenciária. I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Editora LTr, 2017. TUPINAMBÁ,Carolina. GOMES, Fábio Rodrigues. A Reforma Trabalhista O Impacto nas Relações de Trabalho. Editora Fórum, 1ª Edição, 2018, p. 35 a 50 (Ministro Aloysio Veiga) e p. 389 a 404 (Roberta de Oliveira Souza) GUIMARÃES, Ricardo Pereira de Freitas. MARTINEZ, Luciano. Desafios da Reforma Trabalhista de acordo com a MP 808/2017 e com a Lei 13.509/2017 impresso em dezembro de 2017. Editora Revista dos Tribunais, 1ª Edição, p. 137 a 148 (Luciane Cardoso Barzotto) e p. 149 a 155 (Juliana Cruz). MENDES, Gilmar. BRANCO, Paulo. Curso Direito Constitucional. Editora Saraiva. 10ª edição. 2015. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 336.). BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais da construção do novo modelo. Editora Saraiva. 2ª tiragem: 2011. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Editora Saraiva. 6ª edição. 2012. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr. 16ª edição. 2017. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo comparado. Rio de Janeiro: Forense, 1990. PINHEIRO, Bruno. Controle de Constitucionalidade: Doutrina, Jurisprudência e Questões. Editora Método. 2010. (professor da AMPERJ e FEMPERJ). SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p. 60. Sobre a autora: *Roberta de Oliveira Souza é advogada Graduada pela UERJ. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Pós Graduanda em Direito Público. Autora do Capítulo “Reforma Trabalhista e Trabalho Intermitente: Limites conforme o Direito Comparado (Brasil & Itália)” da Coletânea “Reforma Trabalhista: o Impacto nas Relações de Trabalho” (1ª Edição). Autora do Capítulo “Análise do negociado versus o legislado: perspectivas doutrinária, jurisprudencial e orçamentária da Reforma Trabalhista considerando os argumentos favoráveis e contrários à constitucionalidade da Lei 13.467 de 2017” que compõe a obra “Desafios da Reforma Trabalhista6” (1ª Edição) e integra a Revista dos Tribunais nº 985, de novembro de 2017. Autora do Capítulo “Orçamento Público na Itália” do Livro “Orçamento Público no Direito Comparado” (1ª Edição). Autora de artigos publicados na Folha de SP, no Valor Econômico e na Revista dos Tribunais de Finanças Públicas. Para mais novidades siga o instagram @duvidas_trabalhistas. 6 Sob a coordenação dos doutores Luciano Martinez e Ricardo Pereira de Freitas Guimarães.
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