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pedagogia neurocientífica

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Pedagogia Neurocientífica? 
A proposta de uma nova visão pedagógica para o alfabetizar. 
 
 
 Maria Anita Viviani Martins 
Professora Titular da Faculdade de Educação da PUC-SP 
 vivimart@uol.com.br 
 
 Kátia A. Kühn Chedid 
 Pedagoga PUC-SP / Psicopedagoga e Orientadora 
 Educacional do Colégio Dante Alighieri 
 kakchedid@uol.com.br 
 
 
 
 Nos últimos dez anos o desenvolvimento de pesquisas relativas às funções 
cerebrais superiores favoreceram a melhor explicação dessas funções, 
fortalecendo a compreensão adequada da interatividade daquilo que foi, por nós 
alfabetizadores, conhecido como funções específicas. Isto é, era do nosso 
repertório didático-metodológico a necessidade do desenvolvimento, na criança de 
6-7 anos, das habilidades específicas como pré-condição para a boa iniciação à 
aprendizagem da leitura e da escrita, que fora também enquadrado como 
condições de prontidão para essa aprendizagem. Funções específicas, 
percepção-discriminação visual, auditiva e gustativa, o desenvolvimento da 
psicomotricidade, foram as palavras-chaves daquele enquadramento teórico. 
Necessárias à especificação das habilidades presentes no ato de produção da 
escrita e da leitura, estas funções, mostraram-se insuficientes para explicar a 
totalidade de atos inteligentes e complexos presentes nessa aprendizagem como, 
por exemplo, a representação, na escrita, por meio de um sistema simbólico, o 
sistema alfabético, sistema este que não é somente sonoro ou, outro exemplo, o 
idioma como a fonte das representações das idéias que ganha a forma ortográfica, 
o que não equivale dizer que se trata da simples e pura reprodução do código, 
sem nos esquecermos da linguagem oral, dominada como o recurso primeiro de 
representação das formas não verbais dos acontecimentos do cotidiano. 
Aprendemos, no exercício da docência, como alfabetizadoras, a complexidade 
presente, tanto no objeto de conhecimento, como naquele que aprende, cuja 
resposta não está somente na descrição das habilidades específicas ou de um 
vasto repertório de estratégias de ensino, mas, na necessária complementaridade 
das áreas de conhecimento que descrevem o sujeito do ensino e as prováveis 
interações presentes no codificar, no aprender a forma de representação escrita 
do código lingüístico. A leitura de si merece ser considerada na sua 
particularidade, já que não se trata somente de decodificar. 
 Diante desta complexa rede de interações, reconhecemos a necessidade 
de um suporte multidisciplinar que nos auxilie na particularidade de cada área, na 
compreensão deste ensino. 
 O objetivo deste artigo é iniciar uma discussão entre professores e 
pedagogos sobre a necessidade das descrições da neurociência para a prática 
escolar. Por quê? 
 Porque interessa-nos conhecer melhor a natureza das operações que são 
necessárias para, por exemplo, uma eficiente memorização, uma eficiente 
organização das percepções e para o desenvolvimento da linguagem oral como 
uma forma de representação mental. Interessa-nos conhecer melhor os processos 
mentais que tornam possíveis os atos de ler, escrever e, por extensão, o falar, o 
planejar e executar ações, e o tomar decisões. De modo particular, nos interessa 
conhecer como as estruturas e processos cerebrais mediam o comportamento, os 
aspectos relativos à constituição do conhecimento e os aspectos cognitivos da 
vida mental. 
 Como poderemos produzir uma aproximação e uma complementaridade 
entre áreas de conhecimento, com objetos particulares de estudo tão distintos 
entre si? 
 A neurociência é a área da medicina que tem estudado o sistema nervoso. 
As descobertas recentes desta área fornecem subsídios importantes para a 
Pedagogia. Oferecem boas possibilidades de desvendar as complexidades do 
cérebro e compreender, inicialmente, a natureza da memória e da inteligência e o 
que acontece quando aprendemos. 
 A Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento 
(OECD), no livro “Compreendendo o cérebro”, sugere a promoção de relações 
transdisciplinares e o investimento em pesquisas transdisciplinares e reconhece a 
emergência de criar uma nova ciência de aprendizagem, além da necessidade de 
desenvolver “instituições de ciência de aprendizagem”. O Projeto “Ciências da 
Aprendizagem e Pesquisa do Cérebro” foi lançado pelo Centro de Pesquisa 
Educacional e Inovação da OCDE em 1999. O objetivo desse projeto era estimular 
a colaboração entre as ciências de aprendizagem e a pesquisa do cérebro, assim 
como entre pesquisadores e promotores de políticas públicas. 
 A pesquisa do cérebro está apenas começando a encontrar aplicação no 
campo da promoção de relações transdisciplinares. São três as áreas de pesquisa 
sugeridas: 1. Desenvolvimento do cérebro e alfabetização; 2. Desenvolvimento do 
cérebro e matemática elementar e 3. Desenvolvimento do cérebro e aprendizado 
permanente. 
 Já foram realizados três fóruns: o fórum de Nova York, em 2000, que 
discutiu “Os mecanismos do cérebro e a aprendizagem das crianças”; o de 
Granada, em 2001, que teve como tema “Os mecanismos do cérebro e a 
aprendizagem dos jovens” e o de Tóquio, também em 2001, sobre “Os 
mecanismos do cérebro e a aprendizagem dos idosos”. 
 Na PUC-SP, sob a coordenação da professora Maria Anita Viviani Martins, 
há um grupo de Pesquisa multidisciplinar e interinstitucional formado por 
pedagogos, psicólogos e médicos, que está desenvolvendo uma pesquisa sobre 
Alfabetização. 
 As contribuições de descobertas sobre plasticidade cerebral, memória, os 
sentidos, o medo, o sono e outras, vão influenciar nossa prática educacional e 
fortalecer estratégias já utilizadas em sala de aula, além de sugerir novas formas 
de ensinar. O conhecimento sobre o neurodesenvolvimento e as funções 
executivas pode nos auxiliar com subsídios práticos e teóricos não só para as 
inclusões presentes na escola, mas no ensino e aprendizado de todos os alunos. 
 Acreditamos que tudo isto vai auxiliar a Pedagogia nas relações de 
professores, pais e alunos com o aprendizado. 
 
 Já sabemos, por exemplo, que o sucesso da aprendizagem é mais provável 
se um aluno está em um ambiente de “alto desafio” e “baixa ameaça” e que, 
durante a aprendizagem, há processos moleculares que controlam a comunicação 
entre células, ou seja, mudanças físicas acontecendo nas sinapses, que mais 
tarde podem ser usadas para parcialmente se reconstruir o que foi armazenado. 
 Poderíamos mencionar novamente a plasticidade, que nos faz rever o 
“fracasso” e as “dificuldades de aprendizagem”, pois existem inúmeras 
possibilidades de aprendizagem para o ser humano, do nascimento até a morte. 
 Nossa prática na inclusão de alunos com necessidades especiais já sinaliza 
que não temos como afirmar até que ponto cada um deles pode chegar. Notamos 
que modificando estratégias de ensino os alunos alcançam os objetivos propostos. 
 Há convergências entre estudos e a produção da prática docente que nos 
interessam de modo particular como, por exemplo: 
 Como poderemos compreender melhor a atividade de reconhecimento e 
decifração na leitura e na escrita? E a produção da compreensão também na 
leitura e na escrita? 
 Como se dá o reconhecimento na escrita, incorporando-se o fonológico, o 
ortográfico e o léxico? 
 A memória e as memórias, como atuam e se integram na formação do 
sujeito escritor e leitor? 
 As associações e as dissociações e a representação como se constituem 
no aprender a ler e escrever? 
 Como se dá a evolução do grafismo e constituição das configurações que 
nos habilitam a reconhecer o desenho das letras? 
 Teríamos inúmeros exemplos da contribuição da neurociência,que 
mostram a necessidade de rever a teoria pedagógica e da construção e projeção 
da intervenção docente. 
 Poderemos exemplificar esta aproximação com as contribuições da 
neurociência relacionando algumas condições que se mostram presentes no ato 
da escrita: 
• Análise e síntese auditiva da composição dos sons. Por mais 
evidente que esta seja uma relação óbvia na forma da representação 
escrita, escrever não é obviamente a reprodução de sons, mas, a 
identificação sonora mediante as marcas alfabéticas de um sentido 
culturalmente atribuído àquela palavra. Portanto, uma representação 
sonora que ganha a forma ortográfica, demandando mais do que 
apenas a reprodução de sons. Nesta representação o sujeito busca 
referências no seu sistema semântico. 
• Memorização de sons e imagens visuais adquiridas na relação 
fonemática-grafemática e compreensivas à relação que o sujeito 
escrevente estabelece entre: o referente, a coisa ou objeto extra-
lingüístico, isto é, aquilo que o sujeito identifica como um fenômeno 
de alguma permanência que poderá ser identificado no seu sistema 
simbólico lingüístico-cognitivo como representante de uma 
referência, a referência, o pensamento, o significado que ganha uma 
forma de expressão no símbolo e o símbolo, a expressividade do 
significante. 
• Organização e Orientação espacial dos elementos constitutivos da 
escrita na sua forma final, ou seja: a relação fonema-grafema, a 
organização e seqüência temporal no uso das marcas alfabéticas, 
e o movimento práxico de execução da escrita. 
 Como se vê apenas por este exemplo parcial das condições 
presentes na aprendizagem comum da escrita, ficaremos solitários para a 
construção da intervenção docente, se, e somente se, nos detivermos 
restritamente a essa fabricação de estratégias, sem considerar as atuais 
contribuições descritivas do sujeito do ensino. Poderíamos acrescentar 
outras convergências presentes e dependentes de áreas de conhecimento, 
que completam nossa condição de alfabetizador, como por exemplo, as 
atividades implícitas de reconhecimento e decifração, entretanto, é possível 
visualizar a alfabetização, como resultado, na sua complexidade, como uma 
tarefa para não leigos.

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