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Laura Levine ENCONTRO DE MULHERES

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Para Michael, Barbara, Josh e Ben�
Capítulo 1
O que é mais doloroso do que mamografia? Mais torturante que depilação na virilha? Mais humilhante que um pedaço de espinafre preso nos dentes da frente?
Comprar um maiô, é claro.
Não há nada pior. Nem mesmo tratamento de canal. (A não ser que seja um tratamento de canal quando se está usan​do um maiô e com um pedaço de espinafre preso nos dentes da frente.)
E era o que eu estava fazendo quando me envolvi pela primeira vez com o que, mais tarde, se tornou conhecido como o Crime TPM: experimentando um maiô. Por algum motivo ridículo eu decidira começar a praticar hidroginástica. Na verdade, por dois motivos ridículos: as minhas coxas. Diante dos meus olhos horrorizados, elas estavam rapida​mente se transformando em hotéis de lazer para a celulite.
Portanto decidi que iria entrar numa academia e que, depois de umas poucas semanas chapinhando em volta da piscina, eu teria as coxas tonificadas e lisinhas dos meus so​nhos. Mas antes de ficar tonificada e lisinha havia apenas um pequeno obstáculo em meu caminho: precisava comprar o já mencionado maiô.
Eu sabia que seria ruim. Na última vez em que saí para comprar um maiô voltei para casa e passei a noite chorando nos ombros do meu bom amigo José Cuervo — sim, a tequila. Porém nunca imaginei que seria tão ruim assim.
Para começar, cometi o erro de ir a uma loja de roupas com desconto chamada Galpão da Pechincha. Meu talão de cheques estava passando por uma fase particularmente anê​mica na ocasião e eu ouvira falar sobre os ótimos preços da loja.
O que eu não ouvira, contudo, é que não havia prova​dores fechados no Galpão da Pechincha. É verdade. Todas as clientes, para minha consternação, tinham de experimen​tar as roupas num único provador comunitário, diante de uma medonha fileira de espelhos e sob o brilho impiedoso das luzes fluorescentes, onde cada saliência da celulite pare​cia uma cratera do Grand Canyon.
Já é bem desagradável ser forçada a ver as imperfeições do seu corpo num provador fechado, mas tê-las expostas num salão repleto de mulheres... eu ainda estremeço com a lem​brança.
Para tornar tudo pior havia o fato de que eu estava ro​deada de coisinhas jovens e magras que deslizavam suas barrigas "tanquinho" em modelitos de tamanho trinta e qua​tro e trinta e seis. Certa vez li que sessenta por cento das mu​lheres americanas usam tamanho quarenta e quatro ou maior. Estes sessenta por cento certamente não fazem compras no Galpão da Pechincha. Mas eu não deveria ter ficado surpre​sa. Afinal, estamos em Los Angeles, a capital mundial da lipoaspiração, onde é praticamente ilegal usar tamanho qua​renta e quatro ou maior.
Agarrei um punhado de maiôs, ignorando os biquínis e os microfios-dentais em favor de modelos mais matronais, com bojos reforçados e lycra ultra-resistente, suficiente para conter até um rebanho de gado.
Espremi meu corpo no interior de um horrendo maiô depois do outro, perguntando-me o que teria dado em mim quando tive aquela idéia insana de praticar hidroginástica. Experimentei maiôs listrados e florais, tanquínis e saiotes, blousons e sarongues. Não importava qual fosse o estilo, o resultado final era sempre o mesmo: eu parecia um lixo.
Um dos maiôs prometia tirar centímetros daquela feia flacidez da minha cintura. E de fato tirou. O problema foi que ele empurrou toda aquela feia flacidez para os meus quadris, que já têm toda a flacidez de que precisam, muito obrigada.
Eu acabara de provar o último dos modelos, um tanquíni listrado que me deixou parecida com uma prisionei​ra grávida, quando subitamente ouvi alguém gemendo com desânimo.
Ergui os olhos e vi uma mulher gordinha, de trinta e tantos anos, lutando para entrar num conjunto de short de lycra modelo ciclista e top combinando. Finalmente. Alguém com quadris, coxas e barriga de verdade. Uma integrante daqueles sessenta por cento!
Ela examinou-se no espelho e suspirou, as faces afogueadas pelo esforço de se espremer em toda aquela lycra. 
Meu Deus — ela suspirou. — Estou parecendo um boneco de massinha com decote.
Nem me diga — falei. — Eu pareço um boneco de massinha com decote e retenção de líquido.
Ah, é? — ela retrucou. — Pois eu pareço um boneco de massinha com decote e retendo líquidos num dia de cabe​lo ruim.
Ela passou os dedos por entre os cabelos curtos e espe​tados e fez uma careta.
Você acredita que este é o tamanho grande? — per​guntou, dando um puxão no short. — Em quem isso fica grande? Na Barbie?
Bem, para mim chega. — Eu me contorci para fora do tanquíni e comecei a me vestir. — Vou dar o fora daqui.
Há muito eu já desistira da minha idéia maluca de hidroginástica. Não. Teria de escolher algo bem menos humilhante. Como caminhada. E o primeiro lugar para onde pre tendia caminhar era a sorveteria Ben & Jerry, para uma restauradora dose de sorvete com pedacinhos de chocolate.
Vou afogar minhas mágoas num sorvete — falei.
Ótima idéia — disse a minha companheira de sofrimento. — Importa-se se eu for com você?
Será um prazer.
E assim, dez minutos depois, estávamos sentadas fren​te a frente na sorveteria com nossas casquinhas de sorvete de chocolate com pedacinhos.
—	Meu nome é Pam, a propósito — disse a minha companheira, lambendo um fio de sorvete que escorrera no seu
punho. — Pam Kenton.
Era agradável estar com alguém que comia com tanto gosto. Kandi, a minha melhor amiga, tem o apetite de um mosquito e normalmente me lança olhares desaprovadores quando peço qualquer coisa mais calórica do que um talo de salsão. Eu sei que é somente porque ela se importa comigo e deseja que eu seja uma das magras integrantes daqueles qua​renta por cento, mas, ainda assim, é algo que acaba se tor​nando bastante irritante.
Na verdade — disse Pam —, meu sobrenome não é Kenton. É Koskovolis. Kenton é meu nome artístico. Eu sou atriz. E claro que você sabe o que isso significa aqui nesta cidade.
Garçonete?
Exatamente — ela assentiu. — E você?
Sou escritora.
É mesmo? — Os olhos dela se arregalaram. As pes​soas sempre ficam impressionadas quando lhes digo que sou escritora. — O que você escreve?
Ah, folhetos industriais. Currículos. Esse tipo de coisa.
É aí que, geralmente, elas deixam de ficar impressiona​das. Muita gente acha que folhetos industriais e currículos são um tédio.
Mas Pam endireitou-se na cadeira, interessada.
Você escreve currículos? Eu bem que estou precisan​do de ajuda com o meu. Já estou ficando cansada de traba​lhar como garçonete. Quero um emprego no qual eu possa me sentar de vez em quando.
Eu ficaria feliz se pudesse ajudá-la com seu currículo — ofereci.
Uma linha de preocupação surgiu em sua testa.
—	Não posso lhe pagar muito.
—	Ora, não se preocupe com isso. Não vou cobrar.
Intimamente, eu me dei um cutucão. O que havia de
errado comigo? Por que eu estava sempre trabalhando de graça? Se eu começasse a cobrar das pessoas, talvez não pre​cisasse mais fazer compras em lugares como o Galpão da Pechincha. Ah, tudo bem. Pam parecia ser uma excelente pessoa e não era como se eu tivesse tanto trabalho assim, a ponto de ela me atrapalhar. Na verdade, a minha agenda de trabalho encontrava-se assustadoramente inconstante.
É muita gentileza sua — disse Pam. — E que tal se eu lhe preparar um jantar como pagamento?
Parece ótimo. Para quando você quer marcar?
Logo que você puder.
Que tal amanhã à noite?
Ah, amanhã eu não posso — ela disse. — É a noite da TPM.
Noite da TPM?
Somos um grupo de amigas que se reúne uma vez por semana para fofocar e reclamar, regadas a guacamole e margaritas. Nós nos intitulamos de o Clube TPM.
Parece divertido.
Ei, espere. Tenho uma ótima idéia. Por que você não vai comigo? Estamos com poucos membros no momento e acho que você seria uma tremenda aquisição para o clube. Podemos jantar no meu apartamento, primeiro, enquanto trabalhamos no meu currículo, e depois iremos para a reu​nião do clube. O que acha?
Tem certeza de que as outras não vão seincomodar?
Tenho. Elas vão adorá-la, pode acreditar. E realmen​te vale a pena. Você tem a chance de compartilhar os seus pensamentos mais íntimos com mulheres que pensam como a gente, num ambiente amigável e acolhedor. Além disso — ela acrescentou com um sorriso —, temos guacamole e margaritas grátis.
É claro — eu disse, sempre incapaz de recusar uma margarita grátis. — Por que não?
Em breve eu descobriria por que não, mas esta é uma outra história. Fique por aqui, pois vou lhe contar.
Capítulo 2
Creio que se poderia dizer que toda a confusão do TPM foi por culpa de Kandi. Se ela não tivesse inventado de ficar noi​va eu jamais teria me associado ao clube, para começar.
Sim, depois de anos namorando alguns dos mais desengonçados sapos do planeta, a minha melhor amiga e constante companheira de jantares, Kandi Tobolowski, fez o impensável e finalmente encontrou um príncipe. E numa auto-escola, dentre tantos lugares. Eles trocaram um olhar durante uma aula sobre contornos proibidos e, quando che​garam ao capítulo de mudança de pista, Kandi sabia que havia encontrado o homem dos seus sonhos.
No passado, os homens dos sonhos de Kandi tinham invariavelmente se transformado em pesadelos. No ano pas​sado, por exemplo, ela estava loucamente apaixonada por um artista performático, um sujeito cuja apresentação con​sistia em se deitar, no palco, numa banheira cheia de choco​late derretido, espargindo-se chantilly em spray. Tudo ia às mil maravilhas, até que ela apareceu de surpresa no aparta​mento dele certa noite e apanhou-o na cama com outra mu​lher, um vibrador e um pote de cerejas ao maraschino.
Mas dessa vez parecia que ela realmente acertara num vencedor. O seu noivo, Steve, era um verdadeiro encanto, um advogado que prestava serviços gratuitos aos pobres. No que se referia aos advogados, era um peixinho vermelho no meio das piranhas.
Eu deveria estar feliz por Kandi. E estava. Mesmo. Só que não podia deixar de me sentir um tantinho abandonada. Raramente nos encontrávamos para jantar e, quando isso acontecia, Steve quase sempre ia conosco. No final da noite eu praticamente sentia os dois se acariciando debaixo da mesa, colocando-me numa posição evidente de "segura-vela". E foi por este motivo que fiquei contente e agradave-mente surpresa na manhã daquele dia, quando Kandi ligou e convidou-me para jantar, apenas nós duas. Seria bom, pen​sei, ter a companhia dela toda para mim, para variar.
Voltando para casa encontrei a minha gata, Prozac, dor​mindo no sofá, exatamente na mesma posição em que eu a havia deixado seis horas atrás. Às vezes acho que aquela gata foi uma estátua numa vida anterior. — Olá, docinho, cheguei!
A minha queridinha pulou do sofá e veio correndo ao meu encontro, esfregando-se em meus tornozelos com vi​brantes ronronares de amor.
Tudo bem, não foi nada disso que ela fez. Ela entreabriu um olho, bocejou, um bocejo do tamanho do Grand Canyon, depois girou para o lado e voltou a dormir.
Mas a dona de uma gata pode sonhar, não pode? Aquela altura eu já estava me arrependendo da casqui​nha de sorvete de chocolate que havia devorado na Ben & Jerry. (Está bem, duas casquinhas.) Então fui para o banhei​ro e troquei a minha calça jeans por uma calça larga com elás​tico na cintura. Estava emitindo um suspiro de alívio quan​do o telefone tocou.
Uma voz firme e máscula soou na linha.
—Andrew Ferguson falando, do Banco Union National.
Ah, droga. Minha conta não podia estar sem fundos novamente, podia? Mas como, se eu depositara um cheque na semana anterior? Ou teria sido há duas semanas? Era impossível que eu tivesse gasto todo o dinheiro. E, mesmo se tivesse, era muito atrevimento do banco ligar para a minha casa, invadindo a minha privacidade. Já não era suficiente​mente ruim que me cobrassem por encargos e serviços toda vez que eu piscava um olho? Não me importo de admitir que fiquei um bocado furiosa.
Escute aqui, sr. Ferguson. Faz parte da sua política ligar para a casa das pessoas desse jeito?
Acho que eu poderia ter lhe enviado um e-mail, mas queria entrar em contato com a senhora o mais breve possível.
Se a minha conta está sem fundos, eu lhe asseguro que o problema será resolvido imediatamente. Não preciso que liguem do banco para me lembrar.
A senhora não está entendendo...
Quando tenho um monte de dinheiro na conta não vejo ninguém ligando para me agradecer, certo?
Houve uma pausa na ligação.
Srta. Austen, eu não estou ligando para falar sobre a sua conta bancária.
Não?
Não. Estou ligando sobre o anúncio que a senhora respondeu, publicado no L.A. Times. Procurando alguém para redigir o jornal interno do banco.
Eu havia respondido àquele anúncio semanas atrás e me esquecera completamente. Lá estava o sujeito me ligan​do sobre um trabalho remunerado e a primeira coisa que fiz foi gritar com ele. Isso sim é que foi uma primeira impressão desastrosa. Eu não ficaria surpresa se ele desligasse naquele mesmo instante. Porém, milagrosamente, ele não desligou.
Então, a senhora acha que pode vir até aqui para uma entrevista? — o sr. Ferguson perguntou.
É claro.
Na quarta-feira, às dez da manhã? Na nossa agência no centro da cidade?
Certamente! Estarei lá. E me desculpe por este mal entendido da conta bancária.
Está tudo bem. Mas vou me certificar de que alguém ligue lhe agradecer, na próxima vez em que a senhora tiver um monte de dinheiro em nosso banco.
Desliguei o telefone e gemi. Como fui idiota. Nem po​dia acreditar que ele ainda queria que eu fizesse a entrevista. Mas, pelo menos, ele parecia ter senso de humor.
—	Adivinhe, minha bonequinha? — falei, cocando
Prozac atrás das orelhas. — A mamãe tem uma entrevista de
trabalho. Não é maravilhoso?
Tanto faz. Agora coce as minhas costas.
Sempre a sua serva obediente, cocei as costas de Prozac e depois passei a hora seguinte no computador, fazendo al​gumas pesquisas sobre o Banco Union National. Depois do meu início muito pouco auspicioso, eu queria estar o mais bem-informada possível para a entrevista. Trabalhei nisso incansavelmente, com apenas uma pequena pausa para um rápido jogo de paciência — está bem, cinco jogos de paciên​cia —, até ouvir os doces sons de Prozac uivando pelo jantar.
Levantei-me e fui para o armário da cozinha, de onde tirei uma lata de ração dietética para gatos, que a veterinária havia recomendado em nossa última consulta. Já havia al​guns dias que eu estava ensaiando para iniciar a dieta de Prozac, mas sempre adiava, temendo a batalha que estaria a minha espera. Afinal, aquela era uma gata acostumada a hambúrgueres tamanho "Jumbo" e frango frito. Extra crocante, por favor.
Como eu havia prometido à veterinária que iria pelo menos tentar, decidi que esse seria um momento tão bom quanto qualquer outro. Abri a lata e despejei o conteúdo na vasilha de Prozac.
—	Aqui está, docinho. Um de-li-ci-oso jantar feito de tripas de hadoque.
Ela cheirou a comida apenas uma vez e me lançou um olhar indignado.
Você deve estar brincando. Certamente não espera que eu coma esta porcaria?
—	Você ouviu o que a veterinária disse na semana pas​sada, quando fomos à consulta e todos na sala de espera acha​ram que você estava grávida. Lembra-se? Ela disse que você
precisa emagrecer.
Eu ainda acho que ela estava falando de você, não de mim. Prozac deu um pulo para cima do balcão e começou a ba​ter a patinha no armário onde guardo as latas de ração de atum.
—	Esqueça, Prozac. Você não vai ganhar nada dessa
comida calórica.
Carreguei-a para fora do balcão e deixei-a diante da va​silha de comida.
—	Você quer ficar magrinha, não quer?
Não se tiver de comer essa gororoba.
A veterinária havia me avisado que não seria fácil. Eu só precisaria agir com firmeza. Mais cedo ou mais tarde Prozac acabaria cedendo.
Segui para o quarto a fim de me arrumar para o jantar com Kandi. Prozac seguia cada passo que eu dava, enroscando-se nos meus tornozelos e o tempo todo emitindo ge​midos e miados de lamento. Fiz o possível para ignorá-laenquanto vestia uma calça jeans, uma camisa de seda e um blazer Ann Taylor. Mas não foi fácil porque, naquela altura, Prozac estava uivando como uma desesperada.
—	Jaine? O que está acontecendo aí?
Era o meu vizinho Lance, gritando do seu apartamen​to. Graças às paredes finas como papel e a sua audição agu​çada como a do Super-Homem, Lance sabe um bocado sobre tudo o que acontece na minha vida. Mas é claro que ele po​deria ser até Helen Keller e ainda assim escutar a balbúrdia de Prozac.
Ah, é Prozac. Ela está furiosa comigo porque a colo​quei numa dieta.
Bem, diminua um pouco o volume, está bem? Al​guém aqui está tentando fazer sexo.
Me desculpe, Lance. Eu não tinha idéia de que você estava acompanhado.
Quem disse que estou acompanhado?
Ups. Um pouco mais de informação do que eu precisava.
—	Divirta-se — falei em voz baixa.
Então carreguei Prozac para a sala e deixei-a no sofá, onde ela me encarou com um olhar de órfã faminta.
—	Tente entender, Pro. Estou fazendo isso para o seu próprio bem.
Abaixei-me para beijá-la, mas ela se afastou.
—	Agora eu vou sair para jantar com Kandi — eu disse enquanto pegava as chaves do carro. — Estarei de volta às nove. Coma o seu hadoque.
Tudo bem, vá embora e me deixe. Vá comer um belo jantar enquanto fico aqui com aquela nojenta gororoba de hadoque. Você, entre tantas pessoas, tem mesmo muita coragem de me obrigar a fazer dieta! Você, que justamente na noite passada devorou um pote inteiro de sorvete com calda de chocolate. E não pense que não sei sobre a casquinha de sorvete da Ben & Jerry de hoje.
Ok, o que Prozac realmente disse foi miau., mas eu sabia o que ela estava pensando.
Corri porta afora antes que ela mencionasse a fatia de pizza de cogumelos e anchovas que eu havia comido no café da manhã.
—	Então, o que acha? Rosas ou violetas para o buquê de noiva?
Eu estava sentada diante de Kandi no Paços Tacos, nos​so restaurante mexicano preferido, engolindo barcaças de chips e guacamole enquanto Kandi mal mordiscava a beira​da de um picles de cenoura.
Nos velhos tempos ela estaria me falando sobre algum plano temerário para conhecer rapazes. Naquela época, eu odiava tais planos. Mas agora, olhando para trás, eu ansiava por uma das suas idéias malucas, pelos bons e velhos dias em que éramos duas garotas solteiras em Lalaland
Armando acha que eu deveria escolher violetas, mas não tenho certeza.
Armando? Quem é Armando?
Eu não lhe contei? — Kandi abandonou seu pedaço de cenoura e continuou: — Contratei um promotor de even​tos, especialista em casamentos. Ando tão ocupada com Beanie que não tenho tido tempo para me dedicar aos detalhes.
Kandi, para aqueles entre vocês que têm a sorte de nunca ter assistido ao programa dela, é redatora do Beanie & a Barata, um desenho animado que descreve a arrebatadora saga de Beanie, um cozinheiro de lanchonete, e Fred, a sua barata de estimação.
Se Armando acha que você deve ficar com as viole​tas por que não aceita o conselho dele? É para isso que está lhe pagando.
Acho que você tem razão — Kandi comentou pensativa. — Apesar de que, ultimamente, tenho pensado que um buquê de frésias ficaria mais bonito.
Pobre Armando. Algo me dizia que ele estava merecen​do cada centavo dos seus honorários.
—Armando é incrivelmente criativo, tem as idéias mais fabulosas. Ele acha que deveríamos nos casar na praia, ao pôr-do-sol, com champanhe e violinistas ciganos.
—	Na praia ao pôr-do-sol, hein?
Eu já sentia o meu cabelo encrespando. Algo com que Kandi, com seus invejáveis cabelos lisos e castanhos, jamais teria de se preocupar.
—	Mas estive pensando... — ela falou, tomando um gole
meditativo da sua margarita. — Talvez margaritas e uma ban​da mariachi ficassem melhor.
E assim foi por todo o jantar. Kandi flutuando numa nuvem de planos para o casamento, choramingando interminavelmente sobre os convites, as flores, os músicos, o ves​tido de noiva. E, claro, a parte mais importante do casamen​to: o noivo. Eu ouvi como Steve era um anjo, gentil, bondoso e carinhoso. Ouvi como, ao contrário de alguns homens, ele não saiu gritando pela noite adentro diante da idéia de pla​nejar a cerimônia juntamente com a noiva. Ao que parecia, ele se comportava como um perfeito companheiro no decor​rer de todo o processo. Na verdade, era onde ele estava na​quela noite que me surpreendeu: com Armando, escolhen​do o smoking.
—É sério, Jaine, ele não se importa nem um pouco quan​do começo a falar sobre a festa de casamento.
Fiquei contente por ele não se importar. Tudo o que eu podia fazer era me impedir de cochilar em cima dos meus feijões fritos.
—	Ah, a propósito — disse Kandi —, eu quase me es​queci do motivo porque queria vê-la. Encomendei os vesti​dos das damas de honra mais lindos do mundo!
Ela pegou a bolsa e tirou uma fotografia que havia arrancado de uma revista.
—	Olhe só! — exclamou ao me entregar a foto. — Armando e eu decidimos optar pelo estilo tradicional. Não é divino?
Ai meu Deus! Bebi um gole desesperado da minha margarita. Aquilo era o pesadelo das damas de honra. Mangas enormes e bufantes. Cintura minúscula e marcada. E uma saia rodada perfeita para aumentar os quadris. Tudo isso num nauseante tom de cor-de-rosa.
Kandi sorriu ansiosamente.
—	É o look "Cinderela".
Exatamente o que eu sempre quis parecer: Cinderela à base de esteróides.
—	Então, o que acha? Não é incrível?
Horrível seria uma descrição melhor, mas consegui es​boçar um sorriso amarelo e assenti, concordando. Mas o fato é que Kandi nem sequer reparou no meu sorriso amarelo pois, naquele instante, Steve apareceu em nossa mesa. Eu pude ver mais uma vez porque Kandi se apaixonara por ele. Steve era, sem sombra de dúvida, uma gracinha. Os cabelos lisos tipo Hugh Grant, olhos cor de chocolate, um sorriso de derreter corações e um bumbum perfeito.
Os olhos de Kandi iluminaram-se de amor.
Olá, querido — ela disse quando ele inclinou-se para beijá-la. — O que está fazendo aqui?
Armando e eu terminamos cedo, por isso pensei em me juntar a vocês.
Isso é ótimo. Não concorda, Jaine?
Pela segunda vez em menos de dois minutos colei um sorriso amarelo no rosto.
—	Sim, é perfeito.
Steve pegou uma cadeira e, antes mesmo que eu percebesse, ele e Kandi estavam de mãos dadas por cima dos flans de sobremesa e, sem dúvida, brincando com os pés por baixo da mesa. Mais uma vez fui rebaixada à posição de "segu​ra-vela".
Kandi olhou para Steve, apalermada.
Jaine adorou o vestido de dama de honra. Não é, amiga?
É verdade.
E então eu fiz a única coisa que poderia fazer em tais circunstâncias: comi o meu flan até o último restinho. — E os deles também, se você quer saber.
* * *
Esgueirei-me para dentro do meu apartamento como uma adúltera e corri para o banheiro a fim de escovar os den​tes antes que Prozac sentisse o cheiro de chimichangas no meu hálito. Eu esperava convencê-la de que havia comido um filé de peixe de baixas calorias no jantar.
Mas Prozac não estava querendo nenhuma conversa comigo. Ela fitou-me com os olhos estreitados e se desvenci​lhou dos meus braços quando tentei pegá-la no colo. Fui ve​rificar a sua vasilha. Ela nem tocara no jantar.
—	Prozac, meu bem, você precisa comer alguma coisa.
Vou comer quando você me der alguma coisa que não pareça lixo reciclado.
Eu tinha de admitir que a aparência da ração era bem revoltante.
—	Está bem. Vou espalhar uns biscoitinhos por cima.
Peguei a lata de biscoitos para gatos e espalhei um ge​neroso punhado por cima da comida dietética. Qualquer ten​tativa para dar uma aparência melhor àquela "coisa".
Prozac cheirou a vasilha com desprezo.
Eu-preferia que você me desse baconzitos, foi o que achei que ela estava querendo dizer.
Baconzitos são os petiscos preferidos de Prozac, juntamente com anchovas de pizza e Chicken McNuggets.
—	Você não pode comer baconzitos — falei. — Não fa​zem bem para a sua saúde. Venha comer. Você adora seus
biscoitinhos.
Me chame quandotiver alguma coisa que valha a pena comer
—	Pois muito bem, você é quem sabe — gritei enquan​to ela se afastava. — Não vou enfraquecer. Para sua informa​ção, existem gatinhos famintos na Ásia que adorariam co​mer um prato de tripas de hadoque no jantar!
Normalmente Prozac se enrosca ao meu lado quando assisto à tevê na cama, arrotando vapores de peixe no meu rosto. Mas naquela noite ela permaneceu sozinha e indife​rente no sofá da sala.
Calculei que mais cedo ou mais tarde ela acabaria aparecendo. Três horas depois, ainda não havia sinal dela. Apaguei a luz, mas o sono não vinha. Tentei ficar assistindo os longos e soporíferos comerciais. Desperdício de tempo, eles falharam em me deixar mesmo que remotamente sonolenta. Parecia que eu estava prestes a enfrentar uma noite insone. Eu sentia falta do corpo quente e felpudo de Prozac perto de mim. Tentei abraçar um travesseiro, mas tudo o que conse​gui foram penas no meu nariz. Aquilo não daria certo.
—	Prozac, docinho — chamei. — Venha para a cama.
Nada.
Fui até onde ela estava dormindo, como um marido desprezado, no sofá da sala. Peguei-a no colo, mas ela não quis saber. Num instante estava no chão, olhando para mim.
—	Prozac, volte para a cama. Por favor. Mamãe precisa dormir.
Você devia ter pensado nisso quando me deu aquela gororoba de hadoque.
Então ela pulou de volta no sofá e enrolou-se como uma bola cheia de raiva.
E assim, com um suspiro desanimado, eu me arrastei até a cozinha, onde passei a preparar uma vasilha cheia de ração de atum. Com baconzitos por cima.
Ela poderia começar a dieta na manhã seguinte.
MENSAGEM RECEBIDA
Para: Jausten
De: Adorofazercompras
Assunto: O mais irritante da América
Jaine, querida...
Você precisa sentar para ler isso. Não vai acreditar em que o seu pai está aprontando agora.
Um homem absolutamente gentil acabou de se mudar para Tampa Vistas. 0 nome dele é Jim Sternmuller, um pastor de igreja aposentado, de Minnesota. É simplesmente o homem mais educado e bondoso que se pode conhecer e, além de tudo, viúvo. Todas as senhoras solteiras e viúvas têm feito fila para levar seus quitutes na casa dele.
Mas, por algum motivo insano, o seu pai está convencido de que viu o reverendo Sternmuller no programa "Os Mais Procurados da América"! Ele afirma que o reverendo é o "Estrangulador Hugo Boss", um louco que anda por aí estrangulando mulheres com gravatas Hugo Boss. Você já ouviu alguma coisa mais ridícula do que isso? Em primeiro lugar, o reverendo Sternmuller nem mesmo usa gravatas. Normalmente ele usa camisas pólo de muito bom gosto, do tipo que eu gostaria que seu pai usasse, mas seu pai diz que as suas velhas e esfarrapadas cami​setas são boas o bastante para ele.
E, agora, o seu pai está determinado a "desmascarar" o reverendo Sternmuller e entregá-lo à justiça!
Onde o seu pai arruma estas idéias malucas eu jamais saberei. De maneira alguma o Reverendo Sternmuller é um dos "Mais Procurados da América". Mas o seu pai, sem dúvida, é um dos "Mais Irritantes da América".
Sua atormentada 
Mamãe.
Para: Jausten
De: Papai
Assunto: O Faro sabe[/b]
Olá, doçurinha!
Sua mãe já lhe contou a grande novidade? Temos um assassino morando aqui em Tampa Vistas, um sujeito que se faz passar por um pastor aposentado. Mas eu o reconheci no instante em que o vi. Ele é o "Estran​gulador Hugo Boss". Mata suas vítimas com uma gravata de grife.
Sua mãe acha que estou louco, mas eu sei o que vi, e eu vi o reverendo Sternmuller no programa "Os Mais Procurados da América". Além disso, eu tenho faro para essas coisas. Posso cheirar um mau caráter a quilômetros de distância.
Sua mãe afirma que só porque ele não usa gravatas Hugo Boss não pode ser o "Estrangulador Hugo Boss". Bem, é claro que ele não vai usar as gravatas em público. Provavelmente as guarda escondidas em algum lugar da casa.
Acredite em mim, docinho. 0 "Faro" sabe das coisas!
Com amor, 
Papai.
Para: Jausten
De: Adorofazercompras
Assunto: P.S.
P.S. Fiquei tão irritada com seu pai que encomendei um frasco com 360 cápsulas da vitamina "Menos-Stress" no Canal de Compras, apenas trinta e sete dólares, mais taxas de entrega. E, aproveitando o ensejo, escolhi também um adorável conjunto de calça capri e blusa, da marca Calvin Kleinman. Com uma linda estampa de copinhos de martíni. É perfeito para o clima de Los Angeles. Quer que eu encomende um para você também?
Amor e beijos,
 Mamãe.
Para: Adorofazercompras
 De: Jausten
Obrigada, mamãe, mas acho que vou recusar o Calvin Kleinman. Quando se trata de martínis, prefiro os meus ao vivo.
E tente não se preocupar com papai. Esta história com o reverendo Sternmuller provavelmente é mais uma das suas "manias" do momento. Aposto que ele até já se esqueceu de tudo isso.
Para: Jausten
 De:Papai
Acabei de ligar para o programa "Os Mais Procurados da América" e lhes dei a pista do reverendo Sternmuller, mas quem sabe quanto tempo irá demorar até que tomem alguma providência?
Neste meio tempo, ele poderia atacar novamente aqui em Tampa Vistas. Portanto, acho que cabe ao seu pai detê-lo!
Deseje-me sorte, docinho. O "Faro" não descansará enquanto não entregar o "Estrangulador Hugo Boss" à justiça!
Para: Adorofazercompras 
De: Jausten[
Querida mamãe,
Pensando bem, acho melhor você pedir urgência na entrega daquelas cápsulas de "Menos-Stress".
Capitulo 3
Na noite seguinte dirigi para o apartamento de Pam Kenton, minha cabeça ainda girando por causa dos e-mails dos meus pais.
Dá para acreditar no meu pai e em sua convicção malu​ca de que o novo vizinho seria um dos "Mais Procurados da América"? Mas eu não deveria ficar surpresa. A imaginação do meu pai sempre andou em alta velocidade. Afinal, ele jura ter visto, certa vez, a Madre Teresa comprando calcinhas fio-dental na Victoria’s Secret.
Ainda haverá muita encrenca pela frente, não tenho dúvidas. O meu pai atrai encrencas como cashmere branco atrai manchas de vinho. Eu só podia agradecer a minha sorte de estar a quase cinco mil quilômetros de distância da órbita dele.
Parei diante do endereço que Pam havia me dado, um antigo e grandioso prédio de apartamentos em estilo espa​nhol, no coração de Hollywood. Construído por volta de 1920, tinha varandas, balaustradas e uma autêntica cobertura de telhas espanholas.
Infelizmente o interior do prédio era muito menos impressionante do que o exterior. Quem quer que fosse o proprietário dele certamente não estava gastando um tostão sequer em manutenção.
Subi pela escadaria de lajotas lascadas até o apartamen​to de Pam. Os corredores cheiravam a repolho rançoso. Eu só esperava que aquilo não fizesse parte do jantar que Pam me prometera em troca da minha ajuda com o seu currículo.
Toquei a campainha e Pam abriu a porta usando um conjunto de moletom e tênis Reebok, claramente uma aluna graduada na Escola de Vestuário Jaine Austen.
Olá — ela me cumprimentou sorrindo. — É muita gentileza sua vir até aqui para me ajudar com o meu currículo.
Ora, não é nada — eu disse, ainda me cutucando por não lhe cobrar.
Falei a todas do Clube TPM que irei levá-la à reunião de hoje. Elas mal podem esperar para conhecê-la. Agora, entre que vou lhe mostrar o apartamento.
Ela levou-me para uma sala enorme, com teto alto e portas francesas que davam para a varanda.
Aqui é a sala de estar — explicou. — E o quarto. E o escritório. E sala de tevê. E a biblioteca.
Ah, é um apartamento tipo estúdio.
Isso mesmo. Venha ver o quarto.
Pam guiou-me até o canto da sala e ali, por trás de um biombo vitoriano, havia uma antiga cama com a cabeceira de latão, coberta com o que parecia ser uma colcha de reta​lhos feita à mão e uma enorme variedade de almofadas colo​ridas. Eu adorei a maneira como ela havia misturado os esti​los vitoriano e americano, salpicando por cima de tudo os mais diversos objetos encontrados em mercados de pulga e feiras de garagem. O apartamento inteiro era assim, uma mistura eclética de móveis, a maioria dosquais, eu suspei​tei, ela havia escolhido em lojas de segunda-mão.
Eu admiro as pessoas que conseguem juntar estilos diferentes e obter um resultado agradável. Quando elas fazem isso é "eclético". Quando eu faço, é bagunça.
Seu apartamento é fantástico — elogiei, admirando tudo.
Mas, espere — ela falou. — O tour ainda não termi​nou. Você ainda não viu a Parede da Fama de Pam Kenton.
Eu a segui por entre os móveis da sala.
Voilà! — ela disse, abrindo a porta do banheiro anti​quado, com os azulejos originais terrivelmente rachados e peças que tinham sido instaladas na época em que Fatty Arbuckle ainda usava fraldas.
Sem dúvida tem muita personalidade — falei.
Eu preferia um pouco de pressão na água, mas creio que tenho de me contentar com "personalidade".
E onde está a Parede da Fama?
Aqui — ela disse, apontando para uma parede co​berta de fotografias emolduradas. — Aqui estou eu, em to​dos os meus triunfos teatrais.
Cheguei mais perto a fim de ter uma visão melhor.
Aqui estou no papel de Stella na peça Um Bonde Chamado Desejo.
Puxa, que maravilha! O espetáculo foi na Broadway?
Não, fora da Broadway. A cerca de cinco mil quilômetros longe da Broadway, no Teatro Comunitário de West Corvina. Ah, e aqui estou no papel de Hedda Gabler. E nesta foto eu sou Felix Unger, na peça Um Estranho Casal encenada no meu colégio.
Você fez o papel de Felix Unger?
Era um colégio só de garotas. Fico bem de bigode, não acha? É bom saber disso, para quando a menopausa che​gar. Ah, e eis aqui o meu preferido, entre todos... eu interpre​tando uma berinjela num comercial de sopa de legumes.
Muito bom, mesmo.
É triste dizer, mas este foi o ponto alto da minha carreira. O comercial foi exibido em rede nacional e ganhei um bom dinheiro com isso. Mas, tudo bem—ela suspirou, guiando-me de volta para a sala. — Já chega de falar dos meus anos no show business. Está na hora de encarar a realidade e trabalhar no meu currículo. Gostaria de tomar um pouco de vinho?
Eu balancei a cabeça em negativa
Acho que não devo. Preciso estar com a mente bem desperta.
Você está absolutamente certa. Então, o que vai que​rer? Tinto ou branco?
Tinto.
Ótimo.
Pam apressou-se até o "bar", uma mesinha de ferro tipo "bistrô" onde havia um empoeirado garrafão de gim e duas garrafas de vinho com tampa de rosca.
—	Quer cheirar a rolha? — ela perguntou, entregando-me a tampa de rosca.
Eu ri enquanto ela nos servia o vinho. Nós nos acomodamos no espaçoso sofá revestido de chintz e começamos a trabalhar no currículo.
Então, que tipo de experiência você tem? — pergun​tei, tomando notas num caderninho.
Bem, há o trabalho como garçonete. Mas não posso usar isso.
É claro que pode.
 Ela ficou em dúvida.
Trabalho de garçonete não parece muito importante.
—	Não, mas "Especialista em Serviços de Restaurante" parece.
Pam assentiu, feliz.
Sim, é verdade.
O que mais? — perguntei.
Trabalhei algum tempo como arquivista temporária.
"Engenheira Organizacional" — anotei. — O que mais?
Quando criança, eu vendia biscoitos com o grupo de meninas escoteiras.
"Especialista em arrecadação de fundos". Aquela altura ela já estava se animando.
Puxa, você é boa mesmo nesse negócio.
Pam me relatou os detalhes do seu histórico profissio​nal e eu lhe disse que concluiria o currículo até o final da semana.
—	Você não quer mesmo que eu lhe pague? — ela perguntou.
Sim! Diga que sim! Você quer ganhar algum dinheiro! Mas, como uma idiota, respondi:
Esqueça isso. Não é nada. Esse tipo de coisa eu faço até de olhos fechados.
Você é um amor. — Um sorriso de gratidão enfeitava o rosto dela. — Agora, deixe-me preparar o nosso jantar.
Pam se levantou e foi para a cozinha minúscula, meio oculta por trás de uma cortina de contas.
—	Sempre tem comida demais nas reuniões do clube — ela disse —, por isso providenciei apenas um lanche leve. — Saiu da cozinha trazendo dois sacos do Burger King. — E isso significa apenas uma porção de batatas fritas para nós duas.
Então, sorrindo, ela arrumou os hambúrgueres, bata​tas fritas e refrigerantes em cima de uma banqueta baixa que usava como mesinha.
Espero que não se importe de comer sanduíches. Eu não sou muito de cozinhar.
Nem eu — falei. — Eu só uso o forno para esquentar as minhas meias.
É mesmo? Eu uso o meu para secar os jornais.
Era óbvio que nenhuma de nós jamais representaria qualquer ameaça a Emeril.
—	Além disso — falei, espremendo o sachê de ketchup no meu hambúrguer —, eu adoro esses sanduíches.
E não era mentira. Passei a devorar o meu com todo gosto. E não estava sozinha nisso. Pam acompanhou-me nesta empreitada, mordida a mordida.
Quando finalmente paramos para respirar, conversamos um pouco. Eu falei sobre a minha vida como escritora, e ela me contou sobre a sua vida como atriz. E, acredite, eu saí ganhando. Não sei como os atores conseguem lidar com a rejei​ção. Você acredita que certa vez ela foi recusada para o papel de um cadáver porque não parecia suficientemente morta?
Pam perguntou sobre a minha vida amorosa e, depois de uma boa gargalhada, expliquei que atualmente ela se en​contrava na lista das espécies com risco de extinção. Contei sobre o meu desastroso casamento com "O Bolha". E assim que eu chamo o meu ex-marido. Ele parecia ser perfeitamente divino quando o conheci. Nem um defeito à vista. Nem uma pista do homem que, depois de algum tempo, passou a palitar os dentes com clipes e assistir futebol enquanto fazíamos sexo.
Ela balançou a cabeça, solidária.
Eu sei como você se sente. O meu casamento tam​bém foi um fracasso.
É mesmo? O que houve de errado?
Tudo. Nós brigávamos o tempo todo, implicávamos um com o outro, gritávamos, atirávamos abajures um no outro. E isso foi só na lua-de-mel.
Ela enfiou a última batata frita na boca e olhou no relógio.
—	É melhor nos apressarmos ou vamos chegar atrasa​das na reunião. Hora de lavar a louça! — Pam pegou um cesto de lixo e jogamos as nossas embalagens e guardanapos de papel. — Tudo pronto! — exclamou enquanto limpa​va as mãos na calça de moletom.
Evidentemente ela era também uma aluna graduada na Escola de Prendas Domésticas de Jaine Austen.
Pam foi dirigindo o seu maltratado Nissan Sentra pela Sunset até Brentwood.
—	Então, conte-me mais sobre este clube — eu pedi enquanto passávamos pelas mansões trilhardárias da Sunset Boulevard.
—	Bem, já faz um ano que nos reunimos. Quase todas as
integrantes se conheceram no Racquet Clube de Los Angeles.
—	É aquela academia "chique" no oeste da cidade?
Pam fez que sim com um gesto de cabeça.
Eu havia acabado de receber o pagamento pelo comercial da sopa de legumes e estava me sentindo "a maior". Então me inscrevi na academia, num impulso.
O lugar não é muito esnobe?
Algumas pessoas são, mas as garotas do TPM são realmente ótimas. Nós nos conectamos imediatamente.
Fale-me sobre elas.
Vejamos... Primeiro, há Rochelle. Ela é a anfitriã das reuniões, todas as semanas.
Todas as semanas? Ela não se incomoda?
De jeito nenhum. Ela faz questão disso, pois adora receber. Acho que ela memorizou todos os livros escritos por Martha Stewart. Rochelle é capaz de cozinhar qualquer coi​sa. Se pudesse fazer a sua própria água, ela faria. Enfeita os copos de margaritas com guarda-chuvinhas coloridos e co​loca bandeirinhas do México nas empanadas que ela mesma prepara.
Bandeirinhas do México?
Eu sei, é difícil de acreditar. Mas devo dizer que ela faz a melhor guacamole que já comi em toda a minha vida. Ela diz que o seu ingrediente secreto é um tantinho de suco de laranja. Seja o que for, é fantástico.
Quer dizer que Rochelle é a líder do grupo?
Ah, não! Longe disso. E é o mais engraçado, no que se refere à Rochelle. Por mais que adore receber as pessoas, ela é muito retraída. Ela se limita a ficar andando de um lado para outro, servindo margaritas, certificando-se de que to​dos estão comendo. Tem a tendência de sumir no ambiente, mas é uma pessoamuito doce e gentil. Sempre solidária quando uma de nós tem algum problema. Com seu jeito tímido, acho que ela é quem mantém o grupo unido.
E quanto às outras integrantes do clube?
Como eu disse, são todas ótimas. — Então ela fran​ziu a testa. — Exceto por Marybeth, talvez.
Quem é Marybeth?
É uma decoradora de interiores. Muito bem-sucedida.
O que há de errado com ela?
Você descobrirá por si mesma, muito em breve — ela disse, entrando numa rua arborizada. — Aqui estamos.
Estacionou diante de uma magnífica casa em estilo colo​nial, cintilando branca como pasta de dente sob a luz da lua. Eu assobiei baixinho.
—	Bela casa.
—É o orgulho de Rochelle. Ela está sempre redecorando. Acho que não existe nem um cômodo que ainda esteja como era no original. Minha teoria é de que a casa é um substituto para os filhos que ela não teve.
Ah?
Rochelle e o marido não puderam ter filhos, então ela despeja toda a sua energia maternal sobre a casa.
Muito interessante.
Pode me chamar de dra. Freud. É uma pena que eu não consiga curar as minhas próprias neuroses. — Pam des​ligou o motor e virou-se para mim com um sorriso. — Acho que está na hora de atacarmos aquelas margaritas.
Então eu encolhi a barriga, afofei os cabelos e me encaminhei para a minha primeira reunião do Clube TPM.
Capítulo 4
Rochelle Meyers podia ser obcecada com a casa, mas certa​mente não se preocupava muito com a própria aparência. Ela nos recebeu na porta usando calça jeans baggy] e uma ca​misa jeans larga demais, com um pano de prato pendurado no ombro. Os cabelos castanhos e finos precisavam desesperadamente de um bom corte e não pude deixar de perceber a barriguinha saliente por baixo da camisa jeans.
—	Olá. — Ela sorriu timidamente e seu rosto rubori​zou. — Você deve ser Jaine. Eu sou Rochelle. Vamos entrar.
Ela nos levou a um vestíbulo do tamanho da minha sala de jantar.
—	Por que vocês não se acomodam na sala? Eu ainda preciso cuidar de algumas coisinhas na cozinha.
E, com isso, ela afastou-se apressada pelo corredor.
—	Rochelle está sempre cuidando de alguma coisa na cozinha — Pam comentou enquanto me conduzia até uma imensa sala de estar bege-e-branca, decorada com muito bom gosto, com uma enorme lareira de pedras e dois sofás do tamanho de locomotivas.
Uma senhora esguia e de cabelos grisalhos, na faixa dos sessenta, estava sentada num dos sofás e estendia a mão para uma vasilha de cristal cheia até a borda de gordas macadâmias. Eu olhei as macadâmias avidamente. Mal podia espe​rar para pegar algumas delas.
Sim, eu sei, eu tinha acabado de comer um hambúrguer com batatas fritas. O que posso dizer? Eu não tenho jeito, mesmo.
Olá, Doris — Pam cumprimentou a senhora grisa​lha. — Quero que conheça a minha amiga Jaine. Jaine, esta é Doris Jenkins.
Bem-vinda ao hospício — Doris sorriu.
Como Pam e Rochelle, ela usava pouca maquiagem, sem fazer qualquer tentativa de encobrir as rugas, que davam ao seu rosto uma confortável expressão de estabilidade.
Eu afundei no sofá e me servi de um punhado de macadâmias.
Jaine é escritora — disse Pam. — Ela está me ajudan​do a redigir o meu currículo.
Uma escritora? É mesmo? Estou impressionada. Para mim, escrever é tão doloroso quanto arrancar um dente.
Para mim também — eu disse. — Mas isso não me detém. Então — juntei, enquanto comia mais uma macadâmia —, Pam me contou que vocês todas se conheceram no Racquet Clube de Los Angeles.
Sim, é verdade — Doris concordou. — Eu me lembro muito bem. Eu havia acabado de perder oitenta e cinco qui​los de gordura nociva.
É mesmo?
É. Eu me divorciei.
Era uma piada velha, mas ela riu com gosto. Gargalhou, na verdade. Uma gargalhada alta, rouca e prazerosa.
—	Foi o dia mais feliz da minha vida, quando me livrei
daquele traste.
Naquele instante um rapaz extremamente atraente, de vinte e tantos anos, entrou flanando na sala, carregando uma bandeja com copos de margarita. Eu pisquei, surpresa. O que um homem estaria fazendo ali?
—	Você deve ser Jaine Austen — ele falou enquanto colocava a bandeja sobre a mesa de centro. — Eu adoro os seus livros.
Normalmente eu gemo com desânimo quando as pes​soas me dizem isso, mas desta vez me apanhei sorrindo. Havia algo naquele rapaz que me cativava. Mas não de uma maneira sexual. Os meus aguçados poderes de dedução me diziam que ele era gay. Ainda mais quando ele disse:
Eu sou Colin Lambert, o gay de estimação do clube.
Como conheceu as outras integrantes? — perguntei. — Você também freqüenta a academia?
Ah, não. Eu sou o servo sob contrato de Marybeth. Bem, tecnicamente sou o designer assistente. Mas parece trabalho escravo, principalmente quando ela me liga às três da madrugada e me pede para "dar um pulinho" até a casa dela com algumas amostras de tecido. O que, aliás, foi o que ela fez na noite passada. Sem brincadeira. Às três da madrugada.
Ele atirou-se no sofá com um suspiro.
Preciso de uma bebida — disse, pegando um copo de margarita.
Eu também, amor! — ressoou uma voz alta, enrouquecida. — Eu também!
Olhei para cima e vi uma loira alta com um cabelo enor​me, lábios enormes e peitos enormes para combinar. Ela pa​recia estar na faixa dos trinta, mas ali era Los Angeles, a capi​tal mundial da cirurgia plástica. Pelo que eu sabia, ela poderia estar vivendo de aposentadoria. A mulher entrou pela sala numa nuvem de perfume caro.
—	Me desculpem o atraso. Liquidação de sapatos na Ferragamo. Tantos saltos-agulha, tão pouco tempo...
Ela pegou uma margarita, jogou o guarda-chuvinha para o lado e praticamente aspirou a bebida num só gole.
—	Jaine — disse Pam —, esta é Ashley, a nossa sócia viciada em compras.
—	Prazer em conhecê-la, querida. — Ashley tirou os sa​ patos e sorriu. — Pam disse que você é gente como a gente.
Eu esbocei o que esperava ser um sorriso de gente-como-a-gente.
Onde está Rochelle? — ela perguntou, olhando em volta da sala.
Na cozinha — disse Pam. — Como sempre.
Rochelle! — Ashley gritou. — Traga o seu bumbum já para cá! Você não pode ficar na cozinha a noite inteira!
Segundos depois Rochelle entrou na sala apressada, trazendo uma tigela de guacamole com a aparência mais deli​ciosa que eu já tinha visto, ornamentada com gigantescos pedaços de abacate. Entre as macadâmias e o abacate, parecia que eu acabara de morrer e fora para o paraíso das calorias.
—Espero que não esteja apimentada demais — Rochelle falou, a testa franzida de preocupação.
—	Nunca está apimentada demais, Rochelle — disse Colin. — Está sempre maravilhosa.
Ela deixou a vasilha na mesa de centro e todos nós a atacamos, pegando bocados com nossos chips como se fôs​semos abutres.
Está divina — eu disse. E estava mesmo.
Tem certeza de que não está muito apimentada?
Não, não está nada apimentada.
Então tem pouca pimenta?
Rochelle, está deliciosa! — disse Pam. — Agora sen​te-se, pegue uma margarita e pare de ficar obcecada.
Espere. Preciso buscar as empanadas.
Antes que eu me desse conta ela já estava voltando da cozinha com um prato enorme, cheio de empanadas feitas em casa, crocantes e assadas à perfeição. Cada uma delas exibia uma bandeirinha do México.
—	Espero que a massa não esteja muito pesada — Rochelle falou, franzindo a testa.
— Rochelle! — Pam obrigou-a a sentar no sofá e entregou-lhe um copo de margarita. — Beba — ordenou.
Rochelle tomou um gole.
— Agora relaxe e se embriague conosco.
— Alguém me passe as empanadas! — disse Doris. — Vamos atacar.
— Não vamos esperar Marybeth? — Rochelle perguntou.
— Não seja boba — disse Colin. — Isso pode demorar a vida inteira. Você sabe como ela gosta de fazer uma entrada triunfal. — Ele voltou-se para mim, explicando: — Marybeth sempre espera até ter certeza de que todos chegaram e então irrompe com alguma "notícia deliciosa".
— É assim que ela fala? Notícia deliciosa?
— Infelizmente, sim. — Pam girou os olhos para o alto. — Marybeth é a pessoa mais incansavelmente animada que já conheci.
— É mesmo — Colinafirmou. — Como Shirley Temple tomando estimulantes.
— É verdade — Ashley concordou, pegando outra margarita. — Eu acho que ela toma antidepressivos na veia.
— Ela está sempre nos dando sermões, sobre como devemos ver o lado positivo das coisas — disse Pam. — Se ela me disser mais uma vez para olhar o lado positivo, vou enfiar-lhe a minha bandeirinha mexicana vocês sabem onde.
— Ora, vocês são terríveis — Rochelle aparteou. — Não lhes dê ouvidos, Jaine. Marybeth é uma pessoa maravilhosa. Ela tem me ajudado a redecorar o banheiro principal nos últimos seis meses e descobri que é muito divertido trabalharmos juntas.
Todos na sala gemeram.
— Está bem, talvez ela exagere um pouco às vezes mas, basicamente, é uma pessoa interessada e atenciosa.
— Sim, ela é muito atenciosa — disse Colin. — E é por isso que ligou para o meu celular no meio do casamento do meu primo para pedir que eu lhe levasse um cappucino. 
— Shh — Doris cochichou. —Acho que a ouvi chegando.
E, por certo, logo a campainha tocou.
— Ela sempre toca a campainha — Pam revelou —, mesmo sabendo que a porta está aberta. Ela precisa anunciar sua chegada.
— Pode entrar — Rochelle gritou.
Uma súbita tensão preencheu o ar. E então Marybeth Olson irrompeu na sala.
Ela não era nada do que eu estava esperando. Já vi a minha quota de programas com decoradoras no Canal Casa & Jardim, todos elas esguias, sofisticadas e magras até os ossos. Mas Marybeth parecia alguém que acabara de sair de uma fazenda leiteira. Fresca e saudável, os cabelos loiros muito claros e os mais admiráveis olhos verdes que já vi, tão verdes quanto o par de brincos de esmeraldas falsas da mi¬nha mãe. A única maquiagem em seu rosto era um leve ba¬tom vermelho-cintilante. E, embora não fosse nem um pou¬quinho gorda, estava longe de ser aquele tipo palito que eu havia imaginado.
Quando Pam nos apresentou ela tomou a minha mão e cumprimentou-me calorosamente.
— Fico tão feliz por você ter se juntado a nós, Judy.
— Na verdade, é Jaine.
— Desculpe — ela disse, enviando-me um sorriso radioso. — Eu sempre confundo os nomes com J.
Então ela espremeu-se no sofá entre Doris e Colin, obrigando Colin a se mover até a beirada do assento.
— Pegue uma margarita, Marybeth — disse Rochelle. — E coma um pouco de guacamole. — Ela se levantou e passou a vasilha de guacamole para Marybeth.
Marybeth lançou outro sorriso fulminante para Rochelle.
— Parece deliciosa.
— Espero que não esteja muito apimentada.
— Não está muito apimentada! — todos gritaram ao mesmo tempo.
— Muito bem, senhoras e senhor — Doris falou, batendo o guarda-chuvinha de coquetel contra o copo de margarita.
— A reunião semanal do honorável Clube TPM está declarada aberta. Alguma novidade?
Sem perda de tempo Marybeth foi a primeira a falar.
— Eu tenho uma notícia deliciosa!
Pam me deu um cutucão na costela.
— Um dia desses, só por diversão, decidi comprar um bilhete de loteria, e vocês nem imaginam o que aconteceu!
— Você ganhou? — Pam piscou, incrédula.
— Sim! — Marybeth remexeu na bolsa e fisgou um bi¬lhete de loteria. — Não é maravilhoso? — Beijou o bilhete com os lábios cintilantes. — Mas não é grande coisa. Apenas cinqüenta mil.
Apenas cinqüenta mil?
— Os ricos ficam mais ricos — Pam murmurou por entre os dentes.
Aquela quantia talvez não fosse grande coisa para Marybeth, mas compraria um bocado de hambúrgueres para alguém como eu.
— Isso é ótimo! — Rochelle exclamou, encantada.
Os outros murmuraram palavras de congratulações com uma evidente falta de entusiasmo.
— Alguém mais tem uma notícia deliciosa? — Doris perguntou.
— Na verdade, eu tenho boas notícias — disse Pam. — Jaine, aqui presente, concordou em redigir um currículo para mim.
— A saúde de Jaine! — Ashley bebeu um generoso gole da sua margarita.
Algo me dizia que ela teria brindado até mesmo a Hitler, se achasse que assim conseguiria mais um gole.
— Esta é a boa notícia — Pam continuou. — A má notícia é que fui rejeitada para outro papel nesta semana. A diretora de elenco me deixou esperando durante três horas e depois nem se deu ao trabalho de fazer o teste comigo. Ela disse que já havia escolhido outra pessoa. Não teria sido tão ruim, só que eles tomaram a decisão duas horas antes e nin¬guém me avisou. Ela me fez ficar sentada, ali, a tarde inteira para nada. E nem mesmo pediu desculpas.
Os integrantes do clube TPM encheram-se de justificada indignação.
— Que pessoa horrível! — Colin indignou-se.
Bem, não foi exatamente isso que ele disse. Ele falou aquela palavrinha de cinco letras que rima com "queda". Aqueles entre vocês que pensaram em "cerda", erraram.
— Um brinde àquela diretora de elenco de (pi-pi-pi)! — Ashley ergueu o copo em mais um brinde. — Que ela pegue uma herpes!
Todos erguemos os copos e bebemos àquele brinde sincero.
— Então, quem mais tem novidades? — Ashley perguntou olhando a sua volta.
— Bem — Doris falou, respirando fundo —, eu tive um encontro neste fim de semana. Por meio de um serviço de namoros por vídeo.
— Conte tudo — Colin pediu.
- Foi um pesadelo. O sujeito escreveu em seu perfil que tinha 62 anos. E tenho certeza de que ele tinha 62 anos... vinte anos atrás. Só sei que ele tinha pelo menos 80 quando o conheci, neste sábado. Que encontro. Passei a noite inteira lhe dando tapas.
— Para manter as mãos dele longe de você?
— Não, para mantê-lo acordado.
— E você acha que isso é ruim? — Colin falou. — Lembram-se daquele sujeito para quem dei o número do meu telefone na loja Williams Sonoma? Aquele que achei parecido com Kyan do Queer Eye? Pois bem, ele ligou.
— Mas isso é ótimo — disse Rochelle.
— Nem tanto. Acontece que ele é um vendedor de seguros. Comprei um seguro de vida no valor de 25.000 dóla¬res antes de descobrir que ele é casado e tem três filhos.
— Um brinde ao vendedor de seguros — disse Ashley. — Que ele pegue a herpes da diretora de elenco!
Todos nós bebemos a isso também.
Pam estava certa quanto ao clube. Eu estava me divertindo imensamente. Só esperava poder passar por aquela noite sem ter de falar sobre mim. Por mais amigável que o grupo parecia ser, eu ainda não me sentia totalmente à vontade para desabafar meus problemas diante de todos eles. Mas aparentemente eu iria ficar sob os holofotes, no fim das contas. Porque naquele mesmo instante percebi que Marybeth me encarava com uma expressão avaliadora.
— E quanto a você, Julie? O que está acontecendo na sua vida?
— O meu nome é Jaine, na verdade.
— Ah, puxa! Desculpe. Eu sou péssima para lembrar nomes. É de surpreender que ainda me restem alguns clientes.
— Eu também me surpreendo — ouvi Colin murmurar.
Marybeth lançou-me um sorriso que pretendia ser simpático e disparou:
— Vá em frente. Conte-nos como vai a sua vida. Algum namorado?
Por que eu tinha a impressão de que ela já sabia toda a verdade a meu respeito, que eu era apenas mais uma garota sem namorado em Los Angeles, cujo último encontro era uma lembrança distante e, aliás, bem desagradável?
— Bem, para ser sincera eu estou namorando um ator. Ele até que é famoso. Eu não deveria estar me gabando para vocês mas, que mal há nisso? As iniciais dele são Denzel Washington. 
Ok, não foi isso que eu disse. Limitei-me a sorrir e fiz um comentário ligeiro sobre o fato de que a paisagem da minha vida social assemelhava-se a uma devastação nuclear, e os outros voltaram a atenção para Rochelle.
— Então, Rochelle — Doris perguntou. — Como estão as coisas com Marty?
Rochelle levantou-se num pulo e encaminhou-se para a cozinha.
— Quem quer mais empanadas?
— Rochelle — Doris comandou. — Volte aqui. Rochelle tornou a sentar no sofá, suspirando. Marybeth
inclinou-se e tomou-lhe a mão.
— Vamos lá, querida — ela disse. — Você pode nos contar tudo. É para isso que estamos aqui.
Rochelle fitou-a com gratidão e depois respirou fundo.
— As coisas com Marty não vão muito bem. Ele quase não conversa comigo. Chega tarde em casa todas as noites e diz que estava trabalhando. É isso que eu não entendo. Que dentista trabalha até meia-noite?
Ela balançou a cabeça comum ar infeliz e baixou os olhos para as unhas que, eu pude ver, estavam roídas até a pele.
— Quando ele chega em casa, a primeira coisa que faz é ir tomar banho. Eu vi no programa da Oprah, outro dia, que este é um sinal de que seu marido está tendo um caso. — Ela ergueu a cabeça. — O que vocês acham? — perguntou, os olhos arregalados de preocupação.—Vocês acham que Marty está tendo um caso?
Ninguém falou nada. Ninguém teve coragem de dizer o que todos estavam pensando, que, é claro, Marty estava tendo um caso e ela deveria acordar para a vida e conseguir o nome de um bom advogado especialista em divórcios.
— É difícil dizer, Rochelle — Pam finalmente conseguiu opinar.
Homens... — Ashley manteve os olhos fixos no seu copo de margarita. — Que bando de idiotas. Pelo menos de pois que apanhei o meu marido me traindo com a nossa vi​zinha de dezessete anos, ele teve a consideração de morrer e me deixar uma batelada de dinheiro. Ela levantou o copo num brinde.
Ao meu marido, Roger. E se houver herpes no infer​no, espero que ele pegue.
Tim-tim — Pam brindou, e todos erguemos nossos copos.
Marybeth balançou a cabeça com desaprovação.
Vocês são terríveis. Um bando de Marias-Negativas. Para sua informação, existem muitos homens bons por aí. Na verdade, acabei de encontrar não apenas um, mas dois deles.
Imagino que você vá nos contar tudo sobre isso — Pam suspirou com desânimo.
Marybeth estendeu a mão para a vasilha de macadâmias que eu já havia praticamente demolido.
—	Passe as macadâmias, sim, June?
Receio que eu já tenha comido quase todas — falei ao lhe passar a vasilha.
Não tem problema — Rochelle falou, levantando-se no mesmo instante. — Tenho mais na cozinha.
—Não se incomode, querida — disse Marybeth. — Ain​da sobraram algumas. — Ênfase no algumas.
Àquela altura eu já estava firmemente entrincheirada na turma anti-Marybeth.
Marybeth examinou as macadâmias cuidadosamente.
Não tem nenhum amendoim aqui, não é, Rochelle?
Meu Deus, é claro que não! Nenhum amendoim, só macadâmias. Você sabe que eu jamais serviria amendoins.
Lancei um olhar intrigado para Pam.
—	Marybeth é alérgica a amendoins — ela explicou.
	Satisfeita por não haver nenhum ofensivo amendoim na tigela, Marybeth colocou uma macadâmia na boca e nos fez esperar enquanto mastigava e engolia, antes de começar a falar sobre os seus dois bons homens.
O primeiro era um decorador que ela conhecera duran​te uma recente viagem a Nova York.
Rene é um verdadeiro gênio — ela borbulhou. — E vocês nunca irão adivinhar o que ele irá fazer!
Tem razão, Marybeth — disse Pam. — Nós nunca adivinharemos. Então por que não nos diz?
Ele vai se mudar para Los Angeles e será o meu só​cio! Não é uma notícia maravilhosa?
Todos concordaram, com evidente ausência de entusias​mo, que era uma notícia maravilhosa. Todos exceto Colin, que nem mesmo se deu ao trabalho de colar um sorriso falso no rosto. Ao contrário, sua expressão era de pura raiva.
—	E, agora, a melhor notícia de todas! — Marybeth
anunciou, iluminando-se.
Que introdução triunfal. Fiquei surpresa por ela não ter trazido uma fanfarra.
Eu conheci um homem especial!
Isso é fantástico — Rochelle incentivou, com um sor​riso sincero no rosto, o único sorriso sincero naquela sala. — Quando aconteceu?
Ah, nós temos nos encontrado há alguns meses.
E você não nos disse nada?
Eu não queria dar chance para o azar. Quis ter certe​za de que era sério mesmo. — Marybeth sorria, encantada. — E é. Nós vamos nos casar.
Todos murmuraram seus parabéns, exceto Colin, que continuava com a expressão fria de raiva. Se Marybeth repa​rou, não fez qualquer comentário.
—	Nós estamos tão apaixonados — ela desabafou, me​losa. — Tão loucamente apaixonados.
—	Conte-nos sobre ele — Rochelle pediu.
Marybeth apenas sorriu recatadamente.
—	Não, ainda não. Vou guardar para a próxima semana.
Ashley suspirou exasperada.
Isso é bem você, Marybeth, nos manter na expectati​va durante uma semana.
Ora, querida, não seja assim tão apressadinha — Marybeth falou, apertando os lábios cintilantes num biquinho perfeito.
Argh. Colin tinha razão. Ela era mesmo Shirley Temple à base de estimulantes.
Com licença, acho que vou vomitar.
Logo depois do anúncio de Marybeth as últimas margaritas foram engolidas e a reunião deu-se por encerrada. Pam começou a tirar os pratos da mesinha de centro e os outros passaram a ajudá-la.
Vocês não precisam fazer isso — Rochelle protestou. — Posso limpar tudo sozinha.
Nós sabemos que você pode — disse Pam —, mas não vai.
Eu ajudei um pouco na cozinha e depois pedi licença para ir ao banheiro.
Estava seguindo pelo corredor na direção do banheiro quando vi Colin na sala de jantar, falando no telefone celu​lar. Xereta que sou, parei para escutar.
—	Eu queria matar aquela cadela — eu o ouvi sussur​rar. — Ela havia me prometido a sociedade.
Então, isso explicava porque ele ficara com tanta raiva.
Era engraçado, pensei enquanto cheirava o sabonete francês no lavabo, que, com exceção de Rochelle, não havia nem sequer uma pessoa no Clube TPM que estivesse feliz por Marybeth.
Para alguém que pregava as maravilhas do pensamen​to positivo ela certamente conseguira espalhar um bocado de energia negativa.
* * *
Depois de agradecer Rochelle e lhe assegurar mais uma vez que a guacamole não estava apimentada demais, segui​mos para os nossos carros. Era uma variedade impressio​nante. Doris tinha um Audi; Colin, um BMW; Ashley tinha um Jaguar e, Marybeth, um Porsche. Verdade que o BMW de Colin tinha no mínimo uns dez anos, mas era um BMW. Evi​dentemente Pam e eu éramos as únicas integrantes de baixa-renda do clube.
Colin despediu-se brevemente e entrou no carro.
Tchauzinho, Colin! — Marybeth acenou.
Tchauzinho uma droga — ele murmurou. Só que não usou a palavra droga.
O que há de errado com ele? — Marybeth perguntou com os olhos arregalados de inocência, enquanto ele se afas​tava. — Ah, tudo bem. O que quer que seja, ele vai superar. Ele sempre supera.
Então ela entrou no seu Porsche prata, acenou para to​das nós com dois dedinhos e saiu em disparada.
Fiquei olhando perplexa enquanto ela corria pela rua abaixo, "cantando" os pneus, queimando borracha. Eu já vira motoristas mais cuidadosos em Indianápolis. Certamente ela não conseguia descontos no seguro por ser boa motorista.
Aquela mulher é um acidente esperando por aconte​cer — Pam falou, balançando a cabeça. — Me admira que ela ainda não tenha acabado numa vala qualquer.
Sabe em que eu não consigo acreditar? — disse Do​ris. — Não consigo acreditar que ela tenha trazido aquele sujeito de Nova York para ser sócio da sua empresa. Depois de todos estes anos prometendo a Colin que ele seria o sócio.
—	Assim é Marybeth. — Ashley encolheu os ombros.
Doris suspirou concordando e as duas entraram em seus respectivos carros.
Depois que elas partiram, Pam virou-se para mim e sorriu.
Adivinhe? Nós conversamos enquanto você estava no banheiro e queremos que você faça parte do clube!
É mesmo?
Então, o que acha?
Eu tenho de admitir que fiquei lisonjeada. A última vez que me convidaram para fazer parte de alguma coisa foi no Clube das Meias-Calças da Loja Macy's. — Compre dez pa​res e ganhe o décimo primeiro. — E, agora que Kandi estava me abandonando pelo altar, eu estava definitivamente à pro​cura de novas amigas. Sem mencionar as margaritas grátis. E daí que Marybeth era uma chata? As outras eram muito divertidas.
E assim, num impulso do qual me arrependeria profundamente, eu disse sim.
Capítulo 5
É claro que, na ocasião, eu não tinha a mínima idéia de toda a porcaria que acabaria batendo no meu ventilador. Minha maior preocupação, no momento, era a entrevista no Banco Union National. Já se passara uma eternidade desde a últi​ma vez em que eu trabalhara para uma grande corporação. A minha última entrevista de emprego havia sido com um grupo bem menos importante — a Empresa de Mudanças e Guarda-MóveisBig Al, para um serviço "moleza": redigir o anúncio da empresa para as Páginas Amarelas.
Enquanto eu subia pelo elevador do prédio do Banco Union National no dia seguinte, borboletas revoavam ale​gremente no meu estômago. Desci no andar da administra​ção e me vi num lugar que mais parecia um clube inglês ex​clusivo para cavalheiros: piso de madeira reluzente salpicado de tapetes persas, enormes poltronas de couro e — no centro de tudo isso — uma aristocrática recepcionista de cabelos grisalhos, com um nariz adunco e maçãs-do-rosto tão cor​tantes que poderiam até abrir envelopes.
Aproximei-me da sua mesa, uma imaculada escrivani​nha de cerejeira com absolutamente nada em cima, exceto um telefone e um vaso com rosas perfeitas. Limpei a gargan​ta e disse a ela que estava ali para uma entrevista com Andrew Ferguson, marcada para as dez horas. Ela me olhou de cima a baixo, dando-me uma examinada geral como se fosse a rainha Elizabeth inspecionando um dos seus cachorros à procura de pulgas. Fiquei contente por estar usando o meu terninho Prada.
Sim, eu, a Jaine Austen do Galpão da Pechincha, atualmente sou proprietária de um terninho Prada, lembrança de um assassinato em que estive envolvida no ano passado, e sobre o qual você pode ler no "Sapatos de Arrasar", disponí​vel em todas as boas livrarias.
Se me permitem dizer, eu estava muito elegante. Ainda bem que a rainha Elizabeth não podia ver que, por baixo do casaquinho Prada, a minha calça Prada estava desabotoada na cintura.
A rainha assentiu brevemente e, num sotaque britânico que desconfiei que ela aprendera assistindo aos antigos fil​mes de Greer Garson, disse:
— Sente-se, por favor. O sr. Ferguson irá atendê-la num instante.
Eu me sentei conforme fora instruída, lembrando-me de, sob nenhuma circunstância, permitir que meu casaco se abrisse e revelasse o botão aberto na cintura.
Todas as vezes em que pensava naquele botão na cintu​ra eu tinha vontade de esganar Prozac. Era por culpa dela que a minha barriga estava pendendo num rolo repugnante. Eu havia planejado usar uma nova meia-calça que prometia controlar o volume da barriga com um modelador de cintu​ra. Eu a deixara em cima da cama naquela manhã, antes de entrar no chuveiro, mas quando saí ela havia desaparecido.
Prozac escondera a meia-calça, claro. Eu soube disso no instante em que vi o sorrisinho satisfeito em seu rosto en​quanto me observava procurar a meia-calça perdida. Eu de​cidira colocá-la de volta na dieta naquela manhã e, evi​dentemente, ela resolvera se vingar.
Procurei em baixo da cama e atrás das almofadas do sofá, dois dos seus lugares favoritos para esconder as coisas. Nenhum sinal da meia-calça. Provavelmente ela a enterrara na caixinha de areia onde fazia as necessidades. Ela fez isso certa vez com o meu sutiã, quando ficou brava por eu ter atrasado o seu jantar. Eu não consegui enfrentar a visão de uma meia-calça de vinte dólares enterrada sob cocô de gato, então peguei um par de meias, acabei de me vestir e corri para a minha entrevista com Andrew Ferguson.
Chequei as horas. Dez e quinze. A rainha Elizabeth olha​va para o espaço, evitando meu olhar, determinada a não se engajar num bate-papo frívolo com tipos como eu.
Eu deveria ter aproveitado o tempo para rever a minha pesquisa sobre o Union National, mas estava ocupada de​mais irritando-me com o rolo de gordura que pressionava a cintura da minha calça, e que não estaria ali se eu estivesse usando a meia-calça controladora de volume e modeladora de cintura.
—	Srta. Austen?
Olhei para cima e todos os pensamentos sobre a minha flacidez voaram pela janela.
Parado a minha frente estava um "gato" da mais eleva​da magnitude. Alto e esguio, com a aparência juvenil pela qual eu tenho uma especial fraqueza. Nada de sujeitos grandalhões e megamusculosos para mim. Eu prefiro a va​riedade sensível, artística e pendendo para o lado mais ma​gro. Imagino que deva ser algo do tipo "opostos que se atraem". De qualquer forma, o que quer que fosse que me atraísse, aquele homem tinha, e muito.
—	Eu sou Andrew Ferguson — ele disse, estendendo a
mão. — Muito prazer em conhecê-la.
Não sei quanto tempo fiquei parada ali olhando o pomo de Adão dele antes de me dar conta de que deveria estar apertando-lhe a mão. Mas finalmente acordei e murmurei algo excepcionalmente inteligente, como:
—	Humm... Igualmente
Eu o segui para dentro do escritório, fascinada pela maneira como os seus cabelos castanho-claros enrolavam-se na dobrinha da sua nuca.
Santo Deus. Eu sentira aquele tipo de atração por ape​nas três homens na minha vida. O primeiro acabou revelando-se um mentiroso sociopata. O outro era um estudante num seminário e o terceiro acabou se transformando no "O Bo​lha", o sujeito que realmente usou sandálias de borracha no nosso casamento. Portanto você pode ver que não tenho lem​branças muito agradáveis, no que se refere aos homens que fizeram o meu ponto-G cantarolar. E foi por isso que decidi, naquele momento, refrear todos e quaisquer sentimentos lascivos que eu tivesse por Andrew Ferguson.
Não foi fácil, mas quase consegui ignorar o seu sorriso de canto da boca e prestar atenção enquanto ele me falava sobre o trabalho de editora free-lance do jornal interno men​sal do banco.
Você poderia escrever os perfis dos funcionários. Sabe, coisas do tipo funcionário-do-mês. Os gerentes das agências lhe passariam as notícias sobre promoções e outras coisas. E gostaríamos que você fizesse a cobertura de todos os eventos que o banco patrocina. O que acha? Parece algo em que você estaria interessada?
Isso depende. Você é casado?
Ok, é claro que não foi isso que eu disse. O que eu dis​se foi:
Sim, parece ótimo.
O salário é de quarenta mil por ano.
Quarenta mil dólares por ano? Para fazer um jornalzinho que provavelmente não me tomaria mais do que uma sema​na por mês? Uau. Eu tinha morrido e estava no paraíso dos holerites!
Bem, nem tanto, lembrei a mim mesma. Eu ainda não conseguira o emprego. Longe disso, aliás.
Então — Andrew falou, pousando a palma das mãos
na mesa, esperando que o show começasse. — Vamos dar
uma olhada nas amostras dos seus textos, está bem?
Felizmente eu já fizera alguns trabalhos como jorna​lista [i]free-lance[/i] no passado. Assuntos de interesse humano, clubes de jardinagem. Hidroginástica para idosos na Asso​ciação Cristã de Moços. A Olimpíada Anual de Frisbee para Cães em Santa Mônica. Não era exatamente Woodward e Bernstein. Mas o jornalzinho [i]Conversa-Fiada[/i] do Union Na​tional não era exatamente o Washington Post, portanto eu es​perava ter uma chance de conquistar aqueles quarenta mil dólares.
Aja com confiança, disse a mim mesma enquanto abria a minha pasta de textos. Você tem trabalhos muito bons aqui. Tan​to quanto sabe, talvez ele fique fascinado com o seu texto sobre octogenários se exercitando em piscinas.
Mas quando abri a minha pasta o desastre se instalou. Alguma coisa pulou para fora, além do meu livro de amos​tras. Alguma coisa bege, molenga e de tamanho GG. Ai, meu Deus! Era a meia-calça modeladora de cintura! Caída, toda arreganhada, no meio do risca-rabisca Mark Cross de Andrew Ferguson! Com a parte de baixo de algodão olhando direto para ele.
Então fora ali que Prozac a escondera!
Aquele só podia ser um dos dez momentos mais humilhantes da minha vida. Nós dois ficamos parados ali pelo que pareceu uma eternidade, olhando aquela maldita "coi​sa". Eu queria falar, me desculpar, mas estava paralisada de vergonha.
Finalmente Andrew rompeu o silêncio. Ele sorriu e disse:
—	Você tem algum modelo do tipo "arrastão"?
Agarrei a meia-calça e tornei a guardá-la dentro da pas​ta, transformando-me imediatamente de muda para tagarela.
Ah, meu Deus, isso é tão constrangedor. Tudo por culpa de Prozac...
Prozac? Você está em tratamento com remédios?
Não, Prozac é a minha gata. Ela está furiosa porque voltei para casa com o hálito cheirando a chimichangs e colo​quei-a numa dieta e queria que ela comesse a raçãosaudável de tripas de hadoque mas acabei cedendo e lhe dei o atum que ela tanto gosta mas hoje cedo eu a obriguei a voltar para a dieta e...
Eu atropelava as palavras como uma idiota e não con​seguia me conter. Ah, tudo bem. Que importância tinha isso? Aqueles quarenta mil "já eram". Eu me despedira daquele emprego no instante em que os olhos de Andrew Ferguson tinham se encontrado com o forro de algodão da minha meia-calça.
O restante da entrevista flutuou num borrão mortificante. Eu via os lábios de Andrew se movendo mas mal ouvi uma palavra do que ele falava. Alguma coisa sobre me ligar caso estivessem interessados. Finalmente ele se despediu com um aperto de mão e eu fui aos tropeços, passando pela rai​nha Elizabeth, desde o elevador até o estacionamento.
Dirigi para casa ardendo de vergonha. Por mais que tentasse, não conseguia apagar a imagem de Andrew esboçan​do aquele seu sorriso de canto de lábios e me perguntando se eu tinha alguma coisa no modelo "arrastão".
Quando cheguei em casa encontrei Prozac cochilando no sofá, sem nem uma preocupação sequer na vida.
—	Sua patifezinha! — exclamei sacudindo a meia-calça
no focinho dela. — Você deve ter achado isso muito engraça​do, não é?
Razoavelmente divertido.
Ela começou a lamber os genitais, obviamente muito orgulhosa de si mesma.
—	Pois bem, talvez você tenha achado graça nisso, mas
eu não achei. Vou lhe mostrar o quanto estou zangada. Absolutamente furiosa. É sério, Pro. Estou falando sério. Estou
muito zangada.
Fui para a cozinha pisando duro e comecei a jogar na lata de lixo toda a ração dietética da vasilha dela.
—	Você quer ser gorda? Pois seja gorda! Veja se eu me
importo! Coma uma pizza. Um sorvete. Quem sabe com um
pouco de calda de chocolate?
Ela ficou parada na porta da cozinha, os olhos arregala​dos, enquanto eu atirava latas de comida de gato por todo lado.
Há uma coisa engraçada em Prozac. Ela sabe quando passou dos limites. Sempre que vê que estou realmente zan​gada, ela se transforma naquela gatinha fofa e adorável dos meus sonhos, pulando no meu colo, roçando o pequeno focinho rosado no meu queixo, ronronando de felicidade por ouvir o mero som da minha voz.
E foi tudo isso que ela passou a fazer. Subitamente ela era a Miss Simpatia. Mas eu não iria cair nesta armadilha novamente. Fiquei fria. Indiferente. Não iria perdoá-la. Não importava o quanto ela arregalava os olhos, o quanto ronronava, eu me mantive impassível aos seus encantos.
Eu estava impiedosa.
Na verdade, naquela noite, quando ela pulou na cama comigo e deitou de costas pedindo uma coçadinha na barri​ga, eu a fiz esperar por trinta segundos inteiros.
Capítulo 6
A semana seguinte foi relativamente tranqüila. Não recebi notícias dos meus pais na Flórida e presumi que "nenhuma notícia é boa notícia". Apesar de que, com meu pai, esta era sempre uma presunção arriscada.
No "front" doméstico o trabalho era praticamente nulo. Minha única fonte de renda era um folheto que estava redigindo para um dos meus clientes regulares, a Companhia de Toldos Ackerman (Sempre a Melhor Sombra). É desnecessário dizer que não ouvi nem uma palavra de Andrew Ferguson, não depois do episódio da meia-calça.
Ah, tudo bem. Quem sabe, se eu fizesse tudo direitinho, conseguiria desencavar um trabalho com alguma das integrantes do Clube TPM. Já que não poderia redigir o Conversa-Fiada do Union National, talvez criasse o jornalzinho Notícias Deliciosas para Marybeth.
O único verdadeiro lampejo de excitação da semana aconteceu, por incrível que pareça, no Lar de Repouso Shalom. Uma vez por semana eu dou aulas ali, num curso de redação chamado Escrevendo As Lembranças da Sua Vida.
Na verdade, não há muito o que ensinar. O que mais faço é ouvir. A cada semana os meus idosos alunos chegam à aula trazendo suas lembranças redigidas em papel pautado. Algumas são bem escritas. Outras são rígidas e desajeitadas. Mas todas são escritas com o coração e eu considero um privilégio escutá-las.
Existe, porém, uma mosca na sopa do Shalom: Abe Existe, Existe, porém, uma mosca na sopa do Shalom: Abe Goldman, o único homem do grupo. Ele é o tipo de aluno que é o terror de todo professor: barulhento, tagarela e opinioso. Pior de tudo, o velhote tem uma paixonite por mim e está sempre me lançando seus sorrisos de dentadura e me convidando para passeios ao luar no estacionamento.
Na noite seguinte à reunião do TPM, fui para o Shalom e o sr. Goldman, como de costume, correu para sentar ao meu lado na ponta da mesa da sala de recreação.
— Olá, docinho! — ele sorriu. — Veja só o que eu trouxe para você!
Ele enfiou a mão no bolso da calça e tirou um lenço não muito limpo. 
Exatamente o que eu queria. Meleca seca.
— Ora, onde diabos está aquele negócio? — ele disse, tornando a remexer nos enormes bolsos. — Ah, aqui está.
Ele retirou um potinho de pudim todo amassado.
— Guardei para você a semana inteira. É de chocolate. Eu sei o quanto você adora chocolate.
É verdade, sou uma chocólatra confirmada, mas até mesmo eu, a mulher que quase deu o nome de Mallomar à sua gata, fiquei vagamente nauseada com a idéia de comer um pudim de chocolate que havia dividido espaço com o lenço sujo do sr. Goldman durante uma semana.
— Eu lhe trouxe uma colher, também — ele disse, extraindo do bolso uma colher de plástico infestada de germes.
— Obrigada — falei engolindo em seco, quando ele empurrou-a para mim.
—Então, docinho — ele perguntou —, o que acha? Quer ser o meu par na noite do Mambo Mania?
A cada dois meses o Shalom realizava um evento a que chamavam de Mambo Mania. Este consistia principalmente de senhoras idosas dançando umas com as outras — algumas delas com seus andadores —, ao som de Steve & Eydie cantando Besame Mucho. O sr. Goldman sempre me convidava para ser seu par neste acontecimento de gala, mas eu sempre recusava.
— Sinto muito, sr. Goldman, mas o senhor sabe que eu não danço.
— E quem se importa? Nós podemos simplesmente sair escondidos para o estacionamento e dar uns "amassos".
Está brincando? Prefiro mil vezes comer este pudim nojento. Ignorando seu sorrisinho malicioso, colei no rosto a minha expressão de professora animada e perguntei:
— Muito bem, classe. Quem quer ler primeiro?
A mão do sr. Goldman levantou-se no mesmo instante. Ele sempre queria ser o primeiro a ler uma das suas intermináveis redações sobre a incessante saga da sua vida como vendedor de tapetes.
Olhei em volta da sala, desesperada por outra voluntária. Enviei um olhar de encorajamento para a sra. Petcher, uma senhora rechonchuda como um pompom, com seios do tamanho de almofadas. Mas a sra. Pechter limitou-se a sorrir candidamente e enfiou uma bala de caramelo na boca. Sorri para a sra. Rubin, que parecia um passarinho, mas ela rapidamente desviou o olhar para o próprio colo. As minhas senhorinhas sempre ficam tímidas no início das aulas. Demoram algum tempo para se aquecer. Eu sorri para a sra. Zahler e para a sra. Greenberg, mas elas também mantiveram os bicos fechados.
Finalmente vi que não podia mais ignorar a mão agita¬da do sr. Goldman.
— Vá em frente, sr. Goldman — suspirei.
E ele foi em frente, à toda. Prolongando-se interminavelmente sobre a época em que havia vendido a Henry Kissinger carpetes de largura máxima para cobrir quatro cômodos. 
Pálpebras começaram a se fechar enquanto o sr. Goldman divagava acerca do astuto conselho sobre política externa que ele havia dado ao seu amigo "Hank". Algumas das senhoras já estavam cochilando. E, ah, como eu as invejava. Eu, sendo a professora, tinha de me obrigar a manter as pálpebras bem abertas.
Inevitavelmente, como sempre acontecia durante uma das extensas leituras do sr. Goldman, minha mente começou a vagar. Pensei na desastrosa entrevista no Banco Union National. Que vergonha. Teria sido tão bom conseguir aquele emprego. Que folga bem-vinda seria dos anúncios para os Toldos Ackerman e para os Mestres do Encanamento.
E, depois, é claro, havia Andrew Fergunson. Que homem... Lembrei-me do sorriso de canto

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