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EAD UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO: Licenciatura em Letras DISCIPLINA: Português VI Conteudistas: Raquel Fonseca e Rívia Fonseca AULA 05 – Charge, tira e quadrinhos: gêneros do domínio jornalístico Meta Apresentar os dois gêneros discursivos do domínio jornalístico – a charge, a tira e os quadrinhos – e mostrar de que maneira esses textos sincréticos podem ser explorados no desenvolvimento da competência linguística dos alunos. Objetivos Esperamos que, após o estudo desta aula, você seja capaz de: 1. Identificar as principais características dos gêneros discursivos estudados; 2. Apropriar-se desse conhecimento para enriquecer a sua prática docente. Pré-requisitos Antes de iniciar esta aula, sugerimos a leitura do texto História em quadrinhos: um enunciado sincrético, de Norma Discini. Esse texto é um capítulo do livro Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética, organizados pelas professoras Ana Claudia de Oliveira e Lucia Teixeira e editado pela Estação das Letras e Cores, 2009. INTRODUÇÃO A visão é o sentido perceptivo primordial dos seres humanos, por isso, geralmente, é primeiro pelo olhar que somos conduzidos aos sentidos do mundo. Visualmente as pessoas reconhecem umas às outras, se expressam e reconhecem a si mesmas em algumas das muitas imagens com as quais se deparam todos os dias. Fonte: https://openclipart.org/people/molumen/molumen_eyes.svg Estamos o tempo todo interpretando o que vemos. Certamente, você já ouviu alguém dizer, nos dias de hoje: “vivemos na era da imagem” ou “uma imagem vale mais do que mil palavras”, ou, ainda, “na era digital não há espaço para a leitura”. Frases que constituem os chamados lugares-comuns. São ideias reproduzidas sem muita reflexão, muitas vezes, seguidas de um comentário crítico que relaciona, automaticamente, a profusão de imagens que circulam nas diferentes esferas de comunicação aos baixos índices de leitura aferidos nos dias de hoje. Ao ouvirmos comentários como estes, devemos ser capazes de perceber que eles revelam um princípio equivocado a respeito não só daquilo que constitui um texto, mas, especialmente, do que significa ler um texto. BOXE DE CURIOSIDADE Para saber mais sobre os dados referentes à leitura no Brasil acesse: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf. O arquivo disponível para download divulga os resultados da pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro sobre o comportamento leitor do brasileiro. O objetivo desse trabalho é subsidiar estudos e promover o debate sobre os avanços e os impasses que seus resultados revelam. Os resultados da pesquisa são apresentados por meio de tabelas, quadros e gráficos comparativos, construídos segundo perfil dos entrevistados e por regiões brasileiras. Possibilitam uma avaliação consistente sobre o comportamento leitor segundo a percepção da leitura no imaginário coletivo; o perfil do leitor e do não leitor de livros; as preferências e motivações dos leitores; as influências, os canais e formas de acesso ao livro. Fonte: https://openclipart.org/detail/17631/cartoon-owl-sitting-on-a-book-by- lemmling FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE De fato, vivemos um momento histórico e social em que as novas tecnologias fazem proliferar milhares de imagens que, a cada minuto, circulam livremente pela Internet e pelas mídias sociais de massa, como a TV e o rádio, por exemplo. No entanto, o equívoco a que nos referimos está em se desconsiderar o fato de que, diante de uma imagem, estamos, também, diante de um texto e, portanto, precisamos lê-lo. Ao contrário do que é compartilhado pelo senso comum, de que é muito mais fácil compreender uma imagem do que um texto escrito, nossa relação com tudo o que é visual é uma relação que é muito pouco preparada, muitas vezes, falta-nos a capacidade de contemplação. Isso interfere diretamente na nossa habilidade de interpretar uma imagem, de perceber os sentidos que ela instaura. E quando a linguagem visual articula-se com a linguagem verbal na construção do sentido do texto, a dificuldade pode ser ainda maior. Fonte: https://openclipart.org/detail/5173/empty-box-thinking-by-bsantos BOXE EXPLICATIVO A semioticista Lucia Teixeira (2004), em seu texto Para uma leitura de textos visuais, diz: “Palavras e desenhos e músicas e gestos e danças e pinturas são o modo de existir do homem. Com tantas formas possíveis de existir, no entanto, somos sempre seres do verbo, habitantes das palavras, num mundo povoado de rumor verbal”. Para ler o artigo na íntegra, acesse: http://www.pucsp.br/cps/pt-br/arquivo/Biblio-Lucia4.pdf FIM DO BOXE EXPLICATIVO VERBETE Texto – acep. 2. Com frequência, o termo texto é tomado como sinônimo de discurso, o que acontece, sobretudo, em decorrência da interpenetração terminológica com aquelas línguas naturais que não dispõe de equivalente para o termo francês. Nesse caso, semiótica textual não se diferencia, em princípio, de semiótica discursiva. Os dois termos – texto e discurso – podem ser empregados indiferentemente para designar o eixo sintagmático das semióticas não linguísticas: um ritual, um balé podem ser considerados textos ou discursos. In: Dicionário de Semiótica (GREIMAS e COURTÉS, 2012, p. 503). FIM DO VERBETE Observe o que a autora Norma Discini (2012, p.29) nos diz a respeito da análise dos texto sincréticos: “O texto, seja verbal, visual ou sincrético, não pode ser visto apenas como signo, união de um significante e de um conteúdo significado. Primeiro, porque tanto o conteúdo como a expressão, constituintes de qualquer signo, supõem cada qual relações internas de sentido. Segundo, porque o próprio texto deve ser considerado situação de comunicação, o que supõe um enunciado em relação com uma enunciação. A enunciação, sempre pressuposta ao enunciado, compreende o sujeito do dizer, que se biparte entre enunciador, projeção do autor, e enunciatário, projeção do leitor. Compete ao analista descrever e explicar os mecanismos de construção do sentido, observando as relações dadas no plano do conteúdo e no plano da expressão dos textos, bem como as relações entre um plano e outro. Também compete ao analista observar as relações entre enunciado e enunciação, para recuperar não apenas o que o texto diz, mas o porquê e como do ato de dizer” A leitura de uma imagem exige uma percepção não linear dos elementos que compõem o texto, por isso, é importante desenvolver a habilidade de ler os textos visuais, assim como se tem feito, ao longo dos anos, com os textos escritos. Você, futuro professor de língua portuguesa, exerce um importante papel nesse cenário e pode, a começar pelos seus alunos, estimular a prática da leitura e ajudar na compreensão dos textos sincréticos. E então, pronto para começar? Nesta aula, vamos apresentar gêneros discursivos que constituem textos sincréticos1 – charges e quadrinhos – pertencentes ao domínio jornalístico. Você já estudou as questões que envolvem a organização dos gêneros discursivos e a definição do conceito de gênero, mas seria capaz de definir e caracterizar cada um dos gêneros a que nos referimos? Afinal, o que é uma 1 Para relembrar o conceito de sincretismo, volte à aula XXX charge? No que ela se diferencia do cartum? E sobre os quadrinhos, qual é a diferença entre eles e as tiras? Estas e outras importantes questões relacionadas aos gêneros discursivos do domínio jornalístico serão abordadas nesta etapa. Fique atento às orientações, às indicações de leitura e as sugestões de trabalho, tudo será muitoútil à sua pratica docente. I. A charge A charge é o gênero discursivo em que se tem total liberdade para explorar as linguagens visual e verbal na construção do sentido do texto. Faz parte do domínio jornalístico de comunicação e costuma ser publicada em jornais e revistas, diários e semanais, de grande circulação. Uma charge é sempre histórica e socialmente situada, o que significa dizer que o(s) contexto(s) em que está inserida é fundamental para a reconstrução do sentido por parte do leitor do texto. É um gênero que satiriza situações sociais muito específicas, situadas no tempo e no espaço. Frequentemente, referem-se a algum acontecimento político atual ou a alguma situação ou evento social que tenha ganhado repercussão na mídia. Também pode referir-se a um personagem da vida pública ou a uma personalidade, um atleta ou um artista conhecido, por exemplo. Observe, atentamente, a charge reproduzida abaixo. Que leitura você faria dela? Fonte: http://transparenciaangra.blogspot.com.br/2012/10/temos-muito-o-que- aprender.html A charge faz referência intertextual ao quadro de Edvard Munch – O grito. A figura central remete-nos a um corpo humano e à expressão dos sentimentos de dor, angústia e desespero do homem diante de uma dada realidade. O chargista apropria-se da imagem criada pelo pintor e acrescenta a ela cartazes de divulgação eleitoral em que os candidatos, em desenhos que ganham formas caricaturais, provocam na personagem central o pânico. O texto ganha nova significação quando inserido no contexto das eleições municipais realizadas no Brasil em 2012. O grito, agora, é o grito desesperado de um eleitor que se apavora, assombrado por candidatos que não demonstram seriedade política, isso se percebe pela pintura dos rostos dos candidatos, todos com narizes vermelhos, como se fossem palhaços, e que tampouco parecem importar-se com seu entorno, apenas com a conquista, a qualquer preço, de mais um voto. BOXE DE CURIOSIDADE A pintura foi usada como referência intertextual pelo chargista, intitula-se O Grito é de autoria do pintor norueguês Edvard Munch, data de 1893 e está disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:O_Grito.jpg FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE O humor produzido por uma charge pode pretender, simplesmente, fazer rir e divertir o público, mas, com frequência, está associado a uma crítica que vai chamar a atenção do público para um comportamento, um assunto ou uma prática moralmente reprovável que mereça reflexão. Veja um exemplo do humor crítico criado por Chico, para o jornal O Globo: Fonte: http://www.robsonpiresxerife.com/notas/dilma-com-vontade-de-chutar- os-eggs-de-alguns-politicos-rsrsrsrs/#.VCk8E_ldXUU Aqui, vemos retratados a presidente Dilma Roussef e representantes da base aliada ao governo do Partido dos Trabalhadores. Publicada no jornal O Globo, faz referência à necessidade que se impõe, no cenário político, de aceitar um ou outro político com o qual não se têm afinidade ideológica, mas cuja representação é importante para a construção de uma base governamental forte o suficiente para a consecução dos objetivos partidários. A diferença entre charge e cartum Frequentemente, vemos que as palavras charge e cartum são usadas como sinônimas. Isso acontece porque a charge e o cartum têm mesmo muito em comum, tanto no que diz respeito ao sentido de humor e a crítica social que veiculam, quanto na forma de explorar as linguagens que compõem o texto – verbal e visual. Mas, então, o que as diferencia? A charge, como dissemos, é um texto situado histórica e socialmente, portanto, vincula-se diretamente a um tempo e a espaço bem delimitados e que precisará ser identificado pelo leitor na leitura do texto. A interpretação do sentido de uma charge pode ser prejudicada pelo desconhecimento do contexto sócio histórico em que se insere o texto. Por isso, no trabalho com as charges, em sala de aula, é preciso estar atento ao conhecimento de mundo que seus alunos têm para que eles possam fazer as relações necessárias à construção do sentido. Já o cartum, do inglês cartoon, caracteriza-se por ser uma anedota gráfica, caricatural, de uma situação ou um comportamento social que é atemporal e universal. Observe a diferença: Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-larX2S_9QwA/TciLo4- PmUI/AAAAAAAAAIk/Za_D17v6qdY/s1600/Cartum+23.JPG Aqui, ao contrário da charge de Chico, o cartunista brinca com uma questão social atemporal: o comportamento comum dos fumantes. Na cena, eles quatro fumantes correm atrás da chama para acender seus cigarros sem parecer se importar com o valor simbólico atribuído à chama olímpica ou ao evento das Olimpíadas, importante acontecimento esportivo que acontecia na época de sua publicação. A imagem brinca com o fato de os fumantes fazerem qualquer coisa para manter o vício, até mesmo, atletismo. O humor do texto está justamente na aproximação, incomum, do fumante à corrida, reforçando a ideia de que pelo vício faz-se qualquer coisa, até mesmo tornar- se “atleta” de uma modalidade esportiva olímpica a qual, raramente, os fumantes são associados. BOXE DE CURIOSIDADE O jornalista Sergio Rodrigues esclarece a diferença semântica que se estabelece entre os gêneros charge e o cartum tomados, muitas vezes, como sinônimos, observe: “[...] As pessoas costumam ter da sinonímia [entre as palavras charge e cartum] uma ideia caricatural, ao mesmo tempo sumária e exagerada, como se o fato de duas palavras serem sinônimas significasse obrigatoriamente que são idênticas, como gêmeos univitelinos. Não é assim que funciona. É comum que as palavras tenham mais de um sentido, chamados acepções – frequentemente, o número destas na língua real se multiplica em sutilezas e supera o que os dicionários julgam valer a pena registrar. Basta terem uma única acepção em comum para que duas palavras sejam consideradas sinônimas. Isso não quer dizer que sua carga semântica seja idêntica. Charge e caricatura – e até mesmo cartum – são termos sinônimos, sim. Assim aparecem nos dicionários. Todos se referem a desenhos jornalísticos de caráter crítico e humorístico, geralmente satirizando personagens, fatos e situações da atualidade. Mas também há diferenças – sutis, mas importantes – entre essas palavras. Em primeiro lugar, vamos examinar suas origens. O francês charge, de onde importamos a palavra sem alteração de grafia, significa carga. Trata-se no caso de um sinônimo de crítica violenta, num uso figurado do sentido militar de carga como ataque, que está presente numa expressão como “carga de cavalaria”. O vocábulo italiano caricatura (na origem, ato ou efeito de carregar) parte exatamente do mesmo ponto e chega a resultado muito parecido. Parece claro que um surgiu como tradução do outro, mas tudo indica que caricatura veio primeiro: em italiano, data de fins do século 16 essa acepção da palavra, segundo o Houaiss. A charge francesa nasceu cerca de cem anos depois. Cartum é termo mais recente, importado nos anos 1960 do inglês cartoon – este vindo do italiano cartone, “cartão”, o suporte onde se desenhavam os tais rabiscos. Sinonímia à parte, vamos às diferenças. A caricatura tem uma acepção estrita de desenho (especialmente de pessoas) em que se exageram traços com objetivo crítico e cômico. Nesse sentido é estática, não precisa contextualizar nada ou contar história alguma. Basta brincar com as características físicas do personagem. A charge, também vista de forma estrita, quase sempre inclui o recurso à caricatura, mas isso não é obrigatório. O que a caracteriza é contar e expor criticamente – em geral num único quadro – uma historinha, uma situação. Tem contexto, costuma vir com um esboço de cenário e, com frequência,recorre a balões ou legendas. Já a palavra cartum, quando não é empregada como sinônimo das outras duas, pode querer dizer o mesmo que história em quadrinhos – em especial HQ daquele subgênero tradicional na imprensa, também chamado tirinha, que conta uma história em poucos quadros, geralmente três. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/caricatura-e-charge- sao-a-mesma-coisa/ Para saber mais, visite a página: http://ilustradores.ning.com/group/cartum FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE BOXE MULTIMIDIA No link: https://www.youtube.com/watch?v=BZT4QGWFfRw, você pode conferir o processo de criação do cartunista Paulo Caruso que ilustra, em tempo real, a entrevista do músico Tom Zé no programa Roda Viva. Assistindo ao processo de criação, você poderá perceber como se dão algumas relações de sentido construídas pelo artista e compreenderá melhor como são pensadas e elaboradas algumas charges e cartuns. O link da entrevista é: https://www.youtube.com/watch?v=JFP5FnAm3QQ, transmitida ao vivo em 06/05/2013. FIM DO BOXE MULTIMIDIA Atividade 1 – atende ao objetivo 1 Leia a charge a seguir, publicada no jornal O Globo de 29 de set. 2014: Fonte: http://oglobodigital.oglobo.globo.com 1) Identifique de que modo estão articuladas as linguagens verbal e visual na charge: há entre elas uma relação de reiteração ou de oposição? Explique. Espaço para resposta – cinco linhas 2) Elabore um pequeno texto dissertativo quem que você apresente uma interpretação do sentido do texto. Não se esqueça de fazer referência ao contexto social e histórico, além de comentar o humor e o tom crítico típicos desse gênero textual. Espaço para resposta – dez linhas RESPOSTAS COMENTADAS 1. A relação entre as linguagens na charge é de oposição, que se constrói no contraste entre o texto que remete ao Rio Fashion Week, um evento de moda importante, e a roupa listrada de Eike Batista, que, por sua vez remete ao tradicional uniforme de presidiários. 2. A charge é um gênero textual que se constitui pelo aspecto marcadamente histórico e social, dado que em geral é um texto que se relaciona ao noticiário do jornal ou aos fatos que ocorrem no momento de publicação da charge. Logo, para sua compreensão e interpretação é necessário ter conhecimento de mundo, do contexto sócio-histórico. A charge em questão trata do escândalo das empresas de Eike Batista e faz referência ao seu estilo de vida elitizado, confrontando-o com sua situação de decadência caracterizada pelo listrado do uniforme de presidiário. Para saber mais, você pode realizar uma pesquisa na internet a respeito dos problemas enfrentado pelo empresário brasileiro. FIM DAS RESPOSTAS COMENTADAS. II. Os quadrinhos e as tiras O gênero história em quadrinhos (HQ) ou apenas quadrinhos é outro exemplo de texto sincrético. As sequências narrativas são predominantes nas HQs, o mesmo não acontece com o seu suporte, nem com a temática abordada ou o estilo dos textos. Segundo Norma Discini (2009, p.185), “a HQ veiculada em páginas internas de jornais e revistas resulta nas tiras, cuja narrativa é breve por excelência; a HQ editada em brochura semanal, quinzenal ou mensal, resulta em narrativas mais extensas, nas quais conflitos se multiplicam, já que transportados para revistas destinadas exclusivamente a este fim. Impressa tanto em tiras jornalísticas como em revistas, a HQ se confirma como representante de uma prática social própria à comunicação de massa”. Narrador, personagens, enredo, o conflito, o clímax e o desfecho são elementos da narrativa que que também podem ser explorados na materialidade sincrética que constitui a HQ. Além disso, preciso estarmos atentos à presença do herói, que tem papel fundamental na construção dos sentidos de bem e mal que irão se contrapor até que, ao final, o bem sempre vença. Ainda de acordo com Discini (2009, p. 197), “no conjunto de seu percurso, o herói da épica quadrinista se apresenta sensibilizado para, e pela rivalidade: logo, para, e pela emulação. Por meio do julgamento ético, temos confirmado o sucesso (do herói) e o fracasso (do bandido)”. As tiras são reduções das histórias em quadrinhos tradicionalmente veiculadas em das revistas. São, portanto, pequenas sequências narrativas apresentadas em poucos quadros. A tira, como dissemos anteriormente, ocupa um espaço privilegiado dentro dos meios de comunicação de massa, parte integrante de praticamente todos os jornais diários, é por isso mesmo um espaço de divulgação de ideias e pontos de vista, bem como de proposição de questões que merecem apreciação e reflexão, sempre marcados pelo tom cômico do discurso. Assim como nas charges o plano da expressão é explorado ao máximo, há metáforas visuais, analogias, figuras que se associam a diferentes temáticas, balões de fala, legendas, onomatopeias e uma série de outros recursos que em associação à linguagem verbal determinam a organização composicional do gênero tira. As tiras tratam de uma infinidade de temas, tamanha liberdade temática permite que por meio das tiras o autor faça referência tanto a temáticas tidas como superficiais como as que abordam questões sociais mais sérias que envolvam o contexto político e econômico, por exemplo. As tiras, geralmente, têm um número limitado de quadros que são organizados lado a lado, seguindo uma linha horizontal. Assim como nas histórias em quadrinhos, têm os chamados balões de fala que, mais do que a fala dos personagens, expressam todo tipo de pensamento, desejo ou sonoridade necessários a comunicação da mensagem. A linguagem verbal é marcada por certo grau de informalidade, que varia de acordo com as personagens envolvidas. Veja um exemplo de tira veiculada também no jornal O Globo: Fonte: http://noticias.tuningblog.com.br/8522/tira-garfield/ O Garfield, personagem conhecido por ser um gato preguiçoso, brinca com John, seu dono, pelo fato de acreditar que na arte de não fazer nada ele é um “mestre”. Veja como a articulação dos elementos verbais e visuais são essenciais para reforçar a ideia de que John e apenas um iniciante, Garfield já está deitado, sem fazer absolutamente nada, enquanto John ainda está fazendo planos. BOXE DE CURIOSIDADE No texto que sugerimos como pré-requisito desta aula, a autora Norma Discini apresenta a transição histórica entre as antigas novelas gráficas e as revistas em quadrinhos. A partir daí, apresenta as recorrências nas sequências narrativas das histórias em quadrinhos até chegar às tiras. Lá você encontrará também uma interessante análise semiótica de uma tira jornalística publicada na Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, em 3 de set. 2006. A análise que mencionamos está nas páginas 203 e 204 do artigo já referenciado no início desta aula. FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE BOXE MULTIMIDIA Acesse o link: http://www.diariodepernambuco.com .br/app/noticia/viver/2014/09/29/inter nas_viver,532544/mafalda-completa- 50-anos-com-criticas-e- questionamentos-ainda-atuais.shtml e leia uma interessante matéria sobre uma das mais famosas personagens da história das tiras: Mafalda. A garotinha inteligente e contestadora completou 50 anos com muito bom humor. FIM DO BOXE MULTIMÍDIA Atividade 2 – Atende ao objetivo 1 Leia o texto a seguir e faça o que se pede em seguida: Tira – Mafalda (Quino) Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com.br/ 1) Elabore um resumo parafrástico da tira acima. Explicite os implícitos. Espaço para resposta – Seis linhas 2) Explique como foi construídoo humor do texto. Espaço para resposta – Seis linhas RESPOSTAS COMENTADAS 1. Um “resumo parafrástico” é um texto narrativo, em linguagem verbal, que parafraseia a história apresentada na tira. Uma possibilidade de resposta seria a seguinte: Na tira, Mafalda, caminhando pela sala, vê uma mosca sobre o globo. Após soprar pra retirar a mosca do globo, Mafalda percebe que ela “sujou” a peça e interpreta que isso seria a opinião da mosca sobre o que acontece no mundo. 2. Na tirinha em questão, o humor se constrói justamente pela articulação entre as linguagens não-verbal e verbal. A quebra de expectativa se deu no último quadro com a fala de Mafalda, que percebe a “sujeira” da mosca e associa essa sujeira a uma possível opinião da mosca sobre os acontecimentos do mundo. O humor se constrói a partir do fato inusitado de Mafalda atribuir a uma mosca a capacidade de emitir uma opinião sobre o que ocorre no globo e expressar essa opinião por meio de seu excremento. FIM DAS RESPOSTAS COMENTADAS Atividade 2 – Atende ao objetivo 2 Elabore um exercício para ser usado em sua prática como professor de língua portuguesa. Nesta proposta, você deverá utilizar o conhecimento acerca dos gêneros ‘charge’ e ‘tiras’ adquirido nesta aula. Lembre-se de que o importante é explorar a construção do sentido do texto, seja com base na articulação entre as linguagens ou por meio de uma análise mais cuidadosa de algum aspecto linguístico que tenha sido explorado, propositalmente, pelo autor para criar efeitos de sentido. Em primeiro lugar faça uma breve pesquisa, selecione cuidadosamente o(s) texto(s) que deseja analisar e mãos à obra. Espaço para resposta – dez linhas Respostas comentadas: Uma possibilidade de exercício seria a seguinte: Leia o texto a seguir: Peça aos alunos para comparar a textualização do diálogo que acontece na tira e em textos exclusivamente verbais, como um conto literário, por exemplo. Depois, oriente-os a transformar a textualização sincrética do diálogo da tira em textualização verbal, com posposição da voz do narrador a cada fala. Transforme em texto até mesmo as expressões faciais dadas visualmente. Isso conduziria os alunos a uma percepção mais apurado dos elementos que constroem a unidade de sentido do texto. Além disso, levaria os alunos a refletirem sobre as escolhas estratégicas de um enunciador ao produzir o seu texto. Outra proposta seria propor que os alunos fizessem um diário de charges. Por um determinado período de tempo, uma semana seria suficiente, os alunos deveriam acompanhar um único veículo de informação. Isso é importante, pois faria com que eles percebessem a narrativa que, muitas vezes, se constrói ao longo do tempo. Muitos cartunistas se valem dessa estratégia de continuidade para criar e divulgar suas ideias e críticas. O próximo passo seria elaborar pequenos textos que narrassem a experiência dos alunos individualmente. Para cada charge coletada, o aluno deve registrar como ele fez a primeira leitura, se compreendeu o texto imediatamente ou não, se precisou da ajuda de alguém, se precisou fazer uma pesquisa fora do âmbito do jornal ou se as notícias e reportagens daquela edição foram suficientes para suprir as lacunas que inviabilizaram uma compreensão primeira do texto. Essa proposta mostra ao aluno o seu processo como leitor que pode ser muito reveladora, muitas vezes, ressalta- se um conhecimento de mundo precário que precisa ser ampliado, a curiosidade gerada por esse breve acompanhamento do cenário político econômico e social pode ser que se torne em elemento motivacional para a transformação desse aluno em um leitor mais competente. FIM DAS RESPOSTAS COMENTADAS Referências DISCINI, Norma. História em quadrinhos: um enunciado sincrético. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de; TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009. p. 185-214. DISCINI, Norma. A comunicação nos textos. 2ª ed., 1ª reimpressão – São Paulo: Contexto, 2012.