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7 OBJETIVOS, LIMITAÇÕES E ESCOPO DA OBRA Celso Dal Ré Carneiro, Yociteru Hasui, Fernando F. M. de Almeida, Andrea Bartorelli 50 ANOS DE GEOLOGIA Yociteru Hasui I CONCEITOS BÁSICOS 1- AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM: O CICLO DAS ROCHAS Celso Dal Ré Carneiro 2 - UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO Celso Dal Ré Carneiro, Fernando F. M. de Almeida,Pedro Wagner Gonçalves, Alexandre Uhlein, Carlos Maurício Noce (in memorian) 3 - CONHECER O INATINGÍVEL: ESTRUTURA INTERNA DA TERRA Celso Dal Ré Carneiro, Yociteru Hasui, Pedro Wagner Gonçalves 4 - REGIMES TECTÔNICOS Yociteru Hasui II TECTÔNICA DE PLACAS E EVOLUÇÃO DOS CONTINENTES 5 - TECTÔNICA DE PLACAS Yociteru Hasui 6 - EVOLUÇÃO DOS CONTINENTES Yociteru Hasui III O BRASIL SOB A PERSPECTIVA GEOLÓGICA: CONSTITUIÇÃO E EVOLUÇÃO 7 - COMPARTIMENTAÇÃO GEOLÓGICA DO BRASIL Yociteru Hasui 8 - QUADRO GERAL DA EVOLUÇÃO PRÉ-ORDOVICIANA: A CONEXÃO BRASIL-ÁFRICA Yociteru Hasui 9 - ESTÁGIOS EVOLUTIVOS DO BRASIL NO FANEROZOICO Celso Dal Ré Carneiro, Fernando F.M.de Almeida, Yociteru Hasui, Pedro Victor Zalán, João Batista Guimarães Teixeira IV OS CRÁTONS E OS SISTEMAS OROGÊNICOS BRASILIANOS Áreas Cratônicas 10 10a - CRÁTON AMAZÔNICO: PROVÍNCIAS RIO BRANCO E TAPAJÓS Yociteru Hasui 10b - SERRA DOS CARAJÁS João Batista Guimarães Teixeira, Zara G. Lindenmayer 10c - SERRA DO URUCUM Andrea Bartorelli 10d - MONTE RORAIMA E PICO DA NEBLINA, PONTOS CULMINANTES DO BRASIL José A. Vieira, Maria Luiza Fernandes ÍNDICE 8 Geologia do Brasil 11 11a - CRÁTON SÃO FRANCISCO Yociteru Hasui 11b - QUADRILÁTERO FERRÍFERO Alexandre Uhlein, Carlos Mauricio Noce (in memorian) 11c - SERRA DO ESPINHAÇO E CHAPADA DIAMANTINA Fernando Flecha Alkmim 11d - BACIA DO SÃO FRANCISCO Pedro Victor Zalán, Paulo César Romeiro Silva 12 - CRÁTON SÃO LUÍS Yociteru Hasui Sistemas Orogênicos Brasilianos 13 - SISTEMA OROGÊNICO BORBOREMA Yociteru Hasui 14 14a - SISTEMA OROGÊNICO TOCANTINS Yociteru Hasui 14b - CHAPADA DOS VEADEIROS Andrea Bartorelli 15 - SISTEMA OROGÊNICO MANTIQUEIRA Yociteru Hasui V ESTÁGIO DE ESTABILIDADE TECTÔNICA 16 16a - EVOLUÇÃO DAS SINÉCLISES PALEOZOICAS: PROVÍNCIAS SOLIMÕES, AMAZONAS, PARNAÍBA E PARANÁ Egberto Pereira, Celso Dal Ré Carneiro, Sergio Bergamaschi, Fernando F. M. de Almeida 16b - SERRA DA CAPIVARA Andrea Bartorelli 16c - CAMPOS GERAIS DO PARANÁ Mário Sérgio de Melo, Gilson Burigo Guimarães 16d - CHAPADA DOS GUIMARÃES Setembrino Petri, Evelyn A. M. Sanchez 17 - A MEGADESERTIFICAÇÃO MESOZOICA Fernando F. M. de Almeida, Mario Luís Assine, Celso Dal Ré Carneiro VI ESTÁGIO DE ATIVAÇÃO TECTÔNICA 18 18a - O MAGMATISMO PÓS-PALEOZOICO NO BRASIL Fernando F. M. de Almeida, Celso Dal Ré Carneiro, Andrea Bartorelli 18b - CATARATAS DO IGUAÇU Andrea Bartorelli 18c - O MAGMATISMO DO CABO DE SANTO AGOSTINHO Andrea Bartorelli 18d - CORPOS ALCALINOS DE POÇOS DE CALDAS, ITATIAIA E SÃO SEBASTIÃO Fernando F. M. de Almeida, Celso Dal Ré Carneiro 9 19 19a - BACIAS DA MARGEM CONTINENTAL DIVERGENTE Webster Mohriak 19b - BACIAS DE SANTOS, CAMPOS E ESPÍRITO SANTO Webster Mohriak 20 - BACIAS SEDIMENTARES DA MARGEM EQUATORIAL Pedro Victor Zalán 21 21a - BACIAS INTERIORES DO NORDESTE Ismar de Souza Carvalho, José Henrique Gonçalves de Melo 21b - CHAPADA DO ARARIPE Ismar de Souza Carvalho, Francisco Idalécio de Freitas, Virgínio Neumann 22 22a - ARENITOS CAIUÁ NA REGIÃO DO PONTAL DO PARANAPANEMA Andrea Bartorelli 22b - A SUB-BACIA BAURU: UM SISTEMA CONTINENTAL ENTRE DESERTO E CERRADO Giorgio Basilici, Geraldo Norberto Sgarbi, Patrick Francisco Führ Dal’ Bó 23 23a - ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS BACIAS CENOZOICAS DO SUDESTE Pedro Victor Zalán 23b - AS SERRAS DO MAR E DA MANTIQUEIRA Ambrosina Helena Ferreira Gontijo-Pascutti, Yociteru Hasui, Marcilene dos Santos, Adilson Viana Soares Júnior, Iata Anderson de Souza VII O ESTÁGIO MODERNO E A EDIFICAÇÃO DO RELEVO 24 24a - CONTEXTO GEOLÓGICO E EVOLUÇÃO DA REDE HIDROGRÁFICA DO BRASIL Andrea Bartorelli 24b - O RIO AMAZONAS Adilson Viana Soares Jr., Yociteru Hasui, Ruth Léa Bemerguy 24c - PANTANAL MATO-GROSSENSE: UMA DÁDIVA GEOLÓGICA Mario Luis Assine 25 - PROVÍNCIAS CÁRSTICAS E CAVERNAS NO BRASIL William Sallun Filho, Ivo Karmann 26 26a - AMBIENTES GEOLÓGICOS DA COSTA BRASILEIRA José Maria Landim Dominguez 26b - LENÇÓIS MARANHENSES Andrea Bartorelli 26c - ILHAS OCEÂNICAS BRASILEIRAS Fernando F. M. de Almeida 27 - FISIOGRAFIA DA MARGEM CONTINENTAL José Roberto Serra Martins, Celso Dal Ré Carneiro 28 - ESTRUTURAS DE IMPACTO E ASTROBLEMAS BRASILEIROS Alvaro Penteado Crósta VIII ASPECTOS DA GEODIVERSIDADE BRASILEIRA 29 29a - PALEONTOLOGIA E TAFONOMIA Alexander Kellner 10 Geologia do Brasil 29b - FÓSSEIS DEVONIANOS DO ESTADO DO PARANÁ Elvio Pinto Bosetti 29c - TELEÓSTEOS FÓSSEIS DO BRASIL Hilda Maria Andrade da Silva, Valéria Gallo 29d - PEIXES FÓSSEIS DA CHAPADA DO ARARIPE, NORDESTE DO BRASIL Marise Sardenberg Salgado de Carvalho, Diogenes de Almeida Campos 29e - PTEROSSAUROS: OS PRIMEIROS RÉPTEIS ALADOS Alexander Kellner 29f - DINOSSAUROS: SENHORES DA TERRA NA ERA MESOZOICA Alexander Kellner, Diogenes de Almeida Campos 29g - ANTES DOS MAMÍFEROS: OS SINÁPSIDOS PERMOTRIÁSSICOS DO SUL DO BRASIL Marina Bento Soares, Alessandra D. S. Boos, Téo Veiga de Oliveira 29h - A MEGAFAUNA DE MAMÍFEROS DO PLEISTOCENO DO BRASIL Leonardo Avilla, Camila Bernardes, Dimila Mothé, Lidiane Asevedo IX RECURSOS NATURAIS DO BRASIL 30 - ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO DO BRASIL Virginio Mantesso Neto 31 - RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS Celso Dal Ré Carneiro, Heraldo Cavalheiro Navajas Sampaio Campos 32 - RECURSOS MINERAIS João Batista Guimarães Teixeira 33 - RECURSOS PETROLÍFEROS Pedro Victor Zalán 34 - RECURSOS GEOTERMAIS (DVD) Fabio Lazzerini X REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LISTA DE AUTORES 2 Geologia do Brasil Título: Geologia do Brasil Primeira edição: 2012 .Beca-BALL Edições Ltda. Rua Capote Valente, 779 CEP 05409-002 São Paulo SP Brasil www.editorabeca.com.br 2012 Conselho Editorial: Diretora: Paula Maciel Barbosa Presidente: Celso Dal Ré Carneiro Mediador: Virginio Mantesso-Neto Andrea Bartorelli Benjamim Bley de Brito Neves Fernando Flávio Marques de Almeida Rualdo Menegat Capa: Matias B. A. L. Lisboa (as fotos que compõem a capa integram também o livro e aparecem com os devidos créditos nos respectivos capítulos). Geologia do Brasil /organizado por Yociteru Hasui; Celso Dal Ré Carneiro; Fernando Flávio Marques de Almeida; Andrea Bartorelli; - São Paulo: Beca, 2012. 900p. Apêndice Inclui bibliografia ISBN: 978-85-62768-10-1 Patrocínio: PETROBRAS Depósito Legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto nº 1825, de 20 de dezembro de 1907. 3 GEOLOGIA DO BRASIL Organizadores: Yociteru Hasui Celso Dal Ré Carneiro Fernando F. M. de Almeida Andrea Bartorelli São Paulo - 2012 Patrocínio: 4 Geologia do Brasil 5 APRESENTAÇÃO O avanço do conhecimento, a velocidade e o volume de informações que circulam nos dias de hoje nos fazem crer que são poucas as chances de que teses científicas e revolucionárias como a da Deriva Continental, proposta por Alfred Wegener em 1912, demorem tanto tempo para ser admitidas.Mas é certo que a saga para compreender o universo e o papel da vida continuará a impulsionar nossas iniciativas e criatividade. Nesse contexto, são enormes as oportunidades e os desafios que os geólogos têm ao desvendar os segredos da Terra, conhecer suas riquezas e fragilidades, conscientes de quão impactantes são para a sociedade os seus mapas e outras formas de divulgação de resultados. O bom desempenho de sua missão tem relação direta com a criatividade, apoiada em bases científicas e em modelos reais ou teóricos, oferecidos pelo acúmulo do conheci- mento. Maiores, ainda, são as oportunidades e os desafios dos geólogos brasileiros diante de um território enorme, ainda pouco conhecido, e da urgência de nosso povo de usufruir de forma equilibrada e socialmente justa das riquezas minerais e, principalmente, do petróleo que a natureza nos agraciou. Esta edição do livro Geologia do Brasil, organizada pelos professores Yociteru Hasui, Celso Dal Ré Car- neiro, Fernando Flávio Marques de Almeida e Andrea Bartorelli vem, em boa hora, contribuir e atualizar os conhecimentos sobre o nosso território. Desse modo, vem, acima de tudo, ajudar os geólogos brasileiros a cumprir a tarefa que a sociedade deles espera. Nos últimos dez anos houve uma salutar reviravolta no cenário e nas expectativas quanto à contribuição dos geólogos para o Brasil. Ampliaram-se as oportunidades de serviços para as empresas e profissionais do setor. Além disso, o aparato institucional estatal e a academia foram fortalecidos. Culminando o processo, a Petrobras descobriu as grandes jazidas do Pré-Sal, o que contribuiu sobremaneira para tornar a Geologia mais conhecida pela sociedade e muito mais visível a sua importância estratégica para a soberania e o desenvolvimento do nosso país. É mister destacar que nesse período foram implantados onze novos cursos de Geologia/Geofísica, no Brasil, todos em instituições federais de ensino. Bem formar esta nova geração de profissionais exige muitos esforços, dentre os quais se destacam a ampliação da oferta de material didático e outros instrumentos pedagó- gicos atualizados, que contemplem, sempre, os conhecimentos de experientes profissionais e ilustrem exemplos brasileiros. A Petrobras, empresa que tem a maior equipe de geólogos e geofísicos do país, tem muito a ganhar com a iniciativa dos organizadores do livro Geologia do Brasil. Receber jovens bem treinados na academia facilita em muito sua inserção no mundo do trabalho. Por isso, foi com grande satisfação que a empresa recebeu o convite de patrocinar este livro. Investir em conhecimento foi e é um dos pilares do sucesso da Petrobras. Compartilhar com os geocien- tistas brasileiros da edição de livros como Geologia do Brasil, que ora surge, é obrigação de uma empresa que tem sua história e seu futuro ligados aos brasileiros e ao Brasil. Boa leitura para todos e parabéns aos autores! PETROBRAS (F ot o: R . L in sk er ) 6 Geologia do Brasil NOTA DA EDITORA Com a publicação deste livro, a Editora Beca dá continuidade a um projeto que vem desenvolvendo há oito anos e que se inaugurou com a publicação de Geologia do Continente Sul-Americano: evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida, de 2004, seguido de Sal: Geologia e Tectônica, Ambientes de Sedimentação Siliciclástica do Brasil e, em 2010, A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber. Estes quatro livros foram editados por Murilo de Andrade Lima Lisboa, que participou deles como um editor-organizador, sempre em contato com os autores, participando de todas as etapas do árduo e criativo caminho que é editar livros como esses, que contam com a colaboração de inúmeros autores/pesquisadores. Apesar de ter participado ativamente do projeto deste Geologia do Brasil, a morte prematura, em outubro de 2011, impediu que Murilo participasse de sua produção. A grande tristeza que sentimos não impediu que continuássemos o seu trabalho, sempre inspirados por seu exemplo e nos pautando em seus ensi- namentos, que ele soube compartilhar. Os cinco livros contaram com o patrocínio da Petrobras, que vem sendo parceira neste empreendimento de difusão das Ciências da Terra. Temos orgulho de participar deste grande projeto de síntese do conhecimento cien- tífico brasileiro sobre a nossa geologia, no qual o conteúdo é largamente ilustrado por milhares de imagens - fotos, mapas, desenhos, tabelas, gráficos, quadros, diagramas. O empenho editorial de padronização muitas vezes não foi possível, pois cada capítulo mantém, de certa forma, a independência, as escolhas e o estilo de seus autores. Contudo, optamos também pela padronização de algumas grafias, tendo em vista a possibilidade de busca eletrônica de termos, no DVD. Todos os artigos seguem o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, com algumas exceções propostas pelos organizadores, que pro- curaram respeitar, também, grafias mais recorrentes na nomenclatura da Petrologia e da Geologia (por exemplo, quartzo-diorítico, cálcio-silicáticas) ou sugeriram grafias mais apropriadas para termos estrangeiros já amplamente utilizados em língua portuguesa (horste, gráben, nappe). No DVD que acompanha o livro, o leitor terá acesso ao capítulo "Recursos Geotermais", que faz parte do índice geral da obra. Além de Geologia do Brasil, a Beca e os organizadores do livro de 2004, já esgotado, disponi- bilizaram, no DVD, o livro Geologia do Continente Sul-Americano: evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. 11 queridos para uma cartografia detalhada são gigantescos, tanto maiores quanto mais extensas as dimensões do ter- ritório pesquisado e mais variada sua geologia. Há muito ainda por se descobrir e revelar; para trilhar esse caminho, são necessários investimentos em educação, pesquisas de campo e tecnologias cada vez mais especializadas. Acreditamos que o leitor desta obra esteja interes- sado na utilização de tais conhecimentos em alguma ati- vidade prática usual, ou dedique sua atenção a conceitos sintéticos sobre: (a) distribuição das principais unidades ro- chosas brasileiras, (b) evolução geológica do território e (c) origem e evolução geológica de trechos notáveis da diver- sificada paisagem nacional. Ao mesmo tempo em que nos preocupamos em limitar os conceitos geológicos essenciais envolvidos, em profundidade razoável para entendimento dos padrões evolutivos do território, buscamos vencer um desafio paralelo: o de tornar prazeroso o simples ato de ver, nas raízes da paisagem brasileira, sinais inconfundíveis de uma história tão variada quanto bela e complexa. Ao procurar abranger todas as regiões do país, optou- -se por um modo de tratamento que privilegia algumas partes e/ou feições de máxima importância, consideradas situações-exemplo. Foi esse o desafio enfrentado pelos co- laboradores que redigiram cada capítulo ou item deste livro. Uma das ideias centrais para se descrever como se formou e evoluiu o país onde vivemos, tarefa que desen- volveremos nos capítulos seguintes, é o conceito formulado por James Hutton [1726-1797] acerca do ciclo geológico, ciclo tectônico ou ciclo das rochas, que trata das incontá- veis interações de processos naturais, cujos registros vêm sendo decifrados pelos geólogos. Há mais de dois séculos, Hutton concebeu a ideia de que os processos atuantes na Terra produzem registros que podem ser examinados pelos geólogos de modo a recompor acontecimentos passados. O trabalho intelectual nasce no limiar de cada interpretação isolada e culmina na montagem das peças que integram o OBJETIVOS, LIMITAÇÕES E ESCOPO DA OBRA Celso Dal Ré Carneiro Yociteru Hasui Fernando F. M. de Almeida Andrea Bartorelli A beleza da natureza está nos detalhes; amensagem, nas generalidades. Uma apreciação ótima exige ambas as coisas e não conheço nenhuma tática melhor do que a ilustração de princípios instigantes através de pormenores bem escolhidos. (Stephen Jay Gould 1990, Vida maravilhosa) A geologia brasileira, a base de nosso patrimônio natural e ambiental, é formada por extrema variedade de tipos de rochas, antigas e modernas, que se organizam em intrincadas estruturas. Embora o passado da Terra tenha originado grande variedade de ambientes neste país de dimensões continentais, a complexa geologia constitui minúsculo fragmento do universo real. Para bem com- preender esta parte do universo que nos circunscreve, devemos conhecer como o território se formou e evoluiu. Eventualmente, – caso nossos modelos sejam funcionais – poderemos fazer previsões do que ainda está por vir. O tema tem interesse sobretudo prático: são cada vez mais frequentes as notícias na mídia impressa e televisiva envolvendo aspectos da geologia brasileira, como as auspi- ciosas descobertas minerais, as imensas reservas energéticas na costa – e no vasto interior continental –, os assustadores tremores de terra ou a ameaçadora incidência de desastres ambientais de todo tipo. Com efeito, muitas cidades de vá- rios estados brasileiros, são atingidas por enchentes, escor- regamentos, acidentes em grandes obras de engenharia e sismos. As informações disponíveis, muitas vezes, são incor- retas ou absolutamente não confiáveis. Na exata medida em que “a cultura herdada e transmitida de geração a geração define o limite da própria capacidade de um povo e revela a sua identidade” (Bevilacqua, 2012, p. 44), os autores deste livro entusiasmaram-se com a ideia de valorizar o conheci- mento local e sintetizar nossa história geológica. Vamos enveredar pelo passado da Terra, adequa- damente focados em nossa própria parte do planeta. O esforço de sucessivas gerações de geocientistas brasileiros, que atingem a casa de vários milhares, ao qual se somou o esforço de profissionais de outras áreas de conhecimento, edificaram um abrangente panorama da geologia brasi- leira, como se verificará nas páginas seguintes. Na cartografia do solo e subsolo, muitos países avançaram mais do que o Brasil. Os investimentos re- 12 Geologia do Brasil quebra-cabeças da história geológica. Há precisamente um século, no ano de 1912, Alfred L. Wegener [1880-1930] desenvolveu outro conceito singular, que acabou gerando grande polêmica na época: a ideia de que os continentes poderiam mover-se. A hipótese ficou conhecida como da Deriva Continental. Muitos anos mais tarde, nos anos 1950-1960, a comunidade científica reconheceu ser esse um dos pilares sobre os quais se sustenta a moderna Teoria da Tectônica de Placas. A detalhada observação do registro geológico gravado nas rochas, nas paisagens e até mesmo na configuração de continentes e assoalhos oceânicos pos- sibilitou aos geólogos e geocientistas realizar uma autêntica revolução científica, em pleno século XX. Convém aqui distinguir dois tipos de registros. Toda alteração na matéria inanimada das esferas fluidas da Terra faz parte de uma memória que, geologicamente falando, se apaga em questão de pouco tempo. A esfera rochosa, sólida, do planeta é a memória residente, que de- vemos aprender a estudar, e conhecer bem, para qualquer finalidade prática ou de aplicação das Geociências. Assim, no contexto dos fenômenos climáticos que nos dias de hoje tanto preocupam as pessoas, todos queremos saber como os efeitos das mudanças do clima global podem afetar o Brasil. Nada melhor, para compreender os processos en- volvidos, do que recuar no tempo e apreciar etapas que precederam e determinaram o quadro atual, no qual a ação do homem é componente importante. Para fazer isso, o registro das rochas precisa ser decifrado e compreendido. Se pudéssemos fazer uma analogia com sistemas computacionais, a natureza possui nas esferas sólidas do planeta uma memória residente do tipo RAM [Random Access Memory], capaz de ser gravada, reescrita, destruída, apagada e reconstituída; o tipo de memória presente nas esferas fluidas é ROM [read-only memory], porque se apaga, transcorrido um breve intervalo de tempo. Isso se deve ao fato de que a Terra está em permanente mudança e reciclagem material, mas a memória pode ser gravada de maneira absolutamente indelével nas rochas, no gelo, e nos sedimentos e solos que se espalham pela superfície. Desde há pouco mais de 200 anos, à medida que a geologia emergia como ciência, os pioneiros estudos de Hutton e, no século XIX, Lyell e Darwin, além de muitos outros geólogos, revelaram que as informações gravadas nas rochas formam o registro “petrificado” dos acontecimentos que se passaram na história do planeta. A pesquisadora russa Potapova (1968, trad. 2007) usa o termo “ossificado” para o registro geológico, aqui denominado memória residente (ROM) do planeta, que consiste de quatro componentes: (1) o embasamento, (2) a cobertura, (3) o regolito, e (4) a fisiografia da superfície da Terra. Cada um deles distribui-se espacial- mente, ou seja, em três dimensões. A quarta dimensão é o tempo, cuja reconstituição é feita pelos geólogos de maneira totalmente diferente da que realizam os cientistas experi- mentais, como os físicos e químicos. Enquanto estes pro- curam controlar as condições, o mais precisamente possível, para eliminar variáveis (condições) que possam interferir no resultado final (Merguerian 2002), o geólogo somente pode apreciar o registro de eventos já acontecidos e detectar pistas de como eles transcorreram. Normalmente o geólogo está diante do resultado (o registro geológico) e tenta recompor como se desenrolou o “experimento natural” precedente. Caminhar pelo tempo requer imaginação, da qual muitas vezes somos carentes, acostumados que somos a pensar em intervalos de tempo geralmente curtos, eventu- almente da ordem de poucos anos: “estamos equipados para observar processos que se desenrolam em segundos, minutos, anos ou, no máximo, décadas” (Dawkins 2001, p. 13). Não temos a habilidade intuitiva de pensar em termos de mi- lhares, milhões ou até mesmo bilhões de anos, que são as ordens de grandeza dos intervalos de tempo envolvidos em processos geológicos. A Geologia requer que se mentalizem intervalos de tempo grandes demais ou pequenos demais: as ordens de grandeza podem ser exageradamente grandes, como os grandes ciclos terrestres, que envolvem centenas de milhões de anos; exageradamente pequenas, para eventos que ocorrem em intervalos de tempo de milissegundos; e até mesmo instantâneos, como a desintegração radioativa de isó- topos instáveis, cuja duração é da ordem de nanossegundos. Em Geologia, não é apenas o fator tempo que as- sume importância central, mas também o estabelecimento de relações sequenciais e espaciais, baseadas em distintos tipos de evidência; muitas vezes, os próprios processos naturais se encarregam de destruir evidências de fenômenos do pas- sado. Um geólogo normalmente não tem qualquer controle sobre as variáveis, apenas observa o resultado – expresso no registro geológico – e se pergunta, afinal, qual teria sido um determinado evento e como se desenrolou. As velocidades dos processos podem ser demasiadamente baixas ou inco- muns, como no caso dos chamados eventos raros, cuja inci- dência se dá uma vez a cada 100 milhões de anos ou uma vez a cada 1 bilhão de anos. Como se não bastassem essas dificuldades, temos de lembrar que, para os seres humanos, a maior parte do planeta – como a terra sólida e o fundo dos oceanos – é absolutamente inacessível. Para superar tais limitações, o geólogo utiliza ferra- mentas poderosas, como os mapas, perfis e diagramas, que são figuras bidimensionais em escala. Mapas geológicos e respectivos relatórios descritivos,assim como artigos cien- tíficos em periódicos especializados, podem ser altamente complexos, exigindo razoável background em ciência de quem busca lê-los e interpretá-los. Tal profundidade de tratamento reflete a complexidade do mundo real, sobre a qual tratamos acima, oriunda dos arranjos e variedades dos tipos de rocha presentes em cada região. O jargão espe- cializado pode limitar o acesso de quem “não é do ramo”. Apesar de complexa, a terminologia facilita a comunicação 13 As tecnologias provocam alterações globais, com pro- fundo impacto sobre a biosfera e, de modo particular, sobre o próprio homem (Amador e Silva 2006). Diversos argumentos justificam que uma alfabeti- zação geocientífica deva estar presente na educação desde a escola fundamental. Podemos tomar como base a lista elaborada por Pedrinaci (2012), que assinala a relevância social e a transcendência econômica das Ciências da Terra, bem como seu papel de estímulo a novas vocações cientí- ficas e sua capacidade formativa. Nessa linha, é certo ad- mitir que, para os brasileiros, a aquisição de conhecimentos de geologia do território onde vivem pode significar uma contribuição decisiva para construção de base conceitual sólida para entender não apenas uma história e uma dinâ- mica particulares, mas para ajudá-los a tomar decisões sobre temas ambientais de grande interesse para seu futuro e o futuro de seus descendentes. Se por um lado os geocien- tistas têm obtido enormes avanços nesse campo da ciência, talvez não estejam ainda suficientemente convencidos das oportunidades de difusão que se abrem junto à sociedade. Tais finalidades acompanham e inspiram a elabo- ração deste livro introdutório à Geologia do Brasil, no qual ocupamo-nos em recompor a história do desenvolvi- mento geológico nacional ao longo de intervalo de tempo que abrange toda a história da Terra: do Hadeano ao Pre- sente. São quatro os ângulos sob os quais se deve examinar o desafio. 1. A necessidade de fundamentar a exposição em alguns conceitos básicos sobre a dinâmica atual do planeta Terra. 2. A extrema variedade de escalas temporais e espaciais que determinaram a formação de rochas e paisagens dos mais diversos tipos no Brasil. 3. A precisão da linguagem técnica exigida para bem compreender – e descrever – os fenômenos envolvidos. 4. A importância de salientar as imperfeições de nossos conhecimentos e de repensar o atual estágio da carto- grafia deste território. Stephen Jay Gould, no trecho transcrito em epí- grafe, definiu como missão de um divulgador em Ciência apontar os “traços gerais” e os “princípios instigantes” da natureza por intermédio de alguns “pormenores bem es- colhidos”. A presente obra foi organizada sob tal perspec- tiva, com a meta de abordar a evolução geológica e seus pormenores, e deles extrair algumas linhas gerais. Convidamos o leitor a apreciar esse conjunto de infor- mações e conceitos, tanto pela beleza do conhecimento em si quanto pela necessidade de se conhecer o território para bem explotar seus recursos ou preservar monumentos naturais de inestimável valor. Somos levados a perceber que, conhecendo um pouco mais da história do chão onde pisamos, seremos mais conscientes e aprenderemos muito sobre nosso papel como moradores e habitantes passageiros desse lugar. entre cientistas que precisam transmitir a outrem, de modo simples e direto, seus achados e descobertas. A leitura e o desvendamento requerem métodos próprios, apoiados em premissas ou princípios fundamentais para realizar a “volta ao passado”. A primeira é a de que os registros pre- sentes nas rochas são decifráveis e correspondem a eventos acontecidos sob condições físicas, químicas e ambientais específicas, sob a ação de campos de energia, forças e es- forços que podem ser investigados porque sua atuação se deu sob leis gerais idênticas às que vigoram hoje. O Princípio do Uniformitarismo, na sua vertente moderna, o Atualismo, assume que as leis físicas são imutáveis. Por- tanto, os campos de energia, forças e esforços, mesmo que tenham atuado sob condições específicas e intensidade maior ou menor que atualmente, obedecem a leis físicas (e químicas) que são as mesmas até hoje. Tentaremos situar, sempre que possível, de que forma o olhar dos geólogos sobre o registro geológico bra- sileiro permitiu que voltassem no tempo e decifrassem o que aconteceu. Nesse retorno, as escalas de tempo variam de modo absolutamente espantoso. Diminutas imperfei- ções da estrutura cristalina de um cristal podem prender a atenção e o interesse de alguns geólogos ao longo de anos a fio, enquanto outros podem descer a porções ainda me- nores da matéria inanimada para recuperar informações relevantes. Outros podem passar a vida pesquisando ex- tensas cadeias montanhosas ou continentes inteiros, bus- cando correlações entre partes dos continentes atuais que estiveram unidos no passado geológico. Temos a alegria de reunir, neste livro, todas essas categorias de colaboradores cujas investigações promovem o maior e melhor conheci- mento do território nacional, muitas vezes oferecendo, em paralelo, contribuições que ajudaram a registrar a beleza de nossas paisagens e de nossa geologia. O abrangente programa de Geologia estabelecido pelo Ministério da Educação de Portugal para o 12º ano do Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnolo- gias, do Ensino Recorrente de Nível Secundário (Amador e Silva 2006), destaca as seguintes finalidades para um programa de estudos nesse campo da ciência: • permitir um melhor conhecimento da Terra e sua his- tória, dinâmica e evolução; • articular conceitos básicos com os acontecimentos do dia-a-dia, tornando possíveis interpretações mais pre- cisas das transformações que continuamente ocorrem; • sensibilizar para a importância de estudar, prever, pre- venir e planejar, bem como de gerir conscientemente os recursos finitos de um planeta finito, que vem se tor- nando menor e mais vulnerável devido ao crescimento acelerado da população humana e ao desenvolvimento de tecnologias cada vez mais poderosas e agressivas, frequentemente postas a serviço de padrões de con- sumo mais e mais delapidadores dos bens da Terra. 14 Geologia do Brasil 50 ANOS DE GEOLOGIA Geologia Regional, no Instituto de Geociências e Ciên- cias Exatas da UNESP, e também em 2011 em outra dis- ciplina criada por Dimas Dias-Brito nos Cursos de Verão de 2011 do Programa de Formação de Recursos Humanos (PRH-05, Convênio UNESP-Agência Nacional do Pe- tróleo) do Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo da UNESP (UnesPetro). Assim, é um produto que veio amadurecendo desde longa data. Nele o esforço do autor buscou (1) apresentar uma visão geral lastreada em informações mais recentes e em interpretações mais aceitas no nosso meio científico ou aqui revisadas; (2) ordenar o conhecimento de modo a apresentar os dados e depois as interpretações, com expla- nações diretas e claras das certezas e incertezas, evitando complicar ou falsear o entendimento do Pré-Siluriano, tema já em si complexo; (3) utilizar os termos do jargão técnico em português, apresentando suas definições e os estrangeiros correspondentes, com isso resguardando o rigor científico e valorizando a comunicação em nossa língua. Um trabalho como esse envolve necessariamente um longo e contínuo aprendizado e nesse processo as informações, discussões e convivência propiciadas por muitos colegas em visitas e trabalhos de campo realizados em diversas regiões do país ao longo dos anos foram muito enriquecedoras e alimentaram enormemente o entendi- mento e concepções do autor. Estiveram presentes mais continuadamente em muitas jornadas e reuniões Fernando Flávio Marques de Almeida, Wildor Theodoro Hennies, Nicolau Ladislau Erwin Haralyi, João BatistaSena Costa, Francisco de Assis Matos de Abreu, Sebastião Gomes de Carvalho, Hans Dirk Ebert e Norberto Morales. Muitos outros partilharam de inúmeras jornadas por diferentes áreas do Brasil e não foram esquecidos, embora não es- tejam aqui nomeados. Em particular, Sanae Kato Hasui foi a companheira de 40 anos e Débora Helena Spadari esteve comigo desde o início no processo de pesquisa e redação desta síntese, com verdadeiro espírito de companheirismo e imensa pa- ciência. O autor deixa registrados agradecimentos a todos que de um ou outro modo contribuíram para que esta obra pudesse ser realizada. Elaborar uma síntese sobre a vasta gama de rochas formadas no Pré-Siluriano, que registram cerca de 80% da nossa história geológica e cobrem praticamente a me- tade do nosso território, é tarefa robusta e nada simples, de um lado porque o volume de dados registrados em mi- lhares de publicações vem crescendo exponencialmente e, de outro lado, por existirem inúmeras lacunas de dados e discordâncias de interpretação em questões cruciais. A tarefa representa uma fronteira de conhecimento da nossa geologia. A síntese aqui apresentada traz a visão que o autor vem desenvolvendo ao longo de 50 anos de carreira, com- pletados neste início de 2012, em que atuou como docente de cursos de graduação e pós-graduação e pesquisador na USP (14 anos), UNESP (23 anos) e professor visitante em outras universidades, e também como profissional do IPT (13 anos) e consultor de dezenas de empresas das áreas de mineração e engenharia civil. A elaboração de uma síntese como essa é sonho an- tigo, alimentado pela crença de que somar e amadurecer conhecimentos deve ser atividade continuada, com mer- gulho permanente nos conhecimentos gerados no País e cujo produto seria importante trazer a público de tempos em tempos. Uma primeira oportunidade de realizá-lo surgiu em 1981, coordenando, juntamente com o Prof. Dr. Fer- nando F.M. de Almeida, a elaboração por colegas especia- listas de diferentes partes do país, de abordagens regionais que foram reunidas no livro O Pré-Cambriano do Brasil publicado pela Editora Edgard Blücher em 1984. Outro apanhado foi elaborado no fim da década de 1980, mas permaneceu inédito em forma de um relatório interno do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Outra tentativa foi ensaiada na década de 1990, mas não completada. O germe da síntese aqui apresentada veio a brotar com a ideia lançada em 2006 pelos amigos Celso Dal Ré Carneiro, Andrea Bartorelli e Shoshana Signer, esta da editora Oficina de Textos, de elaborar um apanhado, desta vez sobre Geologia do Brasil. Ela vem agora a público graças ao apoio da Petrobras e à edição da Editora Beca. Uma versão inicial deste apanhado foi apresentada em 2010 numa disciplina sugerida por Norberto Mo- rales no curso sob sua coordenação, de pós-graduação em Yociteru Hasui 15 CONCEITOS BÁSICOS 16 Geologia do Brasil A TERRA É AZUL... E MUITO ATIVA Os átomos que compõem nossos corpos não foram criados, evidentemente, quando fomos concebidos, mas pouco tempo depois do nascimento do próprio Universo. (...) Du- rante os primeiros milhões de anos de expansão após o Big Bang, o Universo se resfriou desde 100 bilhões de graus Kelvin (...) até cerca de 3.000 K, o ponto no qual um simples elétron e um próton poderiam se juntar para criar hidrogênio, o mais simples e abundante elemento do Universo. O hidrogênio co- alesceu para formar supernovas (...). Sob a força pura da gra- vidade os núcleos de supernovas tornaram-se tão quentes que reações termonucleares desencadearam-se, criando, a partir de hidrogênio e várias partículas subatômicas dispersas, todos os elementos mais pesados do Universo que conhecemos hoje. A riqueza de hidrogênio permanece ainda em nossos corpos – nós contemos mais átomos de hidrogênio do que qualquer outro tipo – primariamente em água. Nossos corpos de hidro- gênio espelham um Universo de hidrogênio (Margulis e Sagan 1986) No primeiro voo tripulado em órbita da Terra, o cosmonauta soviético Yuri A. Gagarin, ao olhar o planeta do espaço, em abril de 1961, exclamou: “A Terra é azul!”. Nem sempre nos atentamos para o significado dessa ob- servação pioneira, feita há pouco mais de 50 anos. Re- cebemos hoje com naturalidade as incontáveis imagens orbitais, que nos oferecem, a qualquer hora, detalhes im- pressionantes e magníficos da Terra (Fig. 1). Que transformações ocorreram quando o homem pôde ver a Terra toda? A mudança de perspectiva foi ra- dical. Até aquele momento, o homem somente observara a Terra a partir do chão, do alto de montanhas ou, na melhor das hipóteses, de aviões. São alternativas muito distantes da escala de observação feita por Gagarin. Passou-se AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM: O CICLO DAS ROCHAS Celso Dal Ré Carneiro do acesso a observações fragmentadas da morfologia do planeta, como cordilheiras de montanhas ou deltas de grandes rios, para a visão dos componentes de um com- plexo e integrado sistema. Modernos aparatos de obser- vação revelam que, em graus variáveis, as esferas materiais do planeta participam de múltiplas interações: atmosfera, hidrosfera, litosfera, manto, núcleo e biosfera. O sistema evolui ao longo de uma história de 4,5 bilhões de anos. Nos últimos milhares de anos, uma novo personagem, muito ativa, somou-se a tais agentes: a humanidade, que compõe a chamada esfera humana ou social. Mudanças cíclicas acontecem permanentemente na Terra, por meio de transformações lentas ou rápidas. As rochas não podem ser consideradas eternas, porque são afetadas por diversos graus de reciclagem, assim como todos os minerais que as constituem e os demais objetos encontrados na Terra. As escalas de tempo das mudanças são extremamente variáveis. A imagem de um planeta composto por terras emersas (continentes) separadas por oceanos e mares tornou-se insuficiente para interpretar a realidade, de modo que devemos, hoje, “olhar” para a Terra como um sistema integrado. É imprescindível considerar a história geológica do planeta para entender a complexidade e as interações dos processos naturais e humanos e antever pos- síveis consequências. Os ciclos das rochas e dos supercon- tinentes fazem parte desse contexto dinâmico; são trans- formações, mais rápidas ou mais lentas, que interferem nos demais ciclos naturais e determinam alterações nos ciclos evolutivos de montanhas e oceanos. O estudo das modifi- cações da matéria do reino mineral permite realizar previ- sões de acontecimentos futuros em relação à agricultura, ao solo, ao clima, aos oceanos, e à disponibilidade de recursos minerais. Ilustraremos neste capítulo alguns aspectos fun- damentais dessa intrincada cadeia de interações. 17 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM ESFERAS TERRESTRES Para compreender as interações terrestres, classifi- camos os materiais e os processos típicos que os afetam em grandes domínios, chamados de geoesferas. Diferentes autores oferecem classificações variadas, mas, em linhas gerais, existe certa congruência na grande maioria delas. A diferença é às vezes baseada em algum interesse parti- cular de um determinado campo científico especializado. É comum a todas as definições o pressuposto de que o pla- neta é um todo unificado: o que acontece em uma esfera interfere nas demais. Atmosfera: engloba os gases que compõem os ma- teriais terrestres. Entre os processos que acontecem na at- mosfera, destaca-se a função de distribuir energia solar e umidade em toda a superfície da Terra. Hidrosfera: envolve toda a água do planeta e os fe- nômenos relacionados à circulação desse fluido pelos con- tinentes e oceanos, tanto na forma líquida quanto gasosa (vapor) ou sólida. A esfera gelada do planeta é chamada criosfera.Geosfera: é o nome dado a toda a parte sólida da Terra, formada por camadas de distinta composição ma- terial, como a crosta, o manto e o núcleo, ou camadas cujo comportamento mecânico obedece a certos padrões, como a litosfera. Na geosfera é possível encontrar registros das principais mudanças ambientais que ocorreram e ocorrem na Terra. Crosta: é a camada externa da geosfera, cuja com- posição a distingue do manto e do núcleo; seu comporta- mento mecânico permite considerá-la parte da litosfera. As relações composicionais entre as esferas sólidas do pla- neta, as dificuldades de acesso à observação e os problemas de interpretação, bem como de estado físico e comporta- mento mecânico, são objeto do Capítulo 3 desta obra. Manto e núcleo: são as esferas rochosas internas do planeta. Embora sejam inacessíveis à observação direta pelo homem, sabe-se que são responsáveis por muitos fenômenos observados na superfície, como o magnetismo terrestre ou a contínua emissão de calor, desde o interior quente. Litosfera: é o envoltório sólido rochoso externo do planeta. Inclui a crosta (continental e oceânica) e a parte mais externa do manto superior. Os processos e transfor- mações na litosfera ocorrem lentamente, permitindo que ela funcione como um campo transitório, de uma perspec- tiva geológica, onde interagem os fenômenos da superfície e do interior do planeta. Biosfera: compreende todos os organismos vivos, dos reinos animal, vegetal, protista, bacteria e fungi. Po- demos subdividir a matéria viva de acordo com as formas peculiares de organização material e o domínio social. Antroposfera ou noosfera: a esfera social é for- mada pelas sociedades humanas e pelos processos super- ficiais que promovem. A ideia de interação no âmbito do Sistema Terra exige uma abordagem da noosfera inte- grada com as demais esferas, de modo a se visualizar a Terra como resultado de mútuas interações. Enquanto a biosfera se transforma a partir de mecanismos explicados pela teoria da evolução, a esfera social – da qual fazemos parte – modifica-se sobretudo por meio de instrumentos culturais, que podem ser compreendidos a partir da eco- nomia, política e formas de organização social. Figura 1. Topografia e batimetria externas da Terra. A imagem exibe depressões marinhas e extensas cadeias montanhosas, continentais e oceânicas. As plataformas continentais estão nas partes brancas. O relevo brasileiro apresenta variação de elevações, mas em geral apresenta cotas baixas e médias, menores que as das grandes cordilheiras espalhadas nas zonas ativas do globo. (Newman 2007. Disponível em: <http://geophysics.eas.gatech.edu/people/anewman/classes/geodynamics/misc/>) 18 Geologia do Brasil em locais que há muito tempo deixaram de ser desertos, como é o caso dos campos de dunas dos arenitos Botucatu, na América do Sul, que hoje encerram reservas subterrâ- neas importantíssimas de água doce, o chamado Aquífero Guarani. Os tipos de rochas, seu arranjo particular e sua composição revelam o ambiente desértico do passado. Para explicar como funciona o ciclo das rochas (Fig. 2) podemos começar pelo intemperismo, o processo de transformação ou modificação das rochas quando ex- postas à atmosfera e à hidrosfera. Alguns fatores determinam, ao longo do tempo, o tipo e a intensidade do intemperismo, a saber: o clima, de- vido ao calor do Sol e à umidade das intempéries (que por sinal lhe emprestam o nome); o crescimento de organismos (fauna e flora); e os acidentes de relevo, devido à infiltração e drenagem da água ou sua movimentação superficial, que pode ser mais ou menos rápida, dependendo da inclinação das encostas. O último fator essencial a ser considerado é o tempo, por duas razões: (a) algumas rochas, como o basalto, alteram-se em taxas muito mais rápidas do que outras, como um arenito ou um granito; (b) quanto mais longo o tempo em que a rocha fica exposta a esses agentes, mais intensas e profundas serão as transformações. O calor, a umidade, os organismos e o relevo deter- minam o grau de atuação de cada um dos três processos básicos de intemperismo: físico, químico e biológico. O intemperismo físico ou desagregação altera o tamanho ou a forma dos minerais sem mudar radicalmente a compo- sição mineralógica. Denominamo intemperismo químico, ou decomposição, toda ação que altera a composição quí- mica da rocha, transformando os minerais primários da rocha em minerais secundários. A ação dos seres vivos contribui para acentuar o intemperismo físico ou químico, tanto mecânica quanto quimicamente, por meio de subs- tâncias produzidas pelos organismos, ou geradas a partir de sua decomposição. De uma região para outra da Terra, erosão recebe o nome de denudação. Pedosfera: é a esfera formada pelos solos e materiais de alteração das rochas. Corresponde à parte superficial da crosta, formada pela interação das rochas com o ar, a água e os seres vivos. Na pedosfera o deslocamento de partí- culas, íons dissolvidos e gases cria um ambiente rico em nutrientes para plantas e animais. No topo da pedosfera, onde a interação é mais intensa, forma-se o solo. A vida e a morte de organismos são essenciais para a formação do solo, que constitui a base da vida terrestre. RECICLAGEM PERMANENTE: CICLO DAS ROCHAS As rochas são uma espécie de memória inanimada do planeta, porque guardam registros das alterações e dos fenômenos ocorridos ao longo da história geológica. Por meio das rochas podemos deduzir as condições atuantes no Sistema Terra na época em que foram geradas. O ciclo das rochas (Fig. 2) representa sintetica- mente as inúmeras possibilidades pelas quais, ao longo do tempo geológico, um tipo de rocha pode transformar-se em outro. Podemos considerá-lo um conjunto de processos permanentes de reciclagem, uma vez que a quantidade de matéria do planeta é a mesma há milhões de anos. Pen- semos em alguns átomos de carbono: em milhões de anos, eles já podem ter feito parte de vários ciclos (do ar, da água, das rochas, dos seres vivos). Seguindo esse raciocínio, podemos imaginar que os próprios átomos que compõem o nosso corpo já foram muitas outras coisas, inclusive es- trelas e rochas (Margulis e Sagan 1986). Areias de deserto, por exemplo, são muito parti- culares. Seus grãos bem arredondados, acumulados em dunas, tornam-se foscos de tanto colidir uns com os ou- tros. Dessa maneira, podemos reconhecer climas do pas- sado muito distintos dos existentes hoje. Em vastas re- giões do Brasil os climas foram quentes e secos há cerca de 150 milhões de anos. Como sabemos isso? O registro geológico de desertos existentes no passado guarda muitos vestígios. A relação entre areia e rocha (arenito), no caso de um antigo deserto, pode ser estabelecida estudando- -se os processos atuantes no passado, como os mecanismos de colisão de partículas, que podem promover a formação de grãos foscos, ou os processos de soterramento e com- pressão causados pelo peso das camadas que se deposi- taram acima da areia ou por fluidos que cimentaram seus espaços vazios, até fazer com que a areia se transformasse em rocha. Muito tempo depois, a rocha pode aflorar ou ter sua cobertura removida pela ação da erosão1, muitas vezes 1 Erosão consiste na destruição do solo e de rochas decompostas e seu transporte por meio de águas da chuva, rios, mares, geleiras, vento e outros agentes superficiais; abrasão refere-se à pulverização ou redução do tamanho de rochas e minerais a partir do impacto e atrito de partículas em movimento (Cassetti 2001). O efeito da ação combinada e prolongada no tempo dos agentes de intemperismo e Figura 2. Esquema geral dos produtos (retângulos), processos (retângulos arredondados) e das principais transformações (setas azuis) envolvidas no ciclo das rochas 19 1AS ESFERAS TERRESTRESSE RECICLAM grandes volumes de argilas, siltes e areias todos os anos. Rios com grande volume de água e alta declividade pos- suem grande capacidade de transporte e movimentam partículas sedimentares de todos os tamanhos. Em tre- chos onde a declividade diminui, a velocidade das águas se reduz na mesma medida. Mesmo que o volume de água seja grande, a diminuição da velocidade reduz a compe- tência do fluxo e uma fração das partículas acaba sendo depositada. O gelo é outro agente de erosão que promove des- gaste nas rochas. Na erosão glacial, quando a capa de gelo é espessa, o movimento da geleira remove todo o material mole (solos ou sedimentos) do caminho. Os fragmentos riscam a superfície das rochas subjacentes, e realiza-se portanto uma “raspagem” superficial. O poder destrutivo do gelo não pode ser comparado a qualquer outro agente superficial. Por outro lado, na maior parte da história da Terra, os registros indicam que as áreas cobertas por ge- leiras são restritas (como se observa no presente). O vento, por sua vez, é capaz de selecionar cuidadosamente os se- dimentos e ao mesmo tempo remover partes menos resis- tentes da superfície das rochas, sobretudo em desertos e em zonas litorâneas. Onde a velocidade dos ventos é alta e o fluxo, relativamente contínuo, formam-se dunas e outras feições características. A sedimentação é o processo de acumulação dos se- dimentos em depressões, chamadas bacias sedimentares, onde, dependendo das condições e da profundidade a que são submetidos, o peso dos sedimentos acumulados e a movimentação de fluidos provocam compactação e cimen- tação dos materiais. A transformação de um sedimento em rocha sedimentar é chamada diagênese. Os sedimentos dividem-se em três categorias gerais: detríticos, químicos e orgânicos. O fato de ter havido deslocamento é comum a todo tipo de sedimento, independentemente do tamanho das partículas envolvidas ou do agente de transporte: uma enxurrada, água do mar, água do rio, vento ou gelo. Sedimentos detríticos são “fragmentos” mecanica- mente removidos e transportados, formados a partir da erosão de rochas, cujas partículas são lentamente divididas e desmembradas pelos processos intempéricos (ação de águas e do calor ambiente) e depois transportadas. Os sedimentos químicos são formados a partir da precipitação de certos compostos especiais. Calcários, por exemplo, formam-se a partir da precipitação de carbonato de cálcio contido na água dos mares, por influência ou não de seres vivos, sendo portanto sedimentos químicos. O Brasil é rico em zonas onde predominam rochas calcárias antigas, no interior das quais formaram-se as inúmeras – e belíssimas – cavernas. Em locais onde as águas continentais são muito ricas em carbonatos, podem acontecer precipitações, como os calcários dolomíticos da Bacia do Paraná aproveitados em pedreiras da região de Rio Claro-Limeira (SP). dependendo das condições climáticas, de distribuição da vida e das formas de relevo, acima citadas, há predomínio de modificações físicas, químicas ou bioquímicas. A rocha, quando passa por processos intempéricos, forma camadas de materiais desagregados onde se formam os solos, processo que recebe o nome de pedogênese. O material solto torna possível desenvolver-se a vida de plantas e pequenos animais, que por sua vez contribuem para a decomposição ao formar o húmus. A moderna preocupação com a sustentabilidade da Terra levou as Geociências a migrar do conceito de solos como “materiais inertes e inconsolidados” utilizados na engenharia para a ideia dinâmica dos solos como a “pele viva do planeta”, ou “pedosfera”. Essa visão, mais próxima da dos ecologistas (Warshall 2000), reúne ainda as ideias de fertilidade, resis- tência à erosão e suporte físico, tão importantes para uma agricultura sustentável. Nessa concepção focalizam-se os quatro componentes do solo: (a) materiais inorgânicos re- sultantes do intemperismo dos minerais; (b) gases proce- dentes da atmosfera e da atividade química e biológica do solo; (c) líquidos na forma de soluções que participam de todos os processos; (d) materiais orgânicos representados por seres vivos e matéria orgânica morta. Além da matéria orgânica, cuja presença pode ser extremamente variável, deve-se levar em conta os gases e líquidos que compõem o solo, essenciais para sustentação da vida. O húmus nos solos, além de representar nutrientes armazenados de modo seguro para sustentar a vida, é também um modo de reter carbono na forma de moléculas complexas e de evitar seu retorno à atmosfera como um dos principais gases- -estufa. Quanto maior a quantidade de húmus, menor o risco de aquecimento global (Warshall 2000). A cadeia de processos de intemperismo pode atuar sobre qualquer rocha (ígnea, metamórfica, sedimentar) ex- posta à superfície da Terra. O intemperismo faz com que as rochas percam a coesão, fator que facilita o papel da erosão em promover desgaste desses materiais e seu transporte. Ao se deslocar, as partículas recebem o nome de se- dimentos. Estes são transportados e depositados em depres- sões do relevo ou levados até o fundo do mar. O principal agente de erosão é a água líquida, na forma de chuvas, rios e córregos que denudam os continentes. Na superfície da Terra, o impacto das gotas de chuva com o solo desprote- gido dá início ao processo de erosão. Os movimentos de massa são deslocamentos de grandes volumes de materiais, por efeito gravitacional. Outro tipo de deslocamento de encosta refere-se aos movimentos de partículas isoladas, levadas pela água da chuva e pelas enxurradas. Nos canais de rios, cujo tamanho depende do gradiente de inclinação e do volume de água disponível, movimentam-se sedi- mentos, muitas vezes sob grande turbulência. A capacidade de transporte dos rios pode ser muito grande, como é o caso do Amazonas, que leva até o mar 20 Geologia do Brasil Outro tipo de sedimentos químicos são os evapo- ritos, rochas formadas em ambientes restritos, nos quais progressivamente os sais solubilizados se enriquecem na água restante, uma vez que uma parte dela se evapora. Sabe-se que, durante a evaporação, apenas as moléculas de água são removidas do sistema e transferidas para a atmosfera, deixando de carregar os materiais dissolvidos. Estes acabam por se precipitar na base do corpo de água, dependendo de fatores como pressão, temperatura, so- lubilidade relativa dos sais, entre outros. Experimentos com a evaporação da água do mar revelam que, quando o volume de água cai aproximadamente para a metade, o carbonato de cálcio é precipitado; quando o volume de água cai para aproximadamente 1/5, o sulfato de cálcio se deposita até que o volume se reduza ainda mais. O cloreto de sódio, juntamente com o sulfato de mag- nésio e o cloreto de magnésio começam a se formar quando o volume se reduz a 1/10 do volume inicial. Embora no Brasil extensos depósitos de evaporitos sejam encontrados ao longo de bacias da margem continental, são relativamente poucas as ocorrências desse grupo de rochas marinhas entre Santa Catarina e Pernambuco. Em ambientes áridos, sob certas condições restritas, também podem ser formados evaporitos. Finalmente, os depósitos orgânicos são formados essencialmente pelos restos de plantas e animais cuja matéria orgânica é levada pelos agentes de transporte e depositada no fundo de lagos, rios ou mares. As mais co- muns são a turfa, o betume e os restos de seres marinhos formadores do petróleo. A turfa, o carvão, o petróleo e o gás natural são os produtos dessa longa cadeia de trans- formações. Além das rochas sedimentares, existem outros dois grandes grupos: as rochas ígneas, ou magmáticas, e as me- tamórficas. A distinção entre elas é feita de acordo com os processos geradores. Entretanto, variações nas condi- ções deformação de rochas com mesma origem genética podem resultar em diversos tipos de rochas em cada grupo. Quando as placas litosféricas se movimentam ao longo do tempo, as rochas podem ser levadas a ambientes muito diferentes daqueles sob os quais se formaram. Rochas enterradas a grandes profundidades e submetidas ao calor interno da Terra e a pressões dirigidas desen- volvem reorientação dos minerais, em um processo deno- minado metamorfismo. Qualquer rocha submetida a altas pressões e temperaturas e à percolação de fluidos sofre transformações dos minerais constituintes, além ter sua estrutura modificada. Rochas metamórficas são formadas por transformações na mineralogia, química e estrutura de rochas já existentes, devido a mudanças nos parâmetros físicos (principalmente pressão e temperatura) e químicos, diferentes das condições diagenéticas. As rochas resul- tantes do metamorfismo dependem do tipo de material original e sua composição mineralógica; as principais transformações são a recristalização de minerais e/ou a formação de novos minerais e deformações na estrutura das rochas (dobras, foliação, lineação etc.). Tomemos, por exemplo, um sedimento argiloso. O argilito, ou folhelho, é a rocha resultante da compactação desse tipo de sedimento. O metamorfismo progressivo do folhelho envolve transformações, no estado sólido, que podem formar, dependendo das condições de calor, pressão e presença de fluidos, uma sucessão determinada de rochas, que são: ardósia, filito, xisto e gnaisse. Se as condições de metamorfismo forem muito intensas, as rochas podem se fundir, parcial ou totalmente, e gerar magmas. Estes, ao se solidificar, dão origem a novas rochas ígneas. Somente rochas que tenham atingido alta temperatura, equivalente à dos gnaisses, podem atingir condições extremas, capazes de realizar a fusão parcial ou total do material. O magma assim formado, se for resfriado lentamente, dará origem a uma rocha plutônica; caso contrário, se extravasar na su- perfície da Terra, formará uma rocha vulcânica. Raríssimas vezes, sob condições naturais, um sedi- mento pode ser transformado, repentinamente, em ma- terial fundido. Quando ocorre o impacto de um corpo celeste de grande porte, pode haver fusão instantânea de rochas e materiais nas proximidades da área impactada, mas o fenômeno tem distribuição extremamente limitada na Terra. Quando ocorre intrusão de uma grande massa ígnea (magma), pode haver nos arredores da intrusão a fusão parcial do material adjacente. Mesmo sob tais condições extremas, um eventual sedimento acabaria por sofrer algum tipo de metamorfismo. As condições que determinam fusão de material durante o metamorfismo progressivo são o aumento de temperatura, a diminuição de pressão ou a introdução de água no sistema, que re- baixa o ponto de fusão de diversos minerais silicáticos. O magma é um líquido parcial ou totalmente fundido, de alta temperatura, em torno de 700°C a 1.200°C, prove- niente do interior da Terra e resultante do aquecimento e da fusão de rochas a altas temperaturas, em determinadas condições e locais da litosfera ou astenosfera. Muitas vezes o magma carrega consigo metais valiosos e, portanto, ja- zidas de vários metais como ouro, platina, cobre e estanho podem associar-se a corpos de rochas ígneas. As rochas ígneas originam-se a partir do resfria- mento de magmas. O tamanho dos cristais geralmente é proporcional ao tempo de resfriamento: quanto mais lenta a cristalização, maiores os tamanhos dos cristais formados (Fig. 3). O magma pode migrar dos locais onde se originou para regiões da crosta terrestre onde a pressão seja menor, alojando-se como intrusão magmática. Existem três tipos comuns de rochas ígneas: plutônicas ou intrusivas, sub- vulcânicas ou intrusivas rasas e vulcânicas ou extrusivas. Uma intrusão pode variar em tamanho e forma; quando 21 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM Figura 3. Esquema geral das texturas típicas utilizadas na classificação de rochas ígneas. O tamanho e o arranjo geométrico dos cristais dependem do tempo disponível para a cristalização. (Motoki e Sichel 2006) observar determinados processos em plena atividade na natureza ou em criar modelos análogos em laboratório. Assim, definimos as relações espaciais e os parâmetros fí- sicos que controlam diferentes tipos de fenômenos, como temperatura e pressão, mas não temos como manipular a variável tempo. Os fenômenos que modificam a paisagem e que transportam solos e rochas de uma região para outra recebem o nome de erosão normal. Em geral, é muito difícil perceber seu desenvolvimento, já que são processos extre- mamente lentos, que podem demorar milhares de anos. Não se pode observar diretamente de que forma ocorre a erosão normal, mas podemos analisar muitos de seus efeitos. As bacias sedimentares são um deles. Muitos casos de erosão acelerada são familiares a todos nós, devido às notícias de escorregamentos, envol- vendo dolorosas perdas de vidas humanas, em boçorocas ou vales rapidamente abertos pelas águas das chuvas no solo desprotegido de zonas urbanas e rurais. Os fenô- menos erosivos provocam também perdas consideráveis de terras agrícolas. EMBASAMENTO E COBERTURA Para decifrar os eventos ocorridos no passado do planeta devemos estudar o registro geológico, cujos compo- nentes serão mencionados em diversas ocasiões ao longo deste livro, assim, é oportuno caracterizá-los de modo mais preciso. São eles: o embasamento, a cobertura, o regolito e a fisiografia (Merguerian 2002). O embasamento consiste em uma “capa” de rocha só- lida contínua, que forma a crosta continental. Esse imenso substrato constitui o alicerce do edifício geológico do país e reúne imensa variedade de rochas ígneas, sedimentares ou metamórficas, que podem se expor à superfície da Terra em afloramentos ou encontrar-se enterradas centenas ou milhares de metros abaixo da cobertura sedimentar ou vulcânica. Em cerca de metade do território brasileiro as atinge grandes proporções constitui uma câmara magmá- tica. Nessas condições o resfriamento lento do magma favorece o processo de cristalização dos minerais, dando origem a rochas ígneas plutônicas, como os granitos. As rochas ígneas vulcânicas, também conhecidas como efusivas, se formam quando a migração do magma alcança a superfície da Terra, por processos associados ao tipo de vulcanismo atuante. Nos vulcões, o magma atinge a superfície da crosta – então passa a ser chamado de lava – e se resfria rapidamente ao entrar em contato com a temperatura ambiente, com a consequente formação de rocha. Basaltos são as rochas vulcânicas mais comuns. Devido à solidificação praticamente instantânea (pro- cesso denominado consolidação), não há tempo para os cristais se desenvolverem; formam-se núcleos muito pe- quenos, invisíveis a olho nu (<<1mm). Em situações nas quais o magma se cristaliza no interior da crosta, próximo à superfície, mas com resfriamento um pouco mais lento que o das rochas vulcânicas, podem se formar cristais de tamanho pequeno (~1mm), visíveis a olho nu. Rochas desse tipo são denominadas rochas subvulcânicas, como o diabásio. Os termos extrusivo, vulcânico, subvulcânico, hipoabissal, intrusivo e plutônico podem ser utilizados nas descrições geológicas de corpos ígneos (Motoki e Sichel 2006), sendo inadequado, entretanto, assumir-se qualquer correlação direta entre o modo de ocorrência geológica e a profundidade de colocação de um corpo ígneo, porque muitas rochas ígneas formadas em profundidade podem ter se cristalizado mais rapidamente, apresentando assim textura fina (Fig. 3). O derradeiro processo que promove o apareci- mento das rochas na superfície resulta de movimentos verticais da litosfera. Quando partes das cadeias de mon- tanhas são erodidas, o alívio de pesoda parte superior da crosta faz com que ocorra um “empuxo” da parte inferior e a superfície da crosta seja soerguida. Os processos erosivos revigoram sua atuação e o ciclo das rochas é realimentado. Os continentes se desenvolveram ao longo do tempo geológico, sendo muitas vezes receptores de ma- teriais menos densos do manto, graças à atividade mag- mática, que os transfere para a superfície da Terra. O ciclo das rochas, idealizado pelo naturalista James Hutton, re- presenta o conjunto de processos cíclicos que atuam na geração e transformação de rochas, bem como suas re- lações com os processos de soerguimento e exposição de rochas na crosta, a partir da ação de esforços internos. EROSÃO E SEDIMENTAÇÃO Se escolhêssemos uma dada paisagem e pudés- semos fazer, a partir de hoje, uma fotografia anual da área ao longo de dez ou vinte anos, talvez não fosse possível perceber qualquer indício de mudança. Somos hábeis em 22 Geologia do Brasil rochas metamórficas e ígneas antigas estão cobertas por capas de rochas sedimentares, que constituem a chamada cobertura (Fig. 4). No caso das camadas magnificamente expostas na região da Chapada Diamantina, em Lençóis (BA) (Fig. 4), a singular fisiografia regional é dada por formas originadas pela erosão, que incluem escarpas verticais e feições ta- bulares. Podemos visualizar rochas de embasamento e de cobertura, assim como descontinuidades, que nesse caso são chamadas discordâncias. Na Figura 4, a unidade 4 (Grupo Paraguaçu) constitui o embasamento, formado de rochas metamórficas antigas. Acima das unidades 2 (For- mação Caboclo) e 3 (Formação Tombador), existe uma discordância no contato com a cobertura, representada pelas camadas horizontais da unidade 1 (Grupo Una). O Anticlinal do Pai Inácio resulta da deformação das ca- madas 2, 3 e 4 durante o Proterozoico (Kegel 1959 apud Pedreira e Bomfim 2002). Os estratos de sedimentos, sob o ponto de vista geológico, constituem acumulações de materiais que são deslocados de um lugar para outro pelos agentes do ciclo das rochas, em certas épocas do passado terrestre. Zonas deprimidas da crosta que estavam em situação favorável acabaram recebendo camadas posteriormente preservadas. Independentemente da etapa da história do planeta em que se formou, toda cobertura é mais jovem que o emba- samento sobre o qual se implanta. REGOLITO E FISIOGRAFIA DA PAISAGEM Na maior parte do país, as rochas do embasamento (e as da cobertura também) apresentam-se recobertas por um manto de materiais inconsolidados que compõem o regolito, especialmente bem desenvolvido nas regiões tro- picais do Brasil (Fig. 4). Regolito é a designação dada ao material inconsoli- dado, esfarelável e fragmentável que recobre rochas do emba- samento e da cobertura (Fig. 5a). A parte superior do regolito pode conter componentes orgânicos que ajudam a suportar o crescimento de plantas, sendo então denominada solo. O regolito forma-se sobretudo por meio da acumulação de re- síduos de processos extremamente lentos, que constituem o intemperismo das rochas – o regolito residual –, ou como produto de movimentações rápidas de materiais que frag- mentam e deslocam rochas em escarpas, como nas avalan- ches e/ou deslizamentos de diversos tipos de materiais – o re- golito transportado, como os depósitos de tálus (Figs. 4 e 5b). Capas espessas de regolito podem atingir profun- didades da ordem de centenas de metros. Nessas áreas não aparecem afloramentos naturais, pois o regolito esconde as unidades de embasamento ou cobertura. Dadas algumas condições mínimas, um regolito pode se formar sobre qualquer tipo de rocha, seja aquelas mais resistentes, seja as mais tenras, como sedimentos inconsolidados, lavas ou cinzas vulcânicas (Merguerian 2002). Figura 4. Na Chapada Diamantina, BA. Os solos, desenvolvidos sobre corpos de tálus, fixam a vegetação da base das escarpas que, por sua vez, delimitam rochas da cobertura.(Foto: R. Linsker). O perfil geológico contém as seguintes unidades: (1) Grupo Una, (2) Formação Caboclo, (3) Formação Tombador, (4) Grupo Paraguaçu. No perfil, o regolito somente pode ser indicado, com certo exagero, por uma linha. (Modif. de Kegel 1959 apud Pedreira e Bomfim 2002) 23 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM dos processos intempéricos, erosivos e de sedimentação, por outro lado, o reconhecimento da fonte dos processos internos do planeta não foi uma tarefa tão simples assim. Admitindo a influência do calor interno da Terra, Hutton introduziu o conceito de plutonismo (de Plutão, deus do fogo na mitologia greco-romana) a partir de observações do metamorfismo de contato entre rochas ígneas e sedimentares, bem como detalhadas descrições de amostras examinadas ao microscópio. A relação dinâmica entre os agentes e as configurações da parte mais externa do planeta, interligados à tectônica global, constitui o motor do ciclo das rochas. INTER-RELAÇÕES ENTRE CICLOS O entendimento de conceitos subjacentes aos pro- cessos relacionados ao ciclo das rochas continua a desafiar a capacidade e a engenhosidade de investigação dos geo- cientistas. Ademais, há ligações bastante claras desse ciclo com outros, como os da água. Em paralelo ao ciclo das rochas, desenvolvem-se os ciclos de formação e destruição de montanhas (orogênese) e continentes (epirogênese). As rochas dos continentes e dos fundos dos oceanos cons- tituem registros das transformações relacionadas ao ciclo das rochas, que funcionam desde os primórdios da história geológica da Terra e acompanham a evolução do planeta. A existência de bens minerais úteis ao homem é uma con- sequência dos processos do ciclo das rochas. Eles também são responsáveis por desastres ambientais, relacionados às dinâmicas interna e externa do planeta. As relações envolvidas no ciclo das rochas são mais complexas do que a concepção simplificada dos modelos expostos. Diversos produtos não estão aqui representados, por exemplo, as variações de tipos de rochas formadas por precipitação química, as inúmeras possibilidades de com- posição mineralógica dos magmas (basáltico, granítico, al- calino etc.) e os variados tipos de rochas metamórficas que podem ser geradas de acordo com a natureza da rocha ori- ginal. Abordar em pormenores as amplas relações envol- vidas no ciclo das rochas requer conhecimentos geológicos específicos, que serão abordados ao longo dos próximos capítulos desta obra. As geleiras e os ventos são bem conhecidos pela ca- pacidade de transportar e acumular enormes quantidades de material solto sobre rocha firme. O impacto de corpos extraterrestres, como meteoritos ou cometas, pode criar um regolito, conhecido como ejecta. Em certos tipos de ativi- dade vulcânica, explosões podem criar grandes quantidades de um novo regolito “instantâneo”, que recobre enormes áreas superficiais (Merguerian 2002). O regolito vulcânico pode ser rapidamente convertido em solo (Fig. 5b). A fisiografia da superfície da Terra vem sendo es- culpida pela atuação incansável de processos distintos, como a erosão, da qual resultam formas de relevo: colinas, morros, escarpas, vales, cristas montanhosas, morros tes- temunhos, vales glaciais e planícies esculpidas pelo gelo em altas latitudes; e a sedimentação, que constrói inúmeras feições: os deltas e estuários na desembocadura de rios ou as planícies de inundação ao longo do percurso destes. Em função das quantidades variáveis de fluidos e sedi- mentos transportados, outras formas construtivas são as praias, lentamente acumuladas e deslocadas pelas ondas do mar, as planícies marinhas e zonas de mangue ao longo da costa, as dunas empurradas pelo vento no interior do continente ou na costa. Neste livro trataremos de incontáveis associações entre distintas unidades de rocha, regolitos e formas de relevo,conhecidas como as províncias fisiográficas bra- sileiras. A forma externa da superfície da Terra e seus componentes são interligados pela operação contínua do ciclo das rochas, que promove o soerguimento de grandes massas de rocha, formadas em profundidade, e as rearranja na superfície, podendo mais tarde enterrá-las novamente. O objetivo dos estudos geológicos é identificar feições diagnósticas de cada uma das etapas desses ciclos, decifrar a história implícita e, finalmente, descrever a origem e a evolução do planeta. O MOTOR DO CICLO DAS ROCHAS Para entender qual é o motor que realiza as trans- formações, é preciso tratar das fontes de energia dos processos terrestres. As fontes são essencialmente três: a energia proveniente do Sol, a energia (calor) proveniente Figura 5. Representação dos componentes do registro geológico: (a) embasamento e cobertura – (1) rochas cristalinas do embasamento, (2 a 8) rochas da cobertura, (9 e 10) estruturas; (b) perfil em maior detalhe, exibindo relações entre regolito e fisiografia. Neste caso a fisiografia inclui o tabuleiro e a escarpa, enquanto o regolito é formado por depósitos de tálus e solos. do interior do planeta e a ação da gra- vidade. O ciclo das rochas envolve as três fontes de energia mencionadas. Os materiais terrestres estão continuamente sob a ação de um ou mais agentes que provocam desequi- líbrios. As transformações, por sua vez, representam respostas a fluxos de energia na Terra. Se, por um lado, é bem aceita a constatação de que o Sol constitui a fonte primária de energia (a) (b) 24 Geologia do Brasil A humanidade povoa a Terra há alguns poucos mi- lhares de anos. Parece natural que cada um de nós ima- gine ser a Terra muito antiga, além de estável. Formamos a ideia de estabilidade permanente, a partir da serenidade das montanhas e da grandeza dos oceanos. Nada poderia ser mais distante da realidade. Embora o planeta tenha idade respeitável, a expressão “Terra inquieta” é bem com- preendida por todos aqueles que vivem sob a ameaça cons- tante de terremotos, vulcões e tsunamis, e que conhecem o perigo representado pelas instáveis margens das placas tectônicas em busca de novas situações de equilíbrio. Nos próximos capítulos estudaremos os registros de nossa variada história de mudanças geológicas e am- bientais, desde a formação da Terra. Veremos como foi desenvolvida a ideia de Tempo Profundo por meio de racio- cínio lógico e adoção de procedimentos rigorosos. Como exemplo, refletiremos sobre o tempo necessário para for- mação de uma bacia sedimentar. As mudanças ocorrem em escalas de tempo muito distintas: cada etapa significa o ponto de partida de outra. Estudando a noção geológica de tempo e a evolução das ideias sobre Tempo Geológico, veremos as principais contribuições dos geocientistas para a moderna formulação de idades do universo conhecido e da Terra. Sabemos que o planeta se formou há aproxima- damente 4,56 bilhões de anos. Os geocientistas compre- endem que a história da Terra está registrada nas rochas da crosta terrestre e pode ser decifrada por métodos apro- priados. Aos poucos, identificam ciclos e processos e in- UM OLHAR GEOLÓGICO...PARA O TEMPO PROFUNDO Celso Dal Ré Carneiro Fernando Flávio Marques de Almeida Pedro Wagner Gonçalves Alexandre Uhlein Carlos Maurício Noce (in memorian) Antes do desenvolvimento da datação radiométrica, nosso entendimento da estrutura de tempo da Terra compara-se a de um historiador, que sabe que Albert Einstein viveu em alguma época entre Alexandre, o Grande, e Michael Jackson, sem definir exatamente quanto tempo se passou entre esses eventos. (Halliday 1997) dicam idades cada vez mais remotas para a origem da vida e do homem. Essa fascinante história motivou o surgi- mento da geologia como ciência moderna. Ainda que boa parte das pessoas desconheça que a Terra seja tão antiga, ou até mesmo desacredite das idades dadas pela ciência, rara- mente pensamos sobre o significado desse conhecimento em nossa cultura. Para formar pessoas cientificamente cultas, é essencial dispor de ideias consistentes sobre idade da Terra, que ajudam a construir formas menos antropo- cêntricas de ver o mundo. Em um planeta tão antigo, buscamos dar signi- ficado aos longos intervalos de tempo utilizando as se- utilizando as se-utilizando as se- guintes siglas: Ma significa mega-age, ou milhões de anos; e Ga significa giga-age e refere-se a bilhões de anos. Afinal, quanto tempo é 1 milhão de anos? Pense bem: se uma pessoa pudesse viver 1 milhão de dias, ela atin- giria a respeitável idade de 2.740 anos! (Weisgarber s.d.). Para dar uma ideia de quanto tempo é algo da ordem de 4,56 Ga (4.560.000.000 anos), basta um (simples?) exer- cício de imaginação (a experiência real é impossível): se você começasse, agora, a contar números de dez em dez, sendo cada número correspondente a dez anos da história da Terra e, a partir deste instante, não fizesse outra coisa durante os próximos anos, ou seja, ficasse sem dormir, sem comer, apenas contando, em poucos minutos de contagem chegaria ao tempo dos egípcios; mas seriam necessários aproximadamente 14,26 anos ininterruptos de contagem para chegar à época de formação deste planeta. Muito tempo mesmo, não? 25 2UM OLHAR GEOLÓGICO... PARA O TEMPO PROFUNDO UM EXEMPLO DE “HISTÓRIA GEOLÓGICA CURTA” Um exemplo de fenômeno bastante recente, do ponto de vista geológico, permite compreender a importância e magnitude dos processos geológicos envolvidos: trata-se da formação da bacia sedimentar do Pantanal (Fig. 1). Sondagens da Petrobras realizadas em diferentes partes da bacia atravessaram cerca de 500 m de sedimentos fluviais e lacustrinos (Weyler 1964 apud Assine 2003), compre- endendo o intervalo desde o Pleistoceno, que abrange cerca de 1.800.000 anos. Convertendo-se a quantidade de metros em milímetros e dividindo-se os números, tem-se A vastidão incomensurável de tempo compreende tanto lentas transformações cíclicas quanto as mudanças rápidas que caracterizam, muitas vezes, catástrofes am- bientais. Os ciclos da água, das rochas, das montanhas e dos continentes são alguns desses ciclos. A própria evolução da vida, tal como formulada por Darwin, Wallace e outros biólogos evolucionistas, encaixa-se em – e depende de – uma visão de história da Terra ampliada em relação àquela vigente até o início do desenvolvimento da mo- derna Geologia. A Escala Absoluta do Tempo Geológico vem sendo montada desde os primórdios da Geologia e tem sido continuamente revisada nos últimos dois sé- Figura 1. Dados de subsuperfície da Bacia do Alto Rio Paraguai, obtidos a partir de poços perfurados pela Petrobras na década de 1960 e curvas de isópacas da Formação Pantanal (Modif. de Assine 2004, 2010. Fontes de dados: Brasil e Alvarenga 1989, Ussami et al. 1999, Weyler 1962, 1964) culos. A versão mais recente, publicada por Gradstein et al. (2004) e revisada por ICS (International Commission on Stratigraphy/ IUGS 2010), discrimina etapas da história do planeta a partir de determinados intervalos de idade de rochas, com base na ocorrência de eventos relevantes, no reconhecimento de certos fósseis ou em informações geocrono- lógicas. O tema “Idade da Terra”, nos últimos 400 anos, despertou ampla polêmica no mundo religioso e político, com implicações que se estendem até hoje. No início dos anos 1800, homens com boa formação científica e filosófica acreditavam que a Terra possuísse cerca de 7.000 anos. Na época, e nas décadas seguintes, poucas vozes eram discordantes. Somente no último quartel do século XVIII, naturalistas germânicos, franceses e britâ- nicos passaram a imaginar que a idade do planeta fosse muito maior do que isso. Bu- ffon, pensador francês da época das Luzes, impressionou-se
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