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DAPED~A À [sTRELA V· ferralagem ao centro da O calendário geológiCO .As pedras do Céu A . I 'gicaaVentura Planeta o. "evDe Newton a Mendele1 Sociedades de ÁtoJIlos O planeta Terra O Reino da Água ... ! I I 11 , r t. ·'1li ! CltNCIA NOVA~==~~~ ~==~~ 4 Claude Allegre À EsTRELA ,... da história d va Vlsao . 'tu.,,,, daUma nO 'd da lei IV mundo deduzI ~iência jovem pedras; u'::e a ponte r" que est~bela Astronomia, Geologia e publicações dom quixote DA PEDRA À ESTRELA I o AUTOR: Claude Allêgre é professor na Universidade de Paris VII e no Massachussets Institute of Technology, e director do Institut de Physique du Globe de Paris. As suas investigações incidem sobre a origem do sistema solar e sobre o desenvolvimento e a dinâmica das grandes unidades do globo terrestre. É também autor do volume intitulado L'Écume de Ia Terre, publicado em 1983. CLAUDE ALLEGRE \)eo-seLD ~u:e. ~7W~~;tLt cúk& /c2oJ5 DA PEDRA À ESTRELA PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE LISBOA 1987 FICHA: Título: Da Pedra à Estrela. Autor: Claude Allêgre . Colecção: Ciência Nova. n," 4. © 1985. Librairie Arthême Fayard. Título original: De Ia Pierre à l' Étoile. Tradução: José Vieira de Lima. da edição francesa publicada por Librairie Arthéme Fayard, Paris. Revisão tipográfica: Luís Milheiro. Capa: Fernando Felgueiras. Ia edição: Março de /987. Edição n.": 4 CN //06. ~~~~~~D""e~pósi.to1egaI n.o: 14354186. Todos os direitos reservados por: Publicações Dom Quixote, Lda .. Rua Luciano Cordeiro. 119. 1098 Lisboa Codex, Portugal. Fotocomposição: Tipo 2. Impressão e acabamento: Gráfica Barbosa & Santos. Lda .• em Março de 1987. Distribuição: Dlglivro, Rua Ilha do Pico. 3-B. Pontinha. Lisboa. e Movilivro, Rua do Bonfim. 98. r/c. Porto. ÍNDICE PREFÁCIO............................................... 13 Capítulo I: O tabu da Génese 15 Capítulo 11: Viagem ao centro da Terra. . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Capítulo III: O calendário geológico 55 Capítulo IV: As pedras do céu ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Capítulo V: A aventura planetológica 93 Capítulo VI: De Newton a Mendeleiev . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 115 Capítulo VII: O palímpsesto cósmico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 145 Capítulo VIII: As sociedades de átomos .. . . . . . . . . . . . . . . . .. 171 Capítulo IX: O planeta Terra 191 Capítulo X: O reino da água _ , 215 Epílogo _. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 243 ADIT AMENTO: Algumas notas sobre a estrutura atómica da matéria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 247 NOT AS DE LEITURA 255.................................... BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 257 Quando o céu foi afastado da terra Quando a terra foi separada do céu Quando o homem teve pela primeira vez um nome Quando An levou consigo o céu Quando Enlil levou consigo a terra ... Epopeia de Gilgamesh AGRADECIMENTOS Esta obra constitui o relato de uma aventura científica vivida e que prossegue. Trata-se, portanto, de uma obra que deve muito a todos aqueles que acompanharam, facilitaram ou que comigo se cruzaram nesta minha caminhada científica. Isto sem esquecer os meus alunos, com os quais tenho mantido um contacto diário muito enriquecedor, que é fonte de muita satisfação intelectual. No entanto, este trabalho não surgiria à luz do dia se não houvesse determinadas circunstâncias a rodeá-lo. O incitamento para que o escre- vesse, da parte de Vincent Courtillot, Bernard Dupré e Odile Jacob. O apoio que me deram Lydia Zerbib, Claude Mercier, Martine Sennegon e Claude Nourry. As sugestões e correcções de Odile Jacob; Jean-Paul Poirier, Jean-Louis Le Mouel, Gérard Manhês, e Claude, sem cujo apoio tudo teria sido muito mais dificil. PREFÁCIO I, L Os geólogos estudam a história da Terra, os astrónomos, a do Universo. Uns trabalham com martelos e bússolas, os outros com telescópios. As atenções dos primeiros estão concentradas na terra, as dos segundos no céu. Durante muito tempo, estes dois ramos da História Natural ignora- ram-se mutuamente. As mensagens de ambos nunca se encontravam e, por isso, a escrita da história do mundo era algo de parcelar e disperso. Contudo, nos últimos tempos, esta dicotomia tem estado a extinguir-se. A leitura das pedras, terrestres e extraterrestres, que chega aos seus átomos, ao que de mais profundo existe nelas, revela-nos a idade que elas têm, bem como a sua origem, filiação, história. Chegamos mesmo a ler como se inscreve nas pedras a época arcaica, a época em que esses átomos nasceram, precisamente nas estrelas. A exploração íntima da matéria rochosa anula, portanto, os limites da geologia tradicional: os limites espaciais, porque já não abarca apenas a crosta terrestre, mas a totalidade do globo e integra este no contexto comparativo de todos os planetas; os limites temporais, porque ultrapassa os tempos fossiliferos e estuda os quatro mil milhões e meio de anos da história terrestre, chegando mesmo, por vezes, muito mais longe. A história do mundo encontra assim uma continuidade, desde o Big- -Bang até ao aparecimento do Homem. Uma obra científica destinada a um público constituído por pessoas que não são especialistas, implica algumas normas simples para a bibliografia. O domínio coberto por esta obra tem uma tal dimensão que não se poderia pôr a hipótese de indicar, a todo o momento, as referências originais. Sairia uma obra perfeitamente ilegível. O total das referências ultrapassaria, em dimensões, o próprio livro. No entanto, pareceu-nos ter interesse salientar, aqui e ali, algumas passagens básicas, através de referências precisas. Estas referências são indicadas por números no texto, que remetem o leitor para as notas de rodapé, onde poderá encontrar o nome do autor e o ano de publicação. No /3 final da obra, a totalidade destas referências encontra-se agrupada por ordem alfabética de autores. / 1/ . a escolhe- Paralelamente a esta prática que, no fim de contas, ~ ~ asstc '. _ mos para cada capítulo, algumas obras ou artigos genencos qU1aJud~rao aqu~le que não é especialista a aprofundar e~te ou aquele tema. grupamos estas referências na rubrica «Notas de leitura». . . /. Finalmente, um Aditamento expõe rapidamente os prznapzos da estru- tura do átomo. CAPÍTULO I o TABU DA GENESE 14 A origem da Terra, a maneira como este planeta se formou e, a partir daí, se situou no conjunto dos astros do Universo, as condições que lhe permiti- ram tornar-se hospitaleira para a vida, em primeiro lugar, para o homem, depois, são questões que todas as civilizações humanas levantaram e conti- nuam a levantar. Os modos de abordar este problema, de o integrar no conjunto dos conhecimentos e das crenças, as hipóteses e respostas que são propostas à curiosidade ou à ansiedade dos homens, variam conforme as sociedades, mas constituem uma das bases da reflexão filosófica e metafísica de qualquer civilização. O problema da origem da Terra pertence, evidente- mente, ao doinínio da Ciência, mas ultrapassa-a largamente, nem que seja pelos seus prolongamentos ou consequências. A geologia é a disciplina científica que tem por objecto o estudo da Terra, da sua estrutura, da sua evolução. No entanto, há já cento e cinquenta anos que esta ciência recusa abordar o nascimento da Terra e a sua história arcaica. Os manuais ou os cursos de geologia não falam do assunto. Os colóquios ou os congressos de geologia ignoram estes problemas. Pior ainda, houve uma época recente em que a simples formulação destas questões nos círculos geológicos era considerada incongruente e bastava para desacreditar aquele que, movido pela curiosidade, as formulava. Que razões motivam este silêncio prolongado, esta repulsa confessa por um assunto que deveria constituir o próprio ceme dos estudos geológicos? A nossa obra tem por objectivo penetrar neste domínio «interdito- aos geólogos, utilizando precisamente as ferramentas da geologia, decifrando as mensagens inscritasnas rochas. Contudo, antes de infringirmos o tabu que, durante cento e cinquenta anos, determinou os processos de trabalho da geologia, não será natural que nos interroguemos acerca da sua natureza e origem? Esta curiosidade vai obrigar-nos a percorrer a própria história da geologia. 15 DA PEDRA À ESTRELA Neptunianos e plutonianos Embora não ignoremos os trabalhos de pioneiros tão diversos como Nicolas Steno, Leonardo da Vinci, Jean-Étienne Guettard, Buffon, Pallas ou Saussure, temos que aÍrrmar claramente que a geologia, tal como a conhece- mos hoje, nasceu em Inglaterra no final do século XVIII. A grande preocupação dos geólogos desta época consistia em compreen- der a origem das rochas e dos minerais que constituem a crosta terrestre e explicar a forma como estes materiais se reúnem em vastas formações rochosas, de um modo geral estratificadas. A natureza, a cor, a composição das rochas vanam, os minerais que as compõem são dif€:wnte5, os estratos -'------=se~<ltmentares tanto surgem empilhados horizontalmente, como aparecem de forma sinuosa e fendidos. Quais as razões de tamanha variedade? A origem dos fósseis, que tinha dividido o mundo científico - Voltaire pensava que se tratava das conchas de ostras deixadas nos caminhos pelos peregrinos que seguiam para Santiago de Compostela -, já não era objecto de qualquer debate e todos eram unânimes em considerá-los como restos de animais desaparecidos, evitando interrogar-se mais profundamente sobre o que se teria passado com eles. A presença de antigos depósitos marinhos nos continentes tinha sido detectada havia já muito tempo. Esses depósitos, pensava-se, constituíam os vestígios do episódio bíblico do Dilúvio. Esta interpretação, que permitia considerar a geologia como uma prova da veraci- dade das Escrituras, foi o ponto de partida da teoria neptuniana.. Apesar de ter sido formulada,. de forma aproximada, por Bertrand de Maillet I, cinquenta anos antes, é costume atribuir a paternidade da síntese neptuniana a Abraham Gottlob Werner, professor de mineralogia em Frei- berga. Werner era como que um Sócrates da geologia. 'Não há nenhum índice de que tenha publicado a sua própria teoria, que nos foi transmitida essencialmente pelos seus discípulos, que se deslocavam à Saxónia para receber um ensino que cedo os subjugava. Entre os divulgadores das pala- vras do mestre, o mais prolixo foi, sem dúvida, Robert Jamieson, professor de História Natural na Universidade de Edimburgo, um dos maiores centros intelectuais da época na Grã-Bretanha 2. Werner defende que minerais e rochas são produtos da água. Tais materiais formaram-se no grande oceano que cobriu toda a superfície do globo, numa época determinada. Porém, todos estes materiais não se formaram ao mesmo tempo, num único episó- I! ,I .1 ,I I1 111"",) I Bertrand de Maillet, Telliamed ou entretiens d'un philosophe indien avec un missionaire français sur Ia diminution de Ia Mer, laformation de Ia Terre, /'origine de l'homme , ete. Amsterdão, 1748. . 2 Jamiesoli R., 180&. 16 o TABU DA GÊNESE dio. Foram-se depositando sucessivamente - com os mais recentes cobrin- d? ~s .m~s antig~s.-: ao longo da história da Terra. Wemer distingue nesta história cmc~ epIsodIOS.• correspondendo cada um à formação de materiais !>em c~~ctenstIcos, d~~ando cada um a sua marca, a sua assinatura, por intermédio dos matemusque cada um produziu: -:- durante u.m primeiro período, depositaram-se num mar quente os gramtos, os gneisses e os pórfiros; - numa segunda etapa, depositaram-se as rochas de transição, xistos e grauvaq~~s, q~e, por:tanto, cobrem os granitos e os gneisses primitivos. No oceano, ja entao esfnado, viviam peixes, cujos restos fossilizados podemos encontrar nos xistos; dl:IFaRt~o t€lf.C€liroperíodo, o mar começou a retirar-se dos continen- tes. Neste pe~odo, ter-se-iam depositado os calcários, os grés, a cré e os bas~ltos (considerados, note-se, como rochas sedimentares). Durante este penodo, teriam aparecido os mamíferos na Terra; - _o q~arto período caracteriza-se pelo. aparecimento de continentes de ~xtensao ainda restrita, nos quais os rios e o vento tinham já uma acção Importante, ~omo agentes de erosão e de transporte, que permitiam que fossem ~eposltados no mar os produtos dessa erosão: argilas, areias e saibros; - finalmente, n<;>~~into período, quando a água abandonou por com- pl~to os contmentes, InICIOU-Seuma intensa actividade vulcânica, actividade cuja fonte de calor pode ser detectada na combustão das formações carboní- feras enterradas a grande profundidade". . ,Para Wemer e se.us discípulos, estas cinco etapas sucederam-se num penodo de tempo muito curto, da ordem de algumas dezenas de milhar de anos, no máximo, ou seja, um período de tempo quase bíblico. James Hutton, mestre dos plutonianos, ao contrário de Wemer não tinha nenhuma posição universitária oficial. O seu desafogo m;terial de ge'}t~eman-farmer** permitia-lhe entregar-se ao estudo da Natureza. Com múltiplas espe~ulações e ex~ursões geológicas no terreno foi, a pouco e pouco, constr~llndo uIl!~ teona do mundo geológico. Esboça diversos aspec- tos desta teona em vanas obras sucessivas, mas só em 1795 a expõe por completo, no livro Theory of the Earthr. , Para Hutton, a orig~m dos materiais da crosta terrestre é dupla. E ~erdade que um certo numero de rochas, como os calcários, os xistos e os gres, ~e formaram a partir de depósitos submarinos, mas estas rochas, para ele, nao passam de rochas secundárias. Resultam da acção da erosão sobre outra.s rochas muito mais importantes, as rochas primárias, que sofrem ~el?Ols u!" proces~o de deslocamento e sedimentação. As rochas primárias ~lplcas sao o graruto e o basalto. Para Hutton, elas resultam do esfriamento * Note-se que, para Wemer, vulcanismo e basaltos não tinham qualquer ligação entre si. *' Em inglês no texto. (N. do T.) .1J. Hutton, 1795. 17 DA PEDRA À ESTRELA de um magma quente vindo do interior do globo. Não se trata, portanto, de rochas sedimentares, ou seja, de produtos da água, mas sim de produtos do fogo. Hutton chama-lhes, aliás, rochas ígneas. Tal como Wemer, também Hutton pensa que as rochas foram sendo moldadas ao longo de toda a história geológica. Contudo, recusa a esta história geológica o carácter de sequência unívoca. Hutton crê que a história geológica é constituída por ciclos que se sucedem e que se vão repetindo, altemadamente, ao longo dos tempos. Cada ciclo começa pela acção do fogo. Magmas incandescentes sobem das grandes profundidades até à super- fície, injectando granitos e basaltos, provocando erupções vulcânicas. O calor ue trans ortam permite a flexão das camadas geológicas e a criação das montanhas, comparaveis a um pao que, no orno, - ------..,f~e-rm-ento e do calor, vai inchando. Depois do episódio quente vem um episódio frio, durante o qual a água volta a ser o principal interveniente. A água corrói os relevos, fabrica, transporta e deposita no mar e nos lagos os produtos secundários, como as areias, os saibros, as argilas, enfim, as rochas sedimentares. O aparecimento de novas montanhas sob a acçâo do fogo interior expulsa a água para o oceano permanente, põe a nu os sedimentos, que secam, transformando-se, assim, em rochas. Depois, recomeça o ciclo. Assim, todas as variedades de rochas formaram-se no decurso de cada ciclo. Do ponto de vista de Hutton, o fogo interior é o elemento criador, aquele que engendra os materiais primários e os relevos; a água é o elemento destruidor, aquele que corrói, que aplaina, que uniformiza, que apenas produz as rochas secundárias. O ciclo geológico processa-se inexoravel- mente sob a acção antagónica destes dois elementos fundamentais. Para Hutton, este processo vem-se reproduzindo desde a noite dos tempos. Com a repetição, até ao infinito, dos ciclos, os efeitos destes vão-se acumulando e as pequenas causas, com a ajuda do tempo, acabam por produzir grandes consequências. A uma história geológica que decorre segundo uma ordem estabelecida, tendo, em cada etapa, as suas rochas características,como Wemer defendia, opõe Hutton uma história uniforme, ciclica ou permanente, na qual é parti- cularmente difícil indicar, com precisão, um princípio e um fim. Concepção que ele resume com uma frase que atravessou os tempos: os testemunhos geológicos oferecem «no vestige of a beginning , no prospect for an end-, A concepção do tempo vectorial de Werner, Hutton opõe a concepção do tempo cíclico. Wemer baseava a sua teoria numa lógica geral global das formações geológicas. O cerne dos continentes - o maciço do Harz, na Alemanha, o da Boémia, na Checoslováquia, o maciço Central, em França - é formado por granitos e gneisses. Estas formações, de aspecto sólido e ancestral, são cobertas por xistos com fósseis de peixes, com os quais formam os maciços antigos. Estes maciços, por sua vez, são confrontados com os estratos 'i 18 o TABU DA GÊNESE horizontais das bacias sedimentares terciárias, como as bacias de Paris ou da Aquitânia, formadas por calcários ou argilas. Perto da superfície, saibros e areias comprovam uma actividade geológica dos rios recentes. A síntese de Wemer surgia, portanto, como uma transcrição fiel da carta geológica da Europa. Hutton, pelo contrário, procura demonstrar as suas ideias graças a observações de terreno minuciosas e precisas, feitas a uma escala diferente. Hutton tinha observado na Escócia que estratos sedimentares horizontais eram claramente fendidos por um filão de granito. Procurando confirmar esta observação, depressa descobriu que havia um contacto entre uma poderosa massa de granito e uma série de camadas que pareciam cobri-Ia. o • de filões de granito, que penetravam as camadas sedimentares. Daqui concluiu que o granito se instalou no estado de fusão, posteriormente ao depósito dos estratos, e que, portanto, o granito era realmente um produto do interior do globo, do fogo, e não da água. Filóes de granito em intersecção I Discordâncias angulares FIGo I - Este esquema extraído do livro de Dott e Batten (1981), modificado, resume a interpretação das observações geológicas de Hutton. Duas relaçóes são essenciaís: a discordância angular e a penetração dos corpos graníticos. Combinando estas observaçóes com o princípio da sobreposição dos estratos, podemos reconstituir a sucessão dos seguintes acontecimentos: (I) depósito no mar da série I, (2) dobra da série I, (3) intrusão do granito II, (4) depósito da série dos sedimentos m, (5) dobra da série IIl. (6) intrusão do granito IV, (7) depósito da série Vo A sua segunda observação fundamental diz respeito àquilo a que chama- mos uma discordância angular. Ainda na Escócia, Hutton observou que camadas intensamente sinuosas ou dobradas tinham a cobri-Ias outras cama- das, horizontais. Entre o depósito das primeiras camadas e o das segundas, deu-se, portanto, um acontecimento da máxima importância, a saber, as dobras a que as primeiras foram sujeitas. Multiplicando as suas observações no terreno, Hutton assinalou que esta situação geométrica podia sobrepor-se (as camadas I fazem um ângulo com as camadas 3, etc.). Nisso viu a prova 19 DA PEDRA À ESTRELA de que a história da Terra se dividia em dois tipos de épocas: as épocas calmas, em que os estratos podem depositar-se horizontalmente no fundo do mar, e as épocas perturbadas, em que estes estratos são fendi?os e sujei~osa dobras. Estes episódios alternam e formam ciclos. Com tudo Isto, a teona de Hutton parecia demonstrada. Por volta de 1790, a teoria de Wemer não sofria praticamente qualquer contestação. Tal como as teorias de Newton em Física, a teoria de Werner parecia estar de acordo, ao mesmo tempo, com as observações científicas e com a Bíblia. Logo que foi publicada, a obra de Hutton provocou uma tempestade articularmente violenta. Hutton não teve grandes oportum a es para se ------d"a-d"o::.::que morreu em 1797. A luta pela sua teoria foi travada sobretudo pelos discípulos, em particular os dois mais importantes, ambos professores em Edimburgo: John Playfair e Robert Jarnieson 4. 5. A natureza desta disputa depressa ultrapassou o âmbito meramente geológico, passando a incidir sobre aspectos ?losóficos e religiosos 6. 7: H. A IgrejaAnglicana começou a atacar a teona de Hutton~, como a maior parte dos professores de História Natural eram pastores, dispunha de uma força de persuasão considerável. . • . Para explicar as causas desta cabala, tem-se muitas Vezesa tendência de atribuir ao Dilúvio o papel essencial, dado que as teses neptunianas estavam ligadas ao conceito de dilúvios sucessivos, enquanto a de H~tton_não o estava. Embora o Dilúvio possa ter sido importante como motivaçao para tais ataques, creio, pelo meu lado, que o ponto central não é esse. . Bem mais audaciosa era, com efeito, a ideia de dar ao fogo interior, portanto ao Diabo, o papel geológico primordial. Em Hutton, o fogo, o Diabo, tem o poder de criar os materiais, enquanto o céu e a água, que ele dispensa, não têm mais do que um papel destruidor. O criador era o Diabo! Goethe, geólogo nos tempos livres e neptuniano convicto, não se enganou sobre o que estava em jogo e, realmente, é Mefistófeles quem, no seu F austo, defende as teorias huttonianas. . Atitude muito mais perturbadora para um espírito cristão era a que atribuía aos tempos geológicos uma dimensão infinita ... O tempo infinito, cuja acção repetida acabava por tudo alterar, tinha mais poder geológico do que Aquele que, no início de tudo, tinha criado o mundo. A Evolução dominava a Criação. Na evolução do mundo, o aparecimento do homem era -4 Playfair J., 1802. 5 Jamieson R., 1808. 6 Toulmin S. e Goodfield I., 1965. 7 Gillipsie, 1959. 8 Hallam A., 1983. 20 o TABU DA GÉNESE um facto particularmente tardio. Com Wemer, tudo era, realmente, muito mais simples, pois, afinal, toda a sua teoria se parecia, e muito, com as Escrituras ... Contudo, apesar de os aspectos religiosos dos debates terem sido - e de longe - os mais espectaculares, foram realmente os argumentos científicos que acabaram por vencer. O caso de Portrush é exemplar. O geólogo irlandês Kirwan 9 defendia as teses neptunianas, afirmando ter descoberto em Portrush, na Irlanda do . Norte, um b~~alto que continha fósseis: o basalto não era, portanto, uma rocha magrnática! Esta proclamação, feita em 1799, incitou os huttonianos a deslocarem-se rapidamente a Portrush, para demonstrarem que o basalto em -o assava afinal de um xisto fossilífero, metamorfoseado em consequência do contacto com uma lava basáltica! A derrocada das teses wemerianas acabou por ser ditada por uma série de observações feitas no terreno por wernerianos convictos, como Jean- -François d'Aubuisson de Voisins e Leopold von Buch !o, ll: Estes autores confirmaram as perspectivas de Hutton, tanto quanto à origem dos granitos, como no que diz respeito à origem dos basaltos. No entanto, nem por isso a Igreja Anglicana abdicou das suas posições, e um pastor como o reverendo William Richardson chegou a afirmar que era surpreendente que uma coisa tão grandiosa como a Teoria da Terra pudesse ser formulada a partir de uma observação tão «trivial» como o contacto entre um basaIto e um xisto 12 ! Todavia, tudo acabou por entrar na ordem da razão... Catástrofes e causas actuais Em 1820, nada fazia prever que estivesse iminente uma nova tempestade no, mundo. da geologia. Com o triunfo do plutonismo, a sociedade dos geologos tinha reencontrado a calma e a Igreja Anglicana o silêncio. O desenvolvimento da Inglaterra industrial exigia engenheiros geólogos, para traçarem as estradas, abrirem canais, encontrarem as minas de carvão e trabalharem na protecção dos solos. Um deles, William Smith, para efectuar tr.a?alhos de el!-genharia civil, foi definindo, a pouco e pouco, aquele que vma a ser o metodo de base da geologia tradicional: .aestratigrafia. Para tal, esforçou-se 'por definir, de maneira puramente objectiva, uma sucessão de estratos sedirnentares, cada um dos quais caracterizado pela natureza dos fósseis que continha, sem se preocupar com os problemas levantados pela 9 Kirwan, 1717. 10 D'Aubuissonde Voisins, 1819. 11 Von Buch, 1802. 12 A. Hallam, op. cito 21 DA PEDRA À ESTRELA origem destas sucessões e pelas modificações das faunas ou floras fósseis para que as mesmas sucessões apontavam 13. Longe dos debates das ideias, a geologia inglesa tinha-se virado para actividades «sérias», aplicadas e produtivas. No entanto, o debate de ideias ia renascer, pois não eram possíveis os progressos científicos longe das interpretações teóricas e, por outro lado, a Igreja Anglicana, vencida, não pensava senão na melhor maneira de se desforrar, tanto mais que não tinha desistido, de forma nenhuma, da sua antiga quimera: «demonstrar» geologicamente o fundamento dos livros sagrados e, a partir daí, a existência de Deus! ======~A,-q . mente irar em torno das novas teorias vindas do -- __ ---.Jc.ontinente. Nos anos 1810, Paris tinha voltado a ser o centro mundial da investiga- ção geológica. Os temas que maior desenvolvimento registavam na capital francesa, eram a Paleontologia e, ligada a ela, a Estratigrafia. O mestre que guiava esta nova investida das ciências geológicas chamava-se Georges Cuvier (1769-1832). Filho de pais suíços e tendo estudado inicialmente na Alemanha, em Estugarda, Cuvier era professor no Museu de História Natu- ral que a República tinha criado, em substituição doJardim do Rei. Cuvier estabeleceu, em primeiro lugar, os princípios daquilo que viria a ser a Anatomia Comparada, graças à qual pôde reconstituir a aparência dos antigos animais, utilizando alguns restos de ossadas fósseis. A descoberta da sarigueia em Montmartre marcou o triunfo do seu método. Fortemente influenciados pelas pesquisas efectuadas na Saxónia e na Turíngia pelos alemães Lehman e Füchsel, wemerianos convictos, Cuvier e o seu assistente Brongniart decidiram explorar sistematicamente os estratos da bacia de Paris. Detectaram nos estratos que se ia sucedendo uma série de faunas fósseis, que pareciam surgir bruscamente, e desaparecer, depois, alguns estratos mais acima. No Discourspréliminaire que publicou em 181214, Cuvier interpretou todas estas observações, admitindo que o globo tem uma actividade ciclica, sendo cada ciclo separado do seguinte por uma grande catástrofe, que destruía o conjunto de seres vivos existentes nos continentes. Deus voltava então a criar novas espécies para substituir as desaparecidas e. desta forma, as faunas e as floras iam-se sucedendo, todas diferentes umas das outras. Um dos argumentos mais surpreendentes, desenvolvido por Cuvier, dizia respeito aos mamutes, que tinham acabado de ser descobertos, congelados, nas regiões geladas da Sibéria e que, ainda hoje, podem ser vistos, empalhados, no Museu de Leninegrado. Se a catástrofe não ti- vesse sido súbita, pensa Cuvier, os mamutes não se teriam deixado congelar. \3 W. Smith, 1817. 14 G. Cuvier, 1812. 22 o TABU DA GÉNESE Adolphe Brongniart, filho do assistente de Cuvier, introduz um novo argumento na teoria catastrofista, mostrando que as floras fósseis, tal como as faunas, mudam brutalmente de natureza no decurso da sucessão estratigráfica 15. Portanto, eram mesmo todas as espécies vivas que muda- vam ao longo do tempo. A interpr~ta~ão catastrofista depressa se alargou à tectónica, graças ao trabalho do discípulo mais brilhante de Cuvier, Léonce Élie de Beaumont (1798-1874) 16. Utilizando o método estratigráfico, que o seu mestre e Smith, na Inglaterra, acabavam de desenvolver, e prolongando as deduções de Hutton na Escócia, mostrou que as dobras dos terrenos, tão características nas mo~tanhas, eram fenómenos que se tinham repetido ao longo do tempo, cterízando-se cada montanha por pertencer a uma determinada época de dobras. Situava o período da dobra ou deformação dos Pirenéus entre o Cretácico e o Terciário, e o dos Alpes durante o Terciário. Generalizando 'estas observações, Elie de Beaumont desenvolveu a ideia de que as obras ocorrem em determinados períodos de tempo, denominados mais tardefases tectónicas, que são, portanto, períodos catastróficos, súbitos, que ele rela- cionou, obviamente, com os períodos de extinção das faunas e das floras. Como se pode ver, a síntese geológica da Escola francesa era impres- sionante, tanto pela coerência, como pela diversidade de factos de observa- ção que. englobava. Tinha integrado toda a teoria de Hutton, e em particular o conceito de tempo cíclico, de crise tectónica, de génese dos granitos e dos basalto.s ~or magmatismo, mas, ao mesmo tempo, a visão estratigráfica e eVOIUClOnIsta de Wemer. A tudo isto, acrescentava o conceito de catástrofe para explicar as revoluções naturais sucessivas. Cuvier, apesar de crente, não se mostrou particularmente inquieto em reconciliar a sua teoria com as teses defendidas nas Escrituras. A influência da Igrej~, e':l França já não era a mesma que no tempo dos enciclopedistas, o Museu ja nao se preocupava com a importância da Sorbonne, e isto explica talvez_a po~iç.ão de Cuvier._ O Dilúvio, tão bem descrito na Bíblia, era, para ele, nao a uruca transgressao dos mares, como acontecia com Wemer, mas uma entre várias invasões marinhas catastróficas, cuja existência tinha escru- pulosamente estabelecido. Vendo-se confrontado com o problema da suces- são das faunas, resolveu-o afirmando que, após cada desastre, Deus tinha criado uma série de novas espécies até chegar ao Homem. Esta teoria das catástrofes foi rapidamente adaptada e defendida em In~l~terra por aquele que viria a ser um dos mestres da geologia inglesa: Williarn Buckland (1784-1856) 17. Reader* em Oxford, ensinando no 15 Cuvier G. e A. Brongnian, 1908. 16 C. Saint-Claire Deville, 1878. 17 W. Buckland, 1820. • Em inglês no texto. (N. do T.) 23 DA PEDRA li ESTRELA terreno com a capa e o gorro de professor, Buckland tomou-se um professor lendário. Logo na sua lição inaugural, anuncio~ q~e o objectivo ~ inve.stiga- ção geológica consiste em encontrar os vestigtos do que esta escn~o na Bíblia e em demonstrar a existência de Deus. Entre as provas da acçao de Deus Buckland cita a solicitude com que este distribuiu harmoniosamente as mina~ de carvão, proporcionando aos homens a possibilida~e ~e detec!a;e~ a sua existência a partir da superfície. Para ele, o papel geológico do DIluVlO não levanta qualquer dúvida e, seguindo nesta via, adopta a teoria das catástrofes de Cuvier, dá-lhe um prolongamento religio~o e faz-lhe ~~a fervorosapropaganda. A sua influência é tal que consegue Impor a sua VISa.0 ~~~=~Uln<l s os andes eólogos ingleses: a Sedgwick, titular da cátedra de _____ ~C~a~m~b~ridgeI8mas também a Murc Ison, ony e .. primeira carta geológica da Inglaterra 19, 20. . Porém, as teses catastróficas de Cuvier vão ser contestadas por um antigo estudante de Oxford, discípulo de Buckland, atraído para a geologia pelas aulas deste último, Charles Lyell (1797-1875). Lyell publica em 1830 uma obra que hoje é clássica, Principies of geology?': Coloca-se resolutamente na óptica de Hutton e refuta todas as ideias de catá~trofe. ~~os os fenó- menos geológicos que ocorreram no passado e cujos vesngios podemos observar hoje, foram provocados por fenómenos idênticos, _em nat,ureza e ~m intensidade, àqueles que observamos nos nossos dias: erosao, sedimentação, vulcanismo, sismos, etc. Retomando uma tese cara a Hutton, Lyell afirma que os longos períodos de tempo podem realizar aquilo que nós, com a nossa visão limitada do tempo, consideramos impossível. Se apreciarmos correcta- mente a acçâo do tempo, não precisamos de evocar catástrofes: basta adicionar até ao infmito os fenómenos que observamos todos os dias. Indo ainda mais longe, Lyell combate a ideia de que se possa .verificar a v~raci- dade das crenças religiosas sob a origem da Terra e do Umverso, a partir das observações geológicas. A geologia afastou-se da cosmogonia, escreve Lyell, e, com esse afastamento, ganhou em seriedade e credi,bilidade. Pôde acumular uma série de factos objectivos, desenvolver metodos como a experimentação sobre q, formação das rochas ~u o esta~elecim:nto da sucessão dos estratos. E preciso manter a geologia nessaVia. A origem da Terra e do Universo (conceitos que, nessa época, parecem estreitamente ligados) é assunto para a metafisica e não para a, geoÜ!gia! _ .Tal como os plutonianos alguns anos antes, os uniformistas vao ganhar rapidamente a batalha. 18 Vide Toulmin e Goodfield, op. cito 19 Vide Gillipsie, 1959. 20 Vide Dott e Batten, 1981. 21 C. Lyell, 1830. 24 o TABU DA GÊNESE o debate entre uniforrnistas e catastrofistas gira em tomo do papel ~esempenhado pelo tempo. No entanto, estas duas concepções estavam, no fim de contas, ~enos .afastadas do que, muitas vezes, se supõe. Tanto urna como outra admitem CIclos repetitivos, estendendo-se durante períodos parti- cularmente longos dos tempos geológicos. Os ciclos terminam com urna catástrofe, num caso, sem catástrofe radical, no outro. Nenhuma das duas concepções permite entrever QS meios, nem mesmo a possibilidade de estudar a fonnaçao da Terra e os seus primeiros instantes através dos métod.os geológicos. Neste sentido, podemos dizer que são ambas huttonianas. . C? re~ultado desta convergência na visão dos tempos geológicos foi a . " s eólo os em .rela ão à formação da Terra. ~ ~eoria h~tto~iana prolongada por Cuvier oferecia aos geólogos uma p.a~opha de tecnicas extremamente eficazes. Ao princípio de sobrepo- siçao dos estratos, elaborado por Nicolas Steno, no século XV22 vinham jun~ar-se _a cronol0fo~a pelos fósseis, os conceitos de discordância :mgular e de mtrusao ~agmatIca. A observação no terreno das relações geométricas e~tre fonna~o~s ro~hosas traduzia-se em esquema evolutivo, a noção de Ciclos geológicos Integrava a quase totalidade dos factos geológicos conhecidos. . ~c~:>lhendo c~m ~ntusiasmo este arsenal metodológico, que dava à sua dlsc.I~hna b~ses ~Ientlficas sólidas, os geólogos aceitaram, ao mesmo tempo, a visao U,ll1!OrrnI.stade Lyel1: «No vestige of a beginning ... » * Este rápido tnunfo da actividade uniformista foi sem sombra de dúvida facilitado por vários factores. ' , . O desenvolvimento. do mundo _industrial exigia engenheiros geólogos capazes de encontrar mmas de carvao ou de construir canais e não teóricos da origem do mundo. ' U m~ .outra ~azão, mais religiosa, pode parecer paradoxal: a Igreja Angli- cana (aliás, mais do que a Igreja Católica) tinha investido muito na geologia: a maior parte dos professores ingleses de geologia, desde John Playfair a Bucklan~, .eram pastores. Tinham alimentado a esperança de que os pro- gressos rápidos ~esta nova ciência permitissem a demonstração da existência de ~eus. Or~.' inversamente, as descobertas geológicas mais não faziam senao contradizer as Escrituras e pôr em causa aspectos do dogma. Com- preende-se, portanto, que ° poder religioso não tivesse ficado descontente ~o ~er a geologia abandonar um tema de investigação que, para ele, era tã~ Incomodo. 22 N. Steno, 1671. • Em inglês no texto. (N. do T.) 25 DA PEDRA À ESTRELA A geologia uniformista A análise precedente permitiu-nos entender como. é que o estudo da Génese desapareceu das preocupações geológicas a P?rtzrde 1850,.e como a eologia se passou a concentrar no estudo dos penodos rece~tes. Ag~ra, ~recisamos de compreender por que razões este estado de COisas se pode perpetuar até, digamos, 1970... .. Procuremos, em primeiro lugar, no seio dos desenvolVimentos «mter- nos» da geologia. O final do século XIX vai ser dominado totalmente por duas preocupa- ções_básicas: ' ~~~~~~'iU' _ a primeira, que diz respeito essenCIalmente ~s paieofttolog~s @ ,ag~ geólogos que se ocupam dos terrenos sedimentares, e o.debate consl~era;ed por Charles Darwin a partir da sua teona da evolução as pro~o~a 2~ É conhecida a importância que os fósseis assumem nest~s dispu- ~:f.e~eJeb~te sobre a origem do homem, subjacente o~ expresso, vai ocultar or completo a discussão sobre a ongem da Terra, , ' p _ o segundo problema, lançado por Elie .de Beaumont, e o d~ genese das montanhas. Depois de terem abordado a ongem das rochas, ~ ongem das terras sem dobras e dos seus fósseis, os geólogos começaram a interessar-se 10 estudo dos relevos e das zonas com dobras. Ora acontece que .os Alpes p~ tanhas jovens tal como os Pirenéus. Percebe-se que, entusla~mados ~~~~~~e problema g;andioso, os geólogos de então não se tenham mteres- sado pelos tempos mais recuados. . . Os rimórdios do século XX vão ser rapidamente dominados pela teona da deri~a dos continenteS. O debate em tomo das propost~ de w:gener unidade das Ciências da Terra de 1910 a 1930-4• Lem remos ocupou a com d Wegener a história da Terra «que interessa saber» que no esquema e , .";eça no Pérmico; há cerca de 250 milhões de anos, quando o contmente ~o.co o Pan eu se fragmenta, ficando à deriva cada um dos boc~d~s que se um 'mO :erí~do anterior não interessa a Wegener, tal como nao Int~r~s~a separa. t mporâneos: o americano Chamberlain bem tentou, no uucio aos seus con e, . d T 'e apenas os do século XX, propor uma teoria sobre a ongem a erra, so qu astrónomos revelaram algum interesse por ela. . .. Abandonada prematuramente a teoria wegenenane, a ge~logla co~tl?Ua a desenvolver-se regressando ao conceito huttomano de Ciclo geologlc~. A volução do giobo é governada pelo ciclo do e~ernoreg:esso: fon:naçao da: montanhas, associada a episódios de magrnansmo C?PIOSO,segu1a da erosão dos relevos assim criados, acumulação dos sedimentos nas ossas geossinclinais, enterramento destes sedimentos, dobras provocadas pela 23 c. Darwin, 1859. 24 A. Wegener, 1912. 26 o TABU DA GÉNESE lenta contracção térmica do globo, aparecimento e formação de uma nova cadeia de montanhas ... O tempo geológico cíclico e infinito não permite nenhuma esperança de decifrar uma determinada história primitiva, há já tanto tempo apagada. No que diz respeito à geologia stricto sensu, podemos, portanto, dizer que se manteve profundamente uniforrnista. Convém acrescentar que a atitude que consiste em restringir a geologia aos últimos 500 milhões de anos, apresenta facilidades técnicas que não são de desprezar. São deste período os fósseis que encontramos e, portanto, é relativamente a este período que podemos praticar, com rigor e comodidade, o método de base da geologia, a saber, a estratigrafia. Foi neste espaço de tempo que se edifica- Iam os grandes relevos, tal como ainda hoje existem, grandes rele.os qtle, s6 eles, permitem, graças aos seus vales profundos, uma visão tridimensional das estruturas tectónicas. Aventurarmo-nos em terrenos antigos, em escudos como os do Canadá, do Brasil ou da Índia, é aventurarmo-nos nos terrenos metamórficos antigos, onde é difícil utilizar os métodos da geologia clássica. E, ao mesmo tempo, enfraquecermos o método geológico e arriscarmo-nos a que ele perca o seu rigor. No período do após-guerra e até 1970, a situação não sofre nerihuma alteração fundamental. O aparecimento da teoria da expansão dos fundos oceânicos e da tectônica das placas 25. 26. 27, prolongamento tardio da teoria de W egener, em nada altera a situação. A maior parte dos geólogos mantém- -se confinada àquilo que se conhece dos últimos 500 milhões de anos da história da Terra. Compreender o que se passou nesse espaço de tempo parece chegar para compreender a totalidade da história da Terra. A fenomenologia repetitiva, a concepção cíc1ica do tempo, triunfaram. A geologia afastou-se da história evolutiva. A perspectiva histórica é inútil, dado que nos encontramos num tempo cíclico ... Interessando-nas nós pelas causas externas à disciplina geológica pro- priamente dita, podemos, sem dúvida, reinserir este estado de coisas no âmbito mais geral da oposição Ciência-História. A Física, durante muito tempo, recusou-se a ouvir Boltzmann e limi- tou-se à física do equilíbrio, da ordem, das condições geométricas simples, dos sistemas lineares. A Astrononia, virada exclusivamente, durante séculos, para os seus óculos e os seus cálculos de mecânica celeste, recusou, durante muito tempo, a intromissão da Astrofísica, considerada demasiado especulativa e onde reinava um espaço-tempo de dimerisão vertiginosa. Comesta recusa, era a Geometria que recusava a História e que, ao mesmo tempo, mantiriha a 15 A. Holmes, 1945. 16 H. Hesser, 1962. 17 J. Morgan, 1968. 27 DA PEDRA À ESTRELA Astronomia fora do debate cosmogónico. O tempo infinito, marcado pelo movimento repetitivo dos planetas e dos astros, r~peli~ a ,História. , A Biologia, cujo carácter histórico é, por aSSIm dizer, mtnnseco, c~nge- nito também tentou eliminar a História. Claude Bernard e o seu metodo exp~rimental deram origem a uma ~ova maneira de ~stud~ a vida, 9ue já não consistia em observaras evoluçoes longas e as dispersões ge~~ficas, corno faziaDarwin, mas sim em ensaiar e experimentar no laboratono. Esta vontade de eliminar qualquer abordagem histórica veio a traduzir-se na luta dos biólogos para que.fosse eliminada a exp~es~ão Históri~~N~tural, co~o designação da sua disciplina, a fim de a substituírem por Ciências Naturais, ~===='Aprimeir-&,----e---p . . de is. -------Era-natural que os geólogos, também eles a procura eu científica retirassem um pouco do conteúdo «histórico» que impregnava a sua disciplina. Fabricar rochas em laboratório, medir pr?p~gações ~e ondas através da Terra, realizar uma carta ou um co~e es~atI~rafic~" sa?, t<>?as elas, operações sólidas, bem definidas, cuj~ caracter científico e indiscutível e que põem de parte os problem~ .fil?soficos: . A manutenção desta atitude perrrutiu a geologia ganhar calma, sened~~e, rigor! Foi em tomo do conceito ~e equilíbri? que uma gran~e p~e da Física se desenvolveu, foi graças ao metodo expenmental que a Biologia deu o seu formidável salto em frente, foi graças ao uniformismo (Hutton, Lyell) ,q~e a Geologia científica se construiu. A etapa _unif?r:nista era, sem dúvida, necessária, tanto mais que evitou a tentaçao facI~ de recorrer, ~ todo o instante a forças geológicas misteriosas, desconhecidas ou mesm? mconc~- bíveis. Porém tal corno o conceito de equilíbrio em Física, também ela nao passou de urna etapa no des~n~olviment~ histórico da disciplina. , A geologia huttoniana, tradicional, restnnge ? seu campo de pesquisa no tempo e no espaço: no tempo, limi~do-se às epocas rece~tes; no espaço, interessando-se apenas pela superfície da Terra. ? apareclment~ de_uma nova geologia passa pela exploração d~ novos domínios. A ~e~errmnaçao da estrutura interna do globo, o estabelecimento de um cal~ndan? do~ tempos geológicos, vão ser as etapas decisivas. nesta luta para Ir mais alem, para conquistar novos territórios da Geologia. 28 CAPÍTULo II .A observação de superfície permite descrever as estruturas geológicas honzon,t~ls ou dobradas, retirar rochas dessas estruturas para o estudo em laboratório, numa espessura que não ultrapassa os oito quilómetros, altitude d~s. monta?ha~ mais elevadas, Os furos artificiais realizados para fins indus- tn~Is ou cIentlfic_os nao passam os doze quilómetros. Se os juntarmos, estes dOI~ processos ~ao chegam ~equer a atingir os vinte quilómetros. Acontece, porem, que ~ raio da !erra e de 6400 quilómetros. Ou seja, só temos acesso a um conheCImento directo de uma escassa película da superfície do subsolo do nosso planeta. No ~n~ant?, tud? nos leva a crer que as profundezas terrestres tenham uma existencía apaixonanre. São elas que, de tempos a tempos, abalam bruscamente a fina epiderme que constitui a crosta terrestre e desencadeiam tremo~e~ de terra, tantas vezes devastadores. São elas que expulsam para a superfície magmas incandescentes, formando essas estranhas «montanhas ardentes» a que chamamos vulcões. São os seus lentos movimentos que acabam por fazer deslocar os continentes e por edificar as montanhas. É das ~nt~anhas da T~rra que jorram as águas quentes e é delas que provêm as ]aZl?as. de metais o~ de pedras l?reciosas, tão belas e tão raras que, desde a AntigUidade, constituem a medida da riqueza do homem ou das nações. , As profundezas da Terra constituem, portanto, um mundo que gosta- riamos de conhecer, um mundo misterioso e que surge, ao nosso entendi- mento, como um mundo interdito, para sempre inacessível ao observador humano. Contudo, da mesma forma que aprendemos a conhecer o átomo sem nunca o termos visto ou tocado, vamos também aprender a decifrar a estrutura do interior da Terra, sem que nele penetremos. E para esta «viagem ao centro da Terra» que convidamos o leitor. Com esta «descida aos infernos», .~b~eremos um conhecimento do nosso planeta que , por seu turno, nos perrmnra levantar questões fundamentais sobre a sua ongem. 29 DA PEDRA À ESTRELA Cavidades subterrâneas e fogo central Durante muito tempo, os homens imaginaram ,q~e o inte~or do nosso globo era um corpo sólido atraves.sa~o por uma sene de ca~ldades. E~tas cavidades, pensava-se, eram de dois tipos: umas ~stavam vazias ou Pro:c.tal- mente cheias de água; ligadas entre si po: uma glgant~s,:a r~de, permltlID? o escoamento de vastíssimos rios subterraneos e a eXlsten~la de verdadei- ros mares interiores; as outras, pelo contrário, estavam cheias de lavas vul- cânicas quentes, de magmas. VIAGEM AO CENTRO DA TERRA Verne, ein Viagem ao Centro da Terra. As concepções desenvolvidas nesse livro resumem bem as ideias do seu tempo. A este modelo de um interior do globo poroso, pelo menos em relação à crosta, sobrepunha-se a crença na existência de um fogo central. Os minei- ros da Antiguidade haviam já notado que quanto mais se avança para o interior da Terra, maior é o calor. O interior do globo parecia conter uma fonte térmica, o fogo central. Esta ideia, comum em finais do século XVII, apoiava-se em diversas teorias, como a de Descartes, que postulava que a Terra era uma estrela abortada. Segundo este filósofo, depois de uma fase incandescente, a Terra teria esfriado e, desse modo, teria permitido a forma~ão de uma pelíc~la su~erfi~ial sólida, a crosta terrestre; porém, como 1,((j. 2 Eis uma visa" das protundezas da Terra que data de I~()(). A Terra concebida com" seu fogo central e as suas bolsas de rnagrna e de gás. A distribuição relativa destes dois tipos de cavidades definia as caracte- rísticas geológicas regionais. Algumas províncias eram ,ri.cas em b_olsas magmáticas, portanto, em vulcões; era o caso do Sul da Itália, do Japao ou da Islândia. Outras, pelo contrário, eram reputadas pelas suas cavernas· subterrâneas: era o caso da Grécia, da Jugoslávia, da Asia Menor. A presença destes dois tipos de cavidades ~u?~errâneas, frias. ou quentes, a sua alternância, a sua_combi~ação, as posSIbIlldades.de comum,c~- ção que haveria entre elas, sao particularmente bem descntas por Júlio 30 subsistindo no centro uma bola de fogo, testemunho da época primitiva. Esta ideia do fogo central e de um esfriamento progressivo do nosso planeta, no entanto, não era admitida por todos. Cientistas tão eminentes como Arnpêre ou Poisson tinham-na negado, propondo hipóteses alternati- vas que, hoje, nos fazem sorrir. Contudo, apesar de algumas vicissitudes, esta teoria era aceite pela generalidade dos estudiosos: Hutton tinha-a utili- zado para explicar a produção dos granitos, dos basaltos e das montanhas, Feitas as contas, de 1600 até finais do século XVIII, a nossa visão do i.nterior do globo não mudou rigorosamente nada: uma bola de fogo central, togo residual dos primeiros dias. rodeada por um revestimento sólido atra- vessado por uma série de cavidades. o peso da Terra e o enigma do tesouro enterrado . Consciente do carácter extremamente teórico deste esquema, e assina- lando a ausência de dados objectivos sobre as propriedades fisicas do globo, Buffon lamentava já em 1747 que não fosse possível comprovar tais modelos utilizando medidas de densidade I: «Sabe-se que, comparando os volumes, a Terra pesa quatro vezes mais do que o Sol. Temos também a proporção do seu peso, comparado com o ~os outros planetas. Mas trata-se apenas de uma avaliação relativa, pois falta-nos a unidade de aferição, por desconhecermos o peso real da matéria: de forma que o interior da Terra poderá estar vazio ou cheio de uma matéria mil vezes mais pesada do que o ouro.» Como salientamestas observações, a determinação da massa de um corpo é um bom parâmetro para determinar a sua natureza. Um bocado de chumbo é mais pesado que um bocado de cré, um pedaço de ferro é mais pesado que uma pedra, a água é mais pesada que o óleo. Conhecer a massa da Terra e, a partir do seu volume, calcular a densidade do planeta, é um I G. L. Leclerc, conde de Buffon, 1747. 31 DA PEDRA A ESTRELA bom processo para detennin~ a natureza dos ma~eri~s que formam o seu interior. Porém, como é possível pesar a Terra? Nao ha balança capaz de tal proeza! . . Contudo, a primeira determinação da massa da Terra fOI realizada em meados do século XVill2• O francês Bouguer, enviado aos Andes, em 1748, para estudar o campo de gravid.ade terre~tre, assinalo~ q~e as montanhas atraíam o fio de prumo e o faziam desviar-se da vertical . Esta observa- ção foi aproveitada pelo astrónomo inglês. Nevil Mask.elyne para determinar a massa da Terra. Maskelyne concluiu que o deSVIO do fio de prumo resulta da competição entre a atracção ~xe~cida pela T~rra : p~la ~====ment-an . . A _ ulo obtido traduz quanntanvamente as influências -----t:espectivas. Avaliando o peso da mont a, e uzi , " . ' Terra. Conhecido o volume da Terra, calculou para esta ult~ma uma densidade de 4,5 gramas por centímetro cúbico, 4,5 vezes mais pesada que a água! ., Alguns anos mais tarde, Lorde Cavendish melhorou estes calcul~s. Tendo medido a constante de gravitação, graças a uma balança de torçao, utilizou a fórmula estabelecida por Huygens, recorrendo ao período ~e oscilação do pêndulo, para determinar a massa d~ Terra. A~h.?u.um~ dens~- dade de 5,45 gramas por centímetro cúbico, praticamente Id~ntIca a ,d~nsI- dade, admitida nos nossos dias, que é de 5,52 gramas por centímetro cúbico, Logo que estas conclusões foram aceites, d~stacou-se. um facto fun~a- mental: as rochas habitualmente encontradas a superfície da Terra tem densidades que variam entre 2,5 e 3, o que significa que a Terra «pesa:, duas vezes mais que as rochas de superfície. Existe, portanto, em p~ofundlda?~, uma «componente pesada», uma região, um domínio que ~o~tem matenais cuja densidade é muito superior à das rochas de SUpe~ICI~. , A pouco e pouco, foi-se instaurando a ideia d~ que o mtenor do globo e constituído por duas partes: um núcleo central muito de~so, rod~ado por. um revestimento, um manto, para utilizarmos gíria profisslOna~, cujas densida- des são análogas às das rochas de superfície. Sendo a densidade das rochas de superfície de 2 a 3, para explicar a ?ensid~de média de .5,4 da Terra, era necessário admitir, portanto, que o nucleo tinha uma densidade de 7,8 a 10 g/cm3, consoa~te o seu t~.anho. , _ ') Qual seria, pois, o constitumte deste nucleo tao d~nso. ? c~bre, o estanho ou o níquel pareciam demasiado leves:. basta Ir ver a tabua de densidades, para chegarmos a essa conclusão. O ~h~mbo~ a prata, ou, melhor ainda, o ouro, surgiam como candidatos possrveis. Nao se encontra- vam jazidas de ouro ou de prata associadas a roc~as .de ?rigem prof~n~a, como se verificava a todo o momento na exploraçao cientifica e economica 2 Vide A. H. Cook, 1969. 3 B. Bolt, 1983. 32· VIAGEM AO CENTRO DA TERRA do Novo Mundo? Aos vulcões peruanos e mexicanos não correspondiam as províncias ricas em ouro e prata? O centro do globo encerrava, portanto, em si mesmo, riquezas consideráveis, e só as deitava cá para fora a conta-gotas, enviando para a superfície esses «sumos» metalíferos que os homens desco- briam sob a forma de filões. O centro da Terra parecia ser, portanto, um reservatório infinito de riquezas, que só com grande parcimónia fazia chegar à superfície. No entanto, esta ideia de um tesouro enterrado bem fundo não suscitava a unanimidade. Para aqueles que não eram favoráveis à hipótese do ouro, a existência de um interior sólido ou líquido parecia difícil de aceitar. Nessa época, os sólidos e os líquidos eram considerados incompressíveis. Não se . . ., co os sólidos conhecidos enterrando-os bem para o fundo! Restava, pois, a hipótese do gás que, eles sim, são compressíveis, e cuja densidade pode ser facilmente elevada, se aumentarmos a pressão sobre eles exercida. O interior do globo era consti- tuído por gases comprimidos: esta teoria que, em muitos pontos, ressuscitava as ideias de Descartes, era defendida, entre outros, pelo americano Benjamin Franklin. FIG. 3 - Corte do interior da Terra publicado em 1902, em Berlim, por H. Kraemer. A Terra está dividida em três camadas: a crosta sólida, que cobre um manto elástico, o qual por sua vez envolve um núcleo sólido. 33 DA PE.DRA :\ ESTRELA Porém, se a natureza do núcleo era objecto de discussão, já a sua existência como núcleo denso situado no centro da Terra era quase unanime- mente admitida. Esta hipótese viria a ser reforçada em fins do século XIX, por uma conclusão baseada nas propriedades dos corpos em rotação. Quando um corpo esférico gira em tomo de um eixo, os pontos situados no equador efectuam, numa volta, uma distância muito maior do que os situados perto dos pólos. Portanto, giram mais depressa. A força centrífuga é aí mais elevada e o corpo tem, portanto, tendência para se achatar ou, se quisermos, para «inchar» perto do equador. O «inchaço»,' ou aumento de volume, será ~~~~~d'~,P_ ante se a massa for uniformemente repartida, menos importante se a _____ -"m=a~ss~a::._._estiverconcentrada na direcçao o cen ro. s a . . por aquilo a que chamamos o momento de inércia. Observando então a forma da Terra e o seu modesto aumento de volume no equador * , diversos estudioso das leis da Mecânica concluíram que uma parte importante da massa devia estar concentrada em direcção ao centro. Indo mais longe e utilizando, ao mesmo tempo, o momento de inércia e a densidade média, puderam calcular as dimensões do núcleo denso situado no centro e concluíram que tinha por raio metade do raio terrestre, e que a sua densidade devia ser de cerca de 11gramas por centímetro cúbico. Como se pode ver, considerações mecânicas particularmente simples conduziam já a um modelo de estrutura interna bastante elaborado. Tal era, pois, o esquema vigente em finais do século XIX. Contudo, ele só viria a ser verdadeiramente considerado como bem definido, mais tarde, graças a uma disciplina cujo aparecimento data apenas do século XX: a sismologia. A sismologia A sismologia é, para o geólogo, o que a radiologia é para o médico. O estudo da propagação das ondas emitidas pelos tremores de terra através do globo fornece informações sobre a estrutura interna deste último, compa- ráveis, a um certo nível, com as obtidas a partir da propagação dos raios X ou dos ultra-sons no corpo humano. Contudo, só a pouco e pouco nos fomos apercebendo de que o estudo dos sismos fornecia ao geólogo um meio de investigação tão poderoso. . Durante muito tempo, a sismologia consistiu em repertoriar, classificar e cartografar os tremores de terra que eram caracterizados pelos prejuízos materiais e humanos que causavam. No entanto, em 1883, quando se encontrava no Japão para investigar os diversos tremores de terra que tinham • O diâmetro da Terra no equador é apenas 1/300 superior ao diâmetro nos pólos. 34 VIAGEM A O CENTRO DA TÉRRA I 11 I i I " " " li li ZIJ:I 11 15':' Ia!' APRIl 17. GR.M.T. POTSDAM. 1889 FIG. 4 -:- !,rim)eiro regist~ de._um tremor de terra. a 17 de Abril de 1889. por von Reben Paschwitz (a 18 de A!>rll: as O_h07 da manha. tinha-se registado um tremor de terra em Tóquio cidade que tem em relaçào a Alemanha uma diferença horária de 9 horas). . 35 DA PEDRA À ESTRELA afectado esse país, o inglês John Milnf"fez uma surpreendente p~ediçã?: «Tendo em conta a energia que actua num grande tremor da terra, nao sena de espantar que as vibrações que ele emite pudessem ser detectadas em qualquer ponto do globo.. _ . Foi preciso esperar seis anos para que um alemao, von Reben Paschwitz, .confirmasse o vaticínio de Milne. O cientista alemão tinha construído em Potsdam e Wilhelmshaven pêndulos extremamente precisos, para detectar as variações'da horizontal, ou seja, os movimentos locais de terreno. Ora, estes pêndulos registaram no ano de 1889 curiosas séries de ondas. No dia 18 de Abril desse ano, tinha-se registado em Tóquio, às 02h07, um tremor de terra ~=~=~p.aóicul_ nte forte. Von Reben Paschwitz concluiu ,qu~ as v~brações _____ ~re~g~is~ta~daspelos seus pêndulos tinham ti o ongem e por esta descoberta, C?ldh~, que traba~hava no S~r:iço Geológico das Indias, começou a fabncar pendulos e registou uma sene de grandes trem?- res de terra, ocorridos em diversos pontos do globo. Em 18~7, conseguiu determinar algumas leis a que pareciam obedecer todos os registos de ond~s sísmicas 4. Cada sismograma parecia mostrar o aparecimento de dOIS conjuntos de ondas de fraca amplitude, seguidos mais tarde por grandes vagas (Fig. 5). Milne utilizou estes registos para estudar a relação existente entre o tempo de aparecimento de cada série de ondas e a. distância que s~p~a. a estação de registo da origem do tremor de terra. Venficou que esta dlst~cla podia ser avaliada, se medíssemos o intervalo de temp? que, nos regrstos, separa o aparecimento das pequenas ondas do apareclment~ das. grandes - ondas. A partir daí, era fácil localizar o tremor,de terra,. atraves. da I~t~rsec- ção dos três círculos de distância 5. Este metodo,. ainda ~oJe utilizado, permite aos interessados elaborarem uma cart~ mundial d~s slsmos,. sem se deslocarem, sem investigarem no local do sismo, ou seja, confenndo os registos em, pelo menos, três observat~rios. .. . Prosseguindo as suas pacientes pesquisas sobre o significado dos SIS:00- gramas, Oldham deu, em 1900, a interpretação física da~ s~as observaçoes. A partir de uma análise pormenorizada dos tempos de translto,_mostrou que as pequenas ondas que chegam em primeiro lugar a uma e~taç~o - e a que chamou (P) e (S), Primeiras e Segundas -, atravessam o mtenor do globo, ao passo que as grandes vagas, que aparecem mais tarde, percorren:t .um caminho ao longo da superfície (são as chamadas ondas de superfície). Esta identificação dos trajectos seguidos pelos diversos tipos de ondas sísmicas, marca realmente o ponto de partida da utilização da sismologi.a para determinar a estrutura interna do globo. Explorando o seu conheci- mento dos tipos de ondas sísmicas, Oldham descobre em 1906 a existência 4 R. D. Oldham, 1900. 5 Vide B. Bolt, 1983. 36 VIAGEM AO CENTRO DA TERRA de duas unidades no interior da Terra: no centro, o núcleo, com um raio de cerca de 0,4 do raio terrestre (2550 km), revestido pelo manto. Cada meio é caracteri~ado por velocidades de propagação muito diferentes, e a passagem manto-nucleo por uma brusca descontinuidade de velocidade. Esta desco- b~rta faz mUÍt? m~s ~o que confirmar o modelo hipotético dos gravime- tnstas. Ela valida a Idem de dois meios separados por uma transição brutal, ao passo. que as medidas de gravidade e de momento de inércia podiam, com tO?O o ng~r, apontar para uma variação lenta, gradual, contínua, das pro- pnedades mternas, desde um revestimento externo leve até a um centro extremamente pesado. Além disso, Oldham dá o raio do núcleo com uma excelente precísão«, r FlG. 5 - Sismograma típico de um sismo longínquo. Podem-se distinguir as ondas P, as ondas S e as espectaculares ondas de superfície. Os trabalhos de Oldham e Milne suscitaram imediatamente um enorme entusiasmo entre os cientistas que se interessavam pela Terra. O método dos tempos de trânsito é de execução simples e extremamente seguro. Anotamos num gráfico os tempos de chegada das ondas em função da distância em relação ao foco do sismo, não sendo esta distância expressa em quilómetros, mas sim em graus de ângulo, para simplificar os cálculos. A inclinação de uma tal curva está directamente ligada à velocidade de propagação das ondas. De facto, este método foi utilizado durante mais de cinquenta anos e ~steve na origem de todas as descobertas importantes sobre a estrutura I~terna. do globo. O entusiasmo da comunidade científica da época tradu- ziu-se Imediatamente pela .multiplicação súbita dos observatórios sismoló- gicos c por um aumento do número de cientistas interessados na nova disciplina. A partir das observações, todos procuravam então pôr em evidên- cia as anomalias, as descontinuidades de velocidade de propagação e, a seguir, determinar as estruturas. Os resultados não se fizeram esperar. 6 R. D. Oldham, 1906. 37 DA PEDRA À ESTRELA 20 Tempo em minutos • Ondas ~ 90° 6em% FI G. 6 _ A curva de velocidade, de acordo com o método de Oldham, consiste em distribuir os, tempos de recepção ou chegada, em função da distância dos tremores de terra, traduzI?a:m graus de um angulo. Distribuídos os tempos de chegada das ondas P e S, verifica-se a existencra de uma zona em que nenhuma onda foi registada: trata-se de uma zona de sombra.. . _ A forma das curvas de velocidade foi explicada pelo estudo t~onco ~ propagaçao. Supondo que. as ondas sísmicas se propagam seguindo trajectórias (fala-se de linhas sisnucas como se fala d~ raros luminosos). podemos verificar que essas trajectórias são encurvadas. Compreen~e-se e?tao como a ex istência do núcleo, e a forte descontinuidade de velocidade que ele representa, estao na ongem da zona de sombra. 38 VIAGEM AO CENTRO DA TERRA Em 1909, Andreja Mohorovicic, do Observatório de Zagreb, na Jugoslá- via, mostra que a parte superficial da Terra, a crosta, está separada do manto por uma brutal descontinuidade de propagação das ondas sísmicas 7. Muito rapidamente, a pequena comunidade sismológica repartida por todo o mundo, confirma a observação de Mohorovicic, conferindo-lhe um carácter geral. Esta descontinuidade que separa a crosta do manto é denominada, desde então, a descontinuidade de Mohorovicic, ou, mais familiarmente, o Moho. Situa-se sob os continentes a 30 ou 40 quilómetros de profundidade. Em 1914, Beno Gutenberg, trabalhando então na Alemanha, afina a determinação da fronteira núcleo-manto feita por Oldham, e afirma que o ~aio d? nú~leo é de 0,545 R (~u seja, a 2900 km de profundidade), valor que Assim, já antes da Primeira Guerra Mundial, as grandes estruturas internas do globo estavam bem estabelecidas e determinadas. Esta aventura extraordinária tinha durado pouco mais de dez anos! Não tinha recorrido a matemáticas complexas, nem a uma teoria complicada, mas simplesmente aplicado à Terra o método experimental, uma técnica vulgar de registo e de cálculos geométricos elementares. Não há dúvida que este episódio seria mais conhecido e teria sido mais apreciado pela generalidade da comunidade científica, se não tivesse coincidido com a explosão da microfísica, decor- rente da descoberta da radioactividade por Becquerel e da teoria dos quanta de Planck, aventura que ocultou totalmente o nascimento da sismologia, Simetria esférica e perda de simetria o segundo período da sismologia foi inteiramente consagrado à explicação dos principais traços registados nos sismógrafos, observados com o apoio da teoria física da propagação das ondas acústicas em meio sólido. Apesar de os resultados obtidos serem fruto do trabalho de uma comunidade numerosa. duas figuras dominaram este período: Harold Jeffreys, matemático inglês. virtuoso na manipulação das equações da Física clássica, adversário resoluto da deriva dos continentes, assumindo perante os observadores sísmicos a atitude distante do teórico, e Beno Guttenberg, alemão emigrado nos Estados Unidos, onde funda, com Ritcher, o Seismological Laboratory do Califomia Institute of Technology (Caltech). O seu talento manifesta-se, primeiro. na leitura minuciosa dos sismogramas, e depois em cálculos muito simples. em que o sentido físico consegue contrabalançar o peso dos desenvolvimen- tos matemáticos. Os dois homens detestam-se, só se falam durante reuniões científicas, apesar dos esforços de intermediários, que tentam, em vão, 7 A. Mohorovicic, 1909. 8 Vide B. Gutenberg, ed., 1959, ou B. Bolt, 1983. 39 DA PEDRA À ESTRELA levá-Ios a um diálogo que não se limite às suas célebres confrontações públicas. Ambosconseguem identificar as ondas que, depois de se propagarem na Terra, chegam à estação e são codificadas no sismograma. Feita essa identificação, os seus trabalhos vão permitir precisar e melhorar a imagem inicial que Milne e Oldham tinham atribuído ao interior da Terra. Mostram que as ondas (P) são ondas de compressão, ao passo que as ondas (S) são ondas de ruptura, cuja propriedade essencial é não poderem atravessar os líquidos (a ausência de ondas [S 1 num sismograma significa, portanto, a existência de uma bolsa líquida no trajecto). Mostram que os trajectos destas ondas (P) e (S) são múltiplos e complexos e que, para um dado sismo, a estação regista inumeras vanantes. os a . . ------=s-=-ao=-,=-.t=ambémelas, complexas, dividindo-se em ondas de Lave e de Rayleigh. Sobretudo, mostram que um sismograma é uma combinação complexa de todas estas ondas que se sobrepõem, se destroem, ou que se reforçam, transformando a leitura dos registos numa verdadeira arte ou, com mais exactidão, numa verdadeira decifração de uma linguagem codificada. Estes teóricos da sismologia estabeleceram os elementos essenciais que permitem descodificar estas complexas mensagens. Este longo trabalho de sismologia fundamental vai conduzir, a pouco e pouco, a uma série de descobertas importantes para o nosso conhecimento do interior da Terra. O passo mais importante, em relação à abordagem de M ilne e Oldham, vai consistir no estabelecimento de uma relação entre a velocidade de propagação das ondas sísmicas e as propriedades físicas do _meio atravessado. Assim, o facto de as ondas (S) não se poderem propagar através de um meio líquido, permite a Inge Lehman, trabalhando então no Laboratório de Copenhaga, afirmar que o núcleo externo é, de facto, lí- quido \I, ao passo que o núcleo interno é sólido. Jeffreys e Gutenberg confirmam rapidamente esta descoberta de Inge Lehman. Pelo contrário, o facto de, excepto na região restrita do núcleo externo, as ondas (S) poderem propagar-se livremente, põe termo ao mito do manto líquido, do magma incandescente subjacente, ocupando tudo o que temos sob os nossos pés, prestes a jorrar à mínima abertura. Na sua grande maioria, o interior do globo encontra-se no estado sólido; para que nasça um vulcão é necessário em primeiro lugar que o manto fundá. Milne e Oldham, utilizando as suas curvas dos tempos de chegada, tinham dividido o interior do globo num núcleo denso, rodeado por um manto menos denso. A sismologia teórica, em particular graças ao estudo das ondas de superfície, é capaz de tomar mais preciso este esquema e de desenhar um verdadeiro perfil de densidade e de velocidade de propagação 9 I. Lehman, 1936. 40 e, I 12 w 10 C ê! 8 lio 6..• ~ 4 ••E I.~:--~s 'il W 10 I~I C 1:'1... ,,,, c ~!:o;z , ,w C o 1000 3000 5000 ,~I 3000gq w =li: ! 1000... o . VIAGEM AO CENTRO DA TERRA MANTO CROSTA '\ 11-- II 11 11 I! I NÚCLEO "I- ~ I I I o 1000 3000 5000 PROFUNDIDADE (km) ~I~. 7 - Este esquema resume. ~ modelo das estruturas internas da Terra, com os principais parâmetros flSICOS que as medidas geofísicas procuram atingir: velocidades sísmicas, densidade, pressão, temperatura. 41 DA PEDRA À ESTRELA para o interior do globo. Esta representação nova assume uma face dupla: uma tendência contínua, progressiva e lenta, à qual se sobrepõem bruscas descontinuidades limitadas a certas zonas: assim acontece na base da crosta (o famoso Moho) , perto dos 400 quilómetros, dos 650 quilómetros e, sobretudo, na fronteira núcleo-manto, em que a velocidade das ondas (P) passa de 9 km/s para 13,2 km/s (47 000 quilómetros/hora, ou seja, a volta à Terra numa hora !). Estas descontinuidades de velocidade sísmica são também descontinui- dades de densidade. Se nos lembrarmos que a pressão tende a aproximar os átomos e, portanto, a aumentar a densidade, a tendência geral- o aumento lento da densidade à medida que vamos descendo para o interior do globo - parece normal. As esconnnui a es, zo ., .-----',,..-,-~ densidade aumentam brutalmente no espaço de poucos quilómetros, levan- tam problemas mais complexos. Representará cada uma delas uma desconti- nuidade na composição química? Se assim fosse, o globo seria construí do por uma série de «camadas» de composições químicas diferentes. Tratar- -se-á simplesmente duma mudança brutal nas propriedades físicas, a que chamamos mudança de fase, mantendo-se a composição química constante? O globo seria então quimicamente homogéneo, mas a física da matéria com pressões muito elevadas teria que ser, nesse caso, explorada cuidadosa- mente, com a promessa de descobertas interessantes, dado que, a um aumento contínuo da pressão e da temperatura, corresponderiam, para a matéria, variações de propriedades físicas descontínuas. Este debate vai ocupar os geofísicos durante cinco anos. Contudo, todos estes progressos, todos estes desenvolvimentos, foram realizados em tomo de uma hipótese simplificadora, segundo a qual a Terra tem, em profundidade, uma simetria esférica. Neste modelo, a composição química e as propriedades físicas de uma região do interior do globo depen- dem apenas da sua localização em profundidade, e não da sua posição geográfica. As propriedades do globo a 100 quilómetros de profundidade seriam as mesmas por alturas do Havai, de Londres ou de Pequim. As variações geográficas, tão bem ilustradas pela carta dos oceanos e dos continentes, só existiriam à superfície! A hipótese de uma simetria esférica em profundidade era cómoda, porque permitia uma simplificação extraordinária dos cálculos - que, não esqueçamos, não beneficiavam ainda do apoio dos computadores ... Porém, não era apenas uma comodidade técnica. A ideia de simetria esférica perfeita estava confusamente ligada à ideia de um interior do globo quente, portanto, uniforme (o calor «une» tudo). A crosta era heterogénea, porque fria. As estruturas superficiais não podiam misturar-se, uniformizar-se, dado que não tinham mobilidade. No entanto, a análise da distribuição dos sismos no globo, preocupação que tinha estado na origem da sismologia e que os sismólogos continuavam a 42 VIAGEM AO CENTRO DA TERRA estu~a~, mostrava uma repartição muito heterogénea. Algumas zonas eram P!oplcl,as ao~ tr~mores de terra, ou~as não. O Japão, a Indonésia, a China, sao palses sl~mlcos, o centro da África ou a Sibéria não o são. Podia-se contm~~ a dizer, na maior parte dos casos, que se tratava de fenómenos de superflcl~ e, _portanto, sensíveis à heterogeneidade da epiderme terrestre. ~sta explicação perdeu toda a validade, quando se descobriu a ocorrência de slsm.os a 500 e mes~o a 700 km de profundidade, apenas em zonas bem precisas, bem locahza~as, aquelas onde se encontram as grandes fossas mannhas, co~o o JaI;>ao, ~ Indonésia, o Alasca, o Peru ou o Chile. Esta descoberta, feita pelo ]apones Wadati, em 1935, confirmada no ano seguinte por Gutenberg, e aperfeiçoada mais tarde por Benioff, vai marcar o primeiro passo para uma en a evo ução o 1rÍ - que o interior do globo tem uma estrutura tridimensional. O segundo passo para essa evolução será o estudo comparado das estr,uturas profundas existentes sob os oceanos e os continentes. Maurice Ewmg , fundador do Lamont Geological Observatory, mostra, logo a seguir à guerra, que o Moh? sob os oceanos se encontra a 5 km de profundidade (10 krn, se contabilizarmos a espessura da água), ao passo que, sob os contmentes, se encontra a 35 km. Um seu antigo aluno Frank Pr trabalh d tã C I ' ess," ~n o en ao n,o a tech, verifica que o Moho tem profundidades vanave~s sob os contmentes e que, portanto, se pode falar de uma verdadeira geografia do Moho. Assim, toda a crosta terrestre parece ter uma geografia uma estrutura, ' ..-.- Oceano ---!r-.•f------ Continentes Crosta continental 70 km35 km / Crosta oceânica Moho Aspecto da crosta FIG. 8 - Corte esque~ático da crosta, mostrando a diferença de espessura entre crosta oceânica e continental e, nesta última, entre montanhas e escudos atingidos pela erosão. 43 DA PEDRA À ESTR ELA De facto, estes estudos mais nãofaziam do que confinnar aquilo que os especialistas do campo de gravidade tinham afirmado cinquenta anos antes, A seguir às medições de Bouguer nos Andes, Pratt, acompanhandoo coronel Everest ao Himalaia, tinha assinalado que as montanhas eram mais leves do que o interior do globo. O seu trabalho foi continuado em I~gla- terra pelo astrónomo real Airy, que estabeleceu os fundam~ntos ~aq~llo a 'que chamaremos isostasia, a qual é, nem mais nem menos, a aphcaçao do princípio de Arquimedes aos materiais d~ crosta te~~s~e. Neste modelo, admite-se que a crosta, mais leve, se mantem em equilíbrio sobre um manto mais denso, de acordo com os princípios do equilíbrio hidrostático. Assim, se_~islc Ulll relevo à su erfície, terá que ser compensado por uma raiz em _____ grofundidade. Conhecendo a densidade a crosta e o m " - ,. VIAGEM AO CENTRO DA 'TERRA . Seja qual for a precisão a que se chegou na identificação da estrutura mterna do globo, a, p~ir dos estudos sismológicos, somos obrigados a reconhece~ q,ue. as tecm~~s baseadas nas medições da gravidade e do mo- mento de inércia, perrmnram obter uma imagem já extremamente -precisa ~essa mesma estrutura., Se repararmos na visão do interior do globo, que tm~a.mos em fins do secu~o XIX, ou ~eja, antes da sismologia (Fig. 3), verificamos que, se avançamos na confiança que os cientistas concedem a este modelo e nas proporções em volume das diversas zonas desse interior o certo é que não houve uma modificação fundamental no modelo estabele- cido pela gravimetria. .A confirmação do modelo gravimétrico pela sismologia encorajar-nos-á, . _ e r internas dos lanetas uando na calcular a profundidade da crosta em função do aspecto d~ topo,grafia de superfície. Press verifica que, sempre que o campo de graVidade e normal, ou seja, sempre que não há anomalia, a profundidade do Moho corresponde aos vaticínios da teoria de Airy. No que diz respeito ao estudo geográfico do manto, os progressos foram muito mais lentos, porque o meio a estudar está mais afastado da superfície e porque, aí, os contrastes são mais fracos. Só há relativamente pouco tempo se obteve a certeza da existência das «heterogeneidades laterais», para usar a gíria profissional, e também são recentes as tentativas para as cartografar. A imagem obtida ainda é ténue e teremos, sem dúvida, que esperar alguns anos para podermos especular com segurança sobre estas estruturas. o modelo do ovo Se quisermos resumir a estrutura d,o globo, tal como a si~~ologia no-Ia ensina, podemos dizer que a Terra e formada por uma sene de calotas esféricas encaixadas. No centro, o núcleo, denso, com uma velocidade de propagação rápida, cuja parte interna, a semente, por assim dizer, é s.ó~ida; a parte externa, o revestimento, é líquido. O seu raio é de 3500 quilômetros. R~,eando o núcleo, tem o manto, com uma espessura de cerca de 2900 qUllometro_s, muito menos denso, sólido, cujas capacidades de transmissão d~ onda;' .sao inferiores às do núcleo, Na superfície, temos a crosta, fina pehcul~ sohd~, rígida, formada por materiais leves. Distinguem-se nes~a crost~ ~Ols dorru- nios claramente distintos: os oceanos, cuja crosta tem cinco quilómetros de espessura, e os continentes, em que a espessura da crosta vari.a, com o.s relevos, mas cuja profundidade média se situa por volta dos 35 quilórnetros. Recorrendo a uma analogia muito clara, podemos dizer que a estrutura da Terra se parece com a de um ovo cozido: a crosta é a casca, a clara corresponde ao manto, a gema ao núcleo. 44 mal?r,p~rte dos casos, apenas conhecemos a densidade média e o momento de mercia. Traduzir a mensagem das ondas em linguagem mineralôgica É evidente que obter uma carta das velocidades sísmicas ou das densida- des do interior do globo, constitui uma etapa importante para quem quiser cOI?preender a sua estrutura. No entanto, isso não satisfaz completamente os g~ologos. Estes querem saber se o interior do globo é constituído por gra- ruto , basalto, ferro ou hélio comprimido. Querem um conhecimento em terrno~ d~ mate~ais, ~e c<;>mp~stosquímicos. A mesma exigência é feita pelo geoquirmco , <:UjOobjectivo e conhecer a composição química precisa do nosso globo. E, P?rt~nto, preciso ~ncontrar uma tradução, um código para transf?~mar os «índices- fornecidos pelos sismólogos, em termos de matenais. . Como v~,?os ~er, tra~a-.se de uma tarefa que não é simples, nem pode ser Is?l~da. Vai implicar múltiplas abordagens, inúmeras verificações, contro- versias frequentes, antes de chegarmos à imagem particularmente coerente e completa que hoje temos. . Pri,?eiro" foi prec~so dar tempo ao tempo para se entender que os sólidos submetidos as pressoes colossais que reinam no centro da Terra são também eles, compress~veis, ou seja, podem diminuir de volume e', por: tanto, aumentar de densidade. O bom senso e a física elementar dizem-nos que ~pe~as os ga~es são compressíveis e foi este erro de raciocínio que levou Benjaml,n Frankhn a aderir à hipótese do núcleo gasoso. Depois dos cálculos de La.~e ~ de Ca~~hy, no início do século XIX, será preciso esperar pelas expenenc~as de física das altas pressões - experiências a que o nome de Per~y Bndgman, ~ontinua ligado - para se entender completamente o fe~omeno. Es~a fI~lca experi?Iental é difícil, porque obter pressões de vários qUllo~~es, pnmeiro, e ~epOls de dezenas e centenas de quilobares (e, hoje, de vanos megabares !) e uma operação muitíssimo rara para o mundo dos 45 1J/\ PIDRI\ 1\ t:YIRUA' , . . . b - e as articulações deslocam-se, os apare- laboratonos: os matenais que ram s , E quando obtemos estas altas lhos ?e ~~di5ão deixam de s~~rs~1~~~0 não sabemos avaliar a tempera- pressoes, Ja nao ,as sabemos N me \, to graças a alguns pioneiros, este novo tura a que chegamos, etc. o en an , F' . -d realmente desenvolver-se. ramo da isica po e b preenderam rapidamente o interesse Os sismólogos como ~uten erg c?m I ia No entanto, não se ultrapas- desta física das altas pressoes para. a SIS;O og ~apaz de assegurar a ligação sou um interesse formal até surgir o omhem se Francis Birch. Aluno de . . I' E se homem c ama- entre as duas discip mas. s f d carreira em contacto estreito. H donde az to a a sua, - Bndgman e~1 arvars"h vai procurar medir as velocidades de propagaçaecom os slsmo ogos. í l'C . _ - VIS. em diversos materiais. e_mco~ I velocidade sísmica e densidade, -----·V'a-·i estabelecer as relaçoes ex;ste.~e~ e~ít;~ica e teor em diversos elementos entre pressão. temper~tura ..ve OCI a idi in rato mas que vai lançar uma químicos. Trabalho slstematlco. fa~:1d\O:~is~tcos. 'Estes resultados, ilustra- luz nova e bem forte sobre os resu a o. dúvida um meio rico em dos pela fi!!ura 9. mostram que o manto e. sem . 12 Ol Q)cn- /E 10~EQ) 8ro 4 8 / o 'Ecn 6'(i5 13A1 Q) -oro 4 1ZMg-o '(3 O ã5 20> 2 4 Densidade em gm/cm " ,.' de laboratórios de Francis Birch. Cada curva é a FIG 9 - Esta figura traduz as primeiras expenenclas da d idade Esta última variação é obtida, " t o awnento ensl ' , variação de velocidade sisrruca conso~ e I ' I gos para o manto e o núcleo estão representa- - O d inios medidos pe os sisrno o " tal .au mentando a pressao. s orrumo, -o consoante o número atorruco; sera o , rt to que existe uma progressa 'f dos a traceJado., Vemos. ~ an : podemos resumir assim: manto = silicatos; nucleo = erro- fundamento da mterpretaçao de Birch, que -niquel. 46 VIAGEM ,AO CENTRO DA TERRA silício, ao passo que o núcleo é, sem dúvida, rico em ferro - porque o ferro, a pressões muito elevadas, vê a sua densidade aumentar muito depressa e atingir 11 ou 13 g/cm3. Portanto, não é necessário recorrer a metais como o ouro e a platina para expiicar o núcleo denso: basta esse metal tão conhecido que é o ferro. A identificação do núcleo de ferro comprimido é, sem dúvida, uma das mais importantes descobertas da geofísica, cujos significado e alcance entenderemos melhor ao longo deste livro 10. Os estudos poste- riores mostrarão que, para haver uma convergência realmente precisa entre medições sismológicas e experiências
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