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José Bonifácio Trabalho Cp. formação do brasil

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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo elucidar os projetos e pensamentos de José Bonifácio para o desenvolvimento do Brasil como uma grande e próspera nação. Paral tal, utilizamos como material de estudo algumas de suas principais obras e autores relacionados à tematica. Como metodologia, abordamos de maneira geral o tema traçando, de início, aspectos bibliográficos e históricos e em seguida a análise crítica de seus projetos. Como resultado, entendemos que seus escritos e propostas esbarraram em anseios maiores e permaneceram irresolutos. Por fim, concluimos que esse estudo é fundamental para iluminar a nossa experiência histórica acumulada e que, hoje, muitas vezes, está apagada do ideario social, relegando gandes figuras nacionais, como José de Bonifácio, ao esquecimento.
Palavras chaves: projetos para o Brasil, nação brasileira, José Bonifácio
1-INTRODUÇÃO
Retoma-se frequentemente, nos estudos da história nacional, o rompimento político entre Brasil e Portugal como um dos principais fenômenos responsáveis por moldar todos acontecimentos que o sequenciaram e a faceta presente da sociedade brasileira. De fato, a grandiosidade de tal fato ressoa aos tempos atuais dada que esta toma-se como incompleta uma compreensão de todas inflexões históricas, inclusive do século XXI, sem debruçar minimamente a Independência do Brasil. Partindo destas premissas, que não plasme-se do vazio as conclusivas articulações das mudanças políticas nas primeiras décadas do século XIX, de turbas valentes idealizadas na obra de Pedro Américo ao afastar, pelos brados retumbantes, o temor servil dos povos brasileiros, encontram-se grandes pensadores distintos e extremamente significativos para a construção moderna de uma nação continental. Dera-se, em devido reconhecimento, a José Bonifácio de Andrada e Silva, a cognominação de "Patriarca da Independência", cujas parcelas de sua vasta obra manuscrita ou impressa serão brevemente analisadas, juntamente a uma reintegração biográfica, nos tópicos seguintes. 
A fim de introduzir a ilustração de uma figura histórica, deve-se sobretudo, delinear o contexto geral da sociedade entre oceanos em que o mesmo encontrava-se. Tempos conturbados na Metrópole portuguesa, onde a Europa vislumbrava a gritante ascensão da burguesia, do liberalismo e da racionalidade como base filosófica já consolidada, tratava-se do Iluminismo e do início da Idade Contemporânea. A razão era empenhada a estender-se à crítica e guiava todos os campos da experiência humana concomitante a queda do Antigo Regime na França e a difusão destes ideais resultantes. As guerras napoleônicas levavam consigo a estrutura administrativa revolucionária (ANJOS, p. 44) a qual reverberava desde a Península Ibérica à América Latina.
O Brasil encontrava-se às sombras de movimentos de independência por toda a América iniciados no século XVIII; o zeitgeist do Novo Mundo ansiava pela liberdade. Em paralelo a tais ocorrências, figuras nacionais já haviam garantido seu nome no recém forjado retrato da identidade nacional, como ressalta Latino Coelho:[1: Termo romântico-idealista alemão cuja tradução corresponde a espírito do tempo.]
Nos fins do século XVIII e nos primeiros decênios do século XIX — digamo-lo sem vaidade nacional — a maioria dos nossos talentos mais formosos haviam tido seu berço no Brasil. (...) Esses homens que enobrecem presentemente a história intelectual do império brasileiro, então eram ainda portugueses. (COELHO, p. 10)
Tais afirmações são tão frequentes na cultura anteriormente quanto após o movimento de independência, vide os versos neoclássicos e fortemente brasileiros de O Uraguai, obra de Basílio da Gama de 1769, que vislumbra em seus reconhecimentos o fato de figurar-se, não só como um marco na literatura arcadista brasileira, mas um embrião da brasilidade e do amor ao continente (BLACHEYRE, p. 25), tanto quanto a declaração de uma terra indistinta, uma pátria, na Canção do Exílio, poema consagrado de Gonçalves Dias.
José Bonifácio certamente figura-se entre as grandes personalidades que conformaram significativamente a história brasileira, entretanto sua orientação não faceia apenas o lado idealista ou lírico das memórias nacionais, mas concilia-o com a prática e encadeia projetos até hoje importantes ou inconclusos nos vultos da construção de uma grande nação próspera. 
2-ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA E HISTÓRICA
Vislumbrar a vida e obra de José Bonifácio de Andrada e Silva é certamente uma atividade de interesse mútuo entre as ciências humanas e da natureza, devido às suas significativas contribuições científicas que pairam desde a geognosia e mineralogia à política e administração pública. Distingue-se, no entanto, de outras grandes figuras relacionadas à política e ciência de sua época, pois seus anseios motivavam igualmente a esperança e a ciência.
Nascido no dia 13 de junho de 1963 na vila de Santos, José Bonifácio encontrou-se em um contexto favorável e promissor justo à riqueza de sua família que possibilitou o florescer de seus talentos. Seus estudos primários, já bastante destacados por sua facilidade de assimilar novos idiomas, predominaram-se na cidade de seu nascimento, transferindo-se à cidade de São Paulo durante três anos de sua adolescência no intuito de preparar-se para o ingresso do ensino superior. Dedica-se, na atual capital do estado, aos estudos de gramática, filosofia e retórica, onde adquire bases substanciais para seus estudos em Coimbra, transferindo-se em 1780. Nestes mesmos anos que acompanharam a infância e adolescência de José Bonifácio, mudanças elementares ocorriam no Brasil e no mundo. No próprio ano de seu nascimento, o Brasil tornava-se vice-reino de Portugal, tendo sua capital transferida ao Rio de Janeiro e, após três anos de sua elevação, um alvará real permitiria o comércio entre os domínios reais da Bahia e do Rio de Janeiro, com a abolição das esquadras. Entre as Treze Colônias e a Inglaterra, acirrava-se a intolerância quanto à colonização, projetando novos horizontes de liberdade para a América.[2: Palestra proferida por Edgar de Cerqueira Falcão a convite do Lions Club de Santos em 6 de março de 1963.]
Após sua transferência para a Universidade de Coimbra, matricula-se nos cursos de Direito Canônico e Filosofia Natural, onde recebe instruções próprias das Ciências Naturais, justificando parte de sua carreira dedicada unicamente a mineralogia. Sua associação com a área do Direito garantiu contato com principalmente Direito Romano e com elementaridades da política, onde entra toma influência de expoentes do Iluminismo e clássicos gregos e romanos. Em 1787, José Bonifácio recebe o título de bacharel em Filosofia e Leis e posteriormente o diploma. Seu inconteste destaque acadêmico faz com que o mesmo seja admitido à Academia das Ciências de Lisboa, na qual abrigava classes de ciências e literatura. Concomitante à sua formação, na década de 1780, especificadamente na segunda metade desta, torna-se autônomo o México quanto ao comércio internacional e é assinada a Constituição dos Estados Unidos. Posteriormente, no ano de 1789, dois importantes fatos ocorrem, sendo eles o início da Revolução Francesa e, particularmente no Brasil, a Inconfidência Mineira, a qual já carregava consigo ideais de progresso e identidade nacional.
Em 1790, José Bonifácio inicia uma excursão que viria a durar 10 anos até seu retorno a Portugal, a fim de aperfeiçoamento técnico na ciência da mineralogia, onde contribui consideravelmente para o ramo da geologia e toma contato com os mais fervillhantes centros intelectuais da Europa. Neste mesmo ano, casa-se com a irlandesa Narcisa Emilia O'Leary. Assim descreve esta década, Plínio Salgado:
A última década do século XVIII, iniciada com a tragédia da Revolução Francesa e terminada com a glorificação de Bonoaparte, passou-a José Bonifácio entre os mestres da mineralogia, da química, da física e da botânica. Ouviu em Paris as lições de Chaptal e Fourcroy, discípulos de Lavoisier e mestres da química moderna, de Jussieu, ogrande botânico; de Hauy, o mineralogista que desvendou o mistério da formação dos cristais. Dalí seguiu o jovem brasileiro para Freyberg, centro dos estudos mineralógicos, frequentando as aulas de Werner, de Kohler, de Friesleben, de Lempe, de Lampadius, ilustrando-se com o conhecimento da geognosia, da montanística, das matemáticas, da química e da legislação das minas. Sua curiosidade científica não lhe dá repouso; assim, percorre a Alemanha, o Tirol, a Itália, onde trava conhecimento com Volta; foi à Inglaterra, onde se fez amigo de Priestley, atingiu a Escandinávia, para ouvir em Upsala a palavra de Bergmann e dali viajou para a Dinamarca, para receber em Copenhague as lições de Abilgaard.
(...) Ao alvorecer do século XIX, o cientista, cujo saber se acumulara, sente que chegado é o momento propício de regressar a Portugal a fim de utilizar-se do muito que aprendera, em benefício da Nação. (SALGADO, p. 237-238)
No último ano do século XVIII, José Bonifácio, portanto, retorna a Portugal, nomeado Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, ocupando a Cátedra de Metalurgia criada especificamente para ele em Coimbra, recebe o capelo doutoral da Faculdade de Filosofia. Confiam-se diversos cargos a quem representava a Portugal uma grande figura intelectual, como Diretor do Laboratório da Casa da Moeda de Lisboa e encarregam-no da inspeção florestal, passando a administrar as minas de carvão de Buarcos e reestruturar as abandonadas fundições de ferro. Segue-se a primeira década do século XIX sendo amplamente reconhecido pelos portugueses e recomendado ao exercício de diversos cargos, ocupando principalmente setores administrativos públicos na Metrópole. Suspendia-se, no entanto, na Europa e nas Américas o aspecto da mudança; as Portugal é invadido em 1808 pelas tropas napoleônicas e José Bonifácio ocupa o cargo de tenente-coronel e major nas forças do Batalhão Acadêmico; a modernidade tornava-se cada vez mais sensível.
Torna-se relevante ressaltar que, em 1812, José Bonifácio participa do grupo de intelectuais, discípulos de Domenico Vandelli, cuja visão partilhada era de que o domínio da natureza era capaz de gerar riquezas e que, portanto, necessitava ser conhecido e explorado cientificamente. A derrocada as velhas instituições, no entanto, não aplica-se apenas à política. Propriamente, o desenvolvimento da técnica era um dos interesses do Patriarca da Independência, pois sua atuação desenvolvia-se, até então, sumamente, na mineralogia. 
De fato; enquanto no Brasil, como nos outros países da América, o espírito revolucionário tudo dominava e a preocupação política suspendia toda consideração dos problemas básicos da economia e do governo dos povos, esse homem guardava no seu coração as inquietações que naturalmente o agitavam, só cuidando em se tornar apto para o momento em que deveria surgir como o verdadeiro fundador da Nação Brasileira.
(...) Percebia, nas dobras do futuro, a fase das grandes realizações materiais e dos progressos industriais, em que o Estado dveria assumir o papel de grande orientador e propulsor e por isso exercitava-se na ciência e na arte da administração pública. 
Os ecos das revoluções pela Independência dos povos americanos chegavam-lhe aos ouvidos; sua alma de poeta e de patriota se exaltava, mas seu raciocínio de homem de ciência continha-o, forçando-o a aguarda a "sua hora". (SALGADO, p. 241-242)
Ao final da década de 1810, José Bonifácio retorna ao Brasil especialmente devido ao retorno de D. João VI, que torna-se uma ameaça para o retorno do então reino unido à condição de colônia. Nos primeiros meados da década subsequente, José Bonifácio dedica-se momentaneamente às pesquisas mineralógicas no interior da capitania de São Paulo junto ao seu irmão Martim Francisco. Por esta ocasião, aparentemente irrelevante para uma abordagem que visa salientar as contribuições do mesmo à política, deve-se destacar que fora nestes idos um dos principais contatos de José Bonifácio com a situação da população negra e indígena. De modo concomitante aos movimentos constitucionalistas que ocorriam na Europa, torna-se exitosa a Revolução do Porto, determinando juntas governativas às províncias do até então reino unido de Portugal; em São Paulo, José Bonifácio recebe a indicação por aclamação para o cargo de vice presidente da província, reconhecendo de forma pioneira a autoridade de D. Pedro I. Tal relação com o príncipe regente torna-se ainda mais sólida quando em 24 de dezembro de 1821 redige a carta exigindo a permanência do mesmo no Brasil e o desobedecimento às cortes portuguesas, o que viria resultar no Dia do Fico em 9 de janeiro do ano seguinte. 
A Independência do Brasil torna-se cada vez mais ressaltada pelo espírito patriótico combinado aos ideais de progresso transplantados da Europa por José Bonifácio, porém neste mesmo momento surgem movimentos contra a unidade do que viria a ser o vasto Império brasileiro. Articula-se, portanto, como um poderoso patriarca da nação que buscava consolidar a unidade dos territórios cumpridos parcialmente no século XVIII por Alexandre Gusmão.
Alexandre Gusmão deu-nos a unidade da terra; a José Bonifácio competia dar-nos a unidade dos homens constituídos em Nação una e indivisível. E porque percebeu o problema que se lhe propunha o andrada procurou um centro comum de interesse pelo qual todos os brasileiros se unissem. Um centro acima das facções e capaz de superar as regiões geográficas e os interesses locais. Esse centro era o Trono. (SALGADO, p. 244)
Em 1822, José Bonifácio é nomeado ministro do Reino e das relações estrangeiras, sendo o primeiro brasileiro a ocupar tal cargo. Suas políticas são primordialmente de orientação a favor da Independência, vez que buscavam a não sujeição às Cortes de Lisboa. No mês de junho do mesmo ano convoca a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, que teria início no ano seguinte. Suas medidas contribuíram sobretudo para o direcionamento do movimento de independência, que fora acima de tudo burocrático e não belicoso. Os trabalhos da Assembleia Geral Constituinte que foram interrompidos pela dissolução e discordâncias de D. Pedro I resultaram no exílio de José Bonifácio na comuna francesa do Havre. Durante sua viagem de retorno à Europa, diversos transtornos ocorreram, o que forçosamente fez com que viesse a permanecer em Bordeaux. Nestes anos de permanência na Europa, produz diversos trabalhos poéticos sob o pseudônimo de Américo Elísio além dos escritos críticos à situação política brasileira estabilizando seu projeto de nação. 
Após o retorno ao Brasil, no ano de 1829, sua figura gera diversas controvérsias sendo acusado de envolvimento em conspirações republicanas de mesmo modo que é acusado, alguns anos depois, de conspirar o retorno de D. Pedro I. Nestes meios tempos, que já representavam uma idade avançada ao Patriarca da Independência, recebe o cargo de tutor de D. Pedro II, quando este contava apenas com cinco anos de idade após a abdicação do imperador D. Pedro I, sendo afastado do cargo durante o Período da Regência de Diogo Feijó. Certamente as controvérsias mediante às suas acusações refletem a importância da figura política de José Bonifácio, além da incompreensão quanto à minoria vanguardista e equilibrada que simbolizava. No final da mesma década, após seguidas acusações absolvidas, José Bonifácio falece em Niterói, aos 75 anos deixando um legado de práticas e ideias, as quais até hoje ecoam vigorosamente no Brasil. 
3- PROJETOS PARA O BRASIL
Bonifácio vislumbrou no Brasil a subsistência das condições necessárias para a construção e formatação do Estado Nacional brasileiro. Contudo, identificava, ao mesmo tempo, alguns entraves existentes para a conquista do almejado cenário, como a heterogeneidade cultural e racial, a escravidão e a equivocada política indigenista vigentes na sociedade. É nesse sentido, que ele, como ministro de D.Pedro, passou a pensar o Brasil de forma global e particular e propôs seus projetos para que, assim, fosse possível superar esses entraves eter-se uma unida e próspera Nação. Tais projetos dizem respeito à promoção de uma integração regional, abolição do tráfico negreiro com emancipação gradual dos cativos e o estimulo à mestiçagem. Far-se-á uma análise dos entraves e de como os projetos de Bonifácio os solucionariam.
3.1- HETEROGENEIDADE CULTURAL E RACIAL
Bonifácio acreditava que a educação política e religiosa, de mãos dadas com as leis e costumes, seria capaz de transformar o brasileiro desleixado em um verdadeiro cidadão de valor. Contudo, “qualquer educação seria estéril, se antes de tudo a heterogênea população brasileira não fosse transformada em um conjunto homogêneo em todos os sentidos: racial, cultural, legal e cívico”(BONIFÁCIO,p,22). A população brasileira oitocentista era composta, majoritariamente, por brancos, negros, índios e escravos. Dessa forma, não haveria ou seria possível construir um sentimento identitário com e para o próximo, pois as diferenças, tanto culturais quanto legais e cívicas eram abissais. Para isso, dentre outras medidas, como o fim da escravidão com mecanismo de suporte racial ao negro e a integração dos índios à sociedade nacional, Bonifácio destaca o papel fundamental de o Estado fomentar e dar sorte à mestiçagem, isto é, “animar por todos os meios possíveis os casamentos dos homens brancos e de cor com as índias, para que os mestiços nascidos tenham menos horror à vida agrícola e industrial”(BONIFÁCIO,p.23). Nesse sentido, essa população nacionalizada através da miscigenação e integração social deveria ser educada por um governo de sábios e teria, assim, capacidade de construir um sentimento identitário com e para o próximo, possibilitando uma nova “raça”, tão brasileira quanto integrada. Essa nova identidade nacional transformaria inimigos seculares (brancos, negros escravos e índios selvagens) em compatriotas e concidadãos.
3.2- ESCRAVIDÃO
Tema abordado na representação à assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil sobre a escravatura. Jose Bonifácio defendeu a abolição do tráfico negreiro, o melhoramento da sorte dos atuais cativos e da sua progressiva emancipação aliada a políticas de suporte racial. Sua linha argumentativa pode ser dividida em três principais aspectos: humano, econômico e estatal. 
Em relação ao aspecto humano, Bonifácio destaca que a escravidão fere a racionalidade e a lógica, pois “como poderia haver uma constituição liberal e duradoura em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos”?(BONIFÁCIO,p.47). Além disso, os negros são homens como nós, e não formam uma espécie de brutos animais, sentem como nós, pensam como nós como poderíamos então sermos insensíveis a eles? Onde estaria o sentimento cristão que não façamos aos outros o que queremos que não nos façam a nós? Genialmente, Bonifácio traz que para lavrar-se das acusações os homens tenderiam a tecer mil motivos para justificar a escravidão:
diz que é um ato de caridade trazer escravos da África, porque assim escapam esses desgraçados de serem vitimas de despóticos régulos: diz igualmente que, se não viessem esses escravos, ficariam privados da luz do evangelho, que todo cristão deve promover, e espalhar: diz que esses infelizes mudam de um clima e pais ardente e horrível para outro, doce, fértil e ameno; diz por fim que, devendo os criminosos e prisioneiros de guerra mortos imediatamente pelos seus bárbaros costumes, é um favor, que se lhes faz, compra-los, para lhes conservar a vida, ainda que seja em cativeiro[...] é decerto um atentado manifesto contra as leis eternas da justiça e da religião. E por que continuaram e continuam a ser escravos os filhos desses africanos? cometeram eles crimes? Foram apanhados em guerra? Mudaram de clima mau para a luz do evangelho? Não por certo, e todavia seus filhos, e filhos desses filhos, devem, segundo vós, ser desgraçados para todo o sempre. (BONIFÁCIO,p.51)
Em relação ao aspecto econômico, Bonifácio aufere que a escravidão constitui-se como um desperdício de cabedal. Isso se deve ao fato de que o custo de investimento nessa mão de obra é altíssimo e apresenta várias desvantagens: morrem, revoltam-se e não trabalham com todo vigor. Dessa forma, esse capital, que foi investido na mão de obra escrava, poderia ter sido revertido em outros setores fundamentais para o desenvolvimento da Nação, como a indústria, cidade, infraestrutura e comercio. Bonifácio alerta para isso na seguinte passagem:
Com efeito, imensos cabedais saem anualmente deste império para Africa; e imensos cabedais se amortizam dentro deste vasto pais, ela compra de escravos, que morrem, adoecem, e se inutilizam, e demais pouco trabalham. (BONIFÁCIO,p,52)
Por fim, não menos importante, o aspecto Estatal, Bonifácio traz que para se constituir uma grande Nação seria imprescindível que a esfera pública fosse poderosa e presente. Contudo, as grandes propriedades e a relação entre senhores e escravos constituíam um verdadeiro estado paralelo na sociedade, uma vez que a esfera pública não conseguia adentrar as portelas da fazenda. Os senhores ditavam as regras e coerções para os escravos, tarefas essas que seriam de dever do Estado. Nesse sentido, Bonifácio propôs, em seu projeto, artigos que versavam acerca das condições de trabalho dos escravos, da jornada diária, da alimentação e vestuário, do poder publico como responsável por estipular as punições e certas restrições quanto ao trabalho feminino e infantil. Como exemplo, o ART. XIII: O senhor não poderá castigar o escravo com surras, ou castigos cruéis, senão no pelourinho publico da cidade, vila, ou arraial, obtida a licença do juiz policial, que determinaria o castigo à vista do delito: e qualquer que for contra esta determinação será punido com pena pecuniária arbitrada a bem da caixa de piedade, dado porem recurso ao conselho conservador da província
.
Aliado à abolição da escravatura e o melhoramento da sorte dos atuais cativos, Bonifácio também idealizou a emancipação gradual dos escravos com o devido suporte racial. É possível verificar esse suporte no ART. X: Todos os homens de cor forros, que não tiverem oficio, ou modo certo de vida, receberão do Estado uma pequena sesmaria de terra para cultivarem, e receberão outrossim dele os socorros necessários para se estabelecerem, cujo valor irão pagando com o andar do tempo.
Em resumo, a escravidão mostrava-se como uma afronta aos direitos naturais e cristãos da sociedade, dispendiosa sem grandes retornos e infortuna ao desenvolvimento do poder público frente às relações privadas exercidas pela relação diametralmente oposta entre senhores e escravo na sociedade brasileira.
3.3- EQUIVOCADA POLÍTICA INDIGENISTA
Bonifácio aborda em seus projetos que, como ferramenta para a integração regional e, consequentemente, nacional, valorizar, catequizar e aldear a população indígena seria fundamental. Isso se deve ao fato de que, além de constituírem mão de obra, ampliaria a esfera de atuação estatal e, assim, o poder público. Para tal, destaca que seria necessária uma reforma agrária, pois, por meio da venda ou distribuição das terras até então inutilizadas, os índios passariam a ocupa-las e desenvolverem-se sob a tutela Estatal. Como consequência, poderiam comercializar o seu excedente de sua produção o que levaria ao maior contato com a cultura e valores da civilização brasileira.
Em síntese, a reforma agrária promoveria a povoação e integração do território, o desenvolvimento da agricultura e a imposição do Estado em ambientes antes fora de sua esfera de influência.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aparentemente buscar um reflexo atual, em teor especificamente prático e administrativo, no pensamento de uma figura da passagem do século XVIII ao XIX, exprime-se como uma tarefa pouco efetiva, devido ao inevitável desenvolvimento das instituições e mudança das complexidades sociais. José Bonifácio, contudo, excetua-se quanto à dificuldade de compactuá-lo à contemporaneidade, fato que justifica-se, provavelmente, pela proporção vanguardistae científica de seu pensamento e, de modo apropriado, pelo descompasso no desenvolvimento econômico e emancipatório da nação brasileira. Torna-se importante, de maneira estrita, ponderar não apenas questões acerca da construção infra-estrutural, mas reconquistar a dimensão única da nação em sua integridade soberana e cultural. Sumamente, estes eram os anseios de José Bonifácio, os quais referiam-se, em uma totalidade, ao projeto de construção da sociedade brasileira; de certo modo, não haveria emancipação enquanto as potencialidades de grandeza do país não se realizassem, máxime ao caso de sua missão política entre outras nacionalidades.
Partindo quanto à construção interna da nação, buscava-se, àqueles que encontravam-se em vanguarda, após a Independência, um empenho humanista de desenvolvimento, pois sem este, não haveria a edificação de uma verdadeira independência. A assimilação populacional e de recursos naturais estendia-se, em moldes europeus, à contextualização brasileira, acreditando que mudanças profundas nas estruturas da sociedade viriam a provocar alterações sociais duradouras e benéficas. Estas, porém, seriam condicionadas às dinâmicas próprias da realidade brasileira. 
O contato com a realidade europeia influenciou-o a criticar fortemente o anacronismo das elites brasileiras que dependiam de um vício quanto à tradição escravista e amálgama a qual enclausurava o desenvolvimento do país, assim citando:
Os que se opõem às reformas por nímio respeito da antiguidade, por que não restabelecem a tortura, a queima dos feiticeiros etc.? Seriam nossos pais culpáveis para com os seus antigos quando adotaram o Cristianismo e destruíram a escravidão na Europa? Não era isto abandonar a antiguidade para ser moderno? E por que não aproveitaremos nós as luzes do nosso tempo para que a nossa posteridade tenha também uma antiguidade que de nós provenha, mas que o deixe de ser logo que o progresso do espírito humano assim o exigir? (BONIFÀCIO, p. 106)[3: SILVA, José B. de Andrada e. Notas Avulsas (s.d.). Op.Cit. p.106.]
De significativo cunho iluminista, José Bonifácio afirmava a possibilidade do delineamento de uma sociedade racional, progressista, ilustrada e sóbria no Brasil. Suas propostas, contudo, não agradavam o enviesamento imediatista daqueles que poderiam concretizá-la, os quais detinham grande parte do poder ao manejamento de estruturas, isto é, as elites da época. Como um paradoxo àqueles que encontram-se em vanguarda, apenas o futuro viria a reconhecer a grandiosidade do pensamento e dos projetos defendidos pelo Patriarca da Independência, mediante ao envelhecer de suas ideias e à primavera de novos tempos, a qual o consagrou na história e nos versos:
Em vão de paixões vis cruzados ramos
Tentarão impedir do sol os raios:
A luz vai penetrando a copa opaca,
O chão brotará flores. (BONIFÀCIO, p. 363)[4: SILVA, José B. de Andrada e. José Bonifácio. Op. Cit. p. 363]
5- REFERÊNCIAS
ANJOS, João Alfredo. José Bonifácio, primeiro Chanceler do Brasil. Fundação Alexandre Gusmão: Brasília, 2008. 
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes: São Paulo, 1999.
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Clássicos Jackson: Volume XXXVIII; Poesia I/, organização Ary de Mesquita, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre: W. M. Jackson, 1958, p. 363
BLACHEYRE, Attila. O marco histórico literário da nossa brasilidade. Monografia (graduação em Letras - Português) – Universidade de Brasília. Brasília, 2012.
COELHO, José Maria Latino. Elogio Historico de José Bonifácio de Andrada lido na sessão pública da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Adaptado. Livraria de A. M. Pereira: Lisboa, 1877.
SALGADO, Plínio. O Ritmo da História e Atualidades Brasileiras. Editora das Américas: São Paulo, 1956.
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil, organização Miriam Dohlnikoff, São Paulo: Companhia das Letras, 1ª reimpressão, 1998 , p. 106
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