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Professor Firmino Carlos Teoria Geral dos Contratos

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Professor Firmino Carlos 
Firmino.adv@gmail.com 
(21) 992554612 
Face: Firmino Carlos 
 
 Muito boa noite....vamos lá doutores. 
No balanço geral, o novo Código Civil é bom, tem coisas 
extraordinárias, principalmente se nós o lermos não com os olhos apenas de 
ver, mas, principalmente, com os olhos de descobrir, de sonhar 
rsrsrs..romântico de mais, putz, pois muito mais importante do que está 
escrito no novo Código é o que não se encontra escrito, é o que está por trás 
dele, são esses valores novos, estas mensagens que estão resumidas naquelas 
três palavras mágicas, as quais se referia o Prof. Miguel Reale: a 
SOCIALIDADE, a ETICIDADE e a EFETIVIDADE. 
A SOCIALIDADE significa, estejam certos, a substituição do modelo 
individualista do Código Bevilaqua, que era característico do Século 19 por um 
modelo agora profundamente comprometido com a função social do direito. 
Isso até os mais ferrenhos críticos do novo Código, são obrigados a 
reconhecer. Esse novo Código assume o compromisso com a função social do 
direito. Há uma visível preocupação em colocar o direito a serviço da 
sociedade e não apenas dos interesses individuais. 
A ETICIDADE significa substituir o princípio da boa fé subjetiva, que 
o Código passado adotava – um princípio inócuo em que a boa fé era uma mera 
exortação ética aos contratantes, mas não significava um dever jurídico – e 
aí substituindo esse conceito inócuo de boa fé subjetiva, pela boa fé objetiva. 
 
 
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O novo Código diz expressamente que os contratantes são agora obrigados a 
agir, durante toda a vida do contrato, com a mais absoluta boa fé e probidade. 
Portanto, agora a boa fé é regra obrigatória de conduta e não uma simples 
exortação ética. E como se não bastasse, o Artigo 113 estabelece que os 
negócios jurídicos serão agora interpretados pelas regras da boa fé. 
Finalmente, quando falamos de EFETIVIDADE, queremos dizer que 
esse novo Código mudou completamente a técnica legislativa. Passamos agora 
a adotar a técnica das cláusulas abertas, os princípios indefinidos, para 
permitir ao juiz, com muito maior discricionariedade, a adotar as medidas 
adequadas a resolver os conflitos de interesses. O juiz deixa de ser apenas a 
boca da lei, de ser apenas o aplicador do direito e, ao contrário, passa a ser 
grande solucionador dos conflitos de interesses. 
Temos, portanto, agora o Código muito mais preocupado com a 
efetividade, preocupado em dar as partes uma resposta adequada, o mais 
célere possível, da maior utilidade possível. 
Por isso que eu acho que, no balanço geral, o NCC pode contribuir e muito para 
a construção de um novo tempo, muito mais democrático, igualitário e justo. 
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS 
 
 É evidente que não poderíamos enfrentar teoria geral dos contratos 
sem fazermos algumas observações, ainda que genéricas, sobre os princípios 
fundamentais que regem os contratos e ainda as alterações que o novo código 
trouxe. A essa altura de suas vidas profissionais vocês estão cansados de 
ouvir que o novo código apresenta três grandes vertentes, ou três grandes 
paradigmas, que citei acima socialidade, a sua eticidade, e a 
efetividade...gente gente...nao me faça enfartar rsrsrsrs. 
 
 
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 No campo da teoria geral dos contratos esses paradigmas se mostram 
de forma mais clara. Se há um campo do direito privado que foi oxigenado por 
esse novo código, certamente é o das obrigações e o dos contratos. No que 
se refere, por exemplo, a socialidade, o livro dos contratos inaugura, pelo art. 
421, segundo a qual os contratos passam a ter uma função social, e, no que se 
refere aos aspectos éticos, o art. 422 também torna a boa-fé uma norma de 
conduta contratual, obrigatória para todos os contratantes. Alguns críticos 
do novo código chegaram a dizer, que evidentemente com algum exagero, que 
ele representaria o atestado de óbito dos contratos, que ele representaria a 
morte dos contratos, pois havia fulminado os princípios fundamentais dos 
contratos. Isso nem de longe é verdade, o que o novo código fez, e não poderia 
deixar de fazer, foi temperar ou mitigar esses princípios que foram criados 
há mais de três séculos, sob outros sistemas econômicos, e vamos ver que 
esses princípios agora estão muito mais adaptados à nova realidade que 
vivemos. 
Princípio da autonomia da vontade 
 Esses princípios fundamentais, como sabemos, são, em primeiro lugar, 
o princípio da autonomia da vontade, também conhecido como princípio da 
liberdade de contratar. No estado liberal clássico, emanado da revolução 
francesa, esse princípio chegou quase ao apogeu, tornou-se quase absoluto. O 
Estado liberal entendia que o equilíbrio e a justiça do contrato decorria da 
liberdade das partes em contratar. A função do Estado era apenas a de 
assegurar aos contratantes ampla liberdade para que pudessem ajustar as 
condições dos contratos como melhor lhes conviessem as condições do ajuste, 
daí porque uma das mais conhecidas máximas do Estado liberal é aquela 
segundo a qual tudo o que é contratual é justo desde que as partes sejam 
 
 
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livres para contratar. Entendia-se que, se as partes são livres, só se 
celebrariam o contrato quando seus recíprocos interesses estivessem 
plenamente satisfeitos, e por isso o contrato seria sempre justo. Daí aquela 
obsessão do Estado liberal em reduzir todas aquelas relações jurídicas a 
fórmulas contratuais, o contratualismo era uma das quatro bandeiras 
levantadas pela revolução francesa, e até mesmo a relação do homem para 
com o Estado foi representada pela forma contratual, como sabemos ao 
lermos o livro de Rosseau: O contrato social. 
 Por isso é que se privilegiava essa liberdade de contratar, que se 
desdobrava, na verdade, em duas liberdades: uma liberdade de contratar 
que fazia com que as pessoas pudessem escolher o momento mais adequado 
para contratar, que se traduz com quem contratar e onde seria o juízo 
responsável caso tivesse litígio. E ao lado dessa liberdade de contratar, ainda 
havia uma liberdade contratual, vale dizer, a liberdade de se formular as 
condições do contrato. Então, essa liberdade de contratar e essa liberdade 
contratual formavam a autonomia da vontade, que era o pilar de sustentação 
de toda a teoria geral dos contratos no século XIX. Entretanto, o tempo 
mostrou que não é verdade que a liberdade seja o único sustentáculo de 
equilíbrio do contrato, percebeu-se que a igualdade é que assegura o equilíbrio 
da equação econômica do contrato. Em toda a relação contratual quando uma 
das partes é vulnerável diante da outra, acaba massacrada pela mais forte. 
Era preciso então compensar na relação contratual, a vulnerabilidade ou a 
fragilidade de uma das partes, protegendo-a e tornando-a juridicamente mais 
forte que a outra. Foi assim que surgiu o dirigismo contratual, que 
caracterizou o século XX no campo dos contratos, ou seja, o Estado 
abandonou aquela sua postura de inércia, de mero espectador dos contratos, 
para passar a controlá-los, a dirigi-los, impondo certas cláusulas de proteção 
 
 
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ao mais fraco, ou vedando outras que denotavam a superioridade do mais 
forte. Então, o dirigismo contratual não extinguiu, evidentemente, o princípio 
da autonomia da vontade, mas certamente o temperou. Como por 
exemplo...quando Estado intervém no mercado. Vejam....o preço da batata 
está em R$ 20,00 reais aí o Estado “taca” batata no mercado para provocar 
queda dos preços. 
Princípio da força obrigatória (imutabilidade dos contratos) 
 Um outro princípio fundamental dos contratos é o da sua força 
obrigatória, também conhecido como princípio da imutabilidadedos 
contratos, resumido numa única frase muito conhecida: pacta sunt servanda. 
Dos contratos emana uma conduta que se torna obrigatória para os 
contratantes, e sancionada se for inadimplida. Os contratos não são 
brincadeiras levianas, aventuras irresponsáveis, das quais os contratantes 
possam se livrar impunemente, ao contrário, os contratos criam vínculos 
jurídicos, prendem as partes, e se tornam para elas cogentes, com a mesma 
força da lei. Daí a conhecida frase de Kelsen: o contrato é lei entre as partes. 
Nem mesmo o judiciário poderia modificar o contrato a pedido de uma das 
partes, somente um novo consenso poderia ajustar o que os contratantes 
livremente ajustaram. Portanto, nem mesmo o judiciário poderia romper o 
princípio do pacta sunt servanda, colocado como uma das bases do próprio 
equilíbrio social. 
 
 O Kelsen dizia que essa ideia do pacta sunt servanda era a norma 
fundamental que assegurava o equilíbrio da sociedade, da qual, todas as 
demais normas tiravam a sua força. Esse princípio também foi temperado no 
 
 
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século XX, com o surgimento das chamadas teorias revisionistas dos 
contratos. 
 
Princípio da relatividade 
 Um outro princípio fundamental é o princípio da relatividade, segundo 
o qual o contrato é lei somente entre as partes, ou seja, o contrato só vincula 
os que dele participam, quem não é parte do contrato não pode ser compelido 
a cumpri-lo nem pode exigir o seu cumprimento. O contrato não se reveste 
daquela oponibilidade erga omnes que caracteriza os direitos reais, ao 
contrário, os contratos são sempre relativos, são erga singulum, são relativos 
às partes contratantes, não podendo ser opostos a terceiros que dele não 
participaram. 
 Esse princípio também é temperado, por algumas exceções, entre elas 
a conhecida figura da estipulação em favor de terceiro. É perfeitamente 
possível que, no corpo de um contrato, as partes estipulem que uma das suas 
prestações seja revertida para um terceiro que não figura na relação 
contratual. E esse terceiro, beneficiário dessa estipulação, estará legitimado 
para exigir o cumprimento da avença, embora não tendo participado do 
contrato como parte. Então, a estipulação em favor de terceiro é uma exceção 
ao princípio geral da relatividade. 
 
 O novo código amplia ainda mais essa ideia, criando uma figura nova, 
que é a do contrato com pessoa a declarar. Uma das partes se reserva o 
direito potestativo de, em certo tempo, indicar, ou seja, declarar uma pessoa 
para ocupar o seu lugar, sub-rogando-se retroativamente em todos os seus 
direitos e deveres. Então, reparem que uma pessoa absolutamente estranha 
 
 
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à relação contratual, no momento em que ela nasce, uma pessoa 
completamente estranha ingressará no contrato, inclusive com efeitos 
retroativos ao momento da celebração. Isso também vem temperar o 
princípio da relatividade permitindo uma circulação mais rápida dos 
contratos, o que é uma imposição da economia moderna. 
Princípio da consensualidade 
 Outro princípio fundamental é o princípio da consensualidade, segundo 
o qual o contrato nasce do consenso das partes, dispensando-se qualquer 
outro ato para o seu aperfeiçoamento, basta que haja uma proposta e a sua 
aceitação para que o contrato já esteja aperfeiçoado, não é preciso entregar 
a coisa, não é preciso pagar o preço. Em suma, o que faz nascer o contrato é 
a aceitação da proposta, o que demonstra o consenso das vontades, daí a velha 
e clássica definição de Savigny: o contrato é o consenso das vontades na auto-
regulamentação de seus interesses privados. 
 Ora, se o contrato nada mais é senão o consenso de vontades, basta 
que ele se verifique para que já haja contrato, e esse consenso se cristaliza 
com a aceitação da proposta. É claro que também não é um princípio absoluto, 
ele admite exceções, os chamados contratos reais, que não se formam só pelo 
consenso das partes, esses contratos, e por isso se chamam reais, só nascem 
quando a coisa, que é o objeto desse contrato, for entregue ao contratante. 
Enquanto não houver a tradição da coisa objeto do contrato, ainda não nasceu 
o contrato, embora já tenha havido o consenso das vontades. Por exemplo o 
contrato de mútuo, ou o contrato de comodato, ou ainda o contrato de 
depósito...são exceções. 
 
 
 
 
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Princípio da boa-fé 
 Finalmente, o último dos princípios fundamentais é o princípio da boa-
fé, o único que não admite exceção. Todos os demais sofrem temperamento, 
por exemplo, o princípio da autonomia da vontade é temperado pelo dirigismo 
contratual; o da força obrigatória do contrato é temperado pelas teorias 
revisionistas; o da consensualidade pelos contratos reais, e o princípio da 
relatividade por essas figuras da estipulação em favor de terceiro, e do 
contrato com pessoa a declarar. Mas o princípio da boa-fé não admite a 
exceção, até porque tem uma conotação ética. 
 Há uma releitura da boa-fé no novo código, houve uma profunda 
transformação do conceito de boa-fé, que passou de subjetivo no código 
passado, a objetivo nesse novo código. A boa-fé, no mundo das obrigações e 
dos contratos, era uma simples exortação ética que se fazia aos contratantes, 
ou seja, pedia-se a eles que agissem honestamente, recomendava-se que 
agissem honestamente, esperava-se que os contratantes se comportassem 
como homens probos, mas não havia um comando legal impondo-lhes uma 
conduta honesta, e por isso se dizia que o princípio da boa-fé não era uma 
regra obrigatória de conduta. Dizia-se que a boa-fé, como conceito ético, 
deveria estar alinhada no coração e na mente das pessoas, e não nas páginas 
da lei. Bastava então que o contratante estivesse imbuído da sincera intenção 
de não prejudicar o outro, de não lhe causar dano, bastava que ele ignorasse 
que estava causando um dano ao outro contratante. Por isso é que se dizia 
que era uma boa-fé subjetiva, porque estaria dentro das pessoas. 
 O tempo mostrou que essa boa-fé subjetiva era inócua, romântica, e 
por isso, essa boa-fé se torna agora objetiva, ou seja, um comando legal, uma 
regra obrigatória de conduta. E ais ainda, o novo código, que tem na eticidade 
 
 
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uma de suas vertentes inspiradoras, ele cria duas modalidades de boa-fé: 
temos uma boa-fé hermenêutica, ou seja, como regra de interpretação dos 
negócios jurídicos, que é exatamente a boa-fé a que alude o art. 113 do CC. O 
art. 113, numa guinada de 180º, diz que a interpretação dos negócios jurídicos 
se fará pelas regras da boa-fé e dos usos do lugar da celebração. Isso é 
inacreditável. Quer dizer, agora o primeiro critério de interpretação de um 
contrato é a boa-fé. O juiz agora, ao interpretar um contrato, terá que partir 
das seguintes perguntas que ele se fará: o que homens honestos estariam 
procurando obter nesse contrato? Como homens honestos se comportariam 
diante desse contrato? E o que é mais importante: que margens de lucro 
homens honestos perseguiriam com esse contrato? É com esse paradigma do 
homem honesto que o juiz interpretará o contrato. 
 O código passado só dizia que os contratos bilaterais têm que ser 
interpretados segundo a verdadeira intenção das partes, e os gratuitos pelo 
sentido literal da linguagem. Esses eram os dois únicos critérios de 
interpretação dos contratos a que se referia o código anterior: a teoria da 
vontade e a teoria da declaração. Agora não, agora está no artigo 113 do 
código civil, é primeira regra de hermenêutica dos negócios jurídicos: a 
conduta honesta. O juiz sempre se partirá dessa pergunta: como homens 
probos se comportariam nesse contrato. Se ele verificar que um doscontratantes não está se comportando dessa maneira, ele poderá então 
sancioná-lo. 
 A outra modalidade da boa-fé é a chamada boa-fé contratual (art. 
422), que é norma de conduta contratual, não simples intenção. O juiz não 
quer saber se você tinha a intenção de ser honesto, ele quer saber se você 
está se conduzindo honestamente. É muito diferente. 
 
 
 
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Obs:a boa-fé subjetiva ela não desapareceu, inclusive ela continua, por 
exemplo, na posse de boa-fé, que é aquela onde o possuidor ignora os vícios. 
Mas na parte dos contratos a boa-fé é objetiva, quer dizer, é regra de 
conduta. 
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 
 
DISPOSIÇÕES GERAIS 
 
 Segundo o prof. Miguel Reale, o art 421 é um dos mais importantes do 
Novo Código Civil. Ele coloca entre os dez mais importantes, é um daqueles 
que mudam paradigmas. É o sinal de um novo tempo, pois esse artigo 421, que 
inaugura a parte dos contratos em geral diz que a liberdade de contratar será 
exercida em razão e nos limites da função social dos contratos. A liberdade 
de contratar é mantida, como não poderia deixar de ser, só que não é mais 
quase absoluta como era no Estado liberal, ela agora tem limites, e o limite é 
a função social do contrato. 
 O leigo, ao ler esse dispositivo, talvez não perceba a sua dimensão ética 
e social, significa dizer que finalmente abandonamos a visão individualista do 
código passado, a visão característica do Estado Liberal Clássico, um direito 
voltado para o interesse individual, e agora abraçamos felizmente uma visão 
socializante do direito, em que se coloca o direito muito mais a serviço da 
sociedade e não apenas do indivíduo.. O contrato não serve apenas às partes, 
mas a toda a sociedade, como um instrumento de proteção da paz social. 
 A função social do contrato não é definida pelo código, esse conceito é 
metajurídico, vamos ter que construí-lo interdisciplinarmente, ou seja, 
buscando essa resposta em disciplinas afins como a ética, a sociologia, a 
filosofia. Mas, em linhas gerais, função social do contrato, nesse sentido a 
 
 
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que alude o art. 421, significa fazer do contrato um instrumento de 
construção da dignidade do ser humano, de uma sociedade mais justa. 
Significa que os contratos devem ser equações econômicas justas, 
equilibradas, que promovam o enriquecimento de todos aqueles que delem 
participam. 
 Ora, como isso é uma disposição geral passa a ser uma cláusula implícita 
nos contratos. Aliás, o novo código tem essa característica: a das cláusulas 
gerais. O novo código cria alguns princípios que se consideram implícitos em 
todo e qualquer contrato, são cláusulas gerais, que não precisam estar 
escritas nos contratos, mas que lhes são implícitas, e uma delas é a função 
social do contrato. Qual é a importância disso? É que, sendo uma cláusula 
implícita, é perfeitamente possível ao judiciário mergulhar no contrato para 
verificar se ele está cumprindo a sua função social. O judiciário poderá 
corrigir os rumos do contrato, fazendo com que ele retorne a essa função 
social. 
 Então, o juiz pode considerar que o comportamento de uma das partes 
em um contrato, violando o interesse social, isso poderia caracterizar abuso 
de direito, e, consequentemente, um ato ilícito, gerando o dever de indenizar. 
Daí dizermos que estamos num novo tempo. 
 Então, o art. 421 deve ser interpretado da maneira mais ampla possível. 
Essa função social do contrato, esse limite a autonomia de vontade tem que 
abranger toda a vida do contrato desde as suas tratativas. 
 O art. 422 é o da boa-fé contratual. Olhem a expressão: os 
contratantes são obrigados, o legislador não fala aconselhados, eles são 
obrigados, e se são obrigados é regra cogente. É cláusula geral, a boa-fé passa 
a ser cláusula geral dos contratos. Ora, se é cláusula geral, o juiz pode 
 
 
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perfeitamente mergulhar no contrato a pedido de uma das partes para aferir 
o comportamento da outra, para verificar se está sendo um comportamento 
honesto. E quando se fala em boa-fé contratual, nós não estamos apenas nos 
referindo a transparência de intenções, nós estamos nos referindo também 
às equações econômicas, ou seja, um homem honesto não se sente confortável 
em retirar do contrato um lucro demasiadamente exagerado em detrimento 
da outra parte, um homem honesto irá querer uma equação econômica justa, 
em que ambos retirem benefícios do contrato. Isso também está implícito 
na idéia de boa-fé objetiva: margens de lucros razoáveis para ambas as posse, 
a transparência, a lealdade, uma margem de lucro razoável para ambas as 
partes, tudo isso está implícito no conceito dessa boa-fé contratual. 
 
Art. 422. Os contratantes são obrigados 
a guardar, assim na conclusão do 
contrato, como em sua execução, os 
princípios de probidade e boa-fé. 
 Uma interpretação literal nos levaria à conclusão de que você só 
precisa da boa-fé na conclusão do contrato ou na execução. Só que hoje, 
principalmente depois do código do consumidor, a boa-fé é muito mais ampla, 
ela vem desde as tratativas, da fase pré-contratual e pós contratual. 
 Agora, é claro que os juízes não são ingênuos, eles vão interpretar isso 
da maneira mais ampla, e essa boa-fé tem que estar presente desde a fase 
pré-contratual até pós-contratual, isso é óbvio. Então, a boa-fé vai começar 
na proposta, nas tratativas, na publicidade, na oferta, e ainda depois de 
cumprido o contrato. Por exemplo, você pode ter cumprido um contrato, você 
se desligou da outra parte, o contrato se extinguiu, mas se no curso do 
 
 
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contrato você tomou conhecimento, por exemplo, de segredos do outro 
contratante, de peculiaridades do outro contratante, você não pode divulgá-
lo somente porque você já cumpriu o contrato. Não é assim. Você tem que ter 
boa-fé com o outro contratante, mesmo depois de cumprido o contrato. O 
código do consumidor nos dá um exemplo disso. Lá tem um dispositivo que diz 
que, se o fornecedor retirar da linha de produção um determinado produto, é 
obrigado a, dentro de um prazo razoável, continuar a fornecer peças de 
reposição. 
 Isso é um exemplo de boa-fé pós-contratual. Então demos dois 
exemplos: o do CDC e aquele que deve manter segredo mesmo após o contrato 
cumprido. 
 Exemplo de coisas que ferem a boa-fé. Propaganda enganosa, uma 
proposta nebulosa, dúbia, ou redigida com palavras técnicas, que não 
permitam ao contratante perceber seu verdadeiro significado. 
 Os art. 423 e 424 são novíssimos. Por que se referem ao contrato de 
adesão, e o código anterior não contém uma palavra sequer ao contrato de 
adesão, mas por uma razão óbvia. Em 1896, quando o Beviláqua entregou o 
projeto do código ao governo eram raríssimos e quase desconhecidos dos 
contratos de adesão. Naquela época, os contratos eram paritários, vale dizer, 
ambos os contratantes gozavam da mesma liberdade para formular o 
contrato, não havia essa ideia de uma proposta impressa não modificável. 
 Os contratos de adesão só surgiram em razão de uma consequência 
inevitável da massificação da economia. A revolução industrial teve uma 
consequência da história da humanidade muito maior do que muitos imaginam, 
criou-se uma sociedade de massa, em que há um consumo em massa, e para 
atender a esse consumo em massa foi preciso produzir em massa. Numa 
 
 
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sociedade de produção em massa, consumo em massa e distribuição em massa 
tinha que contratar em massa. Não há mais tempo para se sentar em uma 
mesinha e discutir as cláusulas do contrato, a economia não permite mais isso. 
É feito um contrato igual para todos, cujas condições não podem sermodificadas pelas partes. 
 Então, o contrato de adesão é uma consequência inevitável da 
massificação da economia, e talvez um dos reflexos mais perversos da 
massificação da economia. É claro, as lesões individuais do passado hoje 
foram substituídas pelas lesões coletivas. Por isso é que foi preciso substituir 
as ações individuais do passado, em que um único titular do direito subjetivo 
violado ingressava em juízo para restaurá-lo, essas ações vão desaparecer no 
futuro. Essa foi uma previsão de Capeletti, ele disse isso em seu livro, ele as 
chamou de ações “átomos”, em que há um único titular do direito subjetivo, e 
vão ser substituídas pelas ações “moleculares”, que são as ações públicas, são 
os direitos difusos, os direitos coletivos. Não há mais como o judiciário 
receber essas ações pulverizadas. As lesões hoje são em tal número, e 
atingindo tantas pessoas ao mesmo tempo. 
 Então, os arts. 423 e 424 vieram a atender a esse novo tempo, de 
contrato de adesão, é incrível não falar neles em pleno século XXI, quando 
eles são hoje a maioria dos contratos. Vocês já repararam que hoje 
praticamente todos os contratos de consumo são por adesão? Todos os 
serviços públicos dos quais dependemos para sobreviver hoje são de adesão: 
luz, água, gás, seguro etc. Alguém tem condições de discutir com a Empresa 
Fornecedora de Energia as condições de distribuição de energia elétrica? 
Não. Nós somos autômatos, chegamos ao ponto de simplesmente assinar onde 
está o X. Não adiante você falar: mas eu sou advogado, 
desembargador...Ministro do SFF e sei lá mais o quer e dizer que “quero ler 
 
 
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o contrato”. Você pode ser esse povo todo, vai assinar onde está o X no 
contrato. Então, dentro desse clima é lógico que o novo código tinha que 
inserir algumas regras acerca do contrato de adesão, só que foram muito 
poucas, por isso que eu digo que o novo código nasceu requentado, e por isso 
que muita gente o crítica, mas não percebem às vezes a injustiça da crítica, 
porque nós estamos interpretando esse código pela ótica de 2018, e sabemos 
que ele é o resultado de um projeto de 1969. Temos que ser um pouco 
condescendentes com seus autores. Se fosse hoje o código seria diferente, 
e por isso que só tem dois dispositivos sobre o contrato de adesão. Mas 
naquela época o legislador achou que esses dois artigos já mitigariam os riscos 
dos contratos de adesão. 
 E quais são esses riscos? Se o contrato de adesão nasce de uma 
proposta imutável, rígida, que não pode ser alterada pelo oblato, é muito 
comum que o proponente insira nessa proposta condições que lhe sejam 
favoráveis e prejudiciais ao aderente. Se eu é que estou estabelecendo as 
condições do contrato, há uma tendência humana de fazê-lo de uma maneira 
que mais me favoreça. 
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão 
cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-
á adotar a interpretação mais favorável ao 
aderente. 
 Veja só um mecanismo de proteção ao aderente. Se o juiz puder 
extrair de um contrato de adesão duas ou mais interpretações, ele vai 
preferir a que mais favorecer ao aderente. Agora, inverte-se o papel, pois o 
proponente é que vai ter que ter muito cuidado para redigir o contrato de 
maneira clara, transparente, para não correr o risco de ter uma interpretação 
contra ele. daí a importância do dispositivo. Essa é uma regra de 
 
 
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interpretação que está no novo código, e que era absolutamente silente o 
anterior. 
Art. 424. Nos contratos de adesão são nulas as 
cláusulas que estipulem a renúncia antecipada 
do aderente a direito resultante da natureza do 
negócio. 
 Isso é muito importante também porque se percebeu que os contratos 
de adesão eram cheios de renúncias prévias. Era um festival de renúncias, e 
sempre do aderente. E isso era extremamente prejudicial ao aderente, pois 
ele ia reclamar um direito, e se dizia: mas você renunciou a esse direito. 
Então, agora isso acabou, porque o art. 424 diz que são nulas essas renúncias 
prévias inerentes a direitos inerentes à natureza do contrato. 
 Veja. O código do consumidor foi muito mais além, porque ele criou um 
capítulo exclusivo para os contratos de adesão, com regras muito mais 
importantes. Lá no código do consumidor também diz que os contratos de 
adesão têm que ser redigidos de maneira clara, um tipo de leitura confortável. 
 Então, o CDC veio a regulamentar tudo isso, o tamanho da letra, os 
termos técnicos tem que ser esclarecidos, tem que ser uma leitura 
confortável. 
 O código do consumidor tem um artigo, e que não aparece no código 
civil, que diz que nos contratos de adesão, nas cláusulas restritivas de direitos 
do aderente, que aliás, não há nenhum mal em se colocar uma cláusula 
restritiva de direitos, faz parte da liberdade de contratar, mas, por exemplo, 
nos contratos de seguro, é inerente ao contrato do seguro determinadas 
restrições dos riscos, diz que não cobrem tal risco, tal doença, é 
perfeitamente possível. Só que, essas cláusulas restritivas vinham sempre 
 
 
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escondidas, e aí a letra era menor ainda. Agora não. o código de consumo diz 
que as cláusulas restritivas dos direitos dos aderentes têm que vir em 
destaque, ou em negrito. 
 Então, é possível colocar uma cláusula restritiva a direito num contrato 
de adesão, mas em destaque para que o aderente perceba a restrição ao seu 
direito. 
 Mas eu não tenho a menor dúvida que os juízes que realmente se 
interessarem a aplicar esse novo código conforme os ideais de que lhes 
inspiraram, eles ampliarão essas regras, é claro. E por quê? Porque eles podem 
ampliar com base no art. 422, vale dizer, homens de boa-fé procurarão fazer 
as suas propostas dentro dos princípios de igualdade, equilíbrio, de 
transparência, de lealdade. Então, o art. 422 por ser uma cláusula geral vai 
permitir que sejam ampliados esses dispositivos nos artigos 423 e 424, 
aproximando-se das regras do código do consumidor. 
 É claro que nós vamos ter juízes que serão mais legalistas, dizendo que 
essa regra não está no código civil, portanto, as do código do consumidor 
somente serão aplicadas às relações de consumo, e não sendo relação de 
consumo não se aplica. Daí a importância do art. 421 e 422, porque como eles 
são cláusulas abertas, elas vão permitir que você imbuta todos esses 
conceitos. 
 Ah, mas aqui não diz que eu tenho que colocar em destaque uma cláusula 
restritiva. Realmente não, mas diz no artigo 422, e isso é boa-fé. Vale dizer, 
o contratante de boa-fé adverte o outro contratante de que há uma restrição 
ao seu direito. 
 
 
 
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Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos. Até aqui 
desde que os contratos foram inventados isso sempre foi possível. 
 Até aqui nada de anormal, isso sempre foi possível, eis que jamais houve 
a menor restrição em relação à celebração de contratos atípicos. Os 
estipulantes sempre estiveram autorizados a celebrar contratos atípicos. 
Art. 425. ........observadas as regras gerais fixadas neste código. 
 Isso foi uma espécie de seguro contra a criatividade dos advogados. 
Porque como esse código mudou completamente os princípios fundamentais 
dos contratos, criou novos paradigmas, os advogados, que tem uma capacidade 
criativa inigualável, iam criar novas fórmulas, e dizer que esse contrato é 
inteiramente diferente, e assim sendo, não se aplicam essas regras. Esse 
artigo então é uma espécie de seguro contra a criatividade dos advogados, é 
como se o legislador dissesse: criem os contratos que quiserem, elaborem as 
fórmulas mais extraordinárias de contrato, façam o que quiserem em termos 
de contratos,agora, os princípios fundamentais desse código têm que estar 
presentes. E quais são os princípios fundamentais? Função social, boa-fé, 
transparência etc. Foi isso que o artigo 425 quis dizer. Não há fórmula 
contratual que possa se afastar desses valores. Essa é a interpretação do art. 
425. 
 O juiz diante de um contrato novo, diante de um contrato se ele nunca 
viu na vida, ele vai ver se estão presentes os princípios fundamentais do 
código. Ele vai ver se a boa-fé admite esse comportamento, esse contrato 
tem uma função social, etc. agora, se faltar um desses princípios fulmina. É 
mais uma restrição à liberdade de contratar, quer dizer, a autonomia da 
vontade também está aqui limitada. Vocês podem criar os contratos que 
quiserem, mas esses princípios fundamentais têm que ser obedecidos. 
 
 
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 E finalmente, esse capítulo I das disposições gerais se encerra com o 
art. 426, que é a reprodução do art. 1089, e não houve nenhuma mudança. 
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a 
herança de pessoa viva. 
 O contrato que tem por objeto a da herança de pessoa viva é 
profundamente imoral. A uma, porque você não teria como garantir a sua 
exequibilidade, pois se a pessoa ainda está viva, como é que você pode saber 
se quer dizer ela morrer aquela herança ainda existirá? Então, como você 
pode vender antecipadamente o seu quinhão hereditário? 
 Outro argumento. Se você celebra um contrato tendo por objeto uma 
herança que ainda é de pessoa viva, você pode começar a desejar a morte o 
mais rápido possível do autor da herança, e pode ainda matar o mesmo. 
 Por isso se proíbe tradicionalmente o contrato de herança de pessoa 
viva. Mas esse dispositivo tem que ser interpretado inteligentemente, e isso 
mostra o risco da interpretação literal. 
 O contrato sobre de herança de pessoa vida só é nulo quando é de 
iniciativa do herdeiro sem o conhecimento do autor da herança. Por exemplo, 
o filho resolve vender a um estranho o quinhão hereditário que espera 
receber quando os pais morrer. Isso é nulo. Mas quando o contrato é de 
iniciativa do autor da herança não há nada que impeça, além do mais esse 
contrato já está produzindo efeitos imediatos, pois com a doação já se 
transferiu a propriedade. Então, ó é nulo o contrato que tem por objeto 
herança de pessoa viva quando ele é feito à revelia do autor da herança, sem 
o seu conhecimento, ou seja, por iniciativa do herdeiro. Quando, ao contrário, 
 
 
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a iniciativa for do autor da herança, que antecipa a partilha ainda em vida, 
não há nada que o fulmine de nulidade. 
 Fácil, viu...rsrs

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