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Introdução à Montagem Cinematográfica

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1.1 Introdução à edição/montagem 
Aula baseada no capítulo 2 do livro a Estética do Filme de Jacques Aumont 
• O cinema nasceu como uma arte da organização e da combinação em todos os sentidos. Não há como 
estudar cinema sem estudar a montagem como uma “noção central em qualquer teorização sobre o 
fílmico”. 
• A montagem de filmes é uma função onde é necessário um desenvolvimento técnico e sensorial 
sobre a capacidade de fazer filmes. Técnico, porque é necessário que o montador tenha relação com a 
tecnologia para desempenhar sua função. Ele precisa da tecnologia, seja ela qual for, e de ferramentas 
para desempenhar seu trabalho. Não há como editar um filme apenas com papel e caneta. É 
necessário contato com as imagens técnicas e com a técnica. Por outro lado não é um trabalho 
apenas técnico, pois envolve uma grande necessidade de conhecimento sobre a narrativa e o fazer 
estético do cinema. É algo que envolve repertórios sensoriais e técnicos. A montagem nasceu a partir 
da lógica da divisão do trabalho de fazer filmes e era algo acessório até a descoberta de sua 
importância para a continuidade de uma narrativa. Muitas vezes, a montagem continua sendo pensada 
como parte de uma divisão do trabalho. 
A definição restrita da montagem 
• A noção clássica de montagem presente nas primeiras teorizações de escopo técnico prevê o 
desenvolvimento de três fases distintas: 
o Seleção Uma seleção do material bruto que será aproveitado no filme com o desenvolvimento 
do primeiros cortes. 
o Agrupamento O agrupamento dos planos, fragmentos e sintagmas selecionados a partir de 
uma certa ordem onde se obtém uma “primeira continuidade” ou o “copião”. 
o Junção A determinação em nível mais preciso do comprimento exato que convém dar a cada 
plano e os raccords entre esses planos 
• Este processo tradicional de montagem determina dois dados sobre a atividade de editar/montar filmes, 
a partir de uma definição mais “restrita” como coloca Aumont. O objeto(1) sobre o qual se exerce a 
montagem que são os planos e as modalidadesde ação(2) da montagem que é a organização e o 
estabelecimento de duração aos planos. 
• Quanto aos objetos da montagem: além dos planos, constituem objetos da montagem objetos 
fílmicos de duração maior que a do plano como os sintagmas: quando há a sucessão de grandes 
unidades narrativas enunciadas por Christian Metz como “segmentos” ou “grandes sintagmas”. Assim 
como podem ser aplicadas aos fragmentos de planos: partes que são inferiores ao tamanho dos 
planos, dependendo de sua duração ou configuração visual, quando a montagem acontece dentro dos 
próprios planos previstos pelos movimentos de câmera e continuidades específicas. 
• Quanto as modalidades da montagem: se refere a organização dos elementos do filme, de acordo com 
critérios de justaposição, organização e fixação da duração. 
A definição ampliada da montagem 
• Há também uma definição ampliada da montagem que foge um pouco à base empírica fornecida pela 
prática tradicional dos montadores, tal qual vimos acima e considera outros dados a partir da teoria do 
cinema. Christian Metz, por exemplo, nos diz que a montagem “é a organização combinada das co-
ocorrências sintagmáticas na cadeia fílmica” que distingue três modalidades de manifestação dessas 
relações: (a colagem, o movimento de câmera e a co-presença de vários motivos em um mesmo plano). 
• Para entender essa definição ampliada é importante compreender as funções que a montagem 
desempenha no desenvolvimento do cinema, a partir da idéia de que ela afeta um “certo número de 
objetos fílmicos” sobre três finalidades. 
• Antes de entrar em definições mais sistemáticas é interessante observar que tudo o que se pensou 
sobre a montagem tem uma grande carga empírica das experiências dos primeiros cineastas (Meliès) e 
dos primeiros montadores/diretores (Edwin Porter e David Grifith) que estabeleceram como função 
 
principal a libertação da câmera. A montagem passa, empiricamente, a ter como função principal seu 
papel narrativo de organizar a história para que o expectador possa fazer o jogo de relações simbólicas 
entre os planos. 
• Há funções mais aprofundadas, no entanto, que partem da teoria do cinema e colocam não apenas a 
função da montagem a partir de seu uso pragmático, como também a partir dos efeitos da montagem 
sobre a narrativa “a colocação de dois elementos fílmicos que acarretam a produção de um efeito 
específico que cada um desses elementos, isoladamente, não produz” (p. 66). Aumont elenca três 
funções 
o Sintática que parte da tradição empírica de organizar o filme e define os raccords possíveis em 
uma narrativa ou também efeitos de disjunção ou alternância (à moda eisensteiniana). 
o Semântica a mais importante que parte da necessidade de atribuir sentidos às imagens, seja a 
partir de uma estrutura linear e denotada, como a necessidade de estabelecer o início, meio e 
fim para o expectador até a produção de sentidos conotados quando a montagem pretende-
se aberta ao sentido para o estabelecimento causalidade, paralelismos, comparações. 
o Rítmica que foi a primeira a ser reconhecida a partir da relação entre som e imagem, com o 
advento do cinema sonoro. O primeiro apresenta-se a partir da sobreposição e combinação de 
ritmos totalmente heterogêmeos, são eles: temporais que se instauram na trilha sonora e os 
plásticos a partir da organização das superfíceis do quadro, em termos de linguagem visual. 
• Segundo Aumont a idéia de escrever tipologias para a montagem é bastante antiga e traduziu-se pela 
elaboração de planilhas (grades de montagem). Como um catálogo de “receitas” destinas a alimenta a 
prática da realização de fimes (Balázs: ideológica, metafófica, poética, alegórica, intelectual, rítmica, 
formal e subjetiva Pudovkin: antítese, paralelismo, analogia, sincronismo, leimotiv Eisenstein: métrica, 
rítmica, tonal, harmônica, intelectual). 
Ideologias da montagem 
• A noção de montagem é um local de desafio e “confrontos extremamente profundos e duráveis 
entre duas concepções radicalmente opostas do cinema”. O desenvolvimento do pensamento sobre 
a montagem desenvolve não apenas um caminho técnico sobre a apropriação das imagens, mas têm 
profunda relação com a forma que a prática cinematográfica é compreendida. Tal como toda prática 
cultural está submetida a jogos de negociação e conflito. 
• De um lado há um viés teórico que considera a montagem como o elemento essencial do cinema, 
especialmente a partir da tradição cinematográfica soviética e os filmes dos anos 1920 com a 
expressão “montagem-rei”. E por outro lado há o oposto da desvalorização da montagem enquanto tal e 
na sua submissão à representação real do mundo. Há desta forma duas grandes correntes ideológicas 
na montagem que até hoje continuam influenciando sobre a forma como é compreendido o cinema e 
sua função. 
• André Bazin e a transparência: mesmo não se constituindo um líder a partir de seu pensamento, 
André Bazin constitui um percurso teórico consistente em afirmar que a vocação ontológica do cinema é 
a produção do real e que era necessário que as cenas tivessem certa ambigüidade própria: “é 
necessário que o imaginário tenha na tela a densidade espacial do real. A montagem nela só pode ser 
utilizada em limites precisos, sob pena de atentar contra a própria ontologia da fábula cinematográfica”. 
• Bazin escreveu um texto chamado “A montagem proibida” onde coloca que a ambigüidade é uma 
riqueza quando o resultado do evento for imprevisível, a partir de como as coisas acontecem 
“realmente”. O filme precisa mostrar os eventos representativos e não deixar de ver a si mesmo como 
filme. 
• A noção de raccord aplica-se a concepção de cinema de André Bazin porque constitui-se em uma 
“impressão de continuidade e homogeneidade” do filme. Como por exemplo o campo/contracampo, 
quando um gesto inicia em um plano etermina em outro plano, etc. Para Bazin não há montagem sem 
raccord e um exemplo caro ao teórico é a cinematrografia de Orson Welles com o uso de profundidades 
de campo e planos-seqüencia, forçando o filme a se tornar “real”. Essa idéia pode ser definida como 
uma obsessão pela continuidade. 
 
• Por outro lado, há uma corrente teórica que é exatamente contrária ao realismo ao rejeitar a idéia de 
não-intervenção sobre a imagem. Atribui-se a esse real um sentido eminentemente ideológico e 
interpretativo que faz com que as imagens sempre tenham certo “engajamento” e representem um olhar 
ideológico do mundo, no sentido althrusseriano. Trata-se do cinema soviético e o trabalho dos grandes 
cineastas russos (Pudovkin, Eisenstein, Vertov, Dohvzenko) sobre tudo Sergei Eisenstein e sua extensa 
literatura sobre a teoria da montagem. 
• Montagem é discurso articulado: nesta concepção de montagem estão claramente presentes 
elementos da dialética marxista que compreendem o filme como um discurso articulado a partir do 
materialismo dialético e histórico e toda a crença que acompanha a revolução russa, Lenin, e os jovens 
cineastas da época. 
• Eisenstein chama os componentes da montagem de fragmentos e dá, a partir disso, uma função 
específica para seu desenvolvimento no cinema a partir de cortes muito rápidos que “fulminam a 
ambigüidade das imagens”, a priori não dão espaço para múltiplas interpretações de seus filmes. O 
fragmento então tem uma primeira função sintática de organizar o sentido das coisas e também uma 
materialidade específica. 
• Outra noção importante na obra eisensteiniana é a idéia de conflito, também pensada a partir do 
materialismo dialético e a idéia de que uma tese sempre deveria ser sucedida de uma antítese. Esse 
conflito não era apenas dramático, mas também plástico nas cenas. A montagem como “uma idéia que 
nasce do choque entre dois fragmentos indepententes (...) gráfico, superfícies, volumes, espacial, 
iluminações, ritmos, etc.”

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