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Introdução a Lógicas modais
∗
8 de agosto de 2014
Sumário
1 Conceitos preliminares 1
1.1 A linguagem modal básica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Mais um pouco sobre possibilidade e necessidade . . . . . . . . . . 6
2 Um sistema modal simples: S5 11
2.1 Semântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Validade e consequência lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Testando validade e consequência lógica . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3.1 Alguns exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1 Conceitos preliminares
Há vários tipos de lógicas modais, que dão conta de noções como tempo, crença,
conhecimento e obrigação (respectivamente chamadas de lógicas modais tempo-
rais, doxásticas, epistêmicas e deônticas). Mas o tipo mais tradicional, abordado
na maior parte dos cursos e livros introdutórias, e que também será nosso tópico
inicial, é sem dúvida a lógica modal alética, que dá conta das noções de necessi-
dade e possibilidade. A palavra �alética� tem origem na palavra grega alétheia,
que significa verdade. As lógicas modais aléticas dizem respeito aos modos de
verdade das sentenças. Nessas lógicas, a ideia básica é que uma sentença não é
apenas verdadeira ou falsa, mas também contingentemente verdadeira ou con-
tingentemente falsa, necessariamente verdadeira ou necessariamente falsa.
Alguns exemplos vão nos ajudar a entender o que são os modos de verdade.
Considere as sentenças a seguir:
(a) Não está chovendo.
(b) O rei do Brasil é barbudo.
∗
Texto didático escrito por César Frederico dos Santos para uso na especialização em
Filosofia da UFMA. Baseado em notas de aula do prof. Cezar Mortari/UFSC e em GIRLE,
Rod. Modal Logics and Philosophy. McGill-Queen's University Press, 2000.
1
(c) Todo psiquiatra é médico.
(d) Chove ou não chove.
(e) Existe um círculo quadrado.
Essas sentenças são verdadeiras ou falsas? Analisemos a sentença (a). Como
aqui e agora não está chovendo, podemos dizer que a sentença (a) é verdadeira.
Isso está correto, mas nossa análise pode ir mais longe. Sabemos que em outro
lugar pode estar chovendo agora, e então lá (a) é falsa. Assim como pode ser que
venha a chover em breve aqui, tornado-a falsa aqui. Portanto, a sentença (a) não
é simplesmente verdadeira ou falsa. Podemos dizer que ela é contingentemente
verdadeira (verdadeira em algumas circunstâncias, mas falsa em outras).
Com a sentença (b) se passa algo semelhante. Ela é falsa, porque o Brasil
nem tem rei, mas bem poderia ser verdadeira, se o Brasil tivesse rei. Aliás, ela
já foi verdadeira no passado (lembre de D. Pedro II). Ela é, portanto, contin-
gentemente falsa (falsa em algumas circunstâncias, mas verdadeira em outras).
Com as sentenças (c) e (d) se passa algo diferente. Ambas são verdadeiras
aqui e agora e não têm como ser falsas, em nenhuma circunstância. A sentença
(c) não pode ser falsa porque sua verdade decorre apenas do significado de
seus termos, ela é uma sentença analítica. A sentença (d) não pode ser falsa
porque ela é uma instância de uma tautologia (a∨¬a). Ambas as sentenças são
necessariamente verdadeiras (verdadeiras em todas as circunstâncias).
Por fim, a sentença (e) é obviamente falsa e nunca deixará de ser, pois não
existe nem pode existir um círculo quadrado. Ela é necessariamente falsa (falsa
em todas as circunstâncias).
Veja que classificamos as sentenças acima em quatro grupos: necessariamente
verdadeiras, contingentemente verdadeiras, contingentemente falsas e necessari-
amente falsas. Além disso, podemos dizer que a sentença (e), necessariamente
falsa, é claramente impossível. Já as sentenças (a) e (b) são claramente possíveis,
i.e., podem ser verdadeiras. Também podemos dizer que (c) e (d) são possíveis
(elas não só podem ser verdadeiras como de fato são necessariamente verdadei-
ras). As relações entre todos estes conceitos (verdade, falsidade, contingência,
necessidade, possibilidade) é dada na Figura 1.
As noções de necessidade e possibilidade não servem somente para classificar
sentenças quanto a seu modo de verdade. A presença em sentenças dessas
palavras ou de suas expressões equivalentes também produz modificações nos
valores de verdade das sentenças em que ocorrem e nas suas consequências
lógicas. Vejamos mais alguns exemplos:
(f) É possível que neve se fizer frio de zero grau.
(g) É necessário que neve se fizer frio de zero grau.
Note que, considerando nossos conhecimentos sobre o clima na Terra, pode-
mos aceitar que a sentença (f) seja verdadeira e que a sentença (g) seja falsa.
Se fizer frio, pode nevar, mas não é necessário que neve, pois para nevar deve
2
Figura 1: Possibilidades e impossibilidades de verdade.
possíveis impossíveis
contingentes
VERDADEIRAS FALSAS
n
e
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F
n
e
c
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a
m
e
n
t
e
F
haver também umidade em precipitação na atmosfera. Assim, apenas a troca
de �possível� por �necessário� de (f) para (g) modifica o valor de verdade. Agora
considere estes dois exemplos:
(h) Necessariamente, todo gato é branco.
(i) Possivelmente, todo gato é branco.
Suponha que Miau seja um gato. Da sentença (h) podemos concluir que
Miau é branco, pois é necessário que todo gato seja branco. Da sentença (i), po-
rém, não podemos concluir o mesmo. A sentença (i) somente diz que é possível
que todo gato seja branco, mas bem pode acontecer de não ser assim. Nova-
mente, apenas a troca de �possível� por �necessário� de (h) para (i) interfere nas
consequências lógicas que podemos deduzir delas.
Essas considerações mostram que os conceitos de possibilidade e necessidade
exercem funções lógicas importantes, inclusive sobre a relação de consequência
lógica entre premissas e conclusão de argumentos. De fato, usamos essas noções
em argumentos constantemente. Veja um exemplo:
(A) Para que um carro vá de São Luís a Florianópolis em um dia, é neces-
sário manter velocidade média mínima na estrada de 149 km/h. Mas,
como não é possível para um carro manter velocidade média mínima de
149 km/h em nossas estradas, não é possível ir de carro de São Luís a
Florianópolis em um dia.
3
Uma análise adequada da validade desse argumento deve levar em conta os
conceitos de necessidade e possibilidade. O objetivo da lógica modal alética é
justamente dar conta da análise lógica de argumentos envolvendo esses conceitos.
As lógicas modais contemporâneas foram apresentadas inicialmente � C. I.
Lewis (1883-1964) foi um dos pioneiros nessa área � como sistemas axiomáticos.
Mais tarde, por volta dos anos de 1950, um grupo de lógicos, com destaque para
Saul Kripke, desenvolveu uma abordagem semântica para os sistemas de Lewis
em termos da noção de mundos possíveis.
A ideia é muito simples e bastante intuitiva. Ela parte da intuição de que,
apesar de o mundo ser do modo como o conhecemos, é concebível que ele fosse
diferente. Como do ponto de vista estritamente lógico não há impedimento
para isso, aceitamos que há vários mundos possíveis e que nós vivemos apenas
em um dentre os vários possíveis. Obras de ficção descrevem outros mundos
possíveis, alguns muito parecidos com o nosso, outros muito diferentes. Além
disso, temos a liberdade de imaginar tantos mundos possíveis quantos quisermos.
Por exemplo, há um outro mundo possível cuja única diferença com relação a
este é o fato de esta frase terminar com um ponto de exclamação em vez de um
ponto final.
Neste mundo, certas sentenças têm um valor de verdade determinado; mas
em outros mundos, elas podem ter valoresde verdade diferentes. Por exemplo,
neste mundo a sentença �Brasília é a capital do Brasil� é verdadeira. Mas em
outro mundo possível, a capital do Brasil pode ter continuado em Salvador, e
por isso naquele mundo a mesma sentença é falsa. Algumas sentenças, porém,
serão verdadeiras em todos os mundos, como por exemplo a sentença �Chove ou
não chove�.
Em um mundo, o valor de verdade de sentenças em que ocorrem �necessaria-
mente� e �possivelmente� será determinado em função do valor de verdade assu-
mido nos outros mundos pelas sentenças qualificadas de necessárias ou possíveis.
Assim, em uma lógica como S5 � o primeiro sistema modal que estudaremos
� a sentença �Possivelmente Brasília é a capital do Brasil� será verdadeira se
houver pelos menos um mundo possível no qual a sentença �Brasília é a capital
do Brasil� for verdadeira. Já a sentença �Necessariamente chove ou não chove�
será verdadeira se em todos os mundos a sentença �Chove ou não chove� for
verdadeira.
Em nossos estudos, veremos várias lógicas modais diferentes, podendo variar
de uma para outra os critérios de determinação do valor de verdade das sentenças
com operadores modais. As examinaremos tanto pela abordagem axiomática
quanto pela abordagem semântica dos mundos possíveis, mas enfatizaremos
sobretudo esta última.
Exercício 1.1. A partir de seu conhecimento do mundo e da discussão prece-
dente, diga se as sentenças abaixo são necessariamente verdadeiras, necessaria-
mente falsas, contingentemente verdadeiras ou contingentemente falsas.
a) O sol nascerá amanhã.
b) Todo solteiro não é casado.
4
c) Felisberto é solteiro e não é casado.
d) Clotilde muda de lugar mas não sai do lugar onde estava.
e) Nada pode se mover mais rapidamente que a luz.
1.1 A linguagem modal básica
Como sabemos, o CPC não dispõe de símbolos para representar os conceitos
lógicos de possível e necessário. Para dar conta desses conceitos, as lógicas
modais proposicionais aléticas estendem a linguagem do CPC pelo acréscimo
de dois novos operadores unários a ela. Para p representando uma sentença
qualquer, temos:◻p é necessário p
necessariamente, p
tem que ser o caso que p◊p é possível p
possivelmente, p
pode ser que p
Vamos trabalhar com vários sistemas de lógica proposicional modal alética,
mas todos eles compartilharão a mesma linguagem, a que chamamos de lingua-
gem modal básica e a representamos por LM . A definição de fórmula na LM
é igual à definição de fórmula na linguagem do CPC, exceto pelo acréscimo da
seguinte cláusula:
ˆ Se α é uma fórmula, então ◻α e ◊α são fórmulas.
Por exemplo, se p e q são letras sentenciais para, respectivamente, as sen-
tença �Brasília é a capital do Brasil� e �2+2=4�, a cláusula acima permite que
escrevamos:
a) ◊p para �Possivelmente Brasília é a capital do Brasil�;
b) ◻q para �Necessariamente 2+2=4�;
c) ◊(p ∨ q) para �Possivelmente, Brasília é a capital do Brasil ou 2+2=4�;
d) ◻◊p para �Necessariamente, possivelmente Brasília é a capital do Brasil�; e
assim por diante.
Exercício 1.2. Diga se as expressões abaixo são ou não fórmulas da LM .
a) ◻(p)
b) ◻(p↔ (p ∨ q))
c) ◻◊◻◊◻b
d) ◊(a ∧ ¬a) ∧◻(g ∧◊¬f)
e) (a ∨ b)
f) (◻(a ∨ b))
5
1.2 Mais um pouco sobre possibilidade e necessidade
Antes de entrarmos para valer no primeiro sistema modal que estudaremos, va-
mos exercitar um pouco mais os conceitos de possibilidade e necessidade bem
como a correta formalização na linguagem modal básica de sentenças e argu-
mentos em que eles aparecem.
Inicialmente, convém notar que as noções de possibilidade e necessidade
são relacionadas; tudo que é expresso com o conceito de necessidade pode ser
expresso com o conceito de possibilidade, e vice-versa, desde que se faça o devido
ajuste das negações. Por exemplo, dizer �necessariamente 2+2 é igual a 4� é
o mesmo que dizer �não é possível que 2+2 não seja 4�. Representando em
símbolos, se p é a sentença �2+2=4�, então ◻p é equivalente a ¬◊¬p. Podemos
ver essa e outras relações entre os conceitos de necessidade e possibilidade por
meio de uma adaptação do quadrado tradicional de oposições, como mostrado
na Figura 2.
Figura 2: Quadrado de oposições modal
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��
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◻p¬◊¬p ¬◊p◻¬p
¬◻p◊¬p◊p¬◻¬p
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contrárias
subcontrárias
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b
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s
Nos vértices do quadrado temos duplas de fórmulas que são equivalentes,
isto é, que dizem a mesma coisa. Veja:
ˆ Dizer necessariamente, p (◻p) é o mesmo que dizer não é possível não-p
(¬◊¬p);
ˆ Dizer possivelmente, p (◊p) é o mesmo que dizer não necessariamente,
6
não-p (¬◻¬p);
ˆ Dizer não necessariamente, p (¬◻p) é o mesmo que dizer é possível não-p
(◊¬p);
ˆ Dizer não é possível p (¬◊p) é o mesmo que dizer necessariamente, não-p
(◻¬p).
Nas diagonais do quadrado, temos as duplas de fórmulas que são contradi-
tórias, isto é, uma dupla é a negação da outra. Atenção a este ponto: a negação
de necessariamente, p (◻p), isto é, sua contraditória, é não necessariamente, p
(¬◻p), e não necessariamente, não-p (◻¬p). Esta última é sua contrária, mas
não sua negação. Algo similar vale para possivelmente, p (◊p); sua negação é
não é possível p (¬◊p), e não possivelmente, não-p (◊¬p). Preste atenção nas
demais relações do quadrado de oposições para afastar confusões semelhantes.
Dadas as equivalências apresentadas no quadrado de oposições, poderíamos,
se quiséssemos, incluir como símbolo primitivo da linguagem modal básica ape-
nas um dos operadores modais, introduzindo o outro posteriormente como uma
abreviação, assim: ◻p def= ¬◊¬p◊p def= ¬◻¬p
Não só são esses símbolos interdefiníveis, como também são capazes de ex-
pressar uma variedade de outros termos e expressões. Comecemos pelo termo
contingente, que usamos no início deste texto. Como vimos, uma sentença p é
contingente se às vezes ela é verdadeira e às vezes ela é falsa. Expressando essa
ideia precisamente na LM , fica assim:
p é contingente
def= ◊p ∧◊¬p
Quando duas sentenças podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, costuma-
mos dizer que elas são compatíveis; caso contrário, dizemos que são incompa-
tíveis. Para p e q proposições quaisquer, formalizamos esses conceitos na LM
assim:
p é compatível com q
def= ◊(p ∧ q)
p é incompatível com q
def= ¬◊(p ∧ q)
As noções usuais de contraditoriedade, contrariedade e subcontrariedade
(presentes no quadrado de oposições) podem ser expressas em termos do con-
ceito de possibilidade e, por conseguinte, podem ser representadas na LM . Note
que, se p e q são contraditórias, então p e q não podem ser ambas verdadeiras
nem ambas falsas. Se p e q são contrárias, elas não podem ser ambas verda-
deiras, mas podem ser ambas falsas. Se p e q são subcontrárias, elas podem ser
ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas. Expressando na LM , fica
7
assim:
p e q são contraditórias
def= ¬◊(p ∧ q) ∧ ¬◊(¬p ∧ ¬q)
p e q são contrárias
def= ¬◊(p ∧ q) ∧◊(¬p ∧ ¬q)
p e q são subcontrárias
def= ◊(p ∧ q) ∧ ¬◊(¬p ∧ ¬q)
Exercício 1.3. Expresse usando apenas o símbolo de necessidade as definições
de �p é contingente�, �p é compatível com q� e �p e q são contraditórias�.
Vejamos agora alguns exemplos de tradução da linguagem ordinária para a
LM . Consideremos o argumento (A), dado como exemplo na página 3. Sua
primeira premissa é:
Para que um carro vá de São Luís a Florianópolis em um dia, é
necessário manter velocidade média mínima na estrada de 149 km/h.
Para formalizá-la na LM , fazemos:
d = Um carro vai de São Luís a Florianópolis em um dia.
m = Um carro mantém velocidade média mínimana estrada de 149 km/h.
E então a primeira premissa, que é um condicional, fica assim:◻(d→m)
Note que o �necessário� age sobre o condicional, e não apenas sobre seu
consequente, como à primeira vista sugere a posição em que está a palavra
�necessário� na sentença em português. Isso porque não estamos afirmando a
necessidade de m, isto é, não estamos dizendo que necessariamente, um carro
mantém velocidade média mínima na estrada de 149 km/h. Estamos sim afir-
mando a necessidade do condicional: se o carro faz a viagem em um dia, então
mantém velocidade média mínima de 149 km/h. É o condicional que é neces-
sário, por isso ◻(d → m) e não (d → ◻m). Em outras palavras, o que está
sendo dito é que a verdade do antecedente necessariamente implica a verdade
do consequente.
Um outro exemplo vai tornar isso mais claro. Suponha que você vá ao
supermercado e veja um vinho importado; se você comprá-lo (c), tem que pagar
o preço da etiqueta (p). Isso não quer dizer que você é obrigado a pagar o preço
da etiqueta; você somente o pagará se quiser comprá-lo. O que é necessário é o
condicional, ◻(c → p), e não o pagamento. Se formalizássemos assim: c → ◻p,
isso significaria que, quando você comprasse o vinho, a sentença �tem que pagar
o preço da etiqueta� tornar-se-ia necessária, isto é, todos teriam que pagar pelo
vinho, independentemente de o comprarem ou não.
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Voltando à formalização do argumento (A), podemos representá-lo por com-
pleto assim: ◻(d→m)¬◊m
∴ ¬◊d
Um caso semelhante ao do posicionamento da necessidade na primeira pre-
missa do argumento (A) pode ser visto no modo como apresentamos argumentos
em geral. Muitas vezes posicionamos a expressão �tem que� ou outra equiva-
lente, com significado de �necessariamente�, imediatamente antes da conclusão.
Por exemplo:
(B) Se Miau é um gato, então Miau é um mamífero. Como Miau é um gato,
então ele tem que ser um mamífero.
Para formalizá-lo na LM , fazemos:
g = Miau é um gato.
m = Miau é mamífero.
Mas como fica o argumento na LM? O �tem que� está agindo sobre a conclusão,
como em (B
′
), ou sobre a relação de consequência lógica entre premissas e
conclusão, como em (B
′′
)?
(B′) g →m
g
∴ ◻m
(B′′) g →m
g
◻ ∴ m
Veja, o argumento não afirma que das premissas segue-se necessariamente,
Miau é um mamífero. O que está sendo afirmado é que das premissas necessa-
riamente segue-se que Miau é mamífero. Para deixar isso mais claro, podemos
parafrasear o argumento assim:
(B) Se Miau é um gato, então Miau é um mamífero. Como Miau é um gato,
necessariamente segue-se que Miau é um mamífero.
Com essa reformulação, fica claro que B
′′
é a representação correta do argu-
mento.
Exercício 1.4. Formalize na LM as sentenças abaixo usando g para �Tigre é
um gato� e indique o grupo em que todas são logicamente equivalentes.
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a) i. Necessariamente Tigre é um gato.
ii. Não é impossível que Tigre seja um gato.
iii. É impossível que Tigre não seja um gato.
b) i. Não é impossível que Tigre não seja um gato.
ii. Não é necessário que Tigre seja um gato.
iii. É possível que Tigre não seja um gato.
c) i. Possivelmente Tigre é um gato.
ii. Não necessariamente Tigre não é um gato.
iii. É necessário que seja falso que Tigre é um gato.
Exercício 1.5. Formalize na LM as sentenças abaixo usando a notação suge-
rida: c: Aiu é um cão; q: Aiu tem quatro patas; p: Aiu é preto; b: Aiu gosta de
bananas.
a) É impossível que Aiu não tenha quatro patas, mas é possível que goste de
bananas e seja preto.
b) Se Aiu gosta de bananas, então pode ser que ele não seja um cão.
c) Se Aiu é um cão, então necessariamente Aiu tem quatro patas.
d) Necessariamente, se Aiu é um cão ou gosta de bananas, então possivelmente
ele tem quatro patas.
e) Se não é necessário que Aiu não seja um cão, então necessariamente é possível
que Aiu seja um cão.
f) É necessário que seja possível que Aiu seja preto ou é impossível que ele
tenha quatro patas.
Exercício 1.6. Escreva as contraditórias e as contrárias das sentenças a seguir:
a) Possivelmente não choverá.
b) Necessariamente não choverá.
c) Não é possível que não chova.
d) Possivelmente choverá.
e) É impossível que chova.
Exercício 1.7. Formalize na LM o argumento abaixo, usando a notação suge-
rida: b: Os fatos foram claramente estabelecidos pelo detetive Brown; f: o álibi
de Ferdinando é aceitável.
Os fatos claramente estabelecidos pelo detetive Brown são incompa-
tíveis com a aceitação do álibi de Ferdinando. Os fatos foram cla-
ramente estabelecidos por Brown. Portanto, o álibi de Ferdinando é
inaceitável.
10
2 Um sistema modal simples: S5
Como mencionamos acima, a lógica modal contemporânea começou com C. I.
Lewis. Lewis apresentou cinco sistemas axiomáticos de lógica modal e nomeou-
os de S1 até S5 (Sistema 1 até Sistema 5). Dentre todos os sistemas modais com
semântica baseada em mundos possíveis, o sistema S5 de Lewis é o mais simples
e intuitivo. Isso faz dele um bom sistema para começar o estudo de lógicas
modais. Embora Lewis o tenha apresentado como um sistema axiomático, por
ora nos concentraremos em sua versão semântica. Mais à frente apresentaremos
os axiomas de S5.
2.1 Semântica
No CPC, a semântica da linguagem é dada apresentado-se uma valoração que
atribui a cada letra sentencial ou fórmula atômica um valor de verdade. Feito
isso, o valor de verdade de todas as fórmulas moleculares pode ser calculado de
acordo com as tabelas que definem as funções que interpretam cada conectivo
lógico. S5 é uma extensão do CPC. A linguagem de S5 é LM que, como vimos,
estende a linguagem do CPC. Por isso, em S5 continuaremos a ter valorações,
semelhantes às do CPC, mas com uma diferença crucial: o valor de verdade de
cada fórmula (seja atômica ou molecular) precisa ser relativizado a um mundo
possível. Por exemplo, se no CPC temos a cláusula:
v(¬α) = 1 sse v(α) = 0
no nosso sistema modal teremos uma cláusula um pouco mais complexa:
v(¬α) = 1 no mundo w sse v(α) = 0 no mundo w
onde w é um mundo possível qualquer.
Além disso, é claro, precisamos saber como calcular o valor de verdade das
fórmulas da LM em que ocorrem os operadores modais. A ideia intuitiva em S5
é a seguinte:
ˆ uma sentença é necessária se é verdadeira em todos os mundos possíveis;
ˆ uma sentença é possível se é verdadeira em pelo menos um mundo possível.
Uma semântica da LM é dada apresentando-se um modelo para ela. Um
modelo atribui a cada fórmula em cada mundo um valor de verdade determinado
com base nas ideias acima. Ao conjunto de todas as fórmulas da LM chamamos
de For. A definição de modelo é dada a seguir.
Definição (Modelo). Um modelo M para a LM é um par ordenado ⟨W,v⟩,
onde W é um conjunto não-vazio (o universo de mundos possíveis) e v é uma
valoração, ou seja, uma função de For ×W em {1,0}, tal que, para qualquer
w ∈W :
(a) v(⊺,w) = 1;
11
(b) v(–,w) = 0;
(c) v(¬α,w) = 1 sse v(α,w) = 0;
(d) v(α ∧ β,w) = 1 sse v(α,w) = v(β,w) = 1;
(e) v(α ∨ β,w) = 1 sse v(α,w) = 1 ou v(β,w) = 1;
(f) v(α → β,w) = 1 sse v(α,w) = 0 ou v(β,w) = 1;
(g) v(α↔ β,w) = 1 sse v(α,w) = v(β,w);
(h) v(◻α,w) = 1 sse para todo w′ ∈W , v(α,w′) = 1;
(i) v(◊α,w) = 1 sse para algum w′ ∈W , v(α,w′) = 1;
Nota-se pela definição que, para que um modelo de LM esteja completamente
especificado, basta que se forneça o universo de mundos possíveis, i.e., o conjunto
W , e que se atribua um valor de verdade para cada fórmula atômica em cada
w ∈ W . O valor de verdade de todas as demais fórmulas em cada mundo é
calculado de acordo com a definição.
Vejamos um exemplo. Seja M = ⟨W,v⟩ um modelo tal que:
W = {w1,w2,w3}
Isto é, no modeloM há apenas três mundos possíveis no universo. O próximo
passo é atribuir valores de verdade às fórmulas atômicas em cada mundo. Para
simplificar, consideremos apenas trêsfórmulas atômicas: p, q, r.
v(p,w1) = 0, v(q,w1) = 1, v(r,w1) = 0
v(p,w2) = 0, v(q,w2) = 1, v(r,w2) = 0
v(p,w3) = 1, v(q,w3) = 1, v(r,w3) = 0
Isso é suficiente para que M esteja completamente definido. Se quisermos
uma representação gráfica de M, temos a que é apresentada na Figura 3.
Agora, com base em M, podemos calcular o valor de verdade de qualquer
fórmula em qualquer um dos três mundos. Alguns exemplos:
ˆ v(p ∧ q,w1) = 0;
ˆ v(p ∧ q,w2) = 1;
ˆ v(p ∧ q,w3) = 1;
ˆ v(q → (p ∨ r),w1) = 0;
ˆ v(q → (p ∨ r),w2) = 0;
ˆ v(q → (p ∨ r),w3) = 1;
ˆ v(◻p,w1) = 0;
ˆ v(◻p,w2) = 0;
ˆ v(◻p,w3) = 0;
ˆ v(◻q,w1) = 1;
ˆ v(◻q,w2) = 1;
ˆ v(◻q,w3) = 1;
ˆ v(◻◻q,w1) = 1;
ˆ v(◊p,w1) = 1;
ˆ v(◊p,w2) = 1;
ˆ v(◊p,w3) = 1;
ˆ v(◻◊p,w2) = 1;
ˆ v(◊◊p,w3) = 1;
12
Figura 3: representação gráfica de M
M
w1
w2
w3
p q r
0 1 0
p q r
0 1 0
p q r
1 1 0
ˆ v(◊r,w2) = 0;
ˆ v(◻◊r,w3) = 0; ˆ v(◊◻◊r,w3) = 0;ˆ v(◻q → ◊r,w1) = 0; ˆ v(p→ ◊r,w3) = 0;ˆ v(◊(p→ ◊r),w3) = 1;
Perceba que se uma fórmula dos tipos ◻α e ◊α é verdadeira em um mundo
do modelo, então ela é verdadeira em todos os mundos do modelo. Do mesmo
modo, se for falsa em um mundo, é falsa em todos.
Além de ter um valor de verdade em cada mundo, uma fórmula tem também
um valor de verdade no modelo como um todo. Podemos diferenciar, portanto,
duas noções de verdade: a verdade local, isto é, a verdade de uma fórmula em
um mundo de um modelo, como definida anteriormente, e a verdade global, que
é definida como segue:
Definição (Verdade global ou verdade em um modelo). Uma fórmula α é ver-
dadeira em um modeloM, o que representamos porM ⊧ α, sse v(α,w) = 1 para
todo w ∈W .
Por exemplo, no modelo M do exemplo anterior temos:
ˆ M ⊧ ◻q ˆ M ⊧ r ∨ ¬r ˆ M /⊧ p ∧ ¬p
Exercício 2.1. Seja M um modelo tal que:
W = {w1,w2,w3,w4}
13
v(p,w1) = 1, v(q,w1) = 0, v(r,w1) = 1, v(s,w1) = 0
v(p,w2) = 1, v(q,w2) = 0, v(r,w2) = 0, v(s,w2) = 0
v(p,w3) = 1, v(q,w3) = 0, v(r,w3) = 0, v(s,w3) = 0
v(p,w4) = 1, v(q,w4) = 0, v(r,w4) = 1, v(s,w4) = 0
Calcule o valor de verdade das fórmulas abaixo em M:
a) ¬p→ q em w1
b) ¬◻(¬p ∧ q) em w4
c) ¬◊q em w3
d) ◊¬q em w2
e) ◊s ∨ r em w1
f) ◊s ∨ r em w2
g) ◊p ∧ (◻p ∧◊r) em w4
h) r → ◻(¬q¬s) em w2
i) ◊◻◊r em w4
j) ◊◻(◻p→ ¬s)
k) ¬◊¬s ∨ ¬◻¬◊¬◻¬s em w2
Exercício 2.2. Diga se as fórmulas verdadeiras do exercício 2.1 são apenas
verdades locais ou também verdades globais.
Exercício 2.3. Construa um modelo no qual todas fórmulas falsas do exercí-
cio 2.1 sejam verdadeiras.
2.2 Validade e consequência lógica
Todos os conceitos que apresentaremos a seguir já são conhecidos do CPC, mas
precisam ser redefinidos de modo a contemplar a noção semântica de mundos
possíveis. As definições a seguir valem para S5 mas podem precisar de modifi-
cações em outros sistemas modais que veremos à frente.
Definição (Fórmula válida). Uma fórmula α é válida sse, para todo modeloM
e para todo w em M, v(α,w) = 1.
Dito de outra forma, uma fórmula é válida se e somente se ela for verdadeira
em todos os mundos de todos os modelos. Essa definição também pode ser dada
em termos do conceito de verdade global: uma fórmula α é válida sse, para todo
modelo M, M ⊧ α. É evidente que todas as tautologias do CPC são fórmulas
válidas em S5. Como a interpretação dos conectivos lógicos proposicionais con-
tinua a mesma, as tautologias do CPC serão verdadeiras em todos os mundos
de todos os modelos. Note que para que S5 seja uma extensão do CPC, está
condição de fato deve ser atendida.
Antes dissemos que uma lógica é o conjunto de suas tautologias. Agora
podemos dizer que uma lógica é o conjunto de suas fórmulas válidas. Assim, S5
estende o CPC porque inclui todas as tautologias do CPC e, além disso, tem
mais outras fórmulas válidas propriamente suas. Na seção seguinte veremos
algumas dessas fórmulas válidas próprias de S5.
14
Definição (Contradição). Uma fórmula α é uma contradição sse, para todo
modelo M e para todo w em M, v(α,w) = 0.
Dito de outra forma, uma fórmula é uma contradição se e somente se ela for
falsa em todos os mundos de todos os modelos. Novamente, todas as contradi-
ções do CPC são contradições em S5.
Definição (Contingência). Uma fórmula α é uma contingência sse existe um
modelo M1 e algum mundo w1 em M1 tal que v(α,w1) = 1 e existe um modelo
M2 e algum mundo w2 em M2 tal que v(α,w2) = 0.
Dito de outra forma, uma fórmula é uma contingência se ela é verdadeira
em algum mundo de algum modelo e falsa em algum mundo de algum modelo.
Ou, de maneira mais simples, uma fórmula é uma contingência se não é nem
válida nem uma contradição. Mais uma vez e pelo mesmo motivo, todas as
contingências do CPC são contingências em S5.
Outras noções semânticas usuais podem ser definidas como segue.
Definição. Uma fórmula é satisfatível se for verdadeira em pelo menos um
mundo de algum modelo (i.e., se puder ser localmente verdadeira); é refutável
se for falsa em pelo menos um mundo de algum modelo; e é insatisfatível se for
falsa em todos mundos de todos os modelos.
Note que uma fórmula é insatisfatível se e somente se é uma contradição.
A exemplo do que aconteceu com o conceito de verdade, também teremos
duas noções de consequência lógica em S5, uma local e outra global. Vejamos
as definições.
Definição (Consequência lógica local). Seja Γ um conjunto de fórmulas e α
uma fórmula. Dizemos que Γ ⊧ α (α é consequência lógica local de Γ) sse,
para todo modelo M, para todo mundo w em M e para toda fórmula γ ∈ Γ, se
v(γ,w) = 1, então v(α,w) = 1.
Em outras palavras, α é consequência lógica local de Γ se e somente se, dado
um mundo qualquer de um modelo qualquer, se todas as fórmulas de Γ são
verdadeiras naquele mundo, então α é verdadeira naquele mundo.
Definição (Consequência lógica global). Seja Γ um conjunto de fórmulas e α
uma fórmula. Dizemos que Γ ⊧G α (α é consequência lógica global de Γ) sse,
para todo modelo M e para toda fórmula γ ∈ Γ, se M ⊧ γ, então M ⊧ α.
Em outras palavras, α é consequência lógica global de Γ se e somente se,
dada um modelo qualquer, se todas as fórmulas de Γ são verdadeiras naquele
modelo (verdade global), então α é verdadeira naquele modelo.
Um exemplo mostra que os dois conceitos são de fato diferentes:
p ⊧G ◻p mas p /⊧ ◻p
Isto é, ◻p é consequência lógica global de p, mas não é consequência ló-
gica local da mesma fórmula. É fácil ver que em todo modelo em que p for
15
globalmente verdadeira, ◻p também será globalmente verdadeira, pois sendo p
verdadeira em todos os mundos, ◻p também será verdadeira em todos os mun-
dos. Portanto, p ⊧G ◻p. Mas, é claro, do fato de p ser verdadeira em um mundo
não se pode inferir que ◻p é verdadeira no mesmo mundo, pois pode haver outro
mundo em que p é falsa. Logo, p /⊧ ◻p.
Portanto, para uma fórmula α e um conjunto de fórmulas Γ quaisquer, de
Γ ⊧G α não podemos concluir Γ ⊧ α. Mas o contrário vale, isto é, se Γ ⊧ α
então Γ ⊧G α. Pois, é claro, se em todo mundo em que todas as fórmulas de Γ
são verdadeiras α também é, então, sendo todas as fórmulas de Γ verdeiras no
modelo (i.e., verdadeira em todos os mundos do modelo), então α também será
verdadeira no modelo.
2.3 Testando validade e consequência lógica
Veremos dois métodos para testar validade e consequência lógica em S5: o mé-
todo dos diagramas de mundos possíveis e o método dos tablôs semânti-
cos modais. Ambos são métodos de prova por redução ao absurdo. Em uma
redução ao absurdo, começamos supondo a negação do que desejamos provar.
Se, a partir dessa suposição, chegamos a um absurdo, sabemos que a negação do
que queremos provar é falsa e que, portanto, o que queremos provar é verdadeiro.
Assim, tanto nos diagramas de mundos possíveis quando nos tablôs, começa-
mos supondo que a fórmula ou argumento que queremos provar não é válido.
Derivamos, então, consequências dessa suposição. Se encontramosinconsistên-
cias (absurdos) em todas as alternativas a que nos levam essas consequências,
concluímos que a fórmula ou argumento é válido.
As regras para ambos os métodos são, grosso modo, as mesmas. A princi-
pal diferença entre os métodos está na apresentação gráfica. Por essa razão,
apresentaremos apenas as regras para os tablôs modais. Veja-as nas tabelas 2 e
1.
Tabela 1: Regras de S5
1 ◊α (wi)
1 α (wj)
0 ◊α (wi)
1 ◻¬α (wi) 1 ◻α (wi)1 α (wj) 0 ◻α (wi)1 ◊¬α (wi)
para j novo para
no ramo qualquer j
16
Tabela 2: Regras do cálculo proposicional relativizadas a mundos possíveis
1 ¬α (w)
0 α (w) 0 ¬α (w)1 α (w) 1 α ∨ β (w)�� @@
1 α (w) 1 β (w)
0 α ∨ β (w)
0 α (w)
0 β (w)
1 α ∧ β (w)
1 α (w)
1 β (w)
0 α ∧ β (w)
�� @@
0 α (w) 0 β (w)
1 α → β (w)
�� @@
0 α (w) 1 β (w)
0 α → β (w)
1 α (w)
0 β (w)
1 α↔ β (w)
�� @@
1 α (w)
1 β (w) 0 α (w)0 β (w)
0 α↔ β (w)
�� @@
1 α (w)
0 β (w) 0 α (w)1 β (w)
2.3.1 Alguns exemplos
Para explicarmos brevemente os métodos de teste de validade e para cumprir a
promessa de apresentar algumas das fórmulas válidas de S5 que não são simples
tautologias do CPC, vejamos alguns exemplos.
Vamos testar a validade da fórmula ◻p→ p primeiramente usando diagramas
de mundos possíveis. Começamos supondo que ela não é válida, isto é, que existe
um mundo w no qual ela é falsa. Representamos isso assim:
w
◻p→ p
0
Para que o condicional ◻p→ p seja falso em w, é preciso que seu antecedente
seja verdadeiro e seu consequente seja falso. Acrescentamos essa informação no
diagrama, que fica assim:
w
◻p→ p
1 0 0
17
Mas como ◻p é verdadeira em w, então p deve ser verdadeira em todos os
mundos, inclusive em w. Nosso diagrama, então, fica assim:
w
◻p→ p
1 1 0 0
Note que chegamos a uma inconsistência: p não pode ser 1 e 0 no mesmo
mundo. Portanto, como da suposição de que ◻p → p era inválida chegamos a
um absurdo, concluímos que ◻p→ p é válida em S5.
Agora vejamos como fica a prova da validade de ◻p → p usando um tablô.
Da mesma maneira, começamos supondo que essa fórmula não é válida, isto é,
que ela é falsa em algum mundo w. A primeira linha do tablô é a seguinte:
0 ◻p→ p (w)
Se o condicional é falso, seu antecedente é verdadeiro em w e seu consequente
é falso em w. Acrescentamos essas informações no tablô:
✓0 ◻p→ p (w)
1 ◻p (w)
0 p (w)
Mas, como ◻p é verdadeira, p é verdadeira em todos os mundos, inclusive
em w:
0 ◻p→ p (w)
1 ◻p (w)
0 p (w)
1 p (w)⨉
Chegamos a uma inconsistência, mostrando então que a fórmula é válida.
Dizemos que o tablô fechou e assinalamos isso com um ⨉ em seu final.
Vejamos agora um exemplo de uma fórmula inválida: p → ◻p. Construindo
um diagrama de mundos possíveis, chegamos no seguinte ponto:
w
p→ ◻p
1 0 0
18
Note que temos ◻p falsa em w. Isso significa que p não é necessária, isto
é, p é falsa em pelo menos um mundo. Como p é verdadeira em w, então deve
haver um mundo w1 em que p é falsa. Portanto, nosso diagrama agora precisa
incluir um segundo mundo:
w
p→ ◻p
1 0 0
w1
p
0
Esse diagrama não apresenta nenhuma inconsistência. Como da suposição
de que p→ ◻p é falsa não chegamos a nenhum absurdo, concluímos que p→ ◻p
pode ser falsa e que, portanto, é inválida. De fato, esse diagrama nos mostra
como construir um modelo no qual p→ ◻p é falsa. Neste modelo, W = {w,w1},
v(p,w) = 1 e v(p,w1) = 0. Neste modelo, v(p→ ◻p,w) = 0.
A invalidade de p→ ◻p demonstrada por tablô fica assim:
✓0 p→ ◻p (w)
1 p (w)✓0 ◻p (w)✓1 ◊¬p (w)✓1 ¬p (w1)
0 p (w1)
Note que o tablô não chegou a nenhuma inconsistência (a 2ª linha não é
inconsistente com a última porque referem-se a mundos diferentes). Por isso
não fechamos o tablô e concluímos que a fórmula é inválida. Note também
que alguns passos que ficaram implícitos na construção do diagrama de mundos
possíveis foram explicitados no tablô (linhas 4 e 5).
Por fim, vejamos um exemplo de teste de consequência lógica local. Consi-
deremos o argumento (A) cuja formalização foi apresentada na página ??.◻(d→m),¬◊m ⊧ ¬◊d
Usando um diagrama de mundos possíveis, começamos supondo que a con-
clusão não é consequência lógica das premissas, isto é, que existe um mundo w
em que as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa.
w
◻(d→m) ¬◊m ¬◊d
1 1 0
19
Então desenvolvemos o diagrama como de costume. A verdade de ◊d em w
nos exige a abertura de um mundo w1 no qual d é verdadeira. A inconsistência
ocorre em w1. A configuração final do diagrama fica assim:
w
◻(d→m) ¬◊m ¬◊d
1 0 1 0 1 0 0 0 1 0
w1
d→m m d
0 1 0 0 1
Veja que d teria que ser falsa em w1 para que a implicação d → m fosse
verdadeira em w1, visto quem é falsa em todos os mundos. Mas ao mesmo tempo
d teria que ser verdadeira em w1 para que ◊d fosse verdadeira em w. Como
d não pode ser verdadeira e falsa no mesmo mundo, isso é uma inconsistência.
Portanto, a conclusão não pode ser falsa quando as premissas são verdadeiras.
O argumento é válido.
Para demonstrar a validade do mesmo argumento via tablô, começamos
supondo que a conclusão não é consequência lógica das premissas, isto é, que
existe um mundo w em que as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa.
Nosso tablô começa com três linhas estabelecem essa suposição:
1 ◻(d→m) (w)
1 ¬◊m (w)
0 ¬◊d (w)
Depois desenvolvemos o tablô como de costume, produzindo a seguinte árvore:
1 ◻(d→m) (w)
✓1 ¬◊m (w)✓0 ¬◊d (w)✓0 ◊m (w)✓1 ◊d (w)
1 ◻¬m (w)
1 d (w1)✓1 ¬m (w1)
0 m (w1)✓1 d→m (w1)
20
!!
!!!
aa
aaa
0 d (w1) 1 m (w1)⨉ ⨉
Veja que os dois ramos do tablô fecham com inconsistência, demonstrando
que a conclusão não pode ser falsa quando as premissas são verdadeiras. Por-
tanto, o argumento é válido.
Exercício 2.4. Mostre que as fórmulas a seguir são todas válidas em S5.
a) p→ ◊p
b) ◻⊺
c) ◻p→ ◊p
d) ◊p↔ ¬◻¬p
e) ◻p↔ ¬◊¬p
f) ◊◻p→ ◻p
g) ◻p→ ◻◻p
h) ◊◊p→ ◊p
i) ◻p→ ◊◻p
j) ◊◻p→ p
k) ◊(p ∧ q)→ (◊p ∧◊q)
l) ◻(p ∧ q)↔ (◻p ∧◻q)
m) ◊(p ∨ q)→ (◊p ∨◊q)
Exercício 2.5. Teste a validade do argumento do exercício 1.7 em S5.
Exercício 2.6. Usando a notação sugerida, formalize os argumentos abaixo na
LM e teste se eles são válidos em S5.
a) Se chove, então necessariamente há umidade elevada no ar. Se há umidade
elevada no ar, o higrômetro acenderá a luz verde. Como o higrômetro não
acende a luz verde, não está chovendo. (r: chove; m: há umidade elevada
no ar; g: o higrômetro acende a luz verde.)
b) Se o objeto tem massa então ele necessariamente atrai todos os outros obje-
tos. Como há um outro objeto que ele não atrai, então necessariamente ele
não tem massa. (m: o objeto tem massa; a: o objeto atrai todos os outros
objetos.)
c) Se eu posso ver minhas mãos, então eu vejo minhas mãos. Ver as minhas
mãos é incompatível com elas não estarem aqui. Como eu posso ver minhas
mãos, segue-se necessariamente que elas estão aqui. (s: eu vejo minhas mãos;
h: minhas mãos estão aqui.)
Exercício 2.7. Mostre que as fórmulas a seguir não são válidas em S5.
a) ¬◊⊺
b) ◻–
c) ◊p→ ◻p
d) ◻(p ∨ q)→ (◻p ∨◻q)
e) (◊p ∧◊q)→ ◊(p ∧ q)
f) (◻p→ ◻q)→ ◻(p→ q)
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