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Aula 12 Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro na Primeira República Eliana Vinhaes Barçante História da Região 106 Meta da aula Discutir o panorama da economia da cidade do Rio de Janeiro na Primeira República, os movimentos sociais na cidade em tempo de rebelião e a contribuição da prefeitura de Pedro Ernesto à cidade. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. descrever a economia da cidade do Rio de Janeiro; 2. analisar as formas de participação e rebeldia dos trabalhadores no Rio de Janeiro; 3. identificar o papel de Pedro Ernesto, na prefeitura do Rio de Janeiro. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 107 INTRODUÇÃO O Rio de Janeiro viverá uma série de mudanças e reformas para recuperar sua capacidade econômica e introduzir-se na etapa da modernidade na Primeira República. Nesse processo, conviverá entre luzes e sombras, no palco das contradições entre capital e trabalho. A Primeira República e a década de 1920, mais especificamente, vão demonstrar como a cidade vitrine do Brasil vai administrar e consolidar um modelo de República, e remodelar sua imagem para superar as perdas econômicas, advindas da crise da economia cafeeira. O comércio urbano e a criação de fábricas vão absorver os trabalhadores, sem evitar conflitos e rebeliões. Trata-se, portanto, de se estudar o Rio de Janeiro que se ordena para atender às exigências do mundo do trabalho. Neste processo, a prefeitura de Pedro Ernesto vai trazer uma contribuição para o ordenamento e a inclusão do trabalhador nos destinos do Brasil. A economia do Rio de Janeiro: o Rio comercial O país passa de Monarquia a República. Nesse contexto, vários conflitos na disputa pelo poder vão marcar essa trajetória, com a emergência de novos problemas e novas vozes que clamam por soluções. A cidade do Rio de Janeiro sintetiza, na época, as questões principais que inquietam a nação. A tensão da capital da República enquadrava o nível das disputas e indefinições contidas no processo de consolidação da ordem e das instituições republicanas. Perseguia-se uma construção harmoniosa nesse mosaico político contraditório e tenso. A instabilidade política refletia outra crise – a da economia agroexportadora. A crise internacional do História da Região 108 comércio do café, associada a um déficit das contas externas do país, exigia das elites republicanas o estabelecimento urgente de um equilíbrio de forças políticas que garantisse a pacificação do Estado republicano, para se enfrentar a questão da economia nacional. A imagem turbulenta seria agravada com o atentado contra o presidente da República, Prudente de Moraes, em 5 de novembro de 1897. Saiu ileso, mas o marechal Bittencourt que se atracou com o soldado assassino, acabou falecendo. Alguns setores urbanos estavam associados ao atentado, como o jacobinismo florianista, na figura de Lauro Sodré, exigindo a elaboração de um pacto de poder, para marginalizar as emergentes e ativas forças políticas cariocas e colocar a responsabilidade pela ordem política nacional nas mãos das oligarquias agrárias. O desprestígio do Exército, por sua atuação truculenta em Canudos e a tentativa de assassinar Prudente de Moraes, juntamente com os setores da oposição civil estavam desgastados. As bases desse novo pacto de poder pretendiam excluir as forças urbanas da Capital Federal, como Campos Sales definiu: É de lá (dos estados) que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam agitadas, nas ruas da capital da União (SARMENTO, 2001, p. 36). A ação, portanto, da elite política fluminense, durante a Primeira República, tem a incumbência de administrar os conflitos internos, buscar alianças com grupos oligárquicos regionais, para garantir a autonomia estadual, revalidando o federalismo, mas em oposição às incursões intervencionistas do governo central, afinado com Minas e São Paulo. Mas as disputas sucessivas contribuíram para sua fragmen- tação, sem que eliminasse de seu objetivo o projeto comum, qual seja recuperar na República um passado de grandeza e prosperidade vivido no Império (FERREIRA, 1994, p. 22). Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 109 O deputado estadual André Werneck apontava para um cenário que explica algumas das cisões e conflitos. Fazendo uma crítica a Alberto Torres, justifica sua posição, alegando a necessidade de solucionar a crise da agricultura fluminense. Atende ao Objetivo 1 1. Leia o texto a seguir: Desconhecendo em absoluto a situação econômica do estado que finge administrar, não tendo bebido nas tradições a grandeza do seu passado, não havendo percorrido, e bem assim jamais tendo viajado e penetrado nos outros estados cafeeiros da União, não pode avaliar das verdadeiras causas que fazem as finanças do nosso estado cair em profunda decadência e, de envolta com esse descalabro, a fortuna particular; também não pode ajuizar dos verdadeiros motivos que agem para fazer a decadência dos outros prósperos municípios e a tendência constante e progressiva de emigração dos seus habitantes (...). Há bem poucos anos era o estado do Rio de Janeiro o primeiro da União, representava nas finanças internacionais a riqueza do Brasil; hoje, à proporção que outros estados da República aumentam as suas rendas, crescem de população recebendo em massa imigrantes espontâneos, o nosso estado, ao inverso desse espetáculo animador, apresenta o mais triste cenário: territórios enormes abandonados em virtude do esgotamento de suas terras, cidades em ruínas, população emigrando, movida pelas dificuldades naturais e pelas que foram criadas pelo atual governo; daí, como consequência, o decréscimo assustador da renda pública (FERREIRA, 1994, p. 20). A partir das considerações acima, avalie as características básicas da economia do Rio de Janeiro, que precederam as atividades comerciais e urbanísticas que se desenvolverão a seguir, na década de 1920: ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ História da Região 110 ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada O texto fala do declínio da economia cafeeira do sudeste fluminense, quando a crise vai arrastar a elite do café a uma situação de penúria e empobrecimento. Atribui à falta de braços para a lavoura, com a abolição no fim do século XIX, a situação da crise, atribuindo à incompetência das lideranças políticas tal descalabro. Denota a necessidade de novas soluções para o agrofluminense, que reverta a crise do início da República. É um libelo em favor da agricultura fluminense. Portanto, esta fala de Werneck sintetiza as aflições dos setores agrários fluminenses, diante do declínio da economia cafeeira. Representa a preocupação com os destinos do estado do Rio de Janeiro. De fato, o Rio de Janeiro enfrentava grandes problemas quando o setor cafeeiro deixou de articular o conjunto da produção e perdeu seu lugar de eixo dinâmico do Brasil, em finais do século XIX. Portanto, com grandes dificuldades para seus produtos hegemônicos, a economia fluminense vai buscar alternativas para superação de tamanha gravidade. O processo de diversificação econômica vai sendo efetivado no estado do Rio. Essa diversificaçãovisava ao reaproveitamento de máquinas e mão de obra subutilizadas, e a minimização de custos, dentro de uma economia agrária e marcada profundamente pela importação de gêneros alimentícios. A diversificação econômica contempla a chamada vocação agrária, mas incorpora alternativas para a economia fluminense. Segundo Sonia Mendonça, a partir de 1903, houve uma tendência ascendente das exportações fluminenses de gêneros de primeira necessidade (MENDONÇA, 1986, p. 178). Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 111 Entretanto, não somente da agricultura sobreviveu a economia do Rio de Janeiro. Várias fábricas foram implantadas no estado, ainda em finais do século XIX. Já em 1907, o Rio era o quarto colocado em relação ao valor percentual bruto da produção industrial do país. O Distrito Federal colocava-se em primeiro lugar com 30,2% da produção industrial brasileira (FERREIRA, 1994, p. 51). Mas esta expansão fabril fluminense não se originou da acumulação de capital local, segundo Marieta de Moraes Ferreira. A descapitalização da agricultura, com a crise do produto fluminense, mais a extinção do trabalho escravo desloca o capital agrário para os setores comerciais financeiros, localizados na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, as principais empresas implantadas no estado do Rio surgiram articuladas com as atividades comerciais daquela cidade (FERREIRA, 1994, p. 52). As transformações econômicas e sociais, advindas da fase entre 1914-18, com a Guerra Mundial, vão introduzir um novo perfil ao Rio de Janeiro. O crescimento fabril e a urbanização intensa vão colocar em cena novos segmentos da sociedade, como a burguesia industrial, o proletariado urbano, as camadas médias, que até então estiveram afastados do poder. A crise cafeeira vai exigir uma ruptura com o eixo do sistema econômico. A inflação polariza uma série de descontentamentos na cidade. As décadas de 1920 a 1960 foram de prosperidade e de acumulação de prestígio para alguns setores sociais. O Rio de Janeiro expandiu-se para os subúrbios, com sua população crescendo e deslocando-se para as áreas afastadas do centro da cidade. Na trajetória inversa, acompanhou a linha das praias da Guanabara, visualizando o oceano Atlântico. História da Região 112 Figura 12.1: A cidade caminha em direção à zona sul, na orla marítima. Fonte: http://theurbanearth.files.wordpress.com/2008/06/beira-mar.jpg Aperfeiçoou seus equipamentos urbanos. Muitas unidades urbanas instalaram-se na cidade. Até a Primeira Guerra Mundial, o Rio será o estado mais desenvolvido industrialmente, sendo progressivamente acompanhado por São Paulo que o vai suplantar. O Rio desenvolve, no mundo urbano, cada vez mais, serviços sofisticados, como centro do comando bancário, destacando-se como a sede de escritórios centrais de inúmeras empresas e o maior hóspede de visitantes estrangeiros. Tudo corria bem para os setores prósperos da cidade. Era a cidade que seguia uma trajetória para a civilização. Nesse processo, pretendia ocultar a cidade velha e preparar-se para o advento do progresso. A cidade exibia-se, na década de 1920, como aquela que se quer incorporar no Novo Mundo. Recebe, no centenário de 1922, a Exposição Internacional. Desta exposição, permanece como marco o prédio da Academia Brasileira de Letras. O morro do Castelo vai sofrer o desmonte, simbolizando a ruptura com o passado colonial indesejável. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 113 Figura 12.2: O desmonte do morro do Castelo. Fonte: http://api.ning.com/files/WxJwajlUoFsexeLxUujYMQ92aOBER7*n4eTMcHzROh9 Dj7CgBiTdg3uOgvuDGlPxWKw-ObJLPAzFUDpEcChZAhW7kc40P3Ly/MorrodoCasteloI.JPG Seus despojos serviriam de aterro para o que seria o futuro Aeroporto Santos Dumont. Este segmento do centro da cidade revelava lembranças do passado, que havia sido preservado por Pereira Passos. O desmonte, iniciado por Carlos Sampaio em 1920, vai ser concluído por Henrique Dodsworth Martins, entre 1937-45. Mais uma lembrança do passado havia desaparecido na poeira da modernidade. Desapareceu a antiga igreja do Colégio dos Jesuítas e a Igreja dos Capuchinhos, próxima ao trabalho das lavadeiras e vizinha dos cultos de candomblés. Muitos prédios foram demolidos, em sua maioria, cortiços e barracos pobres. O Passeio Público foi reformado e foram demolidas construções que impediam a visualização dos Arcos da Carioca. Este foi um monumento colonial que foi preservado para a posteridade. O desmonte do morro do Castelo permitiu o aterro, na área do aeroporto, mas ocupou a área da praia do Russel e a faixa litorânea, que se estendeu até a Glória. Carlos Sampaio abriu a avenida Rui Barbosa. Caminhava-se em direção à zona sul. História da Região 114 Figura 12.3: Avenida Rio Branco na década de1920. Fonte: http://spf.fotolog.com/photo/47/27/96/derani/1206735861_f.jpg Figura 12.4: Avenida Central na década de 1920. Fonte: http://carrosantigos.files.wordpress.com/2008/08/b6.jpg Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 115 Figura 12.5: Ruas do morro do Castelo, 1920. Fonte: ht tp://api.ning.com/fi les/7xoswFprdyoaQgQn0EK5kXgW7wU0k5r- RjRqgSkpZFssLDKIT81gHDqeLmhMgIvYDsI3fTt-HJZJCOagMbreXOE4tWTYHoHu/ bRJMorrodoCastelodescidadcadade1920.jpg Figura 12.6: O bonde na praça Tiradentes da década de 1920. Fonte: http://api.ning.com/files/YRmdM4KMevl-Z6jyiJerPlkubWB1i7MXjOGftQ- gpXMvaI1MxtZBTcOLzDaeNOTiV0r*pB5R3hXpZ6shUHeCmk3JWoQRZRzc/ BondenaPaTiradentesdcadade20.jpg História da Região 116 As imagens mostram as remodelações pelas quais vai passar o Rio urbano, para atender às demandas do comércio, da modernização e do progresso. Desde os anos 1920, Copacabana inicia sua verticalização. A paisagem era vista à longa distância. Com o advento dos elevadores em 1916 e a produção nacional de cimento em 1926, os prédios tendem a se verticalizar, possibilitando maior arejamento, mais belas paisagens e imponência de suas instalações. O Rio também iniciou uma acelerada eletrificação, seguida pelo uso de veículos. Em 1910, o Rio já tinha uma frota de 615 veículos. O estilo art déco foi escolhido para a construção de edifícios verticais, nos anos 1920-30. Em 1921, foi criado o Instituto de Arquitetos do Brasil. A profissão teve sua ascendência. Os projetos modernizadores passaram a ser valorizados no mercado imobiliário em ascensão (LESSA, 2001). Alguns prédios notáveis foram construídos, como: a Câmara Municipal e o Palácio Tiradentes – antiga Cadeia Velha –, em 1922; o Hotel Glória, em 1920, na base do outeiro da Glória, vai compor a paisagem de conforto e luxo para hóspedes ilustres; o Parque da Gávea, com o Museu da Cidade, vai ser remodelado, utilizando o mesmo prédio recuperado do século XIX. Nos anos 1920, ficava bem explícita a hierarquização socioes- pacial da cidade. A cidade é pensada de forma urbanística e Prado Jr. contrata o arquiteto Agache, em 1922, para executar um plano geral de modernização da cidade. Ele projeta um plano, que vai atender às principais questões da época, levando em consideração a formação da cidade, o surgimento das favelas e as novas propostas de urbanização. Cria maior funcionalidade socioespacial, com novos eixos de circulação, visando à especialização do espaço urbano, isto é, as instalações urbanas deveriam atender às necessidades da modernidade ascética, limpa, bem nascida. Veja o que escreve o sambista Ari Kerner, em 1927, sobre o Plano Agache: Aula 12 – Modernização econômica e movimentossociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 117 Seu Agache anda solto e preparado, quem for feio fuja dele, para não ser remodelado (LESSA, 2001, p. 257). Figura 12.7: Perspectiva do Centro e dos bairros do Rio de Janeiro. Plano Agache, 1922. Fonte: h t tp://www.f i lo.uba.ar/conten idos/inves t igacion/ins t i tu tos/geo/ geocritica2010/666_PettiPinheiro_archivos/image001.jpg O impacto cirúrgico sobre a cidade vai se ampliando, abrindo novos espaços urbanizados e remodelados. Entretanto, este modelo urbanístico não privilegia as classes populares. A elas cabia se deslocar para os subúrbios, que vão emergindo, ao longo da estrada de ferro. O Rio Comprido foi progressivamente ocupado na gestão de Paulo de Frontin. Os sucessivos aterros e drenagens garantiram a ocupação e expansão do Rio em direção à zona norte. Como desdobramento da reforma sanitária, é iniciado o saneamento das baixadas circundantes do Rio (LESSA, 2001). História da Região 118 O crescimento do Rio desdobrou-se para outras áreas, criando novos polos comerciais. Madureira vai se consolidar como um desses polos, posteriormente. E esta cidade aberta é a confluência do olhar de todos os brasileiros. O carioca cordial seria o habitante desejável a uma cidade civilizada, sem medo e que eliminava qualquer temor dos visitantes. O atraso, a sujeira e a pestilência já estavam exorcizados. A cidade passa a se olhar de forma dinâmica. O carioca cordial! Esse processo de construção da imagem do carioca, branco, dinâmico, civilizado vai conviver com o rescaldo do projeto civilizatório que teima em negar suas contradições. O capitalismo vai penetrando no Brasil e trazendo consigo suas lutas sociais, os seus conflitos inerentes ao modelo. Como reação às desigualdades, o nascente proletariado desenvolveu várias formas organizativas para sobreviver, nos interstícios da cidade maravilhosa. Na outra face da modernidade, o anarcossindicalismo e o socialismo vão se disseminar entre o mundo do trabalho, que não desfruta das benesses da cidade vitrine. A década de 1920 é também tempo de tensões políticas crescentes. São vários os segmentos e variadas as reivindicações, ora contra a miséria dos salários operários, ora como as reivindicações tenentistas, incorporando a denúncia de fraudes eleitorais, ora dissidências decorrentes das formas autoritárias da Primeira República. A Revolta da Vacina expressa bem o descuido do Estado em esclarecer a população sobre os benefícios da vacina, impondo-lhe uma prática que a assustava, por desconhecimento de seus reais benefícios. Portanto, o panorama do Rio de Janeiro no início da Primeira República, nas décadas de 1910-20, vai conviver com luzes e sombras. As luzes da cidade vitrine marcada pela remodelação do espaço urbano, favorecendo novas relações comerciais e as sombras dos conflitos, decorrentes do tratamento discriminatório imposto às classes populares, vistas como a síntese da desordem, do perigo, das epidemias indesejáveis. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 119 Atende ao Objetivo 2 2. Leia o texto a seguir: Moço, vá para o comércio. A carne seca é a base da riqueza das nações. Não se fie em períodos, mande à fava o estilo e atire-se, de faca em punho, às malas de carne seca se quer engordar, se quer ter consideração nesse país. Um pai de juízo não deve mandar o filho ao colégio: a carta do ABC é subversiva. Para o armazém, para os tamancos (SEVCENKO, 1999, p. 91). Explicite o conceito de mundo do trabalho, referente ao Rio de Janeiro, na década de 1920, descrito acima. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada O conceito pragmático de trabalho excluía as veleidades do mundo intelectual. O comércio garantia o pão de cada dia. Os estudos poderiam ser enganosos para os que precisavam se sustentar e a seus filhos; portanto, o autor separa os mundos: de um lado, os que trabalham, de outro, os que pensam. História da Região 120 O Rio de Janeiro em tempos de rebelião: o mundo do trabalho Neste cenário, iniciam-se as reações operárias, que vão paralisar São Paulo, em 1917, e a seguir, o Distrito Federal, em 1919. Em 1922, funda-se o Partido Comunista do Brasil, no Rio de Janeiro. Ainda no Rio de Janeiro, há a reação dos Dezoito do Forte, revolta que deu início ao tenentismo. Neste ambiente de desilusão e insatisfação, podemos acrescentar a chegada em massa do imigrante português, que veio em grande parte do norte rural de Portugal. Este imigrante dirigiu-se para a cidade e constituiu-se em uma grande comunidade estrangeira no Rio de Janeiro e na cidade de Santos. O imigrante veio formar o suporte principal da força de trabalho, substituindo o trabalhador nacional, quase em todas as funções, com exceção do trabalho subalterno. Nesta medida, o operariado brasileiro passou por uma série de conflitos com os estrangeiros. Em busca de um mercado de trabalho, competia com estrangeiros que o ocupavam. Durante a Primeira República, muitas reportagens e artigos são publicados pela imprensa local e destacavam a ação dos indesejáveis na cidade. Definidos assim, por serem considerados aqueles que vão contribuir para a desordem pública e, portanto, nocivos à sociedade e perigosos à segurança pública. Eram aqueles que contestavam a propriedade, o trabalho, a família, a moral cristã e os poderes constituídos. Eram vistos como desviantes dos padrões de comportamento socialmente aceitos e, portanto, desordeiros (MENEZES, 1996). Progressivamente, o xenofobismo luso vai se alastrando entre os trabalhadores nacionais, que lutavam para garantir empregos no mercado de trabalho urbano. Novos movimentos imigratórios vão produzir reações dos nacionais, ou engajar a massa trabalhadora em novas demandas. Eram considerados hóspedes perigosos por serem vistos como inimigos cotidianos das forças encarregadas da manutenção da ordem pública, universalizada pelo alto. Estavam inseridos no mundo do trabalho e do crime e destacavam-se como protagonistas no embate entre as forças da ordem e as contestações sob diversas formas. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 121 Neste mundo do trabalho, identificavam-se como anarquistas e marxistas e escreveram seus protestos nos sindicatos e nas ruas. Propagavam o discurso da revolução social, num cotidiano marcado pela repressão. Na base da militância, destacaram-se imigrantes pobres, que não tiveram condições de concretizar o sonho vitorioso de volta à sua pátria. Buscavam, então, amenizar as condições de vida a eles imposta por um progresso que se alimentava da exclusão (MENEZES, 1996, p. 91). Esses personagens protagonizaram o drama urbano no cotidiano carioca. O Rio de Janeiro decidia-se por esta opção cirúrgica, isto é, afastar os indesejáveis do convívio das elites urbanas modernas, em defesa da ordem que se configurava na cidade vitrine da modernidade. Os estrangeiros eram considerados nocivos e viciosos, e atrapalhavam o modelo de civilização e progresso. Eram alvos frequentes da ação policial. Liberdade, fraternidade, igualdade, abundância e felicidade compunham as aspirações que conformavam a agenda da propaganda libertária quese alastrava entre Rio e São Paulo. Neste contexto das quatro primeiras décadas republicanas, com maior contundência a partir de 1917, centenas de imigrantes foram compulsoriamente enviados para seus países de origem com a alegação de problemas político-ideológicos. Os anarquistas foram os primeiros afetados, até 1922, quando os membros do Partido Comunista passaram a ser alvos preferenciais da repressão (MENEZES, 1996). As raízes ideológicas eram diversas, entre militantes anarquistas. Ora a defesa da comuna revolucionária, ou a crença no potencial revolucionário das massas via terror; ora a fé numa hipotética bondade humana que explicava a violência como ato necessário e transitório, ou a importância da educação formadora da nova sociedade; ora a exigência das práticas grevistas, como ato revolucionário, visando destruir a ordem burguesa; ora enaltecendo os sindicatos, como instrumento legítimo de intervenção no caminho da mudança social (MENEZES, 1996, p. 97). História da Região 122 Figura 12.8: Manifestação anarquista. Fonte: http://api.ning.com/files/hf8rQvgZnfnZ9H55lp6Kf-ajWPcn97TBukjftpZCIFP4s7ZV- Q7vRcT*kudLgR*31GH-TKN2ehMrD8**AG9PYTTAWVNyHhhc/GREVEDE1917.jpg A urbanização excludente foi o caldo de cultura que alimentou a força de contestação mais permanente e disseminada, nas primeiras décadas republicanas. Foram os anarquistas, que com suas ações diferenciadas, alteraram a cultura política da cidade. Veja o que descrevia um jornal operário do ano de 1919: Daqui se depreende claramente que no método anarquista cabe o principal papel à ação individual. O que não quer dizer, como muitos pensam, que o indivíduo deva desprezar o concurso dos outros e agir sempre isoladamente. A ação individual é a base do método anarquista porque é a base do método mais lógico e mais prático em todas as ações da vida. Não podemos convencer ninguém da bondade do que pregamos, se não o provamos com atos. E os atos não resultam somente das palavras. “Desenvolver largamente a iniciativa individual, dando campo limpo à sua ação, sem desprezar o concurso dos que nos são afins (MENEZES, 1996, p. 97-98). Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 123 Os anarquistas foram os primeiros a apontar para projetos de organização da sociedade, a partir da livre associação de cidadãos iguais. Sem dúvida, incomodaram profundamente as elites, que para eles voltaram seus alvos principais de ataque. Suas teses não estimulavam delitos, entretanto, distorcidos pela ótica dominante, tenderam a ser vistos como os criminosos mais perigosos da época, prenunciadores de morte iminente. O cientista Lombroso, que associava biotipo à tendência ao crime, apregoava, dentro dos princípios da Frenologia, que os menos esclarecidos e as classes menos cultas patrocinavam as sedições que impediam o avanço do progresso. Visão compactuada pelas elites, na tentativa de conter as contradições desencadeadas por suas opções econômicas e políticas na cidade, esta versão forneceu munição à violência policial contra negros e pobres, sobre o mundo do trabalho. O movimento anarquista difundiu-se na capital. Foi um movimento de ideias, valores e comportamentos que se disseminou entre segmentos médios da população. Atingiu os setores profissionais nos quais os estrangeiros faziam-se muito presentes, destacando-se o setor comercial e das oficinas. Este setor fundiu-se ao movimento operário, tornando o anarcosindicalismo uma forte expressão do mundo do trabalho. Foi um movimento apropriado pelos excluídos urbanos, que conviviam no cotidiano da cidade, com ações conhecidas como os quebra-quebras de configuração pluriclassista (MENEZES, 1996, p. 100). O início do século XX conviveu com as organizações operárias, numa cidade tensa e desigual. Podemos citar as Revolta da Vacina (1904) e o Primeiro de Maio (1906), maior manifestação operária no centro do Rio. Esta manifestação sem precedentes no Rio de Janeiro intimidou o governo, a polícia e as elites. Uma multidão foi para as ruas, aglomerando-se entre a praça Mauá e a praça Marechal Floriano, concentrando-se na avenida Central (Rio Branco), emitindo doutrinas anarquistas, destemidamente. Clamavam por liberdade e igualdade. Como não houve repressão policial, a Frenologia Estudo das funções intelectuais e do caráter humano, baseado na conformação do crânio. História da Região 124 manifestação teve um caráter pacífico e dispersou-se ao final de muitas falas contundentes (RODRIGUES, 1972, p. 265-266). Ambos demonstraram o potencial de revolta dos trabalhadores organizados, expressando a contestação do modelo de relação entre capital, trabalho e Estado. Figura 12.9: Manifestação operária de 1º de maio, no Rio de Janeiro. Fonte: http://passapalavra.info/wp-content/uploads/2009/09/1-de-maio-no-rj-1919- revista-da-semana-10-de-maio-1919-3.jpg Atende ao Objetivo 2 3. Observe a pintura modernista Os operários, de Tarsila do Amaral. Refletindo sobre seus elementos principais, relacione-a ao contexto estudado e aos movimentos operários no Rio de Janeiro: Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 125 Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_x72TMvDexU/SAvRj5T4E3I/AAAAAAAAAUQ/ rLMA8L5KafY/s400/OPERARIOS50%5B1%5D.jpg ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada A pintura de Tarsila explicita o mundo do trabalho. Remete-nos ao trabalho coletivo. Destaca o homem do povo, anônimo, pobre, trabalhador. Portanto, esta tela pode ser interpretada como uma homenagem ao operário de várias etnias e sexos que labuta por sua sobrevivência e luta por seus direitos. Remete-nos a Tempos modernos, de Charlie Chaplin. Por trás da cena do conjunto de operários, aparece a chaminé da fábrica, que os oprime, com a exploração e liberta-os, por garantir sua sobrevivência. História da Região 126 Em 1922, o Partido Comunista é fundado. Desencadeou confrontos ideológicos entre anarquistas comunistas e comunistas marxistas leninistas, até 1930. Estes confrontos aconteceram dominantemente nas organizações sindicais. O PCB defendia a unicidade sindical, os anarquistas lutavam pela pluralidade. Por sua vez, ficaram em evidência duas concepções irreconciliáveis de revolução. A ruptura entre Marx e Bakunin, em meados do século XIX, difundiu-se no mundo do trabalho da cidade do Rio de Janeiro. Os anarquistas foram circunscritos às uniões operárias, vinculadas aos setores artesanais e comerciais, agregando contingente expressivo de portugueses. Este embate pode ser demonstrado pela ruptura que ocorreu na Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, que era majoritariamente dominada por anarquistas. A transferência de seu controle para os comunistas, com o apoio dos sindicatos dos padeiros, marmoristas, canteiros e carpinteiros exigiu o surgimento de uma nova Organização: a Federação dos Operários do Rio de Janeiro, apoiada na União dos Artífices em Sapatos e em alguns dissidentes do antigo Centro Cosmopolita, no qual se projetavam trabalhadores da construção civil (MENEZES, 1996, p. 120). O Rio de Janeiro viveu sua rebeldia progressivamente reprimida pelas forças republicanas. A perseguição política aosanarquistas foi intensa, mesmo com o surgimento do PCB, Partido Comunista Brasileiro, cuja intervenção organizada no movimento sindical, ainda que em oposição aos anarquistas, poderia ter aplacado a violência contra os anarquistas. O que não ocorreu. Os comunistas tinham uma presença limitada, no interior do movimento operário e os anarquistas amedrontavam as elites, por sua ação junto aos segmentos populares. Em outubro de 1930, com o fim da Primeira República, o golpe aos movimentos sociais foi progressivamente se ampliando. Portanto, a década de 1920, a caminho dos anos 30 conviveu com as angústias decorrentes da violência sobre o mundo do trabalho, a disputa acirrada por emprego nas atividades urbanas, o estranhamento aos estrangeiros que vão disputar trabalho na cidade do Rio. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 127 Pedro Ernesto: um prefeito para o Rio de Janeiro Pedro Ernesto foi um homem atento ao seu tempo, egresso das transformações sociais e culturais que marcaram a década de 1920. Pensou um projeto político de construção de um Partido Autonomista do Distrito Federal, que se estenderia para o conjunto da sociedade brasileira, um projeto de transformações que administrasse as tensões de seu tempo. Montou uma base de apoio com o objetivo de renovação da sociedade. Desde a década de 1910, vários pensadores passaram a se dedicar a uma busca pela chamada realidade brasileira, desvencilhada dos ufanismos, idealizações românticas e de posições cientificistas que ocultavam uma postura de inferioridade, frente o mundo desenvolvido. Tentava desvendar um Brasil escondido em um projeto constitucional liberal, que teimava em emergir numa nova dinâmica que demandava adequar-se às instituições e leis vigentes. Pedro Ernesto inseria-se no modelo do novo homem, tão desejado pela sociedade. Como médico de formação, colocava-se entre os chamados homens de ciência, capazes de conhecer a realidade, isenta de paixões. O discurso sanitarista e eugenista, que vinha do século XIX e deixava raízes no século XX, marcou sua práxis. A aceitação de sua imagem estava vinculada à sua formação, identificada como aquele que diagnostica a realidade, como o próprio corpo humano. As novas ideias que surgem na década de 1920 repousavam no conhecimento, na formação cultural e científica, e estes homens mais iluminados estariam aptos a conhecer a realidade e atuar sobre ela. Oscilava entre a concepção de que o bom administrador deveria ser engenheiro ou militar e agora médico, para melhor entender os percalços da sociedade. Durante as grandes obras públicas, os engenheiros eram uma categoria profissional escolhida para o Executivo municipal, pois teria maior sensibilidade para planificar a cidade. Agora, para sanear a cidade, os médicos eram mais indicados para o momento da cidade. História da Região 128 Foram atribuições bem desempenhadas por Pereira Passos e Paulo de Frontin, que deram “respostas precisas às questões urbanas, construindo uma metrópole de contornos europeus, pavimentando ruas e abastecendo casas de água” (SARMENTO, 2001, p. 130). Mas novas questões passam a demandar soluções. A crise econômica dos anos 1920, associada à questão sócia, teimava exigir novas estratégias, como vimos. O crescimento da população, os conflitos entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, as novas perspectivas políticas adotadas, os libelos do mundo do trabalho avolumavam-se progressivamente. As demandas pelo equilíbrio, pautadas na visão positivista-orgânica, passaram a exigir maior cuidado com o corpo social, no caminho de atender aos mais pobres e desvalidos da cidade. O projeto renovador de Pedro Ernesto vai se identificar com estas referências. A concentração da riqueza, de um lado, e da pobreza, de outro passam a exigir a atuação do Estado. De início, algumas medidas assistencialistas atenderam às necessidades mais imediatas das populações mais pobres. Entretanto, o diagnóstico do aumento da pobreza passa a exigir reformas mais profundas. Caberia, portanto, ao Estado esta tarefa de minimizar as dificuldades das forças sociais. Argumenta-se, então, que seria responsabilidade do Estado “promover e manter o bem estar da população e dar proteção às camadas mais pobres, buscando a elevação física, moral e cultural deste segmento” (SARMENTO, 2001, p. 131). Mas havia outras inquietações que se expressavam como reflexo da estrutura da sociedade, considerando as relações de produção. A agricultura arcaica era vista como um dos fatores desencadeadores das grandes contradições sociais. Pensava-se, então, que o Brasil precisava entrar definitivamente na ordem industrial, pois este processo resultaria em benefícios para toda a sociedade, estimulando um mercado de trabalho livre. O Estado ficaria com a atribuição de preparar as camadas populares para seu ingresso nas novas relações de produção. Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 129 Segundo urbanistas (Giulio Carlo Argan), a melhor definição para o urbano não estava associada diretamente ao seu caráter espacial, construído e objetivado, mas a um sistema de serviços cuja potencialidade seria ilimitada (ARGAN, 1992, p. 215; SARMENTO, 2001, p. 147). Este novo homem buscaria sua inserção nas sociedades urbanas industrializadas, que garantiriam a sua sobrevivência. Sua vida urbana estaria assentada neste cenário básico, de garantia de serviços sanitários, iluminação, abastecimento de água e esgoto. O homem novo estaria apto a se agregar à nova ordem econômica e social, com o status de cidadão pleno. Assim estaria preparado para estabelecer novas relações políticas e o Estado regularia o controle e o ordenamento deste conjunto, na esfera urbana. Pedro Ernesto chegou ao Executivo municipal, em 1931. Sua esfera de atuação como prefeito incidiu sobre a política educacional e de saúde, como alavancas para o impulso do desenvolvimento social da população do Rio de Janeiro. Nova práxis política instituiu-se, criando canais de comunicabilidade entre o Estado e a população. As forças do trabalho eram prioridade. Sua inserção era a meta. Sua postura enquanto administrador priorizava inserir a sociedade carioca, nos quadros da modernidade. Dois eixos principais orientavam-no: o recurso ao mérito proveniente do conhecimento e o papel do Estado como fomentador da elevação das massas, retirando-as da miséria e da inferioridade social. Esta fala de Pedro Ernesto elucida bem seu pensamento: Uma política nova, de amplas diretrizes reconstrutoras, bem merecia ter como cenário o Distrito Federal, cuja população inteligente e culta constitui, no Brasil, a mais segura garantia do eixo dos propósitos renovadores que nos animam (SARMENTO, 2001, p. 136). História da Região 130 Para Pedro Ernesto, não bastava que se construíssem novos hospitais e postos de saúde, mas que se alterasse o funcionamento da rede pública de saúde, substituindo os conhecidos prontos socorros por hospitais policlínicos, atendendo à população, nos tratamentos e acompanhamentos ambulatoriais. Quanto à educação pública, ficaria a atribuição de formação dos novos cidadãos, aptos à nova sociedade. Cercou-se de grupos de intelectuais, identificados com seus propósitos. A figura emblemática do movimento de renovação educacional do Rio de Janeiro foi Anísio Teixeira, pertencente ao grupo de pioneiros da escola nova, que já em fins da década de 1920 haviam lançado a ideia de revolucionar o ensino no Brasil. Um componente do grupo,Fernando Azevedo, havia participado da administração Prado Jr., assumindo o cargo na Diretoria-Geral da Instrução Pública. Na sua gestão, surge a Escola Normal, na Tijuca. Coube a Anísio aprofundar as reformas iniciadas por Azevedo e montar no Distrito Federal um laboratório de práticas educacionais. Anísio deu carta branca e apoio a Fernando Azevedo. Para Anísio, a educação deveria atuar no meio social como promotora do processo de mudanças na sociedade, conservando valores fundamentais norteadores da vida social. Via a educação como fator de transformação e mudança e, portanto, responsável pela promoção do progresso. Pensava formas de viabilizar este processo de avanço no plano econômico, articulado com a modernização das estruturas sociais. Esta articulação reflete seu projeto de formar o trabalhador para a nova ordem econômica. Para Anísio: A democracia é definida como o regime realizador da justiça social e que se apoia fundamentalmente em critérios determinados pelo saber. Esta é atingida pela via da educação que seleciona os indivíduos não por critérios socioeconômicos, mas a partir de critérios de merecimento, reconhecidos como válidos e legítimos (...) (GUIMARÃES, 1982, p. 42; SARMENTO, 2001, p. 141). Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 131 Para Anísio Teixeira, a escola deveria estar voltada para uma visão formativa, fazendo críticas à escola informativa. Propõe uma escola com fortes laços de responsabilidade com o corpo social, pois capacitaria o cidadão para a vida produtiva, dentro da sociedade democrática. A pedagogia escola novista negava os princípios de transmissão autoritária e repetitiva do conhecimento, buscando ideias criativas e flexíveis, presentes nas vertentes educacionais da época. Era um projeto que presumia uma tendência autonomista e individualista, considerando a educação um bem individual, oferecido em igualdade de condições para o novo cidadão. Para tanto, pensava-se a educação como um bem, trabalhado de forma descentralizada, cabendo ao poder central assistir às iniciativas regionais, autônomas. O respeito pelas liberdades individuais capacitaria o cidadão a atuar livremente no sistema político vigente. Atende ao Objetivo 3 4. Leia o texto a seguir: (...) A municipalização do ensino primário não é uma reforma nem administrativa nem pedagógica, embora também seja tudo isto: é principalmente, uma reforma política e o reconhecimento definitivo da maioridade de nossas comunidades municipais. “E o princípio que reivindica é, acima de tudo, o princípio da autonomia municipal (SARMENTO, 2001, p. 142). Comente o parágrafo, identificando o papel pedagógico na municipalização do ensino. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ História da Região 132 ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Para Anísio Teixeira, a municipalização estava intrinsecamente vinculada à autonomia regional. A partir da qual, a educação do homem novo, voltado para sua participação como cidadão, impunha uma autonomia de valores e práticas ligadas ao conhecimento da realidade, sobre a qual iria interferir. Podemos pensar neste educador como precursor da renovação da educação e da história regional. Mas, para Anísio, a viabilidade deste projeto não estava subordinada à construção de instalações educacionais de Ensino Básico, mas a preparar uma geração de educadores aptos a desempenharem as novas perspectivas pedagógicas. Dentro desta visão, foi criado o Instituto de Educação, como polo responsável de formação e aperfeiçoamento dos futuros regentes da rede educacional carioca. Acreditava Anísio Teixeira que estava capacitando a rede pública de material humano à altura da função que lhe caberia desempenhar. Investiu na dotação de salas de aula no município, anteriormente desprovida de assistência educacional. Foram inaugurados 26 novos prédios escolares, subordinados ao Plano regulador de Construção Escolar, direcionados a bairros proletários dos subúrbios cariocas e a regiões semirrurais da Zona Oeste. Cria também, a Universidade do Distrito Federal, livre das determinações da igreja ou das arcaicas organizações de ensino, voltada para a pesquisa e produção de conhecimento. A inauguração Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 133 da UDF coroava a reforma educacional do Rio de Janeiro, que pretendia ser eficaz para a transformação da sociedade, através da educação e da saúde pública, possibilitando uma forma de perceber e lidar com os problemas sociais (SARMENTO, 2001, p. 147). No embate das concepções de formação da sociedade, há a presença de Francisco Campos que divergia da Escola Nova, apontando para o perigo de investir na educação para a democracia, uma vez que, para ele, esta democracia passava por substancial revisão no mundo. Para Francisco Campos, não era conveniente o estabelecimento de um regime político que apontasse para o crescimento e possível ascensão política das massas urbanas. O perigo se configuraria em conter o irracionalismo na cultura de massas. Caberia ao Estado construir a legitimação simbólica de seu poder sobre as massas, atuando sobre seu inconsciente e regulando a vida social. Eram perspectivas distintas, as de Anísio Teixeira e Francisco Campos, relacionadas à forma de inserção das massas na sociedade vigente. Campos era um representante da conduta da política educacional federal, centralizadora. A Igreja, antiga aliada de Campos, via a ideologia cristã como forte aliada na construção simbólica do poder autoritário. Portanto, os intelectuais católicos concordavam com Campos sobre a falência dos regimes liberais e enaltecia os valores religiosos como fundamento ideológico para a consolidação moral do país. Alceu de Amoroso Lima, líder do Centro Católico Dom Vital, afina-se com Francisco Campos e desencadeia sua ira sobre a experiência autônoma de Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro. Para ele, Pedro Ernesto, aliado de Anísio Teixeira, que defendia um ensino laico para a educação, andava flertando com os marxistas. A questão do papel político das massas urbanas era a grande discussão do momento, com o projeto político social de Pedro Ernesto. Podemos considerar que a proposta de educação popular, com a de saúde pública, compunha um esforço de assimilação da população urbana à vida política, para sua participação eleitoral, para seu História da Região 134 aprimoramento físico, moral e econômico para atender ao projeto de modernização capitalista. A difícil tarefa empreendida por Pedro Ernesto, de incorporação destes segmentos sociais se viabilizaria, criando-se elos com as massas, não somente pela rede de serviços, mas aproximando-os do jogo político partidário, aproximando-os do Partido Autonomista (SARMENTO, 2001, p. 151). Com as eleições de 1943, fica consagrada a eficáciada arregimentação das massas e da reorganização política do Distrito Federal. A bancada carioca na Câmara dos Deputados seria composta por seis deputados do Partido Autonomista: em comparação com a frente única de oposição, que elegeria quatro representantes, a consagração foi enorme. Os resultados obtidos na esfera municipal seriam mais evidentes. De vinte e quatro cadeiras a serem ocupadas na legislatura da Câmara Municipal do Distrito Federal, nada menos do que vinte vereadores seriam eleitos entre os autonomistas. Mas a aparente coesão das forças políticas cariocas já revelava indícios de um progressivo desgaste das relações estabelecidas, como projeto de Pedro Ernesto e do Partido Autonomista. Por questões programáticas internas e pelo agravamento das disputas clientelistas, acabam conduzindo ao esfacelamento do pacto de coesão, gerando o desequilíbrio (SARMENTO, 2001, p. 168). A imagem pública de Pedro Ernesto, calcada no atendimento das camadas populares, voltada para o atendimento à saúde, à educação, deveria favorecer a criação de laços para uma interlocução com o Estado. Nesta trajetória, os laços de identificação vão ser redimensionados, apontando para a construção de um projeto político, norteado por um Partido e sustentando uma nova condição às massas. Agora, poderiam ser arregimentadas em um programa partidário. A resposta popular veio de imediato e consagrou estes estímulos, nas eleições para a Câmara Municipal. Mas, outras forças pretendiam conter um movimento de participação das massas, atemorizando a sociedade com o perigo de convulsões sociais. A tentativa de consolidação de uma liderança com perfil popular, Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 135 identificado com as demandas das massas, acaba sendo obstruída por interferência do governo Vargas. Após o encarceramento de Pedro Ernesto no vácuo de lideranças locais capazes de substituí-lo, gradativamente Vargas passa a ocupar seu lugar, apropriando-se do legado deixado pelo ex-prefeito. O encarceramento de Pedro Ernesto vai ser sentido com consternação pelas camadas populares. Muitas manifestações passaram a ocorrer frente ao busto do prefeito afastado. Mulheres, crianças, lideranças populares e alguns setores, identificados como comunistas, faziam suas oposições ao novo prefeito Olímpio de Melo, que por sua vez tentava denegrir a imagem de Pedro Ernesto. Pouco restou da imagem pública daquele que conseguiu mobilizar, atrair e organizar as massas. Em seu lugar, construiu- se a imagem vitoriosa de Vargas, aquele que consolidou as leis trabalhistas, grande líder carismático, conhecido como o pai dos pobres. Hoje, na praça Afonso Pena, situa-se um estranho monumento. Quase despercebidos, podemos identificar dois cães em posição de repouso. Observando a placa do monumento, podemos ler: Fidelidade Concepção de Benevenuto Berna. Inspiração do Dr. Pedro Ernesto. Erigida por iniciativa do vereador Frederico Trota Inaugurada na gestão do prefeito Negrão de Lima (20/1/1957) (SARMENTO, 2001, p. 256) CONCLUSÃO Fazendo uma retrospectiva desta aula, podemos concluir que a cidade do Rio de Janeiro, nas décadas entre 1920-40, redimensionou seu papel no cenário brasileiro. De uma cidade, baluarte da belle époque, sofrendo o esgarçamento de suas vielas, ventilando suas História da Região 136 avenidas, higienizando seus cortiços, ampliando suas fronteiras, de um lado, para a zona sul, de outro, para os subúrbios e zona oeste, vai conviver com a rebeldia dos indesejáveis. A massa urbana vai protagonizar, em sua rebeldia, as formas de reação à exclusão e ao controle, em nome da ordem das elites. Cidade fabril, cidade febril, vai acolher as demandas legítimas das populações pobres da cidade, conflitadas pelo desemprego, trabalho insalubre, falta de moradia. Com a chegada de Pedro Ernesto, liderança capaz de polarizar as demandas mais candentes das massas, estas puderam encontrar canais de expressão e atendimento às suas demandas. Prontamente, reagiram à liderança de Pedro Ernesto, que será o interlocutor entre as massas e o estado. Mas não por muito tempo. As oposições se encarregarão de esvaziar seu carisma e a ocupação do lugar de interlocutor ficará com Getúlio Vargas, o pai dos pobres. RESUMO Esta aula demonstrou como a cidade do Rio de Janeiro viabilizou as novas perspectivas de modernidade e progresso, reordenando as exigências do mundo do trabalho. A cidade expandiu-se e incorporou novas áreas urbanas. Os governos estimularam a construção de instalações urbanas diversificadas para atender à penetração do capital na esfera da economia. A sociedade passou a exigir maior participação e atendimento nas áreas de educação e saúde. Destacamos a ação de Pedro Ernesto e seu compromisso com a inserção popular no cenário político. Informação para a próxima aula Nossa próxima aula abordará e experiência da construção do Estado da Guanabara. Os dilemas da transição do Distrito Federal, cidade capital, para Estado da Guanabara, na década de Aula 12 – Modernização econômica e movimentos sociais no Rio de Janeiro, na Primeira República 137 1960. Trataremos da construção do novo estatuto de um estado, que não se pretendia ser um estado qualquer, dado a sua trajetória no cenário nacional. Embora perdendo espaço em nível nacional, possuía uma densidade econômica e política expressiva. Voltada para o setor terciário, a expressão da presença do governo na economia carioca possuía esta herança de capital. As formas da transição serão abordadas para o entendimento do papel do Estado da Guanabara na região.
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