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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL LICENCIATURA EM LETRAS – PORTUGUÊS E INGLÊS CLAUSON SANTOS GODOY FERREIRA RESENHA O TEMPO NA NARRATIVA – BENEDITO NUNES Campo Grande, MS 2017 Clauson Santos Godoy Ferreira resenha o tempo na narrativa – benedito nunes Resenha apresentada para a disciplina de Estudos Literários, no curso de Licenciatura em Letras – Português e Inglês, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Prof. Rony Campo Grande, MS 2017 RESENHA NUNES, Benedito. O Tempo na Narrativa. São Paulo: Editora Ática S.A., 1995. O autor inicia o primeiro capítulo identificando o tempo como elemento na narrativa, assim como elemento na música. Levanta a questão se o tempo poderia ser narrado em si próprio, mas reponde a questão que o tempo na verdade, vem preencher a narrativa, assim como acontece na música. Nesse caso, contextualizando a narrativa não somente literária, mas às várias espécies de relatos orais e escritas, assim como visuais. Porém, é mais fácil compreender as ligações do tempo com a música, devido as medidas temporais (ritmo, compasso, andamento e velocidade). Logo depois, o autor elucida a respeito da diferença do tempo na poética de Aristóteles, entre a epopeia e a tragédia, que enquanto a tragédia geralmente limita-se ao tempo de um dia, a epopeia tem duração ilimitada, sendo que um dia segundo Aristóteles, seria o de uma única Revolução Solar, que o classicismo tomou por base de um dos princípios componentes da regra das três unidades (de tempo, lugar e ação). A noção de tempo pode ser classificada em dois níveis distintos: o nível da história, relativo aos fatos acontecerem em uma certa ordem, e o enredo que ajusta estes fatos sistematicamente. Cabe ressaltar a diferença que o tempo exerce em gêneros como o épico e o dramático, por exemplo que, o mesmo vem normalmente associado à fluidez da corrente da ação, sendo portanto, inseparável dos acontecimentos que o preenchem. Já na lírica, apesar da “presença intemporal”, o poema não é totalmente neutro. Ele sofre influência da cadência, e na tonalidade afetiva, geralmente repassada pelo sentimento de oposição e transitório e o permanente, por exemplo. Quanto a percepção que temos das artes em geral, o temporal e o espacial formam domínios mutuamente permeáveis, que não se excluem. Como exemplo disso, podemos visualizar um quadro, ou uma estátua, nos movimentando em torno deles, ou seja, algo estático, mas com atos sucessivos de percepção. Já nas artes temporais como a música, localizamos a altura dos sons, timbres, e distribuição do ritmo. Podemos dizer então que: quando o espaço é dominante, a temporalidade é virtual, e o quando o tempo é dominante, a espacialidade é virtual. Analisando a poesia dramática e épica, Lessing desenvolveu junto com Lacoonte uma teoria semiológica, atribuindo aos meios próprios dessas artes o caráter de signos. Porém, diferente de Saussere, Lessing, vai além, elucidando os sons articulados como componentes do discurso, das unidades de significação superiores à frase, que podem figurar ações; sendo que a ação representaria movimento, ou seja, uma série de ações progressivas cujas diversas partes se sucedem uma em seguida a outra no tempo. Isto cria uma ilusão de continuidade. A partir de frases práticas, que podem ser narrativas mínimas, enquadradas em motivos ou constantes, o texto narrativo constrói um encadeamento de ordem temporal, conforme a sucessão dos fatos que o discurso evoca. Porém, a sucessão de fatos, por si só, corresponde somente a dimensão episódica da narrativa. A história, para formação do enredo, precisa de acontecimentos, que desses acontecimentos extrai a unidade de uma totalidade temporal, operando-se pelo discurso através da voz narrativa. Na tentativa de conceituar o tempo, o autor explica o quanto é complicado conceituar esse conceito abstrato que todos temos em mente, mas dificilmente o externamos. Analisando o relógio, desde os primeiros relógios da Idade Média, podemos conceituar o intervalo, ou seja, um período entre um andamento e outro, que pode ser medido também observando o passar do dia. Com o conceito de intervalo podemos extrair definições como duração, sucessão, medida, datação, repetição, além da cronologia. Logo após, o autor diferencia o conceito de tempo físico, ou seja, mensurações precisas, medido mediante grandezas, baseado em causa e efeito (princípio da causalidade); e o tempo psicológico, que corresponde a momentos imprecisos, que se aproximam ou tendem a fundir-se, o passado indistinto do presente, abrangendo ao sabor de sentimentos e lembranças. Devemos também classificar o tempo em cronológico, que corresponde aos acontecimentos que englobam a nossa vida, baseado em movimentos naturais recorrentes, formando uma sequência sem lacuna, percorrida tanto para frente, na direção do futuro, quanto para trás na direção do passado. Já o tempo histórico representa a duração nas formas históricas de vida, divididos em espaços de tempo que podem ser intervalos curtos como: guerras, revoluções, e intervalos longos como: a formação das cidades gregas, desenvolvimento do feudalismo e etc. O autor elucida também o tempo linguístico, que se refere ao exercício da palavra, ordenando-se em função do discurso. Uma das premissas do tempo linguístico é que a enunciação é o ponto de emergência do presente (presente linguístico), ou seja, o passado, ou futuro do discurso dependerão desse ponto implícito presente, independente de qual a classificação do narrador. Por fim, como pudemos observar, existe uma pluralidade de conceitos sobre o tempo, mas todos eles dão ideia de continuidade, e sucessão de acontecimentos. Na narrativa, primeiramente devemos observar que o tempo é apresentado de maneira a preencher a história, a não a fase temporal em si mesma, surgindo algumas lacunas, como períodos vazios, que são reestabelecidos após uma interrupção. A narrativa é composta por três planos: o da história, do ponto de vista do conteúdo, o do discurso, referente a forma de expressão, e a da narração, do aspecto do ato de narrar. Entretanto, podemos distinguir duas principais diferenças no plano da história, e do discurso. Enquanto que o tempo da história é pluridimensional, ou seja, muitos eventos podem se desenrolar ao mesmo tempo; no discurso, ocorre uma ordenação das sequencias narrativas, colocando os eventos em seguida um ao outro. Logo após, o autor, elucida sobre um conto de Machado de Assis, e comenta sobre a “voz”, ou seja, uma locução temporal do ato de narrar, não como uma terceira temporalidade, mas como uma ancoragem no presente da narração. E comenta também sobre o “andamento”, que marca a intersecção analógica do texto narrativo. Temos então os casos de variação ou incidência referente a ordem no tempo. O que chamamos de anacronia. A anacronia pode ser dividida em analepse (retrospecção), quando quando há recuo pela evocação de momentos anteriores, e prolepse, quando há avanço, denominados assim por Genette. Temos também os casos de anisocronia, que seria o conceito de que o tempo da narrativa tem duração diferente do tempo da história. Ela pode se dar tanto alongando na narrativa uma história de duração curta, quanto o inverso. Pode ser composta por sumário, alongamento, cena, pausa ou elipse. No caso do sumário, comum no romance tradicional, se abrevia os acontecimentos num tempo menor do que o de sua suposta duração na história. No caso do alongamento, o discurso dura mais do que a história. Entre o sumário e o alongamento, intercala-se a figura da cena, não necessariamente dialogada, ou seja, o discurso corresponde aproximadamente, ao tempo dos acontecimentos. Na pausa, o tempo para e o discurso continua com a descrição, como um quadro estático salientando o espaço na ficção realista-naturalista. Enquanto a elipse anula o tempo do discurso e prossegue o dahistória. Devemos também considerar a frequência, que se relaciona com a capacidade do discurso de reproduzir os acontecimentos recorrentes, ou seja, não reproduz uma ação específica, mas uma atividade serial reincidente, um hábito, um costume. Harald Weinrich, num ensaio intitulado Tempus, elucida sobre o emprego da forma gramatical conforme as divisões do tempo. No caso, o pretérito perfeito, o imperfeito, e o mais-que-perfeito, indicam uma situação de locução narrativa. Enquanto o presente, o passado composto e o futuro configuram uma situação de locução discursiva, de comentário. Logo depois, Benedito Nunes aborda sobre a diferença entre a narrativa histórica, que corresponde a História como ciência factual, com enunciados explicativos acerca de eventos singulares, ou seja, os fatos históricos, composto por documentos e outros elementos que comprovam a reconstrução do passado, chamados “traços”; da narrativa ficcional que corresponde conforme a terminologia de Aristóteles à coisa contada, se submetendo a um regime que se desprende da realidade. Porém, ele afirma que a realidade ficcional pode se utilizar da realidade histórica, de modo que as duas se unifiquem na narrativa, ora se aproximando, ora se distanciando da realidade. Portanto, o emprego do pretérito imperfeito como um recuo estético, causa um efeito no leitor atualizando o passado épico como um “quase passado”, dependendo das relações entre o seu destinatário e o seu leitor. Existe o caso quando a história não se situa em uma época definida, e as diferenças de tempo são mais atmosféricas, como variações entre dia e noite ou luz e sombra. Nesse caso, se retira do pretérito épico a função indicativa da anterioridade e as vivencias da personagem integram um tempo parcelado, cujos momentos caem na rede do presente, o que chamamos de acronia. No início do quinto capítulo, o autor busca caracterizar o tempo no gênero do romance. Para isso, diferencia o mesmo do conto, que é instantâneo de uma situação, e da novela que abrange situações diversas, encadeadas cronologicamente ou por uma casualidade que pode ser rigorosa. O romance teve sua fase embrionária na Antiguidade, mas seu desenvolvimento na ascensão da burguesia, que absorvendo a expressão da cultura livresca (em função da riqueza e multiplicidade de interesses, dos caracteres e das relações da vida), que o polarizaram, o contorno temporal e histórico da ação humana. Geralmente, a narrativa literária só pode representar acontecimentos simultâneos na ordem sucessiva. Diferente da atual imagem cinematográfica. Nos romances do século XIX, para solucionar o problema da continuidade, utilizava-se da técnica de entrelaçamento por alternância do discurso, com efeito suspensivo. No romance moderno, utiliza-se de junção de episódios cronologicamente demarcados, e que diferem segundo o modo de reapresentação, o relato de acontecimentos ao longo de várias gerações, num tempo histórico dilatado. Flaubert é precursora de um procedimento dos nossos dias, a montagem de diálogos, que consiste em intercalar partes de um diálogo a partes de outro entre os mesmos personagens. Laurence Sterne e Machado de Assis concordam que o tempo do ato de escrever é tão fugidio quanto o tempo cronológico que se desloca de um ponto a outro, citando por exemplo a técnica de salto temporal, geradora de anacronias. Machado ousa ainda fintar a fugacidade do tempo como o fez em Memórias Póstumas de Bras Cubas, contando a história a partir do fim. Conforme o ciclo de mudança que o romance sofreu no século XX, depois do realismo naturalista, legitimou-se a ficção pela verossimilhança das situações, fundada no conhecimento de leis naturais, aliviando e em alguns casos liberando o enredo da obediência ao princípio da causalidade estrita, indissociável do tempo físico. Nessa nova visão temos por exemplo o fluxo de consciência, descendo através da memória do narrador, ou adentrando-se na intimidade dos personagens, narrando as mínimas alterações de pensamento. O autor inicia o sexto capítulo abordando a fenomenologia de Husseri e Heidegger. Para esses teóricos, o presente, o passado e o futuro se encadeiam segundo distâncias variáveis, se articulando um ao outro na mente do ser humano, formando um continuum, como dimensão imanente a consciência. Usando o exemplo de Marcel, em Em Busca do Tempo Perdido, o autor elucida a busca proustiana do tempo, que aborda as sensações que reuniriam o presente e o passado num só instante, como que em busca de um tempo perdido, apropria-se livremente da duração interior, com um tempo reencontrado, como um sentido de existência. Elucida também o presente intemporal, onde as vivências recônditas de vários personagens, que escapam do conflito entre o tempo cronológico e o tempo vivido pela fresta do presente imóvel, intemporal. Logo depois cita a abordagem que o tempo toma no conceito de mito, que em um enquadramento alegórico como acontece em Ulisses, coloca a existência humana, situada historicamente no horizonte de um passado inesgotável, como pode afetar toda a noção de tempo em outras obras também. Finalizando o capítulo seis, podemos perceber que o tempo pode sofrer muitas variações na narrativa, mas só através da leitura, acontece a incorporação do tempo no texto à temporalidade própria do leitor. Por fim, analisando o tempo ficcional, podemos dizer que o mesmo reconfigura o tempo cronológico, que é a representação dominante do tempo real. Porém na ficção narrativa existe dupla temporalidade: o tempo real do discurso, e o imaginário da história. Assim, abre-se os caminhos para que o leitor possa ler de maneira interpretativa, temática, do texto como um todo, ou de maneira explicativa, deduzida de um modelo analítico construído na sistematização lógica das funções da linguagem narrativa. Palavras-chave: Resenha, Benedito, Nunes, Tempo, Narrativa.