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1. Gerativismo: contexto e fundamentos Meados dos anos 50: virada científica comandada por Chomsky que atingiria o estruturalismo americano, atacando seus princípios mais fundamentais. Reação ao estruturalismo americano, em que a concepção de língua era extremamente mecanicista e cujo aprendizado era tido em termos behavioristas/comportamentalistas. Behaviorismo Paradigma dominante na pesquisa em psicologia nos anos 40 e 50 nos EUA (a psicologia é considerada como uma ciência do comportamento – estuda somente aquilo que é observável, estuda o comportamento por si mesmo) Principal precursor: B. F. Skinner (seu livro Comportamento Verbal, de 1957, pretendia ser uma síntese dos resultados behavioristas no domínio da linguagem) essa teoria de aprendizagem poderia funcionar para qualquer tipo de comportamento a criança aprenderia o vocabulário dessa forma situação em que a criança vê a mamadeira (estímulo) e diz “papá” Caso lhe dêem a mamadeira reforço positivo Caso contrário reforço negativo aprendizado da linguagem = associar os sons certos aos objetos certos no mundo (estímulos) com a intervenção de “professores” punindo ou premiando as resposta. a tarefa do cientista (no caso, o linguista) consistia em identificar o estímulo que provocaria as respostas corretas ◦ o mecanismo de aprendizagem era o mesmo para todos os tipos de aprendizado. Em 1959, Chomsky apresenta uma resenha do livro de Skinner criticando o ponto de vista comportamentalista dos behavioristas (ele lança, assim, adotando uma posição mentalista/inatista, as ideias que devem ser consideradas para que se possa dar conta dos aspectos centrais da linguagem) o estudo da linguagem do ponto de vista behaviorista não revela nada sobre a mente, porque se concentra no meio-ambiente; nada é dito sobre a estrutura inata que asseguradamente está presente para dar conta de qualquer comportamento a aprendizagem é mais complexa e sutil do que mera questão de reforço positivo ou negativo; a maturação do organismo e a falta ou ineficiência do “ensino explícito” devem ser consideradas o aspecto criativo do uso da linguagem deve ser levando em consideração – no behaviorismo não há espaço para eventos criativos (para os behavioristas, seria possível prever e controlar o que uma pessoa diria face a um estímulo) uma teoria da aprendizagem baseada em um mecanismo geral de inteligência não pode dar conta de separar, no estímulo, aquilo que é relevante daquilo que não é. o comportamento verbal (a resposta) é altamente estruturado, de uma maneira que não está refletida no estímulo. para Chomsky, o desenvolvimento de nossas faculdades cognitivas não pode ser explicado em termos de aprendizagem: essas faculdades se desenvolvem como qualquer outro órgão do corpo. o meio-ambiente é necessário (o corpo não se desenvolve sem alimento), mas é esse órgão interno o responsável pelas características do nosso comportamento. Os falantes de uma língua são criativos no uso que fazem dela, não podendo se restringir a uma simples imitação do que já ouviram. Concepção do conhecimento linguístico armazenado na mente do falante, mudando o foco das pesquisas linguísticas: da manifestação externa para algo interno ao falante. Interesse no conhecimento individual a respeito da língua; na relação entre língua e mente. Pressupõe-se o falante ideal numa comunidade ideal, com o objetivo de abstrair considerações sociais. Ponto de vista teórico: a linguística chomskyana (em oposição à linguística descritiva americana) propõe um novo objeto de estudo: a competência linguística, entendida como uma capacidade ou disposição dos falantes, ou seja, um objeto mental. Motivação: argumento de pobreza de estímulo – o tanto de linguagem a que uma criança é exposta até dominar completamente sua língua materna (cerca de 3 anos de idade) não é suficiente para explicar a rapidez e a perfeição com que a aquisição da linguagem se processa. Para explicar a aquisição, o gerativismo postula que a criança traz, como parte de seu equipamento biológico, uma gramática universal que poderá assumir formas diferentes conforme a língua a que a criança é exposta. Foram declaradas obsoletas as explicações behavioristas (estímulo-resposta) acerca da aquisição da linguagem. Nova metodologia de investigação. Fato: a capacidade de os falantes serem capazes de distinguir entre sentenças bem e mal formadas. Para dar conta dessa capacidade, Chomsky recorre a instrumentos de cálculo (lógico-matemáticos), o que levou a entender as gramáticas como sistemas formais especialmente construídos para gerar todas e apenas as sentenças bem formadas de uma língua. Gerativo é um termo matemático. Nesse contexto, perde-se a ideia (estruturalista) de que a gramática tem a função de „compactar‟ os dados de um corpus. 2. Gerativismo: questionamentos e conceitos Fato: só os seres humanos falam. Outros seres possuem sistemas sofisticados de comunicação, mas não se trata de linguagem verbal humana (ou „ a linguagem‟ propriamente dita). Somente os seres humanos são capazes de combinar itens de um conjunto (finito) de elementos segundo certo princípios básicos (em número também finito), de modo a gerar (potencialmente) um número infinito de sentenças novas. “aspecto criativo da linguagem” Todos e apenas os seres humanos falam uma língua natural; as línguas naturais têm uma relação estreita com o que é definidor da natureza humana (a racionalidade humana). Com o gerativismo, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma faculade mental natural. Ao observar os fatos das línguas naturais, um gerativista faz-se perguntas como: O que em comum entre todas as línguas humanas e de que maneira elas diferem entre si? Em que consiste o conhecimento que um indivíduo possui quando é capaz de falar e compreender uma língua? Como o indivíduo adquire esse conhecimento? De que maneira esse conhecimento é posto em uso pelo indivíduo? Quais são as sustentações físicas presentes no cérebro/mente que esse conhecimento recebe? Quando falamos, fazemos uso de regras (mesmo que essas regras não sejam as mesmas da GT). Os falantes sabem essas regras, mesmo sem ensino formal. Os falantes dispõem, portanto, de uma gramática internalizada. Gramática internalizada: conjunto de regras. Vejamos esse conceito mais de perto e onde ele enquadra nos questionamentos propostos pelo gerativismo. 1) NATUREZA DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO quais são as características do nosso sistema de conhecimento linguístico? (O que existe na mente do falante que lhe permite falar/compreender expressões de determinada língua?) construção de modelo que represente o sistema de conhecimentos particular do falante ◦ “dicionário mental” das formas da língua + sistema de princípios e regras que combinam essas formas ◦ nem todas as gramáticas que descrevem adequadamente os dados de uma língua particular são psicologicamente possíveis ◦ a gramática deve ser descritiva e explicativa 2) ORIGEM DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO como esse sistema de conhecimentos é adquirido? como esse conhecimento se desenvolve na mente do falante? 3) USO LINGUÍSTICO como esse conhecimento é utilizado pelo falante em situações discursivas concretas? Competência (Língua-I): conhecimento mental “puro” de uma língua por parte do falante – sua gramática interiorizada, que permite a fluência em sua língua nativa ◦ o conhecimento (sistema de regras)que permite ao falante ideal produzir e interpretar um número infinito de frases da sua língua que ele nunca produziu nem interpretou antes Desempenho ou Performance (Língua-E) ◦ uso concreto da linguagem em situações de fala concretas ◦ a performance é um reflexo imperfeito da competência limitação da memória distrações, mudança de interesse 4) BASE FÍSICA DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO como esse sistema é implementado no cérebro? enquanto sistema mental, a língua tem necessariamente um suporte material no cérebro humano quais são os mecanismos neuronais que suportam o conhecimento gramatical? 3. Gramática gramática: objeto real na mente do falante de uma determinada língua ou modelo científico desse objeto, construído pelo linguista. gramaticalidade x agramaticalidade Dado gramatical: pertence à (gramática da) língua. Dado agramatical: não pertence à (gramática da) língua. Julgamento de (a)gramaticalidade é feito de acordo com a intuição do falante nativo da língua: ele sabe se o dado pertence ou não à sua língua, independentemente de escolarização. Competência: conhecimento que o falante têm acerca da língua. Performance (ou desempenho): resultado do uso da competência, ou seja, quando o falante põe em uso a competência para produzir as sentenças que fala. Objetivo da teoria: descrever e explicar a competência linguística do falante, explicitando os mecanismos gramaticais que subjazem a ela. O linguista precisa observar a performance (as sentenças produzidas de acordo com a competência), mas não se atém às sentenças observadas, somente. A teoria precisa dar conta também: -- das sentenças ainda não produzidas, ou seja, todas as sentenças possíveis, potenciais, da língua. -- das sequências de palavras (não-sentenças), ou seja, as sequências que nunca ocorrerão na língua. Evidência negativa. Lembrete: a performance não fornece evidência negativa: os falantes não costumam produzir não- sentenças. Portanto, observar somente a performance impediria que a teoria alcançasse o nível de predição que uma teoria deve alcançar, isto é, prever as sentenças possíveis e „barrar‟ as não-sentenças. Ex.: propriedade das línguas naturais: recursividade. (p.21 (Mioto)) -- Coordenação: uma coordenação de 200 SNs é possível na língua, é portanto gramatical, e deve ser prevista pela teoria. O fato de um falante não a produzir é questão de performance. -- Na performance, entram em cena fatores não linguísticos, como limitação de memória e atenção, por exemplo. 4. A gramática como sistema de regras Estrutura sintagmática de uma sentença é organizada por meio de regras. Essas regras se referem à relação estrutural entre os constituintes (sintagmas) da sentença. Essas estruturas podem ser representadas e visualizadas por meio de esquemas arbóreos. Uma maneira/exemplo de representação para: O estudante leu o livro. [o] + [estudante] = [o estudante] = SN [o] + [livro] = [o livro] = SN [leu] + [o livro] = [leu [o livro]] = SV [o estudante] + [leu [o livro]] = [[o estudante] [leu [o livro]]] = S Obs.: o diagrama representa as regras de formação, contemplando a ordem e a hierarquia dos constituintes! OK: O estudante leu o livro. (dado gramatical) Não OK: *leu o estudante o livro. (dado agramatical) Todos os falantes do português conhecem inconscientemente essas regras e é por isso que entendem e produzem as frases das línguas – dado gramatical (e não outras sequências de palavras logicamente possíveis, mas que não pertencem à língua: dado agramatical). Conhecimento linguístico inconsciente que o falante tem: competência linguística. ≠ Comportamento linguístico do indivíduo: frases que uma pessoa pronuncia quando usa a língua/uso – desempenho linguístico/performance/atuação. O comportamento linguístico envolve habilidades que não são linguísticas: atenção, memória, emoção, nível de estresse, conhecimento de mundo etc. O objeto da teoria é a competência, e o acesso a ela é feito indiretamente por meio da performance. 5. Programa Gerativista Postulado 1: o ser humano possui em seu aparato genético alguma coisa como uma faculdade da linguagem (alocada no cérebro) (e que os distingue dos outros seres do planeta) Apesar de não sabermos muito sobre a relação entre o funcionamento físico do cérebro e as sentenças que produzimos, é plausível supor que há algo no cérebro de tal modo que a mente humana é capaz de processar um sistema complexo e sofisticado como uma língua natural. Postulado 2: a mente é modular, ou seja, a faculdade da linguagem não é parte da inteligência como um todo, mas é específica, com arquitetura especial para lidar com os elementos presentes nas línguas naturais e não em outros sistemas quaisquer. Fato: diversidade linguística: diferentes línguas no mundo (lexicais, sintáticas). Paradoxo: faculdade da linguagem (comum ao seres humanos) x diversidade linguística. Solução: modelo de Princípios e Parâmetros. 6. A gramática universal: princípios e parâmetros A faculdade da linguagem é composta por: (i) princípios: leis gerais válidas para todas as línguas naturais, e (ii) parâmetros: propriedades que uma língua pode ou não exibir e que são responsáveis pela diferença entre as línguas. Gramática Universal: estágio inicial de um falante que está adquirindo a língua. Constitui-se de princípios (gerais) e parâmetros (sem valores fixados). À medida que os parâmetros vão sendo fixados (na fase de aquisição), as gramáticas das línguas vão se constituindo. GU: conjunto das propriedades gramaticais compartilhadas por todas as línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são previsíveis segundo o leque de opções disponíveis na própria GU. A hipótese da GU representa um refinamento da noção de faculdade da linguagem sustentada pelo gerativismo desde o seu início: a faculdade da linguagem é o dispositivo inato, presente em todos os seres humanos como herança biológica, que nos fornece um algoritmo, isto é, um sistema gerativo, um conjunto de instruções passo a passo – como as inscritas num programa de computador – o qual nos torna aptos para desenvolver (ou adquirir) a gramática de uma língua. Esse algoritmo é a GU. Gramática modular: interação entre os módulos da gramática Sintaxe: elemento central da gramática Exemplo de princípio da GU (exatamente igual em todas as línguas naturais) 1. João disse que ele vai casar a. → Joãoi disse que elei vai casar b. → Joãoi disse que elej vai casar 2. Ele disse que João vai casar a. → * Elei disse que Joãoi vai casar co- referência impossível! b. → Elei disse que Joãoj vai casar Exemplo de parâmetro da GU (diferença entre as línguas) Parâmetro de sujeito nulo PB: 1.a. João disse que ele vai se casar.(“ele” → sujeito preenchido) 1.b. João disse que vai se casar.(“” →sujeito nulo) Inglês 2.a. John said that he is going to get married. (“he” → sujeito preenchido) 2.b. *John said that is going to get married. (“” → sujeito nulo) 7. Aquisição da linguagem Processo universal: toda criança adquire (pelo menos) uma língua quando pequena e qualquer criança pode adquirir qualquer língua. Não há língua mais fácil/difícil da perspectiva da aquisição: basta exposição da criança à língua. O processo se dá de forma rápida e universalmente na mesma fase de desenvolvimento da criança. O processo é natural: não há ensino formal, e as crianças nunca fracassam nesse processo. Naturalmente, e sem esforço algum, as crianças conseguem dominar um sistema rico e complexo que ascapacita compreender e produzir uma língua. Esses fatos ocorrem apesar de ...... - Os dados linguísticos a que são expostas são caóticos, desordenados, irregulares e truncados. - As estruturas às quais a criança é exposta não necessariamente contém todos os tipos de dados disponíveis na língua. -Não há correção sistemática e efetiva dos desvios cometidas pela criança em relação à gramática adulta: as crianças pequenas raramente são corrigidas quanto à forma do que falam (os adultos tendem a corrigir o conteúdo e normalmente ignoram a estrutura). O fênomeno (aquisição da língua tal como ocorre apesar „dos apesares‟) é concebido como argumento de pobreza de estímulo. Obs.: „pobreza‟ tem relação ao input (dados a que a criança é exposta) imperfeito. Não tem relação com norma, variedade ou qualidade da interação em uma perspectiva afetiva/cognitiva. O modelo postula, então, que parte do processo de aquisição é inato, dado por meio de dotação genética que capacita os seres humanos a adquirir uma língua e usá-la. Ou seja.....é porque a experiência linguística da criança no mundo é desordenada e incompleta que se postula uma capacidade genética para a linguagem no ser humano, permitindo-lhe „organizar‟ e „completar‟ as informações necessárias para aprender a falar uma língua natural. A Gramática Universal é o estágio inicial – uma previsão daquilo que é comum a todas as possíveis línguas naturais. Essas propriedades são descritas no modelo como princípios. A associação da GU com certos valores paramétricos gera um sistema gramatical particular, i.e. uma língua. Os princípios são universais, portanto não precisam ser adquiridos e já estão geneticamente codificados (embora a ciência ainda não saiba explicar como). Processo de aquisição da linguagem: formatação da Faculdade da Linguagem através da fixação dos valores dos parâmetros previstos na UG, por meio de exposição ao input (dados linguísticos). Referências: CHAGAS, P. A mudança Linguística. In: Introdução à Linguística. Fiorin, J.L. (org.). São Paulo: Contexto, 2005. ILARI, R. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A.C. (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos, volume 3. São Paulo: Cortez, 2004. KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo. (Org.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. MIOTO, FIGUEIREDO SILVA E LOPES. O estudo da gramática. Capítulo 1 do livro Novo Manual de Sintaxe, 2004.
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