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Artículo Científi co Original TRABALHO ESCRAVO: CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DOS MODOS TÍPICOS DE EXECUÇÃO José Claudio Monteiro de Brito Filho | Hendu 4(1):41-56 (2014) 42 TRABALHO ESCRAVO: CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DOS MODOS TÍPICOS DE EXECUÇÃO José Claudio Monteiro de Brito Filho Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia. jclaudiobritofi lho@gmail.com. RESUMO Artigo que procura fazer a caracteriza- ção jurídica dos modos típicos de execu- ção do trabalho em condições análogas à de escravo. O texto, a partir deste objetivo geral, está dividido, basicamen- te, em duas partes, além do item inicial, em que se contextualiza a discussão, e da conclusão: em primeiro momento são apresentados os elementos básicos para a compreensão do tipo descrito no artigo 149, do Código Penal Brasileiro, para, em seguida, ser feita a caracterização dos modos típicos de execução do traba- lho escravo, que são o trabalho forçado, a jornada exaustiva, o trabalho em con- dições degradantes, e a restrição de lo- comoção em razão de dívida contraída. Palavras-chave: Trabalho escravo. Caracterização jurídica. Modos típicos de execução. SLAVE LABOR: LEGAL CHARACTERIZATION OF THE TYPICAL EXECUTION MODES ABSTRACT Article which seeks to make the legal characterization of the typical execution modes of labor in analogous conditions to slavery. The text, from this overall pur- pose, is basically divided into two parts, in addition to the initial item, where the discussion is seen in context, and comple- tion: fi rstly, the basic elements for under- standing the type as described in Article 149 of the Brazilian Criminal Code, so then the characterization of the typical execution modes can be made which are bonded labor, exhausting workday, de- grading working conditions, mobility re- striction due to debt bondage. Key words: Slave labor. Legal Charac- terization. Typical execution modes. 1. Contextualizando a discussão Temos nos preocupado nos últimos tempos em discutir o ilícito penal, com repercus- sões na esfera trabalhista, defi nido como “trabalho em condições análogas à de escravo”, de uma forma mais abrangen- te. É que, basta uma leitura nos textos e decisões a respeito para verifi car que os penalistas tratam da questão de uma for- ma, e os juslaboralistas de outra comple- tamente diversa. É como se estivéssemos diante de dois fenômenos distintos, quando os fatos que dão origem ao enquadramento do ponto de vista penal e trabalhista são rigorosa- mente os mesmos. É certo que, na perspectiva da repressão pela via judicial os focos são distintos: na Brito Filho Hendu 4(1):41-56 (2014) | 43 esfera penal, a preocupação principal é com o autor do delito; na esfera traba- lhista, de outra banda, a preocupação é com as vítimas, reduzidas à condição análoga à de escravo. Ainda assim, tudo gira em torno dos mes- mos fatos, e não há motivos que justifi - quem, do ponto de vista do Direito, en- quadramentos diversos, salvo quando as diferentes preocupações levam a olha- res também distintos, em razão de con- cepções jurídicas diferentes, o que vem ocorrendo. Assim, é que, em textos publicados ou em vias de publicação, procuramos discutir a nova sistemática jurídica do trabalho es- cravo no Brasil, assim como a caracteriza- ção jurídica de seus principais modos de execução1. Nossa ideia é ajudar a cons- truir doutrina que reconheça o ilícito como único, caracterizando-o dessa forma, e permitindo sua repressão em diferentes esferas, a partir da mesma investigação e do mesmo enquadramento. É que, isto é certo, a repressão inicial ao trabalho em condições análogas à de es- cravo continuará a ser feita a partir das fi scalizações empreendidas pelos audi- tores fi scais do trabalho, com a presen- ça de membro do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal. São desse ato de fi scalização que deverão surgir tanto as ações trabalhistas para reparar os direitos lesados dos trabalhadores, como as ações penais para a responsa- bilização dos autores do delito. Para isso, é preciso que a caracterização jurídica dos fatos atenda às peculiarida- des das duas esferas, levando em conta que o enquadramento deverá servir, de uma só vez, para a repressão nas esferas penal e trabalhista. 1 Ver, por exemplo, no nosso Trabalho decente (2010, p. 61-81); e em texto denominado Jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho: caracteri- zação, publicado na obra coletiva Direito penal e democracia, (2010, p. 259-273). Neste texto, dando continuidade aos nos- sos esforços, procuraremos, depois de apresentarmos alguns elementos essen- ciais para a compreensão genérica do ilícito, caracterizar, no plano do Direito, agora de forma reunida, os modos típi- cos de execução do trabalho escravo e que, como veremos em classifi cação mais adiante, são: o trabalho forçado; a jor- nada exaustiva; as condições degradan- tes de trabalho; e a restrição de locomo- ção por dívida contraída. 2. Breves considerações a respeito do tipo descrito no artigo 149 do Código Penal Para isso, antes é preciso compreender a profunda mudança que ocorreu com o ar- tigo 149 do Código Penal Brasileiro (CP) por força da Lei nº 10.803, de 11 de de- zembro de 20032. O artigo 149 dispu- nha, na redação anterior, o seguinte: “Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos”. Alterado, passou a dispor da seguinte forma: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submeten- do-o a trabalhos forçados ou a jorna- da exaustiva, quer sujeitando-o a con- dições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida con- traída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1° Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fi m de retê-lo no local de trabalho; 2 O que temos procurado fazer sempre que há uma oportunidade, como agora, até porque é preciso fazer essa exposição inicial para a exata compreensão do modo de execução em estudo. | Hendu 4(1):41-56 (2014) 44 II – mantém vigilância ostensiva no lo- cal de trabalho ou se apodera de do- cumentos ou objetos pessoais do tra- balhador, com o fi m de retê-lo no local de trabalho. § 2° A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. O que era tipo penal apresentado de forma sintética passou a ser defi nido de forma analítica. Isso, para alguns, repre- sentou ampliação do tipo penal3, pela também ampliação do bem jurídico pro- tegido; mas, para outros, representou res- trição, capaz até de transformar o crime de comum para especial quanto ao sujeito passivo, como entende Bitencourt. Da mes- ma forma, para esse autor (BITENCOURT, 2009, p. 405), o que continha um modo ou forma de execução livre, agora só pode ser praticado nos termos estritos do disci- plinado rigidamente na lei, com o que for- çosamente temos de concordar. Nesse sentido, o tipo penal, que na forma sintética não indicava os modos de execu- ção, na nova versão fez isto, incluindo al- guns que fogem à visão tradicional a res- peito do trabalho em condições análogas à de escravo, exigindo da doutrina uma caracterização desses modos, o que ain- da não ocorreu, em sua totalidade, até porque também pairam dúvidas até em relação ao tipo, genericamente falando. Por esse último motivo, antes de discutir- mos a caracterização dos